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Página Inicial Navegação Nossas Histórias Renato Costa Lima Filho

Renato Costa Lima Filho

renato_costa_lima_filhoHistória temática

Identificação

Meu nome é Renato Costa Lima Filho. Nasci no Rio de Janeiro, em 14 de janeiro de 1955.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Eu fiz Filosofia na graduação e mestrado em História Contemporânea. A minha graduação terminou há dois anos [2004]. E aí consegui emendar o mestrado e acabei nesse ano [2006].

Como a minha militância política sempre foi muito intensa. Comecei a fazer Letras e larguei. Comecei a fazer História e larguei. “Letras”, larguei em função de ter um filho. A minha companheira ficou grávida e aí eu fui ter filho. Tive que trabalhar e larguei Letras. Depois, já casado, com filho e trabalhando, resolvi fazer História; aí, me meti no movimento estudantil, acabei no movimento sindical e me afastei dos estudos. Foi nesses últimos sete anos [entre 1999 a 2006] que voltei a estudar. O negócio de voltar a estudar foi uma coisa meio que para provocar, particularmente, meu filho, que havia se formado numa escola técnica e não foi fazer faculdade. Eu falei: "Vamos fazer o vestibular juntos?" Ele falou: "Vou te dar uma surra!" Acabou que eu passei e ele não passou para o que queria. Ele queria um negócio top de linha, Desenho Industrial, que oferecia poucas vagas, e eu entrei para uma coisa que não tem muita demanda, Filosofia. Aí, ele falou: "Se você não desistir, eu tento de novo." Acabei ficando e foi legal.

Depois, fui fazer o mestrado. Eu notava uma diferença entre a militância da minha época e a nova militância. A militância da minha época vinha do movimento estudantil, dos partidos de esquerda, das igrejas, sobretudo da católica, com a Teologia da Libertação. Chegávamos ao movimento sindical já com uma noção do que eram as coisas politicamente, ideologicamente. E ali fazíamos nosso aprendizado, nossa formação dentro do movimento sindical. Na década de 90, sobretudo do meio para o fim, notei que aquela geração estava sumindo. O pessoal, ou voltou para fazer carreira no banco; ou fez alguma carreira acadêmica, foi dar aulas; ou morreu; ou se candidatou a deputado, vereador, alguma coisa assim; ou, ainda, foi ser assessor de algum parlamentar. Então, aqueles dirigentes sindicais, ativistas sindicais da minha época, da década de 80, que tinham aquele perfil mais politizado, com a redemocratização etc., assumiram outros papéis.

Agora entra (para o movimento sindical) uma geração que não tem a mesma formação que a gente: é uma geração que vem em função de doença profissional, da LER [Lesão por Esforço Repetitivo], etc. Ou de uma relação com o sindicato mais esportiva, cultural, ou de lazer. Porque o sindicato organiza caminhadas, tem um botequim bancário, tem uma sede campestre. Então, o pessoal se aproxima por essas vias também. Ou por demissão, porque o sindicato entra com processo e aí o cara pode ser readmitido. Tem também muito lesionado. Aí tem a ação do jurídico, a ação do departamento de saúde, o cara acaba ficando lá no sindicato e começa a participar das coisas, acaba entrando na chapa e torna-se diretor sindical. A formação política é completamente diferente da nossa. O meu projeto de mestrado era justamente estudar o que aconteceu, quais as mudanças, as rupturas, o que tinha se preservado e o quê era continuidade da tradição sindical antes do Golpe de 64. O meu foco é nas décadas de 1980 e 90, mas vim puxando tudo [antes do golpe] porque eu queria comparar o sindicalismo.

 

 

Juventude

 

 

Eu fui do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), onde a gente tinha uma militância que era muito agitada: acordava ainda de madrugada para vender jornal (o “Hora do Povo”) na rua. E depois ia para o trabalho. E eu estudava e trabalhava. Também tive um filho muito novo: eu tinha 22 anos. Então, a minha situação era meio diferente da dos outros [militantes] que não tinham família, não trabalhavam, só estudavam. Então, na hora do almoço, corria, fazia alguma coisa sindical também ou de panfletagem, de venda de jornal e voltava para trabalhar. Saía do trabalho e me emburacava no movimento estudantil, por exemplo.

Depois, ainda tinha a reunião clandestina à noite. Eu ia dormir tarde e acordava cedo para, no dia seguinte, fazer panfletagem em porta de fábrica. E, nos fins de semana, todo mundo indo para a praia e a gente indo para a reunião clandestina, comendo pão com mortadela. Eram aquelas coisas maravilhosas!

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Meu primeiro trabalho, depois de uma passagem relâmpago como corretor de imóveis e escriturário num laboratório farmacêutico, foi em um banco, acho que em 1977. Meu primeiro banco foi o Mercantil de São Paulo; depois, fui para o Auxiliar de São Paulo; para o Banco Residência; Banco Maesonnave; Banco Econômico, e acabei passando num concurso e fui para o Banerj, o Banco do Estado do Rio de Janeiro. O banco foi privatizado, o Itaú comprou e teve que me carregar, meio que a contragosto.

 

Trajetória Sindical

Quando fui para o movimento sindical, eu ainda era do MR-8. Dois, três anos depois, entrei no Partido Comunista Brasileiro até ele dividir-se em Partido Popular Socialista (PPS) e Partido Comunista (PC). Não me identifiquei mais e saí. Eu vinha de uma militância numa organização que era voluntarista até a medula. Acordávamos para vender jornal, de madrugada; para fazer panfletagem no estaleiro. Ia trabalhar e na hora do almoço, sempre fazíamos uma alguma dessas coisas também. À noite, ia fazer movimento estudantil ou movimento sindical. Depois, ainda havia reunião da organização, podia ser sábado ou domingo. Eu sou de uma geração que se aproximava do movimento sindical por via de partidos de esquerda, ou então de igrejas, sobretudo a católica, ou vinha do movimento estudantil. Como eu pertencia a um grupo de esquerda, o MR-8 [Movimento Revolucionário 8 de outubro], fiz o movimento estudantil no Diretório Central dos Estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a primeira gestão depois que foi fechado, durante a Ditadura.

No movimento estudantil discutíamos muito, mas coisas que fazíamos não tinham muita conseqüência concreta. Uma greve de estudantes não era nada, do ponto de vista de você parar um setor econômico, das pessoas dependerem daquilo, das pessoas arriscarem o emprego para fazerem aquilo. No movimento sindical era diferente. Era tudo mais lento, mais difícil. Os problemas colocavam contradições maiores, mais radicais. No movimento estudantil, por exemplo, se aparecesse uma barata no bandejão: “greve dos estudantes!”. Já no movimento sindical, tem o cara explorando, pagando seis horas e fazendo o pessoal trabalhar 15. O trabalhador vai todo dia, trabalha 15 horas, perde o estudo, não vê a família etc. e não faz nada. A diferença é o time das coisas. É tudo muito devagar.

No movimento estudantil discutíamos muito, mas coisas que fazíamos não tinham muita conseqüência concreta. Uma greve de estudantes não era nada, do ponto de vista de você parar um setor econômico, das pessoas dependerem daquilo, das pessoas arriscarem o emprego para fazerem aquilo. No movimento sindical era diferente. Era tudo mais lento, mais difícil. Os problemas colocavam contradições maiores, mais radicais. No movimento estudantil, por exemplo, se aparecesse uma barata no bandejão: “greve dos estudantes!”. Já no movimento sindical, tem o cara explorando, pagando seis horas e fazendo o pessoal trabalhar 15. O trabalhador vai todo dia, trabalha 15 horas, perde o estudo, não vê a família etc. e não faz nada. A diferença é o time das coisas. É tudo muito devagar.

Até que tomei uma punição. Me botaram de castigo, contando nota de um. Eram uns malotes enormes que vinham cheios de nota de um do cara que vendia mate na praia. Aquilo vinha tudo mofado da maresia, areia. Era uma tristeza. Peguei quase uma pneumonia, uma inflamação na pleura. Vivia com alergia. Então, radicalizou tudo. E aí, me botaram de cara para a parede, num frio danado, contando dinheiro na tesouraria.

Quando o carro-forte deixava as moedas, tínhamos que guardar. Eu não gosto de jogar futebol, mas o pessoal gostava. Eu ficava vigiando e o pessoal ficava treinando fazer embaixada com os saquinhos de moeda. Montamos um time bom pra burro, ganhou dos outros no campeonato que organizamos. Até que, nesse ano, o rapaz do café chegou e disse que viu um gerente do banco, falando com o rapaz que sempre organizava os campeonatos: "Rapaz, o campeonato desse ano foi o melhor. Parabéns." E o rapaz: "Mas, esse ano quem organizou foi o cara lá da tesouraria.” O gerente: “Ele não joga futebol..." Aí descobriram, acho que foram ligando uma coisa à outra, que eu era o cara que ia ao sindicato, pegava os panfletos, levava à noite... e fui demitido do banco. Uma outra vez [trabalhando no Banco Maesonnave], na hora do almoço, o pessoal [do sindicato] estava fazendo uma agitação no meio da rua. Estava um negócio tão chocho que as pessoas não pegavam o material e aquilo me deu uma irritação. Falei: "Empresta o megafone." Subi num poste e falei mais agitativamente, só para a mexer com o pessoal. Aí o pessoal [do sindicato]: "Ah, obrigado." Mas tinha passado um gerente e, lá na agência, ele falou: "Eu vi aquele moço, aquele caixa caladão, fazendo uma zoeira." O pessoal respondeu: "Ah, não era ele não; ele estava com a gente aqui.” Mas, acabaram me pegando e fui demitido.

Em 79, quando houve uma retomada do movimento em geral [lutas em várias categorias profissionais], particularmente, nos bancários do Rio de Janeiro, teve uma eleição [sindical] muito disputada. O mesmo pleito foi refeito três vezes. Eu acompanhei meio de longe esse processo.

Quando em 1979, com a anistia, retornam vários dirigentes que estavam no exterior e, dentre eles, Prestes [Luís Carlos Prestes]... Então, tem algumas discussões feitas no exterior que começam a ecoar por aqui, como a questão do eurocomunismo. Era uma outra visão de partido, de sociedade, de socialismo e, ao mesmo tempo, ligada à tradição do socialismo soviético. O Prestes, por exemplo, achava que a frente [para derrotar a ditadura militar], não podia ser tão ampla.

Esse confronto interno dentro do partido fez com que houvesse várias rupturas. No Sindicato dos Bancários, o PCB se divide. O grupo, que saiu do PCB com o Prestes, vai para o PDT e faz uma aliança com o grupo de trotskistas que tinha uma história no movimento sindical bancário. Como falei antes, quando houve a eleição sindical em 1979, ocorreram três pleitos até que se conseguisse efetivamente tirar os interventores do sindicato. Na primeira [eleição], concorreram duas chapas: a de oposição e a dos pelegos. Já na segunda e na terceira, concorreram três chapas, pois o grupo que viria a ser conhecido como Convergência Socialista saiu da chapa da oposição e lançou uma outra chapa. O fato é que essa chapa de oposição, hegemonizada pelo PCB, teve mais de 80% dos votos, com três chapas concorrendo. Foi uma lavada!. Era apoiada pelo pessoal que ficou resistindo durante a Ditadura. Como muitos foram presos, alguns morreram, alguns foram torturados, enfim, pessoas que tinham tido alguma passagem e não podiam concorrer. Mas tinha chegado um cara que era novo no partido, que vinha de outro setor, inclusive tinha sido do MR-8, o Ivan Pinheiro, e podia concorrer. Ele encabeçou essa chapa desse grupo do PCB. E o outro grupo, primeiro liderado pelo Peninha [Arivelton Vieira Arrabal], pelo Tiago e, depois, pelo Cyro Garcia, que está lá até hoje como dirigente do PSTU. Depois, em 1982, entrei na chapa que disputou a direção do sindicato, como suplente, não como diretoria efetiva. Então, não tinha uma atuação de dirigente liberado. Trabalhava de manhã, saía do banco e ia para o sindicato. Pegava panfletos e ia distribuir, conversava com os bancários. Essa era a minha atividade diária. Depois, acabou essa gestão em 85 e há o confronto [de projetos] na eleição do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Há um racha no PCB.

Aí, teve uma eleição e a minha chapa, que era situação, [encabeçada pelo Ivan Pinheiro] perdeu para a chapa de oposição [uma aliança entre ex-militantes do PCB que saíram com Prestes e a Convergência Socialista, encabeçada pelo Ronald dos Santos Barata, do primeiro grupo]. Em 88, na outra eleição, também formamos uma outra chapa e perdemos de novo para o mesmo grupo. E o Cyro Garcia veio como presidente do Sindicato. Foi uma chapa do PCB, que ganhou nos bancos privados, mas perdeu nos bancos públicos. De 1985 a 1991, eu tinha uma militância sem ser dirigente sindical. Em 91, o Barata rompe com o Cyro e vem numa outra chapa ampla. Aí, entra a chapa com pessoas de vários grupos do PT, PCB, PDT, PCdoB , além de independentes. Aí a composição começa a mudar. A Convergência Socialista, que era do Cyro Garcia, e hoje é o PSTU [Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado], perde o sindicato. E depois, nos anos 90, vai compor todo mundo junto de novo.

A gente se odiava, mas, quando entra o período das privatizações, do Fernando Henrique [Cardoso – ex-presidente da República], do neoliberalismo violento, juntou todo mundo de novo. Fizemos duas ou três gestões todo mundo junto e, no ano passado [2005], rompeu de novo. Esse ano (2006) já teve eleição também bastante disputada, com chapa diferenciada. Uma visão do movimento sindical perdeu a hegemonia e a outra ganhou. Tem mais uma coisa: as oposições começaram a deixar de ser oposições sindicais e se tornaram direções sindicais e muitas perspectivas se modificaram. Talvez porque o pessoal começou a perceber que a ruptura que propunha trazia no bojo certas coisas que já foram feitas, que a história do movimento sindical anterior era uma história com greve, com muita atividade de massa, com organização na base.

Se não me engano, já em 1990, eu havia entrado para a Federação dos Bancários [Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo], como secretário-geral, com o objetivo de montar uma chapa para disputar o sindicato [dos Bancários do Rio de Janeiro] em 1991. E montamos a chapa, ganhamos e fui eleito vice-presidente. Essa chapa tinha um presidente [Fernando Amaral, do PT] e dois vices [Antônio Leite, pelo PDT e eu, pelo PCB]. Eu era um dos dois vices. Fiquei no sindicato, que estava numa situação difícil financeiramente. Passamos por muitas situações difíceis, inclusive, de greve dos funcionários: eram dívidas com Deus e todo mundo. Conseguimos sanear o sindicato em um ano e meio, e, depois, continuei na direção formalmente. Mas me afastei e fui me dedicar à Federação. Na Federação era diferente: dos 13 sindicatos, apenas três sindicatos eram cutistas e tinha muita gente de direita nos sindicatos do interior. Havia gente que andava armada. Isso era uma das coisas que me fez, também, ir para a Federação, porque eu detesto esse negócio de ficarmos discutindo entre a gente mesmo [da esquerda], naquele diálogo de surdos, onde ninguém ouve o que o outro diz. Só fala e não escuta. Na Federação, a disputa era com a direita mesmo. No tempo em que eu fui diretor da Federação, conseguimos mudar as direções dos sindicatos e de três sindicatos filiados à CUT [Central Única dos Trabalhadores], passamos a doze sindicatos filiados. Só um não se filiou, por uma questão local, lá em Itaperuna, mas fazia toda a política cutista.

Aonde eu ia, aparecia no jornal. Em Macaé, por exemplo, tinha uma mulher que usava um monte de pulseiras de metal e tinha um nome enorme. O sindicato ficava no fundo de uma galeria e a imobiliária dela, na frente. Os diretores do sindicato passavam e ela dizia que estava olhando a hora que chegavam. Ela não fazia assembléia, mas fazia ata da assembléia. Era terrível. Fui para lá e fizemos reuniões clandestinas com os garotos [diretores], que eram todos novos. E aí, a grande coisa para eles foi descobrir que o sindicato tinha um estatuto e que dizia que ela não podia mandar no sindicato. Conseguimos uma cópia do estatuto. A mulher não terminou o mandato. E aí saiu nos jornais, da cidade: "Militante da CUT [Central Única dos Trabalhadores] vem para desestabilizar a diretora do sindicato de Macaé." Em Nova Friburgo, em Niterói, também houve um monte de coisas. Eram coisas brabas. O meu mandato como secretário-geral da Federação acabou. Saí da Federação por divergência: nós avançamos muito e esses avanços, em minha opinião, tinham que se refletir em mudanças também na estrutura. Para se ter uma idéia, o Sindicato dos Bancários do Rio contribuía com 92% da receita da Federação e representava 80 e poucos por cento da base dos bancários, nos dois estados, mas só tem 17% dos delegados no congresso da Federação. É uma coisa absolutamente desproporcional. Eu me bati por isso e o pessoal não queria mudar. Aí, resolvi fazer outra coisa.

Uns amigos me chamaram para a direção da CUT estadual. Fui e fiz uma gestão na CUT do Rio de Janeiro. Entrei como suplente e acabei na executiva, como secretário de organização. Mas, também acabei meio chateado com as coisas que não andavam e esse ano [2006], voltei para a diretoria do sindicato.

 

Eventos Históricos/Atentado ao Riocentro

Nessa época [em que houve uma série de atentados à bomba em bancas de jornais], tínhamos uma escala para fazer a vigília no jornal [jornal Hora do Povo], armados, inclusive. E, nos fins de semana, isso era doloroso: um lugar fedido, cheio de baratas, sem a mínima infra-estrutura e passar armado lá dentro, com medo de nêgo invadir e pegar você. E aí, o cara que vem render [substituir; troca de turno] não aparece. Ficávamos lá umas oito horas. Às vezes, o cara que vinha render não aparecia, ou esqueceu, ou dormiu demais. Daí, você tinha que esperar outro. Você não podia ficar telefonando para as pessoas, porque as pessoas não se conheciam e se caísse um, caía todo mundo.

Foi nessa época também o atentado do Riocentro. Não estava lá, mas lembro da repercussão. Eles [a direita] picharam as placas e muros próximos do Riocentro com inscrições assinadas pelo MR-8 e, se não me engano, pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), para jogar a responsabilidade nessas organizações. Era um show que tinha todo ano no 1º de maio, onde alguns artistas participavam e se arrecadava fundos para o CEBRAP [Centro Brasileiro de Análise e Pesquisa], se não me engano, que era uma organização que lutava contra a Ditadura, ajudava a sustentar o pessoal que estava na clandestinidade, famílias de quem foi para o exílio, chapas de oposição [para eleição] em sindicatos e etc... Era todo o tipo de ajuda. Mas nessa época, a linha dura já tinha perdido dentro do governo. Era o Figueiredo [João Baptista Figueiredo – ex-presidente da República]. Eles [a direita] tentaram aquilo [o atentado do Riocentro] como se fosse uma forma de retomar a tônica do processo dada do final de 1968, com a decretação do Ato Institucional número 5, até 1975. Esse grupo foi perdendo espaço.

Teve a reforma partidária e as eleições passaram a ser plebiscitárias. Porque todo mundo votava contra a Ditadura, votava no MDB [Movimento Democrático Brasileiro], apesar de ser um partido que, na essência, foi construído junto com a Aliança Renovadora Nacional [Arena]. De uma costela da Arena, se fez o MDB. Mas o MDB se tornou o depositário da oposição, da luta política de massas. Para desfazer isso [oposição entre MDB e Arena], o Golbery [Golbery do Couto e Silva], formulou uma legislação que ampliava a liberdade partidária, sem, no entanto, liberdade para os partidos marxistas.

Há uma reforma partidária e, de dentro do MDB, saem o PDT [Partido Democrático Trabalhista], com o Brizola [Leonel de Moura Brizola], que havia disputado a sigla PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] com a Ivete Vargas, mas perdeu. A Ivete ficou com o PTB, o Brizola com o PDT. Sai também o PT, entre outros. E o MDB mudou o nome para PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. A minha organização [MR-8 e PCB], tanto uma, quanto outra, ficaram dentro do PMDB, até a possibilidade de o Partido Comunista se legalizar e, daí, o pessoal saiu do PMDB. Mas nessa época, o atentado do Riocentro era uma tentativa daquele grupo retomar o processo mais duro da Ditadura, com muita tortura, muito atentado.

Explodiram bancas de jornais, em função do jornal que a gente vinculava, o Hora do Povo. Um companheiro nosso ficou cego e sem mão. Explodiram também a Dona Lida Monteiro, na OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Boa parte dessas atividades eram paramilitares, feitas por organizações clandestinas que funcionavam dentro das organizações militares. Foi esse o caso do Riocentro. Foi visto que eram militares que estavam fazendo uma ação não legal, mas consentida. Por acidente, felizmente, uma das bombas estourou dentro do carro e teve uma outra que estourou num gerador lá perto do Riocentro. Era curioso porque não vivíamos mais aquele rigor da Ditadura em que as pessoas sumiam ou eram presas e torturadas. Mas, tinha isso, vinha numa situação de aparente calma e de repente, tinha um atentado desse... Você apostava na redemocratização. Mas, podia vir um endurecimento. Então, era um jogo de forças que se definiu felizmente pela redemocratização.

 

Conclat

Tem o 1º CONCLAT, Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, que foi na Praia Grande [SP] e o segundo também. No primeiro, foi tirada a comissão nacional pró-CUT e era todo o movimento sindical, sem exceção. Com um projeto pela redemocratização do país e de formar uma central sindical no Brasil, única. No segundo, não se tirou a central. Quando se viu que não saia a central, o movimento se dividiu. Então, teve dois eventos: um em Praia Grande, que é onde tinha sido o primeiro, e o outro em São Bernardo do Campo, no ABC. Nesse, em São Bernardo, se fundou a CUT, Central Única dos Trabalhadores. No segundo da Praia Grande, se funda uma articulação de sindicatos pela possível estruturação de uma central, caso o movimento se unisse em torno disso. O eixo central era a unificação do movimento. Mas acaba se fundando uma central que se chama CONCLAT mesmo, que depois muda de nome para CGT, Central Geral dos Trabalhadores. Hoje, tem duas CGTs, uma central e outra confederação.

Era o embate de dois projetos. Um era o projeto que vem na fundação do PT e depois na fundação da CUT e que se apresenta como o Novo Sindicalismo. Esse movimento propõe um sindicalismo mais horizontal. Se tem confederação, federações e sindicatos, o sindicalismo é verticalizado. A central horizontaliza na medida em que coloca os sindicatos de várias categorias e mistura tudo, de forma horizontal. Esse movimento defendia uma maior representação da base na estrutura sindical, o que estimulou a criação de várias oposições sindicais.

 

 

Assessoria

 

 

O Sindicato dos Bancários teve uma subseção do DIEESE . E depois, o pessoal da direção que estava de 1988 a 91, fechou a subseção. Um dos compromissos da nossa chapa [em 1991] era reabrir a subseção do DIEESE . E aí, ganhamos a eleição do sindicato e reabrimos a subseção do DIEESE. Eu já tinha uma aproximação anterior com o DIEESE, desde o início da década de 80. Fiz cursos, participei de seminários, de palestras. Então, o DIEESE tinha uma relação constante.

Os bancários sempre tiveram o DIEESE na negociação. Os cálculos sempre foram assessorados pelo DIEESE. Teve uma época que as negociações dos bancários eram regionalizadas, mas no final da década de 80, conseguimos unificar a negociação. E aí o DIEESE continuava no dia a dia da categoria, no processo negocial nacional dos bancários. Tanto pela CONTEC [Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito], quanto pela Confederação Nacional dos Bancários ligada à CUT, que hoje se chama Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF). Temos uma executiva nacional dos bancários que é a que negocia e o DIEESE os assessora.

 

 

Escritório Regional/RJ

 

 

O Escritório Regional do DIEESE, no Rio de Janeiro, foi fundado no bojo das lutas pela redemocratização. Foi fundado pelos mesmos sindicatos que, de forma ampla, organizaram a I CONCLAT. Na verdade, antes da I CONCLAT teve o Encontro de Gragoatá, que é um bairro de Niterói. E foi nesse encontro nacional de dirigentes sindicais de Gragoatá, que se tirou a proposta de se fazer uma central e de se fazer o CONCLAT. E é esse grupo do Rio [Unidade Sindical], que estava em torno do CONCLAT, organizando os ENCLATs [Encontro de Classes Trabalhadoras] – que eram encontros locais que preparavam o CONCLAT - que funda o escritório do DIEESE no Rio. Ou seja, o mesmo pessoal que organiza os ENCLATs no Rio de Janeiro e que articula nacionalmente o CONCLAT.

Antes de existir o escritório, havia os técnicos contratados pelo DIEESE. Hoje em dia, temos uma perspectiva dentro do corpo técnico do DIEESE, muito mais unificada. Há um modo de trabalhar, um modo até de apresentação dos documentos mais unificado. Antigamente era menos. Você fazia uma avaliação no Rio, outra em São Paulo...Um dos primeiros técnicos, lá no Rio, era o Arthur Tinelli, que inclusive era um ex-bancário do BANERJ, formado em Economia. Então, antes do escritório, já havia a presença de técnicos do DIEESE no Rio de Janeiro.

Então o escritório surge do acúmulo que foi tendo nas lutas pela redemocratização. Várias diretorias comprometidas com os trabalhadores foram retomando os sindicatos. E nesse bojo, é construído o Escritório Regional do Rio de Janeiro [ER-RJ]. Acho que funcionou, primeiramente, no Sindicato dos Bancários. E depois, se não me engano, na Federação Nacional dos Urbanitários.

O modelo do DIEESE tem também as subseções. Como o Rio de Janeiro foi a capital [do Brasil], ainda se mantém lá algumas empresas importantes, mesmo depois da transferência [da capital] para Brasília. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é lá, e etc. Até hoje tem várias sedes de empresas importantes. Houve um esvaziamento, sobretudo na década de 90 e agora no início do ano 2000, mas alguma coisa permanece. Há algumas confederações, como por exemplo, a Federação Nacional do Urbanitários, o Sindicato Nacional dos Aeronautas e etc. E foram esses sindicatos que lutaram contra as intervenções nos sindicatos, que lutaram pela redemocratização do país, que também estruturaram o DIEESE no estado e formaram o escritório regional.

 

Educação/Formação Sindical

Eu fiz um curso do DIEESE no início da década de 80. Acho que foi em 82, 83. Foi em Brasília, na CONTEC [Confederação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito]. A CONTEC era a confederação que juntava bancários e securitários, e tinha sido criada pela esquerda na década de 50, se não me engano. Mas, depois do Golpe de 64, se tornou uma coisa muito complicada. No início da década de 80, a CONTEC ainda promovia uns debates, cursos e etc. E o DIEESE fez para a CONTEC um curso, em Brasília. Era um curso sobre reestruturação produtiva, mas não se usava esse termo naquela época. Eu acho que era automação bancária.

O curso durou uma semana e foi uma coisa que bateu na minha cabeça muito forte, porque a participação nesse curso gerou, inclusive, uma matéria no jornal bancário [do sindicato] que eu escrevi. A matéria falava sobre automação nos serviços bancários, nas novas tecnologias que estavam entrando nos bancos. Eu coloquei como título da matéria: “Bancários: uma categoria em extinção.” Aí, os velhos do Partidão chegaram pra mim: "Essa manchete não pode. Isso é terrorismo. Como você vai dizer que o bancário é uma categoria em extinção?" As questões que colocávamos pareciam de um filme de ficção, como o cara ter um banco dentro de casa. Era importante discutir proteção, inclusive, do ponto de vista da saúde, porque os terminais lançam raios que afetam a visão e a digitação causava lesões e adoecimentos, não sei o quê... Mas isso não era uma realidade, naquele momento. Eles [militantes antigos do partidão] diziam: "Isso deve ser lá na Europa, nos Estados Unidos. Isso não é para a gente aqui não, rapaz." Anos depois, falaram: "Rapaz, reli aquilo e me lembrei de você outro dia." Essa discussão de automação bancária, feita pelo DIEESE no início dos anos 80, era uma coisa que o movimento sindical começava a se preocupar, mas não era uma preocupação dominante.

 

 

Educacação/PCDA

 

 

O DIEESE é estruturante, ou seja, é uma entidade que tem uma credibilidade enorme e essa credibilidade não foi construída à toa. Foi construída dentro de embates profundos. Por exemplo, imagina uma eleição nos Metalúrgicos de São Paulo, ou num outro sindicato muito disputado. Geralmente, onde tem uma chapa da Força [Sindical] e uma chapa da CUT: eles se estapeiam mas, de noite, se tem uma reunião do DIEESE, está todo mundo lá. Estão na direção, inclusive, na mesma mesa. É um fenômeno curioso.

Aquele projeto de formação de dirigentes e assessores, o PCDA [Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindicais] era muito engraçado porque eram três semanas em Atibainha, num lugar chamado Nazaré Paulista. Chegava lá, todo mundo junto e, sabe aquela história do banheiro masculino que o sabonete cai no chão e ninguém abaixa para pegar? Fica todo mundo encostado na parede. Era mais ou menos assim. A primeira semana era uma sensação esquisita. Os “traidores” da Força, os “malucos” da CUT, os “vacilantes” da CGT. Aquilo tudo misturado com técnico do DIEESE. E os caras que iam dar a palestra também. Uma parte era da Fundação Vanzolini, outra parte era da Fundação não-sei-o-quê Ottoni [Fundação Christiano Ottoni], que é um pessoal que forma gestores nas grandes empresas multinacionais.

Aquilo tinha tudo para dar errado. Você coloca opositores figadais, dentro da mesma turma. Dá o negócio com um tom patronal, muitas vezes. Mistura dirigente antigo com dirigente novo, muita gente do campo com indústria, com serviços. E foi muito legal, porque na primeira semana, cada central indicava, logo de cara, um representante para dissolver os problemas. Cada turma tinha um representante de cada central. Eram três turmas por cor: vermelha, azul e amarela.

Depois vinha um cara, um capa preta de cada central, para fazer uma conversa. Era um negócio super delicado. Na segunda semana, virava uma bagunça. Tinha um garoto que era da direção executiva da CUT e entre um módulo e outro, ele voltava: "Rapaz, eu estou cansado de todo mundo me sacanear, porque eu vivo falando lá do meu amigo que é da Força." O pessoal lá fala: “Você está andando muito com pelego." Era muito engraçada, a história. E vice-versa. Os caras da Força também voltavam contando coisas desse tipo. Nas avaliações sempre surgia isso.

Vivíamos realidades diferentes. Tinha uma menina na minha turma que só conheceu luz elétrica depois dos 15, 16 anos. Era indígena e morava numa aldeia distante da cidade. Trabalhava com informática e telefonia. Então, o PCDA é um momento especial. Todo mundo que participou do PCDA vai relatar a mesma coisa. Com outra linguagem, com outro sotaque, mas é a mesma coisa. Fora que a gente ficava preso ali, duas semanas, voltava para casa e retornava para mais duas semanas. Com o sábado e domingo incluídos. Se tivesse crise, tinha uma política para enfrentar. Esse é o peso que o DIEESE tem. Seja na capacidade de unir todos os segmentos que atuam, seja na capacidade de fornecer dados confiáveis, na capacidade de você ter um campo de interlocução. Porque o cara da Força não deixa de ser o cara da Força e o da CUT não deixa de ser da CUT, mas você tem um tipo de interlocução.

 

 

Cotidiano de Trabalho

 

 

O coordenador sindical tem o papel de tocar a política e alguma coisa de administração também, que é menor. A parte administrativa: assinar os cheques, conferir o que está sendo feito no escritório. Quem administra, de fato, são os técnicos. Digamos, que a função é 10%, administrativa e 90%, política que é a de articular os sindicatos e trazê-los para o DIEESE.

Fazer com que [os sindicatos] ajudem a financiar o DIEESE. Isso é uma questão central. Nós temos um problema sério de financiamento e do perfil do financiamento. Precisamos fortalecer politicamente a entidade, e nos articularmos com outros segmentos da sociedade. Por exemplo, eu devo fazer uma discussão, agora, com o Sérgio Cabral Filho, que foi eleito [governador] no Rio de Janeiro, para tentar fazer a PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego] no Estado. O detalhe é que eu já conversei sobre isso com o Marcelo Alencar, não deu em nada. Com Garotinho [Anthony Garotinho], não deu em nada. Com a Rosinha Garotinho [Rosângela Rosinha Garotinho Barros Assed Matheus de Oliveira], não deu em nada. Com o César Maia, que é o prefeito, não deu em nada. Mas a esperança é a última que morre.

 

Importância do Dieese

O DIEESE sempre foi muito importante para o movimento sindical, porque surge de uma mudança estrutural na economia. Você deixa de ter nas negociações o dono da fábrica, o dono da empresa, o dono, que vai lá e negocia ou não dá as caras ou manda você procurar os seus direitos na justiça... Para ter um staff de negociadores. Não existia ainda a história de Recursos Humanos, mas começa a surgir o cara do Departamento de Pessoal.

Na verdade, os caras começam a trabalhar com dados na mesa de negociação etc., nos anos 50, que também é o período em que entra uma outra experiência, entram as multinacionais e a região urbana cresce. Nesse período, há uma mudança estrutural nas negociações e os trabalhadores vêem que não dá mais para chegar à mesa de negociação e não ter argumento. Precisam argumentar e a criação do DIEESE se dá em função da necessidade de ter estudos mais aprofundados para se contrapor. Os bancários experimentaram isso, porque alguns tinham essa tarimba de fazer conta. Porque o bancário era um cara formado com um determinado saber, que era contabilidade, escritura, escrituração, guarda-livros. Quer dizer, coisas que faziam parte do ambiente de trabalho do bancário. Então, quando ia discutir, quando ia negociar, fazia conta, sabia mexer com isso e isso era uma coisa que outras categorias tinham carência. E é aí que surge o DIEESE, na verdade, surge na perspectiva de ser um elemento formador. Por isso chama “departamento”, como se fosse parte de uma estrutura universitária.

No período da Ditadura, teve um momento áureo que foi a denúncia da manipulação da inflação, na época do Delfim Neto como ministro da economia. Essa é uma das coisas, que integrou a história do DIEESE, mas, a questão da discussão da introdução de novas tecnologias também passou pelo DIEESE. Essa discussão não causou tanto impacto, quanto a questão salarial, sobretudo nos processos inflacionários que vivemos. Porque a discussão das novas tecnologias custa um pouco para ser percebida.

Quando você olha hoje para trás é que se vê o peso que isso teve. Mudou a forma de produção e as relações inter-trabalhadores e dos trabalhadores com a coisa que eles fazem. Alterou profundamente e isso tem impacto no movimento sindical. Essa nova geração [de dirigentes sindicais], vem dentro dessa perspectiva de muita informatização das atividades fins. Atividade fim é a atividade da ponta, que atende diretamente ao cliente. A primeira informatização nos bancos foi da atividade meio, que criou os CPDs [Centros de Processamento de Dados]. E foi na década de 60, nos bancários, a introdução dos CPDs. Depois vieram, paulatinamente, alguns terminais e unificação de contas que se estende ao longo das décadas e depois, na década de 90, explode com os ATMs, [Automatic Teller Machine, terminais de auto-atendimento], o home bank, etc. Enfim, é o cidadão pagando para ver o seu próprio dinheiro e fazendo o trabalho antes feito pelo trabalhador bancário, quer dizer, ele paga para prestar o serviço ao banqueiro.

Do ponto de vista geral dos trabalhadores, o DIEESE se apresenta como vanguarda nesse processo de problematizar a questão da introdução de novas tecnologias. Evidente que o DIEESE não existe como centro acadêmico, ele existe como uma estrutura do movimento sindical. Foi fundado por trabalhadores, é administrado por trabalhadores e as demandas vêm da experiência da classe trabalhadora. Não é uma coisa autônoma, mas se estabelece uma relação positiva, porque as pessoas que trabalham no DIEESE são pessoas com ligações da academia que também trazem o seu conhecimento. E, aí há uma interação positiva das preocupações que a gente enfrenta e enfrentou, diante da introdução de novas tecnologias, das mudanças profundas na produção, na forma de produção e na forma de gestão, os novos métodos de gerenciamento, o 5 S, Kanban, reengenharia, reestruturação, etc.

O movimento sindical por si só, quer dizer, cada categoria no seu local, não tem condição de fazer estudos mais aprofundados. E o DIEESE permite isso. Até porque o DIEESE tem um perfil único no mundo. O DIEESE congrega todos os setores do movimento sindical. Todas as centrais sindicais participam etc. e tal. Ele [DIEESE] conseguiu ter uma massa de informações e de formulações, e tem condição de fazer uma ponte entre a teoria formulada na academia e a ação sindical. Por ter que produzir material para que o movimento sindical negocie, tem que ter muita objetividade.

Uma característica da ciência é que o processo de pensamento acadêmico, é justamente você não ter necessariamente o compromisso com a utilidade. Quer dizer, a grande questão é a pesquisa. No caso dessa relação aqui [academia e o DIEESE/movimento sindical], não. Quer dizer, você trabalha de forma interativa com o quê vem da academia, mas transforma em ação concreta. Porque não é para discutir no geral, é para aplicar, tanto do ponto de vista de uma discussão, de uma negociação salarial, onde se baralha uma série de elementos para argumentar, quanto do ponto de vista da negociação de condições processos de trabalho.

E o Movimento Sindical é uma interlocução com a sociedade e ele é um agente social, um ator, uma parte dessa sociedade. É uma relação dialética, não tem ruptura. A gente tem uma linguagem, tem as especificidades etc., mas nós somos parte da sociedade. A sociedade não é uma coisa descolada da gente.

Agora, por exemplo, vai ter uma campanha pelo salário mínimo unificada, com todas as centrais e quem estrutura? Quem estrutura esse processo a pedido das centrais, é o DIEESE, são os cálculos do DIEESE, é a formulação teórica do DIEESE, etc. O DIEESE tem uma interlocução, inclusive, internacional. Participa de fóruns internacionais de discussão, MERCOSUL [Mercado Comum do Sul], ALCA [Área de Livre Comércio das Américas], etc., como representante dos trabalhadores. Participa de algumas comissões como, por exemplo, no campo da ciência e tecnologia, ajudando a formular políticas neste campo, inclusive de designer. Tem uma comissão que o DIEESE participa que discute por onde passaria ter uma identidade de designer que fosse um diferencial para os produtos produzidos no Brasil. Existe essa comissão, se não me engano, o Paulo Paixão participou dela. O Paulo Paixão participava de umas quatro ou cinco comissões. Eu não sei se essa comissão ainda existe ou se ele [Paulo Paixão] está na ativa. Mas, isso eu estou dando como exemplo, porque é diferente.

Para discutir essa coisa de qualificação, requalificação, o DIEESE também andou assessorando o pessoal do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], do CODEFAT [Conselho Deliberativo do FAT] que é quem administra os recursos do FAT. Assessorou na elaboração de políticas de formação, requalificação, também lato sensu. Enfim, tem interlocução com a academia, tanto porque os dados produzidos pela entidade são utilizados na academia, quanto porque as pessoas os técnicos do DIEESE têm atuação na academia. Tem interlocução nos vários níveis de governo. Não só federal, mas também nos estados e nos governos municipais.

A execução das PEDs, é um exemplo disso. A Pesquisa de Emprego e Desemprego, acho que aconteceu em oito capitais. E curiosamente, capitais governadas pelo PFL [Partido da Frente Liberal] do Antônio Carlos Magalhães, na Bahia, pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], pelo PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], quer dizer, é bastante variado.

Teve um ou outro problema, umas foram fechadas, mas ainda tem várias PEDs funcionando. E o material é muito usado em vários tipos de pesquisa. E a questão metodológica, foi um marco nas discussões do DIEESE . A discussão sobre a metodologia, para se levantar o emprego e o desemprego, no Brasil, é basilar da intervenção dos últimos anos do DIEESE . A metodologia utilizada pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], formulada na década de 50, não dava conta da realidade, do mercado de trabalho no Brasil, pelas suas especificidades, pelo perfil e etc... Então, o DIEESE, ao colocar a questão sobre a metodologia que, do ponto de vista da sociedade, da classe, interessa profundamente, abriu uma discussão, inclusive ideológica e política.

Eu me lembro que fomos uma vez discutir com o ministro do trabalho, um desses ministros do Fernando Henrique, um cara novo, lá da PUC [Pontifícia Universidade Católica] do Rio. E quando entrou essa discussão, o negócio da gente fazer as PEDs e da metodologia, o pau comeu. Estávamos eu, Lavorato [José Caetano Lavorato Alves], Castanheira [Mário Sérgio Castanheira], Paulo Paixão e acho que o Juruna [João Carlos Gonçalves] e o Serginho [Sérgio Mendonça]. E o pau comeu.

O cara [ministro] era uma arrogância, falando que não podia ter “dois dinheiros” para a mesma coisa [financiar pesquisa do IBGE e do DIEESE], porque usa recurso público. Dissemos: “Então, vamos discutir a metodologia do IBGE.” E ele: "Não! Mas quem são vocês?!" E nós: "Somos interlocutores do movimento social.” O pau comeu esse dia. Foi interessante ver a arrogância deles e como eles tinham um verdadeiro ódio. E isso mudou e veio mudando. Porque hoje em dia, o IBGE foi adaptando a sua metodologia, no sentido que propúnhamos. Inclusive, internalizou uma série de questões que colocávamos. Isso é uma vitória enorme que não aparece para o grande público. Para quem está militando, é legal sentir: "Pôxa, fui parte disso."

Aliás, nesse processo de estabelecer uma relação de confiança e de credibilidade do DIEESE, o Barelli [Walter Barelli] foi um pilar. Ele teve uma capacidade de se movimentar em ambientes diferentes num momento difícil. Porque hoje, a gente olha isso é uma coisa, mas naquela época, com Ditadura e você estruturar e falar de coisas sensíveis, com parte do movimento sindical ocupado - houve uma ocupação, por parte do governo federal, através das intervenções nos sindicatos e etc. - então, era muito complicado.

 

Futuro do Dieese

Eu acho que o futuro é o que estamos fazendo hoje. Eu penso que hoje o DIEESE tem certos desafios que tem que dar conta, que são muito complexos, porque a situação se complexificou. A relação de classe se estabelece hoje em outros patamares. Nós temos um desafio porque trabalhadores representados sindicalmente são a minoria. Você tem uma massa de trabalhadores que não são representados sindicalmente. Ou são sub-representados sindicalmente. Agora, você tem uma massa maior ainda de trabalhadores que não têm representação nenhuma, sequer vínculo empregatício. E tem uma massa enorme de desempregados.

O grande desafio, o nó está aí. E não é uma questão do DIEESE. Essa é uma questão mais ampla. Mas o DIEESE, nesse processo de disputa de hegemonia é fundamental. Porque a classe trabalhadora disputa hegemonia na sociedade não só por sua ação prática, das greves, das negociações etc., mas também construindo discurso. Também construindo valores, construindo cultura.

Nesse sentido, o DIEESE tem uma função fundamental, de articular esses valores e disputá-los na sociedade etc.. É você afirmar perspectivas do ponto de vista da classe trabalhadora, no campo da mulher, do gênero, no campo da saúde. É conseguir impor um respeito maior à história da população em geral, mas à história do próprio movimento sindical. É você conseguir fazer que essas coisas se liguem, interliguem, que não sejam coisas dispersas.

Você está formando novas gerações de sindicalistas que, em última instância, estão sindicalistas. Porque, o cara [o sindicalista], na verdade, é um cidadão, é um trabalhador. Então, não importa se ele, num determinado momento, está sindicalista....É ali que o DIEESE tem governabilidade, não é na massa ampla da população, porque o DIEESE não é um partido político. Mas o DIEESE tem essa coisa formativa, tem esse caminho. E ele aumentou de importância nos últimos tempos. Até porque tivemos 20 anos de Ditadura e precisamos recuperar coisas como memória, atuação política.

Fazemos política há pouco tempo. Uma pessoa com 10 anos de atividade política pode ser considerado um cara super experiente, aqui no Brasil. Uma entidade que tenha mais de 70 anos, que é o caso do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro - é um dos mais antigos [75 anos] – é super importante. Enquanto que você vai para o mundo e os caras [sindicalistas europeus] lá têm uma tradição de 200 anos. Você caminha na Europa, num lugar e: "Ah, isso aqui era a base, foi construído no séc. III antes de Cristo, aí daqui para cima fizeram o templo, mas aí teve uma invasão. Aí, na Idade Média..." Você vai vendo a história, você está num lugar onde a história passou, passou... Enquanto a nossa história é muito recente, por isso é legal ter uma perspectiva. E eu acho que a perspectiva do DIEESE é a de uma entidade de classe, de trabalhadores, que tem desafios grandes nesse quadro.

Eu acho que estamos numa transição onde nós já não somos o que fomos, mas ainda não somos o que seremos. E isso é uma coisa, é uma metamorfose muito grande. Nós estamos num lugar, onde tudo é possível para frente. E já superamos algumas coisas.

 

Avaliação/Projeto Memória

Num país com o processo que temos, em que o Positivismo graçou, vide a nossa bandeira - Ordem e Progresso... O Positivismo aqui foi mais forte do que na França, na pátria do Comte [Augusto Comte]. Tínhamos um imperador positivista. Essa coisa do progresso para nós, sempre veio com um olhar europeu, com um olhar do explorador, muito acentuado. O que fizemos? Temos uma história dos povos que nos antecederam. Eles tinham história. Só que era uma história ágrafa, não tem registro. Pequena, da perspectiva do que se tem registro. Além de pequena, convulsionada. Porque a nossa sociedade é constantemente convulsionada por uma fixação numa coisa chamada progresso, que ninguém sabe direito dizer o que é, e que tem sido altamente destrutiva.

A memória, nesse sentido, para se estabelecer como coisa viva, tem muito mais dificuldade. Porque, você tem uma perspectiva: "O bom é o novo. O bacana é o novo. Você tem que estar na crista da onda. A bossa tem que ser nova." Assim, você vai passando por cima de um monte de coisas e perdendo a memória. Ao mesmo tempo que é uma tarefa super necessária, é uma tarefa extremamente difícil, sobretudo dentro da nossa tradição cultural.

Nesse projeto, o primeiro desafio é, do ponto de vista imediato, encontrar fotos, encontrar histórias pessoais, encontrar histórias das entidades. Porque você tem um monte de teóricos, na academia, que escrevem sobre um movimento sindical que só existe dentro da cabeça deles. Do populismo, do não sei o quê, teóricos que nunca entraram num arquivo de sindicato, nunca pesquisaram lá dentro. Eles dizem: "Não tinha greve nesse período, bábábá..." Porque eles olharam alguns jornais da grande imprensa e não acharam. Às vezes, nem olharam. É porque eles leram um cara que disse que não tinha. Aí, o outro foi e leu aquele que leu o outro. E infelizmente é isso que temos.

Até você conseguir fazer um processo desses, está tudo por ser feito. Esse é o principal desafio desse projeto; é um campo de disputa hegemônica, ele mexe com poder, dentro das próprias entidades sindicais, você tem disputa de posição, disputa de poder.

Eu acho que o maior desafio imediato é esse. Do ponto de vista em longo prazo, esse projeto tem uma dificuldade de ser uma coisa viva. Eu acho que a gente, hoje, está numa fase em que ainda não dá para pensar nisso, do ponto de vista mais prático. Porque tem alguns desafios imediatos que têm prazo, mas, eu acho que o grande desafio é se isso se transformar num livro.

Eu acho que fazer esse tipo de pesquisa e guardar no armário é a coisa mais fácil que tem. Fazer um bonito livro, um belo de um lançamento, a exposição. E aí, blaf vai tudo para o armário. Alguém dizia: "Ó, foi feito isso." Aí, daqui a uns tempos volta de novo. Sabe aquela coisa espasmódica. Uh! E isso tem que ser uma coisa viva, tem que ir para os trabalhadores. Tem que circular. Tem que ser uma coisa que se oxigene, que tenha abertura para aumentar. Que não acabe nisso, mas que se abra. E consiga abrir outras possibilidades de aprofundamento, porque dado aos recursos, dado aos prazos etc. e tal, vai se ficar num determinado nível e a necessidade de um trabalho desse tipo é muito grande. Porque esse negócio de memória é constituinte. Cada vez que falamos dessas coisas, escutamos também.

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