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Paulo de Tarso Gaeta Paixão

Paulo_de_Tarso_Gaeta_PaixaoHistória de Vida

Identificação

Chamo-me Paulo de Tarso Gaeta Paixão. Nasci em Santos, em 5 de junho de 1945. Sou casado. Tenho um filho de 14 anos.

 

 

Família

 

 

Meus pais chamavam-se Augusto Paixão e Flora Gaeta Paixão. Quanto a meus avós, lembro pouco deles, porque eu sou filho caçula. A minha avó materna foi a única com quem convivi mais. Ela morreu em 1980, quando eu já trabalhava, eu até estava no exterior. O meu avô por parte de mãe era um homem de negócio. Ganhava dinheiro, depois perdia. Depois ganhava de novo. Eles tinham vida de classe média razoável. Eu tenho dois irmãos. Meu irmão mais velho, o primogênito, Zé Luis, mora aqui em São Paulo. E tem minha irmã Maria Cecília que hoje mora lá em Campinas.

 

 

Infância

 

 

A maior parte da minha infância foi em Santos e o começo dela foi em São Vicente. A primeira casa que eu me lembro foi em São Vicente, que até hoje acho uma cidade muito legal. Tinha a praia, na qual sempre íamos. Tinha o morro, o Morro do Pacheco, onde nós subíamos com meu pai. Eu vivi uma infância urbana, mas com a praia. Depois, em Santos, eu jogava muita bola na praia. Era uma vida bem mais solta do que seria uma vida em uma cidade como São Paulo. Era mais tranqüila também. Santos naquela época era tranqüila. A minha infância foi muito bem marcada por essas coisas: pela praia, pelas escolas. Eu sempre estudei em colégio público. Estudei em grupo escolar. Depois estudei em ginásio do estado, colégio do estado.

Eu sou de uma família de classe média. Minha mãe era professora. Uma coisa que talvez seja diferente para a época, é que tanto a minha mãe quanto o meu pai, trabalhavam em tempo integral. Ela trabalhava no que se chamava de parque infantil, hoje eu não sei se tem correspondente. Porque não é nem um jardim da infância, nem um pré-escolar. Era frequentado por crianças mais ou menos na faixa de 05 a 13 anos. Mas era um lugar para recreação, principalmente. Recreação, mas você aprendia muitas coisas. Aprendia trabalhos manuais, tinha bandinha, enfim, era na realidade um centro de formação infanto-juvenil. E minha mãe se dedicou sempre a isso. Em Santos até hoje deve ter lá os parques infantis. Só que eles sofreram muitas transformações. Minha mãe começou trabalhando meio período, depois passou a trabalhar tempo integral. Porque ela passou a ser diretora. Ela fez carreira. Minha mãe foi da educação municipal em Santos. E meu pai era comerciante. Ele tinha loja. Antes disso ele teve uma pequena indústria. Trabalhava em São Paulo. Então viajava muito para São Paulo, voltava depois. Nossa rotina era essa, quando eu era bem menino ficava em casa, depois ia para a escola, voltava e nós jantávamos. Era uma vida cotidiana com muita regularidade, vamos dizer assim. Nunca tive problemas sérios de família. Pai separar. Isso aí nunca. Porque na época também não era muito usual. Naquela época separar era um escândalo.

Eu lembro do Jânio que foi um dos políticos mais marcantes que eu já conheci. Ele era um cara brilhante e discursava muito bem. Era muito inteligente e fez um sucesso danado. Elegeu-se presidente da República muito jovem. Foi vereador e governador do estado. Foi relâmpago. O Jânio foi um político que empolgou o país. E eu lembro que meu pai não gostava dele e eu gostava. Até certo ponto eu tinha minhas opiniões, mas não eram opiniões formadas. Mas eu lembro que eu ficava tentando convencer ele a votar no Jânio para presidente da República. E ele acabou votando. Lembro que um dia, depois de uma entrevista do Jânio, ele falou: "Olha, vou votar em você então." E eu fiquei todo contente. Aí o Jânio nos aprontou o que nos aprontou.

Nunca me meti muito com política estudantil nessa época. Aliás, nunca me meti muito. Mesmo depois que eu me envolvi maisl, nunca fui muito de participar de diretório acadêmico, essas coisas. Eu dava muita atenção ao Brasil, sempre gostei muito do Brasil. Achava que o Brasil era um país que devia crescer, mas era coisa muito de menino ainda. Sindicato era uma coisa que era divulgada pela grande imprensa com um viés muito negativo na época, principalmente no governo do Jango, e Santos era uma cidade muito sindical. Havia, em Santos, o Fórum Sindical de Debates, que hoje eu acharia o máximo. Mas na época eu achava uma coisa ameaçadora. Porque meus pais tinham medo, essa coisa de ter medo do comunismo, tudo isso pegava muito nessa época. E o João Goulart foi um cara que marcou muito isso aí. Ele cada vez mais se apoiou no movimento sindical e foi cada vez mais demonizado pela tal da imprensa sadia, e por partidos como a UDN. Então era tido assim como uma coisa que ia jogar o Brasil em um destino muito incerto, ligado à União Soviética, comunismo, essa coisa toda. E Santos, de fato, era uma cidade de esquerda. Até hoje é. Você pode notar que nas eleições, em geral, Santos tem o voto mais para a esquerda.

Minha parte da vida em Santos, na adolescência, foi marcada pela vida local. Pela praia, pelo carnaval, pela vida de colégio. Havia os bailes de formatura, aquelas coisas. Tinha uma fanfarra na qual tocava. Então tinha uma vida assim muito fixada nas coisas da cidade. E eu gosto até hoje. Sempre gostei muito de Santos. É uma cidade muito legal que tem uma praia bonita. Não é tão bonita assim sob o ponto de vista de visual, mas ela é muito agradável.

O mar fez muita parte da minha vida. Uma das coisas, que era mais ou menos rotineira, era ir de tarde tomar banho de mar. Meu pai, meus irmãos e eu. Minha mãe nunca foi de tomar banho de mar. Tinha o cachorro que ia junto. E era isso, quer dizer, foi uma infância assim sem grandes sobressaltos.

Em um determinado momento decidi fazer cursinho, o meu pai me bancou. Com essas coisas a gente sempre contava: a família bancando, ajudando a estudar. E aí vim para cá e mudou muito. Vim para a universidade. É uma outra vida.

 

Formação Acadêmica

A lembrança mais marcante da escola, foi o primeiro dia, evidente. Os dois moleques do vizinho foram comigo. Meu primeiro ano foi no grupo, chamava Grupo Escolar Treze de Maio. Que era na Avenida Alexandre Herculano, lá em Santos. E o grupo fechou depois do primeiro ano. O primeiro ano sempre marca. Tinha uma professora que eu gostava muito, Dona Maria José. Foi quando eu aprendi a ler. Naquela época você aprendia a ler com sete anos. Agora, emblemático mesmo nessa época foi o suicídio do Getúlio. O Getúlio se suicidou em 1954, eu estava no terceiro ano primário. E eu lembro que a professora chegou na sala de aula, e falou: "Olha, meninos, o Presidente Getúlio Vargas se suicidou. Nós vamos parar as aulas”. Era de manhã cedo ainda. A molecada já entendia alguma coisa. Eu lembro que tinha um garoto negro, chamava Laércio. Ele falou: "O presidente agora vai ser o Café Filho, não é professora?" Eu nem sabia quem era Café Filho. Vê só ele sacava as coisas. Achei muito interessante. E aí fomos todos para casa. Para moleque qualquer coisa que é novidade é alegria. Então foi aquela coisa. Fomos para casa, mas a rua estava silenciosa porque já era uma comoção nacional. Quando eu ví minha mãe eu pensei que ela ainda não sabia. O trabalho da minha mãe, o Parque Infantil, era caminho da minha casa. Então eu sempre encontrava ela no caminho, e ela me levava para casa junto. Nesse dia fiz o caminho de sempre. Eu lembro que, ao invés de ela estar me esperando dentro do Parque Infantil, na sala onde ela ficava, ela estava fora. Ela estava na rua me esperando. Devia estar preocupada. E aí lembro que, de longe, eu gritei: "Sabe quem morreu?!" Ela: "Psiu! Fica quieto!!"

Uma coisa que eu não agüentava mais era a palavra crise. Que aparecia muito. A televisão era uma coisa já corriqueira. Eu acompanhei todas as crises pela televisão. Todas. Começando pelo suicídio do Getulio Vargas, depois uma série de outras. A renúncia do Jânio. Depois muita complicação até o João Goulart assumir. Depois o João Goulart foi deposto. Então foi uma sucessão de presidentes interinos: o Carlos Luz, o Nereu Ramos, depois veio o Ranieri Mazzilli. E sempre com isso eu me lembro que aparecia na televisão a palavra crise. "Crise da renúncia do senhor Jânio Quadros.", "A crise..." Então essa palavra crise era uma constante, e eu pensava: "Pô, mas quando é que nós vamos ter sossego?".

A última turma que eu tive nessa época de Santos foi a turma do cursinho. Que aí já era diferente. Aí era o pessoal que ia estudar para entrar na faculdade. Era um interesse, já começou a ficar um interesse assim já com um projeto de vida. E aí é engraçado que cada um foi para um lado. O pessoal com quem eu andava mais até antes de ir para o cursinho, foi para outro caminho. A grande maioria foi para Piracicaba para fazer Odontologia e Agronomia. Mas eu cismei de ser Engenheiro, queria entrar na Politécnica. Havia um pessoal que se uniu muito por isso aí. E ficávamos discutindo problemas, vendo como é que solucionava esse, como é que solucionava aquele.

Vir para São Paulo foi uma diferença muito grande. Primeiro porque eu não vim morar em São Paulo. Eu vim morar perto de São Paulo. Vim morar no CRUSP, Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, que é em São Paulo, mas não é como morar na Avenida São João. Fiz exame em 63, entrei em 64. Exatamente com o golpe militar. E eu peguei uma época muito boa de faculdade. Peguei talvez uma das épocas melhores. Eu peguei uma série de coisas interessantes. Porque de 64 a 68 apesar dos militares, tinha muita liberdade ainda. Foi quando surgiram: Caetano Veloso, Chico Buarque,. Tudo isso é dessa época. E eu estava chegando aqui também. Então isso aí eu peguei. Tive muita sorte. Eu e o povo todo que estava lá. Um monte de estudante. O CRUSP na realidade foi feito para o Pan Americano. Eles fizeram o conjunto residencial que era para ser da universidade, no campus da universidade, mas para abrigar os atletas. E depois que os atletas foram embora eles não queriam mais botar estudante ali dentro, achavam que estudante dá muito trabalho quando fica junto. Eu sei que no fim o pessoal acabou invadindo. Os estudantes invadiram, montaram os apartamentos, só que aí eles vieram atrás. Eu não participei da invasão. Quando eu fui para lá já estava regularizado. Aí o governo veio junto, começou a querer botar ordem na coisa, montar refeitório, essas coisas. Ficávamos três em cada quarto. Para estudante era ótimo. Você tinha o restaurante ali do lado, a gente vivia brigando com eles por causa da qualidade da comida. Mas a convivência era muito interessante. Todos eram estudantes, todo mundo chegando, todo mundo meio perplexo. É uma vida muito diferente do que se esperava. Eu lembro que quando eu cheguei achava que todo mundo que estava ali era gênio. Porque estava todo mundo na USP [Universidade de São Paulo]. De fato, quem entra em uma universidade dessas tem uma formação, uma capacitação, teve uma oportunidade. Mas no meu caso, por outro lado, tive também uma perda. Porque a vida em Santos tinha uma série de coisas boas, que depois só com o tempo eu fui perceber. Aquela vida de adolescente, de carnaval, de namoradinha, de não sei quê. Em São Paulo isso mudou. Teve outras coisas, muitas bem melhores. Mas aí você já vai para o amadurecimento, você já vai para uma outra coisa. Você já vai para uma realidade. A realidade começa a ficar mais próxima de você. Em termos de você ter que sobreviver, isso e aquilo. Muito embora nunca tiver que pagar para estudar como muita gente tinha, meu pai me bancava. O que marcou muito essa época foi a liberdade que eu passei a ter. Tinha uma liberdade total. Eu saí de uma casa em que eu tinha hora para chegar. No final, quando meu pai viu que eu estava fazendo cursinho, ele me liberou mais. Mas eu tinha horários a respeitar E lá não, lá se eu não quisesse almoçar e jantar eu não almoçava e jantava. Se eu não quisesse dormir em casa eu não dormia em casa. Quem me regulava eram os meus amigos, e eu a eles. E aí já viu.

Foi uma época muito agitada sob o ponto de vista de movimentação política. Nossa relação com o governo militar foi ficando mais tensa. Meu período de estudo foi do golpe militar ao Ato Institucional número 5, que foi no final do meu curso. A trajetória das pessoas foi mudando muito em função disso. Tiveram aqueles que se apegavam ao futuro profissional: "vou fazer a minha carreira e pronto”. Aqueles que nem iam fazer a carreira, nem nada. Estavam lá e iam vivendo a vida e, depois via o que é que dava. E tinha o pessoal que começou a entrar mais na política. De se envolver mais. E eu fiquei um pouco mais tendente a isso. Mas sem nunca me institucionalizar em alguma amarração mais partidária. Nós fazíamos, por exemplo, um show o “Showcrusp”. Era um show muito crítico, falávamos de militar e o diabo. Onde queriam nos receber nós íamos.

A gente fazia muitas assembléias para fazer mobilização, organizar passeatas, para discutir nossa organização interna, nossa vida em comum. Havia diversos prédios com diversos apartamentos e muitos estudantes. Então aquilo ali era um centro também de muita articulação. E o Exército e a Secretaria de Segurança ficavam de olho. Eu participava, ajudava na segurança do CRUSP, por exemplo. O que é que era a segurança? Era impedir, por exemplo, que o CCC – Comando de Caça aos Comunistas – invadisse aquilo. Fazíamos umas barricadas durante as assembléias. E eu ajudava nisso. Aí eu já tinha uma visão mais voltada para a esquerda, mais preocupada com a justiça social. Logo que eu cheguei na faculdade eu já comecei me preocupar com isso.

Depois de me formar engenheiro naval fui trabalhar no Rio, e em 1974 fui fazer mestrado em Engenharia de Sistemas da Universidade de Lancaster, que é no norte da Inglaterra. Depois, fui para uma outra universidade, Sussex, fazer doutorado, que acabei não concluindo. As coisas acabaram não dando certo. Eu tinha um orientador que foi embora. Tive uma vida meio acidentada por lá. Tentei submeter a tese e não consegui. Acabei fazendo o meu doutorado aqui em São Paulo, na USP. Viajei para lá em 74 e voltei no comecinho de 83. Vim aqui duas vezes antes, em 79 e em 81, se não me engano. Passava aqui um tempo, voltava para lá. Foi uma trajetória de mudanças Santos, São Paulo, Rio e Inglaterra.

A Inglaterra sob certos aspectos foi um choque pelo seguinte: você é de um país inferior, na visão deles. Além disso, eu era dark lá. Eu era escuro. Isso não aparecia muito, mas de vez em quando pintava. Eu não era um saxão, eu não era um deles. Com o tempo você vai fazendo amizades e sai um pouco disso, mas você sempre é um estrangeiro e estrangeiro de um país inferior. Estrangeiro de um país que não é nem Estados Unidos, não é a França, nem a Suíça. O Brasil era admirado pelo futebol, mas não era lá muito respeitado e isso, realmente, foi um choque. No curso de mestrado boa parte da turma me tratava diferente. Tanto que eles davam muitas jantares e na maioria das vezes não me convidavam. Tinha um indiano que também não ia muito. Eu não imaginava que existisse isso. Não foi um negócio legal. Por outro lado, havia as coisas boas da Inglaterra. Eu fui ainda na época do welfare state, o estado do bem estar social. Eu me lembro que eu cheguei numa quarta-feira, à tarde, vi aqueles campos – a Inglaterra é muito bonita, tem muito verde –, vi aqueles velhinhos tomando sol, aquele povo jogando o que eles chamam de bowling. Bowling é uma espécie de um boliche ao ar livre; coisa de inglês. Era muita gente e eu pensei: "Ué, esse pessoal não trabalha? Quarta-feira à tarde?" Mas aí fui ver que as quartas-feiras à tarde eram reservadas para os esportes. O pessoal parava mesmo. E, se por um lado o pessoal do curso mantinha distância, na comunidade era diferente. Principalmente em Lancaster, norte da Inglaterra, onde o povo é mais simples. Com eles o tratamento era legal.

E na Universidade tinha também um pessoal que se interessava, queria saber,. queria conhecer mais o Brasil.. Fizemos amizades. E Lancaster é um lugar muito legal. Norte da Inglaterra, o pessoal é muito bom, diferente do pessoal do sul. O pessoal do sul já é mais distante. O inglês na realidade é um cara que foi de um império e sabe o que é ter sido de um império. Ele não liga para certas coisas. Ele é diferente de muitos outros povos europeus. Na realidade, ele tem experiência em lidar com povos que não estão (risos) “à altura deles”. Porque no fundo, eles acham isso mesmo. Ou seja, como eles têm a convicção que são superiores, não se preocupam muito em ser superiores, o que faz, por outro lado, o convívio com eles ser muito interessante.

 

Trajetória Profissional

Eu trabalhava. Eu fui professor de cursinho durante dois anos, sem muito sucesso. Não fui um professor de cursinho que ficou quatro, cinco anos dando aula. Comecei a trabalhar mesmo quando eu me formei.

Naquela época, praticamente todo mundo saía da universidade empregado. Houve um concurso para a Petrobras, eu não me interessei muito. Nem estudei para o concurso. Muitos amigos meus entraram. Estudei Naval e queria trabalhar em estaleiro. Fui para o Rio de Janeiro trabalhar no Estaleiro Mauá. Tinha um salário razoável, não ganhava uma fortuna porque não era o melhor emprego. A Petrobras, por exemplo, era muito melhor Morei em um apartamento com mais oito, se não me engano. Sete, oito. Dois, três em cada quarto. Coisa de jovem. Morávamos ali na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Todos da Petrobras e o único que era do Estaleiro Mauá, era eu.

Eu tinha uma vontade muito grande de me ver integrado no trabalho. De me verem como profissional. Um cara que faz parte, que produz. Eu lembro que entrei, eu e mais um cara - o sujeito chamava Tibúrcio - era um engenheiro formado no Rio. Cada um foi para uma área. Eu lembro que logo no primeiro, segundo ou terceiro dia, eu vi o Tibúrcio falando em um telefone interno. Eu fiquei com uma inveja dele, porque ele estava se comunicando, integrado. (risos). O pessoal era muito legal. Tinha muita gente que era ex-embarcado, ex-oficial, ex-marinheiro, um pessoal muito interessante, porque sempre tinham uma história para contar. A gente sempre ia ao bar, tomar alguma coisa, conversar. Era muito legal. Eu não era rico não, porque morava nesse apartamento, mas para a média, eu tinha dinheiro “paca”. Quando eu perdia o barco, pegava aerobarco, essas coisas. Não era para qualquer um. Eu era solteiro, tinha um salário de engenheiro, que não era essas coisas, mas para mim sozinho, dava.

Depois saí de lá porque eu vi que ali ia ser jogo duro. Era um trabalho muito puxado. Eu entrava às sete horas da manhã e saía às cinco com uma hora de almoço lá mesmo. Era uma jornada de nove horas. Muito barulho. Eu trabalhava em um escritório, mas muito ligado ao campo. Toda hora tinha que descer, ir lá medir e fazer. Uma coisa bacana que tinha lá era o mar. Como era um estaleiro, você vê o tempo todo aquele “marzão” lindo. Todo dia de manhã atravessava, tinha um barquinho que era do estaleiro para levar a gente, para trazer, etc.

Foi o primeiro emprego. A minha independência financeira, o meu dinheiro, já podia fazer o que eu queria. Podia pensar em comprar um carro, essas coisas. Depois comecei a trabalhar com energia elétrica, ramo em que estou até hoje. Entrei numa empresa de consultoria chamada Seltec, Serviços Eletrotécnicos. De lá fui trabalhar na Eletrosul, Centrais Elétricas do Sul do Brasil; juntei dinheiro e fui fazer o curso de mestrado na Inglaterra. Nessa época era possível fazer isso. Hoje você não faria isso nunca.

Eu não tinha uma vida de grandes sacrifícios. Eu saía de noite, normalmente ia às boates. Abri uma conta em um fundo de investimento, que eu não lembro mais qual era, fui juntando, comprei uma passagem, paguei a universidade.

 

Trajetória Sindical

Na época do CRUSP, eu desenvolvi uma nova visão em relação à questão sindical. Tinha muito a coisa do operário no poder. "Operário no poder!" A gente gritava esse treco. Os operários eram nossos os heróis. Éramos estudantes. Eu lembro de uma vez, em uma passeata na [rua] Maria Antonia, aquele monte de gente, e apareceu um operário. Devia ser um líder sindical. Eu lembro que ele subiu no muro e foi um delírio: "Operário no poder!, Operário no poder!..."

O meu conhecimento do DIEESE surgiu na Inglaterra. Onde eu estudava havia o Instituto de Estudos de Desenvolvimento, ou Institute of the Development Studies, o IDS que eles chamavam, na Universidade de Sussex. Eles tinham uma biblioteca muito boa. Essa biblioteca tinha dados do mundo inteiro, inclusive do Brasil. Eles tinham uma coleção inteirinha do Boletim do DIEESE. E ali que eu comecei a ler. Senti muita simpatia por aquilo, acompanhava o cálculo do salário mínimo necessário, achava legal e até hoje eu acho. Tempos de horas necessárias para trabalhar para comprar um quilo de feijão ou uma cesta básica. Eu achava que eram coisas criativas, interessantes e voltadas para uma questão essencial. Depois que eu voltei para cá, que comecei a trabalhar na CPFL. Eu lembro do seguinte: eu queria participar da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Campinas. Fui lá, virei sócio. Por alguma razão, alguém falou: "O Sindicato dos Engenheiros vai ter eleição." Eu sei que eu acabei me envolvendo nesta eleição do Sindicato dos Engenheiros em Campinas, uma Delegacia Regional, e lá comecei a ter contato com isso. E aí fui me envolvendo.

Nessa época, já tinha surgido o sindicalismo do ABC. O PT foi fundado em 80.. Falo do PT não pelo partido em si, mas pelo marco na história do Brasil, independentemente de ser simpatizante do partido ou não. Foi um divisor de águas. Ele marcou o início de um outro tipo de política, por ser um partido popular que surgiu do movimento sindical. O sindicalismo, começava a ter uma vida nova. Tinha acabado o Regime Militar.

 

Trajetória no Dieese

Uma coisa importante foi o DIEESE. Por uma série de questões. Por questão da minha formação, por questão de oportunidades para você elaborar, para você atuar, porque o movimento sindical não abre, só ele, os caminhos que o DIEESE abre. Talvez a melhor coisa que tenha acontecido nesta minha vida no movimento sindical tenha sido participar do DIEESE.

No Sindicato dos Engenheiros, fui me envolvendo, gostando, acabei virando presidente da Delegacia Regional. Depois virei diretor estadual do Sindicato. E lá pelas tantas o Allen Habert, que era diretor do Sindicato dos Engenheiros, e era da Direção do DIEESE, me chamou e disse: "Olha, a direção do DIEESE vai mudar e nós queremos te colocar lá como diretor”. Foi uma época de crise, no começo dos anos 90. Mudaram muitas coisas, inclusive o Diretor Técnico, e tinha o trabalho de você fazer tudo isso sem ter uma ruptura muito grande. Você não podia romper com o Barelli e com o time que assessorava ele, porque o Barelli, em boa parte, é o grande responsável pelo o que o DIEESE é hoje. Havia uma responsabilidade muito grande. Isso era uma coisa muito estressante. Mas nós nos dedicamos. Fizemos assembléia, mudamos estatuto, conseguimos fazer uma transição; não ficaram mortos e feridos nessa história. O pessoal que saiu já estava querendo sair, renovou a Diretoria Sindical, e o DIEESE conseguiu continuar sem maiores sequelas.

Comigo aconteceu o seguinte: eles precisavam de um nome e tinha a questão das centrais. Se o DIEESE ia mudar como ficaria a Presidência? Ia assumir um sindicalista da Força [Força Sindical] ou um sindicalista da CUT [Central Única dos Trabalhadores]?. Na época, o Sindicato dos Engenheiros não estava filiado a nenhuma central e eu acabei virando presidente. Foi uma coisa muito rápida.. Aí nós estabelecemos algumas regras políticas que existem até hoje. De fazer um rodízio entre as centrais na Diretoria. Não se pode ser presidente sem participar pelo menos um ano, na Executiva do DIEESE. Montamos um modus operandi para evitar problemas. Já havia reuniões regulares da Direção Sindical Nacional e a regularidade passou a ser maior. Todo ano são duas reuniões. Essas reuniões sempre começam com uma discussão de fundo sobre questões nacionais, para depois entrar em matérias específicas do DIEESE. Tudo isso, começamos a ajeitar nessa época.

No plano técnico os conflitos não foram tão marcantes. A discussão técnica tem que privilegiar o lado do trabalho, e isso o DIEESE sempre cumpriu à risca. O DIEESE é uma sociedade de sindicatos de trabalhadores e ponto final. Empresa aqui não entra. Não tem patrocínio de empresa. Isso não existe no DIEESE. Quando aparece dá uma discussão danada. Eu mesmo participei de umas discussões dessas.. Quanto às divergências entre as centrais sindicais o DIEESE não se mete. O DIEESE não se mete em discussões como a unicidade sindical. Discutir política sindical não é o objeto do DIEESE. Isso os sindicatos fazem e cada um faz do jeito que quizer fazer.

Por outro lado, o DIEESE faz uma coisa que os sindicatos precisam muito, que é dar assessoria técnica. O DIEESE faz conta, mede o índice do custo de vida, tem o respaldo da sociedade. E é muito respeitado. Isso é fundamental.. Seria um grande problema querer que o DIEESE intermediasse a discussão das centrais. Esse não é o papel do DIEESE. Agora, se eles quiserem vir aqui discutir, podem vir. Mas em geral eles tomam a iniciativa. O DIEESE não chama ninguém para vir aqui. O DIEESE cuida de assessoria técnica e atende. Se a central precisa, ele vai lá, ele atende, faz do melhor jeito possível. Faz o discurso de Economia, Sociologia, o que for, sempre pelo lado do trabalho.

 

Educação/PCDA

O PCDA, Programa de Apoio à Capacitação de Dirigentes e Assessores foi uma iniciativa que marcou muito a época em que estive no DIEESE. Ele surgiu por causa do que chamávamos de reestruturação produtiva, envolvendo principalmente a gestão de qualidade total e a reengenharia,. Isso pegou muito na década de 80, e principalmente na década de 90. Todas as empresas começaram, ou pelo menos falavam em adotar. Só que tem impacto muito grande em cima de quem trabalha; gera demissão. Precisávamos nos capacitar para chegar e discutir isso; negociar. O programa envolveu muitos dirigentes a assessores. Eram treinamentos longos, o. pessoal ficava praticamente internado para fazer o curso. Você via gente do seu sindicato, gente do outro sindicato: "Ah, esse cara fez o PCDA, aquele ali fez o PCDA”.

As centrais continuam com suas diferenças, mas eu tenho a opinião de que o PCDA ajudou a aproximar muita coisa entre elas. Mas era um curso. O DIEESE não ia lá para aproximar ninguém. Se aproximassem ou não era uma questão deles. Era um curso em que todas as centrais opinaram. O DIEESE sempre teve uma coisa interessante: sempre se preocupou em não alimentar a hegemonia em sua Direção. A CUT tende a ter uma direção maior no DIEESE. Mas sempre tem uma preocupação com as centrais que têm menor participação, de serem ouvidas e participarem. É fundamental manter o DIEESE plural.

 

 

Pesquisa/PED

 

 

Outra coisa foi manter a PED, Pesquisa de Emprego e Desemprego. O DIEESE tem uma visibilidade muito grande, quase toda semana está na imprensa. Quase todo mês tem, pelo menos, uma manchete que é do DIEESE para falar da PED, do Custo de Vida.. A Pesquisa de Emprego, juntamente com as pesqisasa de custo de vida, dão muita visibilidade para o DIEESE. Manter a PED não é fácil porque ela é cara, são pesquisas caras. Você tem que entrevistar, ir à casa de cada um e isso gasta muito dinheiro.

 

 

Avaliação/Dieese

 

 

A sociedade tem de reconhecer a capacidade que o movimento sindical teve em se organizar e criar uma instituição que seja útil para ela como um todo, e perceber que o movimento sindical tem grande capacidade de elaboração de diagnósticos e de teses. O DIEESE existe há muito tempo. É um marco na sociedade brasileira.

Um papel fundamental do DIEESE é ajudar na discussão das grandes questòes nacionais. O que vai ser o futuro do Brasil. O déficit público, por exemplo. Deve ser zerado? Acho que o DIEESE tem um papel muito grande nessa discussão. Não de ele fazer a discussão, mas gerar subsídios para o movimento sindical fazer essa discussão. Talvez seja o papel maior dele nos próximos quatro anos.

Eu acho que o DIEESE tem que se esforçar para procurar formas de manutenção mais estáveis e mantendo a dependência no sindicato. O DIEESE só pode ser dependente do sindicato. Tudo bem fazer projetos para o Governo, mas estes devem ser diversificados.. Porque se você tiver um pequeno número de grandes projetos na mão do governo, se o governo acaba com um deles, você sofre um baque. O DIEESE tem que continuar na mão dos sindicalistas. Ele tem que continuar sendo uma entidade do movimento sindical, ponto final. E se sustentar financeiramente, apesar disso. O movimento sindical não tem dinheiro. Hoje pelo menos não tem. É esse o desafio. Não é um desafio que não tenha uma equação. Talvez seja difícil para você implementar uma solução. Mas o DIEESE tem muita abertura na sociedade. Não é muito difícil levantar recursos com o nome do DIEESE. Agora, é difícil você fazer projetos bons. E o DIEESE não pode fazer um projeto que não seja bom. Ele precisa de gente. Assim, um outro desafio é continuar a ter gente que consiga elaborar bons projetos para o DIEESE, que seja capaz de continuar gerando; boas propostas de trabalho para o DIEESE.

 

Avaliação/Movimento Sindical

O movimento sindical é fundamental pelo que ele representa. Se não fosse o movimento sindical os trabalhadores não teriam como se colocar na sociedade e tenderiam a ser ainda mais explorados. Porque dependem do emprego. O Brasil é um país que está sofrendo uma série de transformações, é um país mais democrático, não podemos negar. É um país que está construindo uma democracia que deve ter personalidade própria, diferente do que existe. Porque é impossível o Brasil virar uma nação de primeiro mundo como elas são hoje, principalmente devido aos entraves sociais e ecológicos. Porque não tem mais lugar para aquele tipo de país.

O sindicalista pensa de uma maneira mais livre do que o gerente empresarial, que opera dentro de estruturas prontas. Ele não pode querer sair daquilo e se sair perde o emprego. O sindicalista não. O sindicalista está sempre se propondo a transformar. Se ele está se propondo a transformar, ele tem uma liberdade de proposição; ele propõe mais. Então em um país como o Brasil, que é extremamente carente de propostas, o sindicato é extremamente importante. E isso se vê no dia a dia.

O movimento sindical tende a ser muito bem recebido na universidade pública porque, em geral, coloca questões presentes, necessárias e carentes de reflexão. Eu tenho contato com a USP [Universidade de São Paulo], tenho contato com a Unicamp [Universidade de Campinas]. O que o movimento sindical vai falar lá? Ele vai falar de relações de trabalho, que em geral são injustas. Ele vai falar de salários que em geral estão arrochados. Ele vai falar do emprego. Temas para os quais a universidade, em geral, tem muita receptividade. A freqüência na universidade também é uma questão importante. Ou seja, até onde o pessoal, o filho do sindicalista, o filho do operário tem chance de ir para a universidade?

Nós temos que voltar um pouco a discutir a quem pertencem os grandes meios de produção. Esta é a discussão dos nossos dias porque isso reflete em outras coisas: jornada de trabalho, por exemplo. Hoje tem muita gente desempregada. Não só no Brasil como no mundo inteiro. Ou muita gente com emprego precário. Faz pequenos trabalhos, muito mal remunerado. E a diferença da distribuição de renda está tendo um perfil cada vez mais desfavorável. A questão toda é a seguinte: é preciso melhorar a remuneração e diminuir a jornada de trabalho. No fundo é isso. São duas coisas juntas. Você tem que diminuir a jornada. Por quê? Porque você tem mais tecnologia, você tem mais agilidade de informação. Você tem condição hoje. Mas por enquanto a grande dificuldade é tirar o domínio que as grandes empresas têm da economia. Para qualquer lado que você olhe, você vê o domínio da grande empresa. Seja nas comunicações, nos esportes; para onde você olha, você tem os grandes conglomerados empresariais que tomaram conta. Muito pouca gente ganhando muito dinheiro e um mar de gente ou trabalhando para esse pessoal a baixos salários ou desempregada.

Nós temos um país para construir. O Brasil não tem saneamento básico, não tem habitação, está depredando a Amazônia, uma série de coisas. Você pode construir um país muito melhor. Os bancos estão ganhando muito dinheiro. As grandes empresas estão ganhando muito. A discussão maior, em minha opinião, é essa: que país estamos construindo? Quem participa da construção do país? Quem ganha o quê com isso?

 

Avaliação/Projeto Memória

Eu acho uma iniciativa importante. Qualquer projeto dessa natureza é muito interessante. Você ter um registro histórico. Registro sempre tem um grande valor, eu acho. Alguém que queira estudar, alguém que queira saber. Você vê um depoimento sempre ajuda muito. Principalmente de diversas pessoas diferentes que vão ter visões diferentes. Fiquei muito lisonjeado quando me convidaram. Eu disse: "Bom, pelo menos alguém quer ouvir o que eu fiz na vida. Está ótimo, maravilha." Eu falo com o maior prazer. Eu gostei muito. Obrigado.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

Direito à cidadania é uma coisa importante. Isso eu aprendi no movimento sindical. Quando eu estou com os meus colegas de trabalho, o pessoal muitas vezes não tem noção dos direitos que você tem como cidadão. Direitos mais elementares. Até onde o cara pode te prender, até onde o cara pode chegar e te fazer um interrogatório. É impressionante como as pessoas não estejam atentas para isso. E se você não participa do movimento sindical, você não tem muita noção disso. Quais são seus direitos? Isso me marcou. Marcou-me bastante até.

Outra coisa foi a diversidade. Você conseguir conhecer gente de outras situações sociais, tipos os mais variados. Como tem potenciais na sociedade que não são utilizados. O movimento sindical estimula muita gente que, por outros caminhos, não teria nenhuma oportunidade de mostrar sua capacidade e sua liderança. Você vê a capacidade que as pessoas têm de criar, de falar, de presença de espírito, de elaborar, de ter idéias. Isso é outra coisa que talvez eu não tivesse percebido se não tivesse participado mais. O movimento sindical te promove outras coisas. Ver gente de outros meios. Você tem mais acesso também, de certa maneira, à vida. À vida como ela é vivida nos diferentes lugares. Uma coisa é você ir a um determinado lugar sem falar com companheiros do movimento sindical. Outra coisa é ir falar com eles.. Por exemplo, uma coisa é ir passar férias em uma cidade do Nordeste. Aí eu vou a um hotel, tomo água de coco, vou para a praia.. Outra coisa é você ir lá a trabalho sindical. Você vive a cidade mesmo. Porque o pessoal te leva em lugares que eles conhecem de uma maneira que é muito direta. Vão te levar, por exemlo, no restaurante que tem um parente deles que é garçom; tem outro que faz alguma outra coisa por lá. Você conhece não só o restaurante como conhece como se trabalha.. Participa-se mais da vida das comunidades, via movimento sindical. Ele propicia tudo isso, que são coisas que marcam.

 

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