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Página Inicial Navegação Nossas Histórias Joel Alves de Oliveira

Joel Alves de Oliveira

joel_alves_de_oliveiraHistória de Vida

Identificação
 

O meu nome é Joel Alves de Oliveira, nasci em Maracás, no interior do Estado da Bahia, no dia 7 de dezembro de 1947.

 

 

Família

 

 

O meu pai chama-se José Elpídio de Oliveira e a minha mãe é Juvelina Alves de Oliveira, ambos falecidos. Meus avós paternos, Francisco Elpídio de Oliveira e Maria Firmina de Oliveira. Meus avós maternos, Maria Florência de Oliveira e José Antônio de Oliveira. Meu pai era marchante, matava boi e vendia a carne, e lavrador. E a minha mãe era uma senhora do lar. Ela costurava para fora para ajudar a manter a família com uma máquina que tinha uma manivela, aquela máquina manual.

Tenho onze irmãos, seis homens e cinco mulheres. Dois deles, falecidos. Éramos lavradores. Eu também comecei assim, e, posteriormente, todos os irmãos, os homens, foram tapeceiros. Eu aprendi com um deles, o Oliveira, que aprendeu a profissão e foi ensinando para os demais. As minhas irmãs eram todas do lar, nenhuma teve uma atividade especial.

 

 

Infância

 

 

Com mais ou menos um ano de idade vim para uma cidadezinha chamada Campinhos no município de Maracás. Antes de ser cidade Campinhos era uma vila que tinha só uma rua bem longa. Em frente a minha casa a rua tinha mais ou menos uns 150 metros de largura. Do outro lado, tinha algumas casas, à esquerda uma represa muito bonita e no meio um campo de futebol. Era um vilarejo de poucos recursos, não tinha uma escola pública, por exemplo, não tinha um hospital, não tinha um cinema, essas coisas que as crianças gostariam de ter e precisam ter. Nós não tínhamos nada disso.

Eu comecei a trabalhar muito cedo. Eu tinha seis anos de idade, porque, infelizmente, as crianças do interior não têm essa mordomia que temos na cidade. Lembro que o meu pai comprou uma enxadinha bem pequenininha, botou um cabinho e disse: “filho, hoje nós vamos trabalhar na roça. Nós vamos carpir o feijão.” E eu disse: “Ah, é pai, então vamos”. A roça era um pouco longe, e logo que cheguei, dei uma ou duas carpidas, arranquei uns matinhos, e meu pai estava carpindo. Aí perguntei: “Pai, que hora a gente volta para almoçar? Eu já estou com fome.” Eu tinha caminhado de casa até lá, tinha uns quatro quilômetros e já estava com fome. “Filho, na hora que nós chegarmos naquele coqueiro - vamos carpir até lá - e assim que terminar, vamos embora.” Eu olhei o coqueiro e pensei: “Não é possível. Esse coqueiro deve estar uns dez quilômetros daqui. Quando vamos chegar lá? Pelo amor de Deus!” Essa é uma imagem que guardo até hoje.

 

Educação
 

A minha mãe foi uma mulher extraordinária, era muito enérgica e tinha uma dificuldade muito grande para educar as crianças. Os meus irmãos foram para fora, para estudar com um professor que se chamava Vilanova, mas eu como fui o mais novo da família, não tive essa oportunidade. Porque o meu pai e os meus irmãos já estavam aqui. Minha mãe estava praticamente sozinha. Para me ensinar a ler, a minha mãe montou uma escola. Ela falou: “Não tem escola. Como é que vamos fazer para educar essas crianças? Como é que eu vou ensinar o Joelzinho a ler?” Ela resolveu montar uma escola na própria casa. A nossa casa tinha uma sala; à esquerda, o “quarto dos santos”, onde tinha um oratório com muitas imagens de santos; a sala de estar; seguindo, uma outra sala, que era a de jantar com uma mesa longa e dois bancos nas laterais; ali, tomávamos as refeições. Depois, a cozinha, o quarto das crianças. Ela mandou fazer uns bancos onde, durante um ano e pouco, ela ensinou aquelas crianças da cidade. Eram vinte e poucas crianças, todas dali, daquele vilarejo, que ela ensinou a ler e escrever. Eu me lembro que todos os dias cantávamos um hino. Ou cantava o Hino Nacional ou cantava o Hino da Bandeira. Ela era uma pessoa de pouco conhecimento, não sabia a quarta operação matemática. Não sabia, por exemplo, dividir, mas ensinou as outras três operações. E aprendemos.

Depois, fui para uma outra escola que era no interior. Saíamos pela manhã e levávamos a comida para fazer lá. Levávamos arroz, ovo, feijão, farinha, que era o alimento natural daquela região. Lá havia uma escola que não era pública. Não sei se era escola paga. Acho que se dava alguma coisa para uma senhora que ajudava a educar e alfabetizar as crianças. Eu ia de manhã e voltava à tarde. Eram seis quilômetros para ir e seis para voltar. Íamos a pé, não tinha outro jeito. Bicicleta ou essas coisas. Era aquele grupo de crianças, brincando pelo caminho.

O nome dessa professora era Dona Teófila de Araújo, ela tinha 84 anos quando estudei lá. Era extremamente enérgica, pegava uma régua - lembro que ela tinha uma mão muito trêmula - e saía em volta da sala, tomando a lição das crianças: “Leia isso ou diga tal coisa, tal texto”. Quando a criança errava, ela dava uma “reguada” na perna que ardia. Ninguém queria levar reguada. Ela nos chamava, nos finais de semana: “Agora você vai recitar a Matemática”. Ela ia perguntando: “Sete vezes sete; cinco vezes oito.” E assim por diante até vinte vezes vinte; e você era obrigado a responder. Decorávamos a Matemática. Ela achava que aquilo era fundamental. Eu tive esse ano com a minha mãe. Foi durante, mais ou menos, um ano e pouco. Aprendi a ler e escrever, a cantar os hinos, e depois com a dona Teófila.

 

 

Migração

 

 

O primeiro que saiu de casa foi o meu irmão mais velho, o Jonas. Veio, primeiro, para São Paulo e depois foi para o interior do Paraná. Depois, foi o meu irmão Juarez, a seguir o meu irmão Oliveira, e depois o meu pai e o meu irmão, mais velho do que eu, o José Antônio. Eles foram para o interior do Paraná para trabalhar como lavradores. O meu pai ficou aproximadamente uns dois anos. Naquela época, ele pegava um trem na quarta-feira e chegava aqui em São Paulo no domingo. Depois, voltou, levou algum dinheiro para ajudar a família.

Eu e minha mãe ficamos, durante uns quatro anos, tomando conta de uma fazenda e de uma venda do meu cunhado, chamado Damião. Eu acho que tinha uns nove anos. O meu pai tinha separado da minha mãe, a situação estava muito difícil. Ela resolveu vir para São Paulo e eu, naturalmente, vim junto com ela. Chegamos aqui em São Paulo no dia 8 de fevereiro de 1961, um dia de Carnaval. Eu vim para uma pensão na Avenida Rangel Pestana, 2188, guardo bem esse detalhe. E o pessoal passava nos bondes batendo na lateral, cantando e eu ficava ali na porta, encantado, “nossa, que coisa maravilhosa!” Ficamos um mês e depois, fomos para o interior de São Paulo, lá numa cidade chamada Pacaembu.

Meu irmão havia arrendado uma terra de dois alqueires e trabalhar na lavoura. Fomos plantar amendoim e para quem não conhece, essa é uma lavoura pequena muito delicada. Não pode deixar nem um pedacinho de mato, porque se tiver já estraga a lavoura. Começamos a trabalhar e o amendoim cresceu, ficou aquela maravilha. Os dois alqueires pareciam um tapete verde. O amendoim deu aquelas flores bonitas e começou a fazer aqueles esporões para sair a vagem. Mas, quando floresceu, foram vinte dias de sol. O amendoim cresceu e enroscou. Deu um prejuízo desgraçado. Depois nós fomos trabalhar na lavoura de café, beneficiando o café, tombando a terra.

Passado um ano e pouco eu vim para São Paulo. Alugamos uma casa na Vila Maria e reunimos todos os irmãos nessa casa. Antes, cada um morava numa pensão, um trabalhava numa siderúrgica, meu irmão mais novo trabalhava, na Sideralto e os outros trabalhavam em indústria de estofados, eram tapeceiros. E veio mais um outro irmão que tinha ficado na Bahia, que era o Gilberto, veio com a família. Reunimos todos na Vila Maria numa única casa, na Rua Belisário Pena, número 344 no Alto da Vila Maria. Ficamos ali alguns anos até quando eu me casei em 1971.

 

Trajetória Profissional

 

 

Quando cheguei em São Paulo arrumei o meu primeiro emprego. O meu irmão tinha um amigo que trabalhava numa loja de calçados na Rua do Seminário, aqui no Centro de São Paulo. Ele falou: “Você vai lá amanhã, fala que é meu irmão, que o fulano vai te dar um emprego.” Apresentei-me e ele disse: “Você fica na porta, só mandando as pessoas entrar.” Mas eu não me conformava, eu queria atender as pessoas. E o cara falava: “Você não tem que atender as pessoas, você tem que mandar as pessoas entrarem”. Eu fiquei dois dias agoniado. Falei para o meu irmão: “Não vou mais trabalhar. O cara não me deixa atender os clientes!”. O meu irmão trouxe umas tachinhas, um martelo, e falou: “Toma essa cadeira, desmancha toda e faz outra vez”. Eu desmanchei e fiz a cadeira de novo. Só que ficou torta. Ele chegou à noite, olhou e disse: “Está reprovado. Pode desmanchar e fazer outra vez.” Desmanchei, na terceira vez que eu fiz a cadeira, o plástico já não dava mais. No quarto dia, ele falou: “Agora, toma esse endereço e vai na Indústria de Móveis Tubolar. Fala que é tapeceiro.”

A fábrica ficava na Avenida Rangel Pestana, perto do Cine Piratininga. Cheguei e falei para o porteiro: “Está precisando de menor?” Ele falou, “Menor não.” Eu falei: “Mas, eu sou tapeceiro!”. E ele: “Vai lá que o chefe da seção está precisando de tapeceiro.” O chefe me mandou voltar, no dia seguinte, para fazer um teste. Voltei para casa todo eufórico: “Ah! Arrumei um serviço!” No outro dia, fui fazer o teste: era para fazer uma cadeira; o encosto era curvadinho. Eu estofei o encosto pelo lado contrário! O cara falou: “Onde você trabalhava?” Eu dei uma de "João-sem-braço” e falei: “Eu trabalhava na Rua Anima, não me lembro o nome da empresa...” E ele: “Mas, está errado. A gente estofa pelo lado de cá.” Eu disse: “Ah! Tinha umas cadeiras lá que eram assim...”.

Lá havia uma seção com muitos tapeceiros, devia ter uns cinqüenta. E o pessoal fazia de 20 a 30 cadeiras por dia. No meu primeiro dia, eu desmanchei e tornei a fazer umas duas cadeiras. Depois, umas três, depois umas quatro... O pessoal gostava muito de brincar, faziam bolas de algodão e botavam umas tachinhas nelas e jogavam, ninguém aparecia. Um desses caras, me deu uma bolada e eu saí xingando. Eu ainda era bastante ignorante. Um cara alto e forte disse: “Fui eu e daí?” O cara veio, me deu um tapa e eu virei e dei um soco na barriga dele. E ele disse: “Eu vou te pegar na saída.” Depois disso, todo dia eu ficava até mais tarde porque o cara ficava na porta esperando para me bater. Eu fiquei mais ou menos um mês nessa agonia e depois saí da empresa.

Fui trabalhar numa outra empresa chamada Encanto do Lar, como aprendiz, mas com certa prática em fazer cadeiras. Depois, fui para uma outra empresa, a Indústria de Móveis Olímpia que depois passou a se chamar Formicrom. Aprendi a profissão e me desenvolvi mais, porque era uma indústria de móveis finos. Tudo era amarradinho, as molas eram amarradas individualmente, depois você fazia um negócio chamado borlê, que era dava a volta em todo o sofá, enrolava com a crina e costurava. As madeiras dos móveis eram de cedro. Era uma coisa fina. Fiquei lá de 63 até meados de 64, depois do golpe militar.

Eu aprendi a trabalhar, desenvolvia bem o serviço e conseguia fazer uma boa produção. Mas eu era garoto ainda, eu tinha uns 16 anos. Um dia pedi aumento para o patrão. E ele falou que eu já estava recebendo um salário mínimo. Eu falei: “mas eu já faço seis poltronas por dia”. E ele disse: “mas você é muito criança ainda, eu não posso te dar aumento, senão vou ter problema com os outros”.

Quando aconteceu o golpe militar eu ainda estava lá. Eu acredito que o Sindicato [dos marceneiros] “puxou” uma greve, contra o golpe militar, porque eu estava lá e fui demitido nessa greve. Um dia cheguei de manhã e o pessoal do sindicato estava na porta da fábrica: “hoje é dia de greve, ninguém vai entrar para trabalhar.” Eu já estava “mordido” com a firma porque não me dava aumento e eu fui falar com o gerente para me dar o vale. E ele: “Eu não vou dar vale para vocês ficarem em greve” Aí resolvemos ficar de greve. Acho que a greve durou um dia e nós ficamos três dias. Quando nós voltamos ao trabalho, eu e esse colega, nosso cartão não estava na chapeira. Fui demitido sem direitos. Esse foi o meu primeiro contato com o sindicato.

A partir daí, trabalhei em várias empresas. Trabalhei na Indústria de Móveis Anon que era na Rua Bresser, dali fui trabalhar para uma empresa chamada Ecart, no Parque Edu Chaves. Mas eu era muito irrequieto, queria ganhar um bom salário. O dono de lá veio do Liceu de Artes e Ofícios, onde os tapeceiros trabalhavam finamente. Trabalhavam com dedal e umas agulhas sextavadas para alinhavar os móveis. Cheguei e falei que queria ganhar duzentos mil cruzeiros ou alguma coisa assim. Ele disse que era muito dinheiro. Falei que eu era um bom tapeceiro. Eu fiz o teste e ele viu que eu trabalhava bem, daí uns três, quatro dias, me chamou e fui trabalhar nessa firma. No final do mês eu recebi uma “bolada”, cheguei e espalhei em cima da mesa. Meus irmãos: “Onde você achou esse dinheiro? Você fez alguma coisa? Assaltou alguém?“ Eu falei que estava ganhando bem. Trabalhei nesta empresa uns dois, três meses. Um dia eu estou no banheiro, e li num jornal: “Precisa-se de tapeceiro para fim de semana” .Falei:“eu vou pegar um bico no fim de semana.” Eu tinha aí uns 18 anos, 19 anos e fui lá na Anselmo Cerello.

A Anselmo Cerello era uma firma de trezentos e cinqüenta empregados, lá na Alameda Cleveland, junto da Estação Sorocabana. Eu falei com o rapaz que tinha visto o anúncio e estava disposto a trabalhar nos fins de semana. Eles tinham muitos pedidos e trabalhava com móveis de junco e vime, escovas, vassouras, pincéis, essas coisas. Eu comecei a trabalhar no sábado e domingo, eles gostaram do meu trabalho e fiquei trabalhando na Ecart e na Anselmo Cerello. Passado um tempo, o tapeceiro principal deles ia fazer uma operação de catarata. Eles me falaram: “Você não quer vir trabalhar conosco?” E eu: “Mas eu quero ganhar trezentos mil cruzeiros.” Ele falou que não dava, mas um dia mandou me chamar e disse que pagava duzentos na carteira e cem por fora. Então, sai da Ecart, e fui para Anselmo Cerello, ganhando trezentos cruzeiros. Era muito dinheiro e eu era um bom tapeceiro.

 

Militância Política

 

 

Foi na empresa Anselmo Cerello, que tomei contato com a militância sindical. A Anselmo Cerello é uma firma tradicional, fundada em 1910 e havia diversas correntes do movimento sindical. Tinha uns quatro ou cinco anarquistas, tinha o pessoal do Partido Comunista e um pessoal anticomunista, principalmente os portugueses que trabalhavam na área de vassouras e cestas. Esse pessoal tinha vindo de Portugal, mas ainda tinha um resquício do Salazarismo. Eu não entendia nada.

O nosso sindicato, o Sindicato dos Marceneiros de São Paulo, estava sob intervenção, vários membros da diretoria estavam responderam processo, alguns pegaram dez anos de cadeia, outros perderam os direitos políticos. A categoria estava tentando se recompor. E lá, internamente, tinha companheiros que pertenciam à diretoria do sindicato cassada. Eu me lembro do Lázaro de Oliveira, que era um rapaz moreno e magro. Todo dia ele comprava o jornal Última Hora, sentava no pátio e lia as notícias. Eu não tinha nenhuma visão política, mas eu não gostava de ver os cartazes de "Procura-se" que a ditadura colocava. Porque a ditadura militar tinha os operários como o inimigo. Eu tive acesso a um livro da chamada Escola Superior de Guerra, no qual colocava como um dos primeiros inimigos a classe operária, como um perigo iminente para a ditadura.

Dentro da Anselmo Cerello havia um silêncio, porém era como aquela música do Chico Buarque: “as pessoas conspiravam nas masmorras...”. Eu não entendia nada de sindicato, mas o sindicato foi reconquistado pela categoria, em 66 e em maio de 67, fui convidado pelos companheiros, pelo Lázaro de Oliveira, para me filiar. Eu respondi: “Mas porque filiar ao sindicato?” Ele falou: “eu vejo que você se interessa por essas notícias, que você acha injusto perseguir os estudantes e os operários". Eu falei: "Vou me filiar ao sindicato." Ele me passou uma folha, preenchi, levei ao sindicato e fizeram minha carteirinha. Comecei a ter contato com esse pessoal, mas não entendia bem aquela divisão. Não sabia porque uns caras defendiam uma opinião e criticavam outros.

Na hora do almoço, tinham mesas no pátio da empresa e lá o pessoal jogava. Os portugueses jogavam dominó e os outros jogavam truco. Eu ficava ali observando e, de vez em quando, saía uma discussão política. Logo depois parava porque todo mundo tinha um medo terrível. Em setembro de 67, nos chamaram para uma assembléia e eu fui ao sindicato. Era o começo da campanha salarial. Na assembléia eu pedi a palavra - eu não entendia "bulhufas" de sindicato -, mas pedi a palavra e falei: “Senhores, acho que nós todos devemos votar no MDB [Movimento Democrático Brasileiro].” Fiz um argumento em cima. Tinha eleição no ano seguinte, em 68. Ficou todo mundo em polvorosa no sindicato. O presidente cassou a minha palavra: ”Aqui é campanha salarial. Isso aqui não é um partido, você não pode ficar falando em política aqui dentro do sindicato.” Porque o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] estava lá dentro. Cassaram a minha palavra. Quando eu estava saindo, alguns militantes que estavam camuflados lá dentro me falaram: “Nós gostamos muito de você, continue freqüentando, achamos a tua idéia boa, nós temos que votar no MDB mesmo.” Fiquei mais aliviado. Pensei: “Pelo menos, tem alguém que concorda comigo.” O fato é que muita gente concordava, mas ninguém falava nada.

Voltei, na assembléia seguinte, mas não falei nada. No ano seguinte, em 68, fui novamente para a assembléia. Aí me elegeram para a Comissão de Salário. A partir daí passei a levar folhetinhos do sindicato para o pessoal da minha fábrica. Eu fui pegando gosto pela coisa. Mas voltei totalmente desiludido da campanha salarial. O nosso advogado, o Doutor Altiva Ovando nos acompanhou na Delegacia do Trabalho e falou que eles não queriam fazer negociação. Aí, lavrou a ata de comparecimento e mandou para o dissídio. Eu disse: “Mas tem que ter uma negociação, não é possível. Você faz uma Comissão de Negociação, chega lá e ninguém fala nada?” Fizeram um acordo depois no Tribunal. As negociações eram assim desse jeito. Fazia-se uma pauta, mandava para o sindicato patronal, instaurava uma mesa-redonda na Delegacia do Trabalho, fazia uma ata e não tinha discussão nenhuma entre as partes. No ano seguinte, me colocaram na Comissão Salário novamente. Aí, na mesa-redonda com os patrões, aqui na Praça Dom José Gaspar, o Dr. Altiva disse que eu deveria falar: “Você queria fazer negociação, então fale o que você quer.” Quase morri do coração, eu não estava preparado. Eu falei: “o senhor que é o nosso advogado, fala para eles o quê queremos.” Mas eu tive que falar. Naquela época, apesar de o DIEESE estar quase numa semi-clandestinidade, ele divulgava algumas informações. Falei que o custo de vida estava alto e que queríamos aumento de salário. Eu voltei "envenenado". Pensei: “Como é que ele [Dr. Altiva Ovando] pega um peão que sai da fábrica e pede para falar porque quer que tenha negociação?”

Nos anos seguintes eu resolvi me preparar. Comecei a ler todos os livros sobre o movimento sindical, sobre negociação. Havia uma censura desgraçada, praticamente, você não tinha acesso à cultura, mas encontrei alguma coisa na biblioteca. Era uma dificuldade terrível. Aí, lá Anselmo Cerello começou a ter uns cursos dados pelo SESI, que era justamente uma orientação da ditadura militar. Eles mandavam dar uns cursos nas fábricas de orientação para os operários, falavam muito de moral e civismo. Eu comecei a me interessar e a fazer esses cursos. Travávamos um debate com os professores. Lembro de uma professora chamada Elza. Eu fiz um questionamento. “Por que aqui não tem socialismo?” Ela: “Pelo amor de Deus, você não pode falar isso. Eu posso perder o meu cargo. Não posso discutir essas coisas, é para discutir moral e civismo”. Eu participei de uma maratona do SESI sobre moral e civismo e acabei ganhando o terceiro lugar, em nível do Estado. Na final, tinha uma mesa, estava o presidente da FIESP [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] todos que iriam julgar os operários que estavam participando. Sorteiam o ponto. Para mim saiu: Democracia. Falei assim: “Democracia é uma coisa que está no interior de cada indivíduo. Por exemplo, o pessoal da União Soviética, diz que são democratas. A China fala que também é democrata. Aqui no Brasil, que é um regime militar, também falam que é uma democracia. Acho que democracia é uma coisa onde tem o direito de todo mundo.” Criou um “banzé” naquela mesa. Levantou um advogado: “Você está confundindo totalitarismo com democracia. Na União Soviética existe o totalitarismo, na China existe o totalitarismo.” E foi por aí afora. Mesmo assim, na votação geral, peguei o terceiro lugar nessa maratona estadual.

Eu fui fazendo aquela militância no sindicato e, em 1970, comecei como auxiliar do Departamento Recreativo. Fui ajudar no Departamento Recreativo, passei a ser técnico do time de futebol do sindicato. Nesse departamento tinha um jovem operário, chamado Antônio Carlos Negreiros. Não sei se é vivo ainda. Era recém-casado, participava do sindicato e trabalhava numa firma chamada Mobilínea. Ele e a mulher eram estudantes universitários. Ele falava muito de política.

Nós fomos disputar um jogo no campo Maria Zélia, na Vila Maria, num Primeiro de maio. O campo era cercado por umas ripas de madeira, como alambrado, e tinham vários degraus. Era coberto. Eu estou lá, na beira do campo e, de repente, uma pessoa que estava do meu lado some. A esposa do Antonio Carlos estava bem na ponta do alambrado, torcendo também e, de repente, não estava mais. Fiquei invocado e saí procurando. Quando eu entrei atrás da arquibancada, tinha um cara da Polícia Federal, com uma metralhadora. Do outro lado, um outro também com metralhadora e um monte de gente ali atrás. Todos com a mão na cabeça, inclusive a mulher do Antonio Carlos. Eu saí correndo, feito louco: “Pára o time, pára o jogo, estão prendendo todo mundo aqui.” O Antonio Carlos correu e pulou em cima dos caras. Os caras queriam dar um tiro nele. Foi aquela confusão danada. O campo estava todo cercado pela Polícia de Choque. Os camburões, aqueles brucutus, os carros do Corpo de Bombeiros com água. Cercaram o campo do Maria Zélia, na Vila Maria, no Primeiro de Maio. O Antonio Carlos se agarrou no carro do DOPS porque prenderam a mulher dele e ela estava grávida. Os caras não queriam levá-lo. Mas, no fim, ele acabou indo junto. Levaram um monte de operários. A esposa do Antonio Carlos sofreu terríveis torturas lá no DOPS e acabou perdendo a criança de tanto apanhar. Foi uma desgraça. Foi o primeiro choque, que eu tive com a repressão da ditadura militar.

Todo mundo tinha um medo terrível. Parecia que eles tinham uma pessoa em cada esquina, visualizando os passos de todo mundo. Tinha um dirigente do sindicato chamado Rômulo Pinto Magalhães, quase analfabeto, mas com uma visão política extraordinária. Eu falei para ele que ia entrar na luta armada, porque não me conformava. E ele falava: “Vale mais um homem vivo, fora da cadeia do que um preso. O meu irmão está preso no Rio de Janeiro. O que ele faz? É mais conveniente, ficarmos fora para continuar esse trabalho de esclarecimento.” Ele me convenceu, mas eu via os cartazes de “Procura-se”, de estudantes, e ficava “envenenado”. Comecei a participar mais ativamente do sindicato.

 

Trajetória Sindical

 

 

Em 72, os operários da fábrica fizeram um abaixo-assinado e encaminharam ao sindicato solicitando que eu fosse incluído na diretoria. Na verdade, eles queriam substituir um dirigente do sindicato da nossa fábrica, era o Antenor. Eles queriam tirar o Antenor e me colocar no lugar dele. Aí, criou um pandemônio dentro da fábrica porque o pessoal de tendência comunista e os anarquistas tomaram essa iniciativa de fazer o abaixo assinado. O pessoal mais à direita assinou, mas depois, na hora de tirar o Antenor, eles não quiseram. E o Antenor foi lá, pediu para o pessoal e o pessoal achou que devia ficar os dois. Fizeram um outro abaixo-assinado pedindo que tivesse os dois dirigentes da Cerello na chapa. A diretoria do sindicato aceitou e eu fui incluído como suplente da diretoria.

Entrei para direção do sindicato e a partir daí comecei a freqüentar várias atividades do sindicato, por exemplo, os congressos de prevenção de acidentes. Tinha uma organização chamada Frente Nacional do Trabalho [FNT], ligada à Igreja, que tinha o Salvador Pires como presidente. A FNT professava uma política à esquerda da Igreja, das Comunidades Eclesiais de Base. Comecei a participar dessa organização e freqüentar suas reuniões. Eu fui me esclarecendo a respeito da importância do sindicato na vida dos trabalhadores. E comecei a atuar mais intensamente dentro da fábrica.

Era terminantemente proibido falar em greve. A única pessoa que falava em greve sem ser punido era o Almir Pazzianoto que era advogado dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e da Federação dos Metalúrgicos. De vez em quando, na época do dissídio coletivo ele falava: “sem o direito de greve, os trabalhadores não vão conseguir as suas reivindicações.” Na Anselmo Cerello, começamos a falar de reivindicações de custo de vida e usávamos artigos do DIEESE [no jornal do sindicato] sobre o salário mínimo. Em 75, fizemos um movimento para conseguir uma antecipação salarial e acabou dando certo embate. Essa empresa tinha muitos processos na Justiça do Trabalho. Uns cinqüenta processos. A maioria dos trabalhadores da Anselmo Cerello eram estáveis. Até eu tinha um processo lá, que eu abri em 69, porque eu queria que fossem “integrado” aqueles 100 cruzeiros, da minha contratação.

Quando eu entrei no sindicato passei a chamar a empresa para resolver os problemas daqueles processos. Fizemos um acordo com um operário lá dentro da empresa, sem o sindicato saber. Eu era suplente. Aí me chamaram no sindicato: “E se isso fosse contra o trabalhador? Você tem que vir aqui primeiro, conversar conosco, para te orientarmos até que ponto você pode chegar.” A diretoria me proibiu de fazer uma negociação sem o conhecimento dela. Começamos a fazer essa negociação. Eu vinha no sindicato e falava: “Tem mais um processo.” Fomos negociando, negociando... Fizemos acordo em uns 20 processos. Os trabalhadores saíram satisfeitos.

Em 75, essa negociação interna tinha provocado a contratação pela firma de um advogado chamado Brenan Couto, um “direitoso” que fez curso na Escola Superior de Guerra, com habilidade em negociação. Eu sugeri que uma comissão de trabalhadores pudesse acompanhar as negociações. Eu chamava os caras da CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] e eles me acompanhavam nessa conversa que era toda sexta-feira. Conseguimos resolver vários processos e eu propus à empresa, que nós constituíssemos uma comissão de caráter permanente dentro da fábrica. A empresa: “Mas Comissão de Fábrica é uma coisa proibida...” E eu: “Mas é uma comissão de negociação só para acompanharmos os processos.” Consegui convencer a empresa a constituir uma comissão. Fizemos um estatuto dessa comissão e fomos para a eleição. Elegemos uma comissão com voto secreto, tudo bonitinho, cinco membros e cinco suplentes. Eu para constar e o advogado [da empresa] concordou em ter uma clausula de garantia de estabilidade por um ano para o pessoal da comissão. Acredito que tenha sido a primeira Comissão de Fábrica que foi montada pós-golpe militar de 64.

Passado certo tempo, a comissão passou a ter conquistas e a firma demitiu o advogado. Aí ele nos procurou na hora do almoço:“Fui mandado embora. Vocês foram culpados...eu permiti a constituição dessa comissão”. Fui lá e conversei com o pessoal da comissão, fizemos um movimento dentro da fábrica, começamos a fazer uma pauta de reivindicações internas e querer a negociação. Ai veio o advogado da empresa, o Dr. Brenan, a empresa chamou ele de volta para fazer essa negociação. Ele refez o contrato com a empresa e permaneceu como advogado da empresa por muito tempo.

Eu já estava como membro do Conselho Fiscal e teve uma outra eleição no sindicato em 78, fui eleito 2º tesoureiro. Devido a essas atuações que eu tinha nas assembléias, o pessoal [a diretoria do sindicato] resolveu me liberar da produção para ir para o sindicato. Já estava há onze anos na fábrica. Fui tomar conta da subsede do sindicato em Taboão da Serra, a partir de setembro de 78. Eu levantava às cinco horas da manhã e dormia tantas horas da noite. Eu cuidava dessa parte de São Paulo que pega Taboão da Serra, Osasco, Lapa, até a Vila Maria. Eu não almoçava, eu saía feito doido, todo dia, tentando fazer do sindicato um instrumento de luta dos trabalhadores. Foi realmente um trabalho muito grande.

No final de 80, teve um problema interno no sindicato, o 1º tesoureiro foi destituído e eu fui levado a assumir a tesouraria do sindicato. Lá na subsede em Taboão da Serra, começamos a fazer muitos cursos. Eu achei um pessoal muito bom da Frente Nacional do Trabalhado [FNT], uns advogados, que ajudaram. Tinha um jovem advogado, Carlos Eduardo Sampaio Garcia, hoje é juiz do Trabalho, que tinha um conhecimento jurídico fantástico. Ele me ajudou muito nas aulas de política.

Eu sindicalizei muitos trabalhadores. Naquela época, tinha o chamado Acordo de Compensação de Hora de Trabalho, que a lei exigia que fosse feito para os “menores e mulheres”. Eu chegava nas empresas de Taboão da Serra e falava: “Olha, o acordo de compensação de hora de trabalho está vencido, você tem que fazer senão vem a fiscalização e te multa.” A empresa fazia a solicitação do Acordo. Eu vinha na sede central do sindicato e o presidente falava: “Leva esse livro para a empresa colher as assinaturas [dos trabalhadores] e depois passamos lá em dois ou três dias. Pega o livro, faz a ata e manda para a Delegacia do Trabalho.” Eu falei: “Devíamos aproveitar esse momento para sindicalizar os trabalhadores. Vamos lá, falamos do sindicato e pedimos para o pessoal fazer a carteirinha de sócio.” Naquela época, o sindicato tinha mais de cinqüenta mil trabalhadores na base. Eu via, naquilo, uma possibilidade do sindicato ir para dentro da fábrica. O sindicato não tinha um carro de som, só falava com o trabalhador na hora em que ele saía, distribuía um boletim feito no mimeógrafo a álcool.

Eu ia às fábricas, falava com o patrão: “Eu estou aqui com o livro do sindicato para colher as assinaturas. Mas eu quero que você reúna todos os trabalhadores para eu explicar o que é Acordo de Compensação de Hora. Senão ele não vai saber cumprir.” As firmas foram permitindo, porque era uma obrigação. Eu ia lá aproveitava e falava do sindicato.

Eu escrevi uma cartilha dizendo o quê era e como funcionava o sindicato. A diretoria achou boa e imprimiu. Eu levava essas cartilhas na fábrica, dava para os trabalhadores, pedia para assinarem o acordo e ficar sócio do sindicato. Isso foi feito uma, duas, três... dez, vinte vezes. Pensei melhor e falei: “Mas por que não exigimos que tenha um operário dentro para fiscalizar esse Acordo de Compensação de Hora de Trabalho? Os trabalhadores elegem um fiscal do cumprimento do acordo.” A diretoria do sindicato aceitou a idéia. Elaboramos um acordo com uma cláusula que essas pessoas tinham uma garantia de emprego de três anos, dois anos do Acordo de Compensação de Horas, mais um. Fiquei radiante: “Agora, nós vamos eleger delegado sindical aqui na base.” E comecei. Chegava na firma, batia o pé e falava: “Eu quero uma reunião com os trabalhadores para fazer o acordo e quero que seja eleito um Fiscal do Cumprimento do Acordo.” Os patrões, às vezes nem liam o acordo. Quando eu comecei a pegar as firmas grandes, começou a dar problema. Ligavam para o sindicato patronal, que ligava para a Delegacia do Trabalho, que ligava para o presidente do sindicato: ”O seu diretor está fazendo uma exigência descabida. Isso não está na lei.” Mas eu batia o pé: “Só faço o acordo se tiver isso aí.” E a empresa dizia: “Mas você tem que fazer o acordo, porque o fiscal vai vir aqui multar”. E eu: “Então, o fiscal vai te multar.” O pessoal da DRT [Delegacia Regional do Trabalho] e do sindicato patronal apertava o sindicato, e eles me apertavam: “Joel, você tem que parar com isso. Você não pode mais fazer essa exigência. Se a empresa não quiser que eleja o fiscal do acordo, você não pode exigir.” E eu, muito teimoso: “Mas tem que ser”. Em decorrência disto, criou um problema entre mim e a diretoria do sindicato.

Eles [a diretoria do sindicato] resolveram que eu não podia mais continuar na direção do sindicato a partir do próximo mandato. Ou eu abria mão de fazer essa exigência ou então eu tinha que ficar fora da diretoria, porque estava causando muito problema; era muita pressão dos patrões em cima da diretoria. Além disso, eu também estava querendo que na próxima gestão do sindicato aproveitassem alguns companheiros que foram cassados em 64. Tinha companheiro com o nome trocado na categoria, porque ainda era perseguido. Eu disse: “Teve a Anistia e nós temos que trazer esses companheiros.” E a diretoria do sindicato: “Pelo amor de Deus! Se fizer isso o sindicato entra em intervenção de novo.” Esses motivos levaram a diretoria a tomar uma posição de que na próxima eleição eu ficaria fora. Eu pensei: “Vou fazer minha chapa.” E parti para fazer uma chapa.

No nosso sindicato tinha o trabalhador em madeira e eu fiz a sugestão de que mudássemos o nome do jornal do sindicato. Fiz uma enquete, lá na subsede de Taboão. Sugerimos mil nomes e um desenho. O ”Pica-pau” acabou sendo o nome escolhido pelos trabalhadores. A diretoria aceitou e mandou fazer o primeiro “Pica-pau”. Só que esse primeiro número veio com propaganda da diretoria. Eu falei: “Eu sou o tesoureiro e não pago o jornal.” Aí criou um problema com o Serjão [Sérgio Gomes], da Oboré [editora]. Hoje ele é um professor de Jornalismo, muito famoso. Mas acabei não pagando esse jornal, porque era um jornal de propaganda da diretoria usando o “Pica-pau”, que os trabalhadores ajudaram a criar. O resultado foi que rachamos mesmo e eu fiquei sozinho contra o restante da diretoria.

Fiz uma chapa chamada “Chapa 2 - Unidos Para Vencer”. A base principal da chapa foi a subsede e a minha área. Teve dois turnos. No primeiro, eu ganhei, sendo que a urna 9, lá da minha base tinha 405 votos da minha chapa, e 50 votos da Chapa 1, a chapa da diretoria. Aquela urna decidiu a eleição. No segundo turno, aconteceu um fato extremamente desagradável. Houve o embate eleitoral e aquela coisa toda com muita gente participando. Eu tive apoio de várias pessoas, especialmente daquelas ligadas à Frente Nacional do Trabalho. Eu estava trazendo na chapa alguns companheiros cassados pelo golpe militar de 64. Isso foi um escândalo! Eu entendia que precisava resgatar a “Fortaleza da Praça da Sé”, que era o nome que o nosso sindicato tinha quando era na Praça da Sé. Esse era o nosso slogan: “Vamos resgatar a Fortaleza da Praça da Sé”. No segundo turno, veio a apuração e foram deixando a urna 9 por último. Eu não tinha mesário, porque, naquela época, os presidentes de sindicato nomeavam todos os mesários. Eu só tinha fiscal. Quando foi a hora de apurar a urna 9, entraram com impugnação: “Está impugnada a urna 9.” Eles estavam ganhando por duzentos e poucos votos. Disseram que a urna havia chegado antes da hora. Nós dissemos que voltou na hora. Aí ficou “voltou, não voltou, voltou, não voltou”. Criou aquele embate dentro da sede do sindicato. Já era uma hora da manhã. Tinha um jornalista da Rádio Bandeirantes, o Pedro Luís Ronco, que estava acompanhando essa eleição.

Não sabíamos que tinha um cara que estava participando das nossas reuniões de chapa e participava da deles também. Era um cara da Polícia Federal infiltrado na eleição. Ele se apresentou como alguém do setor da construção civil que veio para colaborar. Ele se apresentou na hora da impugnação e falou: “Vamos levar a urna para a Polícia Federal. Porque eu sou da Polícia Federal.” E pegou a urna, colocou debaixo do braço e levou embora. Deu um “quebra-pau” no sindicato. Não morreu gente naquele dia porque conseguimos equilibrar as coisas. Tinha muitos trabalhadores que estavam esperando o resultado. A minha chapa trouxe a categoria para o sindicato e o pessoal queria bater nos diretores. Falamos: “Nós não vamos sair daqui da sede enquanto isso não for resolvido isso.” A diretoria se mandou e nós ficamos três dias lá dentro do sindicato. O Nelson Gonçalves, um cara muito ético, educado, mas um pouco medroso, era o "encabeçador" da chapa 1. Três dias depois, ele me liga e diz: “Joel, você aceita abrir a urna.” E eu: “Eu aceito.” E ele: “Venha aqui no Sindicato dos Contramestres, que vamos conversar para acertar isso.” Eu fui ao sindicato e combinamos. Depois fomos na Polícia Federal, trouxemos a urna. Abrimos e, no resultado final, a Chapa 2 ganhou a eleição por cem votos. Com essa vitória assumi a presidência do sindicato em 81.

 

Greves

 

 

Na categoria dos marceneiros teve paralisação em 77. Na Acil e na Giroflex, os trabalhadores pararam voluntariamente, chamaram o sindicato e conseguiram um aumento de salário. Nós, da Anselmo Cerello, já estávamos com a pauta de reivindicações, começamos a negociação com a direção da empresa e com a participação da Comissão de Negociação. A negociação começou umas nove horas da manhã, chegou meio-dia e não tinha um acordo. O pessoal da fábrica estava todo no pátio, esperando. Chamei o pessoal todo na seção de junco e sugeri que não descessem para a seção de trabalho até terminar a negociação, que permanecessem em assembléia. O pessoal resolveu aguardar o resultado. O patrão subiu na mesa e falou. “Porque vocês estão fazendo greve, eu vou chamar o DOPS.” Ele já tinha feito uma ameaça dessa antes, num dos processos de negociação. Eu já era da diretoria do sindicato e um dia me chamaram, abriram a cortina da janela e mostraram:“Olha, está vendo aquele prédio ali, é de nossos amigos. Eu dou um telefonema para lá e você desaparece. Você não tem visto os jornais, todo dia acontece assim?” Foi uma ameaça que bateu pesado. Mas eu pensei “Não vou desistir.” E continuamos a negociação. O “homem sapateou” na mesa, falou os “diabos”:“Não quero nem saber, eu quero que você ‘bote’ esse pessoal para trabalhar agora. Vai lá e fala para eles.” Eu falei: “Está bem. Aguarde um pouco aí.” Fui lá e falei para o pessoal: “Não saiu nada na negociação, o homem está bravo, mas eu acho que vocês têm que continuar parados esperando o resultado” Voltei para a reunião e falei que o pessoal só voltava a trabalhar na hora que saísse o acordo. O homem esperneou, mas chegamos num acordo, o pessoal aprovou e todo mundo voltou ao trabalho. Aquilo foi um fato que marcou muito a minha vida. E daí para frente fizemos muito movimento interno na fábrica.

 

 

Conclat

 

 

O Sindicato dos Marceneiros cresceu muito politicamente, fizemos muitas reuniões, participamos da Pró-CUT, eu presidi a 2.ª ENCLAT, [Encontro Nacional da Classe Trabalhadora] que teve aquele grande debate do movimento sindical sobre a realização da 2º CONCLAT [Conferência Nacional da Classe Trabalhadora], se deveria ser em 82 ou 83. O plenário se dividiu. Foram 765 votos a favor da CONCLAT em 82 e 760 votos a favor da CONCLAT 83, ou seja, a tese de adiamento perdeu por cinco votos, isso foi no Sindicato dos Químicos de São Paulo. Foi o Congresso mais polêmico que eu já assisti como dirigente sindical. O movimento sindical daquela época era um movimento de busca de novos caminhos, de novas conquistas, de romper com a ditadura. Havia uma efervescência muito grande. Fizemos a primeiro CONCLAT, que eu participei na Praia Grande, assim, na marra, porque a ditadura não queria. Na época, nas vésperas da CONCLAT, o Governo Federal fez um decreto dizendo que qualquer despesa que os sindicatos tivessem relativos àquela CONCLAT não seria aceita nas prestações de contas dos sindicatos. Eles fizeram todo tipo de pressão para não haver a 1º CONCLAT. O resultado foi que vários Estados definiram pela realização da CONCLAT 82. Essa CONCLAT acabou não acontecendo em 82, por vários motivos, eu era membro dessa Direção Provisória do Estado, da Pró-CUT estadual, com vários dirigentes, Jamil Murad, Gilmar [Gilmar Carneiro], Gushiken [Luiz Gushiken] do Sindicato dos Bancários, Azevedo [Paulo Azevedo] dos metroviários, Clara Ant, e vários outros. Era um pessoal que carregava realmente esse movimento nas costas. Nos reuníamos no Sindicato dos Marceneiros que passou a ser um ponto de referência do movimento sindical. Ali se deram grandes plenárias da Pró-CUT, até grandes plenárias de fundação do Partido dos Trabalhadores.

 

Centrais Sindicais
 

O DIEESE sempre foi um órgão extremamente querido no movimento sindical. No entanto, quando houve a fundação da CUT, em 83, houve um grande problema. Porque as centrais, a CUT, a CONCLAT que era uma coordenação, começaram a pensar em constituir seus próprios departamentos de estatística. Chegou, inclusive, a constar nos seus estatutos. Isso balançou o DIEESE, que ficou na berlinda. Foi um trabalho muito grande para manter o DIEESE unitário.

Eu, o Barelli [Walter Barelli], o César Concone e tantos outros funcionários do DIEESE, trabalhamos muito para convencer os dirigentes sindicais para não constituírem os seus departamentos e de fortalecer o DIEESE. Porque a CUT já saiu com essa idéia de formar um Departamento Econômico, um substituto do DIEESE, e a CONCLAT também. Visitávamos esses companheiros e falávamos: “O DIEESE tem condições de ser unitário. Tem toda uma cultura, todo um cabedal de experiência, de estatística, de estudos, de comportamento...”

Em 86, o DIEESE passou por um dos momentos mais difíceis. Surgiu o Plano Cruzado e o DIEESE foi às pesquisas e constatou que num determinado mês, teve uma inflação quase zero ou praticamente uma deflação. Isso criou uma avalanche de crítica do movimento sindical em cima do DIEESE. Alguns companheiros diziam: “O DIEESE apóia a política do governo, porque que nós, como dirigentes sindicais, temos que financiar o DIEESE?” Foi muita crítica. Era gente que me telefonava todo dia. “Agora o DIEESE está manipulando os índices, a favor do governo?...estou para fazer negociação salarial agora e como é que eu vou levar para mesa de negociação zero por cento de inflação?” Eu respondia que eram dados estatísticos, dados científicos. E eles: “Você não pode publicar um negócio desse. Esconde, coloca na gaveta, mas não coloca nos jornais.” Resultado: tivemos que chamar uma assembléia e colocar a seguinte questão em discussão: o DIEESE deve manipular os índices para não prejudicar o movimento sindical e os trabalhadores ou deve fazer os seus índices científicos?

Depois de três dias de debate, votação e conclusão, o DIEESE deve se manter independente, deve continuar sendo um órgão cientifico e não manipular os índices, não importa que isto seja a favor ou contra os trabalhadores. Aí, parou com a crítica em cima do DIEESE e muitos dirigentes sindicais que eram de determinadas centrais ou que tinham tendência a outras centrais, deixaram de pagar o DIEESE. Vários deixaram de pagar o DIEESE. Na área da CUT, por exemplo, nós fomos falar com o Lula [Luiz Inácio Lula da Silva]. Ele não era da direção da CUT, mas tinha muita influência. Falamos para ele ajudar a conter o pessoal da esquerda, porque o pessoal tinha deixado de pagar o DIEESE por acharem que estava manipulando índice, aliás, achavam que o DIEESE estava apoiando o Governo Sarney. Eu não sei o que o Lula fez, mas sei que vários dirigentes da CUT voltaram a pagar.

Do outro lado, a CONCLAT e suas entidades, também com um outro posicionamento, por exemplo, a Federação dos Metalúrgicos parou de pagar, os Metalúrgicos de São Paulo parou de pagar. Eram sindicatos grandes que causavam um baque na receita do DIEESE. O Argeu [Argeu Egydio], que era o presidente da Federação dos Metalúrgicos surgiu com uma tese: “Os metalúrgicos do Estado constituíram um departamento econômico e não vai mais precisar do DIEESE. Nós vamos ter os nossos próprios índices.” Eles contrataram um ou dois economistas, e colocaram lá na sede deles. E o que eles faziam? Pegaram os dados do DIEESE, os dados da FIPE, pegaram os dados do IBGE, misturavam os três e diziam esse é o índice de custo de vida. Nós tivemos um embate muito grande.

 

Educação/Formação Sindical
 

Formação sindical foi uma das maiores polêmicas que eu tive na minha gestão no DIEESE. Um companheiro de uma determinada corrente dizia: “Espera aí, qual é a linha do curso?” Um outro falava: “Você vai dar curso de visão capitalista ou socialista?” Chegamos à conclusão, numa reunião de diretoria, de fazer o curso e “seja lá o que Deus quiser”. Começamos os famosos cursos de formação sindical do DIEESE, primeiro, no Sindicato dos Marceneiros, e depois nós fomos aqui no caminho de Jundiaí, onde tinha uma faculdade praticamente desativada. Eu sei que esses cursos se espalharam pelo Brasil. Milhares de dirigentes sindicais passaram pelos cursos. Com aqueles cursos, o DIEESE queria criar monitores de Educação Sindical, ou seja, treinar o dirigente para que ele, no seu sindicato desenvolvesse o curso de formação com os trabalhadores e para os seus dirigentes. Essa era a idéia inicial do DIEESE. Discutíamos e o Barelli falava: “Agora vocês vão discutir quem é mais comunista do que o outro.” Terminavam os cursos e o debate político esquentava até a madrugada. Era um negócio maravilhoso!

 

 

Pesquisa

 

 

Uma outra coisa, que também tivemos um problema sério para bancar, foi a Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego [PPVE]. Me parece que foi a 3ª pesquisa. Essa pesquisa causou um déficit terrível para o DIEESE. Nós ficamos de “pires na mão”, indo de sindicato em sindicato para pagar a folha de pagamento do DIEESE, que era um negócio terrível. Nós fazíamos cada uma das planilhas manualmente. Tínhamos 114 pessoas contratadas pelo DIEESE, temporários, que trabalhavam no Sindicato dos Químicos de São Paulo. Para conseguir agilizar o trabalho, pagávamos a eles por planilha que fizessem. Chegou uma época em que eles fizeram uma greve: “Ou dá tanto ou não fazemos mais as planilhas.” Tivemos que pagar. Foi feita toda a coleta de dados de campo, nas cidades tal, tal e tal. Essa pesquisa levou dois anos para sair porque era tudo feito a mão. Depois, passava tudo a limpo. A mão! O DIEESE, então, levava esse documento à Universidade de São Paulo e lá eles faziam a tabulação. Tinha um computador que devia ser um “PCzinho” desses de não sei quantos mega. Acho que nem tinha mega. Eu sei que o cara apertava o botãozinho e passava um tempão para dar uma resposta. Era a universidade que tinha um computadorzinho e que ajudava o DIEESE quando era possível. O Barelli estava muito preocupado e começamos a fazer um esforço para ter o nosso próprio computador. Isso faz vinte anos, foi em 86. Fizemos um convênio com o pessoal da Suécia, através da LO, que é a Central Sindical da Suécia, para fazer uma série de estudos. Fizemos um convênio com a Federação Internacional dos Mineiros para pesquisar as condições de trabalho nas minas aqui no Brasil e, num desses convênios constava que eles forneceriam um computador. Dentro desses convênios, os suecos nos deram o nosso primeiro computador. Eu acho que era para ser um e eles mandaram dois ou três “PCzinhos”. Foi uma coisa fantástica! O DIEESE foi uma das primeiras instituições a ter computador.

 

 

Crises

 

 

Batalhávamos para que os sindicatos pagassem o DIEESE. No Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, íamos quase todo mês falar com o Joaquinzão [Joaquim dos Santos Andrade]. E os metalúrgicos da Federação dos Metalúrgicos agiam com a aquela tese de que “cada organização tem que ter seu departamento”. O Argeu levou essa tese para a plenária da CNTI [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria], eu era delegado Federação. Ele levantou isso e eu levantei uma outra tese lá. Eu falei: “acho que uma organização como a CNTI, que é uma Confederação dos Trabalhadores da Indústria com ramificações no Brasil inteiro, não pode prescindir de uma subseção do DIEESE”. Eles contestaram. Acabamos ganhando. Foi aprovado que a CNTI deveria ter uma subseção do DIEESE lá dentro, em Brasília. Foi uma grande vitória porque segurou aquela onda de que o DIEESE desapareceria.

Foi um divisor de águas. Nós queríamos entrar nos sindicatos, para que não tivessem esse argumento de que “agora você pertence a tal central.” As subseções foram muito importantes para que o DIEESE fosse para dentro dos sindicatos e dávamos como exemplo algumas, como a do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que apresentava constantes estudos da categoria, e a do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que também ajudava a bancar os déficits do DIEESE. Marceneiros, bancários e metalúrgicos de São Bernardo, eram esses três sindicatos que realmente seguravam as pontas para poder pagar o salário dos funcionários do DIEESE daquele período mais difícil.

 

Importância do Dieese
 

O DIEESE é fundamental. Antes os índices eram manipulados, tanto que o DIEESE travou um grande debate com o Delfim Neto. E saiu vitorioso porque havia um documento do Banco Mundial que reconhecia que a inflação no Brasil não tinha sido aquela que o Delfim tinha dito. O DIEESE estava certo na denúncia e o reconhecimento veio anos depois. O DIEESE é fundamental, ontem, hoje e amanhã. Os trabalhadores têm que ter as suas próprias informações, não manipuladas, mas científicas, para poder se contrapor às informações que os patrões têm.

 

 

Avaliação/Dieese

 

 

Quando assumi a presidência do sindicato saímos feito “doidos” fazendo trabalho sindical. Com dois anos, estávamos com 500 delegados sindicais com estabilidade no emprego e fizemos o 1º Congresso dos Trabalhadores Marceneiros. O DIEESE estava sediado lá no nosso sindicato, na Rua das Carmelitas. Nós passamos a atuar muito com o DIEESE. Usávamos muitos trabalhos do DIEESE. E ai eu fiquei como tesoureiro do DIEESE, não me lembro bem do ano. Em 83, o presidente do DIEESE, que era o Hugo Perez, se licenciou para concorrer a um cargo de deputado federal, e assumi um mandato tampão, até as próximas eleições, que aconteceriam em janeiro de 84. Fui eleito presidente do DIEESE.

Com o processo de crescimento do DIEESE, a sede que nós tínhamos lá no 3º andar do prédio do Sindicato dos Marceneiros, ficou pequena. O DIEESE começou a realizar serviços em determinados lugares, como no Sindicato dos Químicos. Naquela época, o Montoro [Franco Montoro] foi eleito governador do Estado. Quando ele era senador, usava muito os dados do DIEESE. Compareceu lá no sindicato, na posse da diretoria do DIEESE. Nós o chamávamos. Quando ele foi eleito, fomos lá e pedimos: “Montoro, precisamos de uma sede para o DIEESE. O governo do Estado tem tantos prédios sem utilização aqui na cidade de São Paulo.” Eles sugeriram um prédio na Rua Tabatinguera, de esquina, próximo da Praça João Mendes. Fomos lá e era um prédio de 20 andares, com umas salas pequenininhas, ia dar uma despesa enorme para manter. Não dava. O Serra [José Serra], que hoje é governador, ajudou o DIEESE, no rompimento de determinadas barreiras internas para conseguirmos essa sede do DIEESE. Fomos lá, sugerimos várias, entre elas essa daqui do Parque da Água Branca, porque tinha um laboratório que ia mudar para a Água Funda, lá para o Zoológico.

Conseguimos fazer esse convênio, ou seja, um comodato parece que de noventa e tantos anos para mudar a sede do DIEESE para cá. Nesse ínterim também buscamos a realização de convênios com o governo do Estado. Fizemos convênio com o Procon [Fundação de Defesa e Proteção do Consumidor], para aquela pesquisa da cesta básica. Diariamente era publicado o preço menor de cesta básica na cidade de São Paulo. Isso, durante certo tempo, foi uma coisa que as pessoas procuravam nos jornais: “Onde a cesta básica está mais barata? Ah! No supermercado tal”.

Uma outra pesquisa importante do DIEESE foi essa pesquisa que nós temos com a Fundação SEADE. Nós também negociamos o convênio naquela época, e até hoje é uma das principais pesquisas que o DIEESE tem em termos de avaliação da situação de emprego, desemprego, padrão de vida. E conseguimos realizar muitos convênios com outras instituições. Em decorrência de toda uma celeuma, eu permaneci por vários anos como presidente do DIEESE. O Sindicato dos Marceneiros, que foi um dos articuladores das Pró-CUTs, tirou uma resolução de não se filiar à CUT porque seu presidente era presidente do DIEESE. E se filiasse, criava um problema. Um outro problema que foi surgindo, toda vez que tinha uma eleição no DIEESE, diziam “O Joel tem que continuar porque se ele sair, o DIEESE vai rachar.” Em decorrência disso, eu fiquei seis mandatos como presidente do DIEESE. Eu já não agüentava mais, porque realmente tínhamos muito trabalho. Claro que 90% de todo trabalho eram carregados pelos funcionários do DIEESE; mas os 10% de ação política tinham que ser carregados pela diretoria sindical. Se a diretoria sindical não desenvolvesse o trabalho, como naquela época tivemos que fazê-lo, provavelmente hoje o DIEESE poderia até ser um departamento de uma central ou alguma coisa assim.

Em 1990, eu já estava com seis anos como presidente do DIEESE, falei: “vamos fazer uma reforma no estatuto do DIEESE...e cria-se uma condição de fazer um revezamento anual da presidência entre as centrais sindicais...” Isso a princípio foi um negócio muito polêmico. Teve muita reunião em quase todos os estados, foi elaborada uma minuta do estatuto e mandada para todos os sindicatos filiados. E, finalmente, nós chamamos uma plenária na sede de campo da Federação dos Metalúrgicos. O Barelli [Walter Barelli] havia saído da direção do DIEESE, foi para Secretaria do Trabalho, e o Serginho [Sérgio Mendonça] estava como diretor técnico do DIEESE. Foram três dias de intensos debates. Ao final, conseguimos aprovar o Estatuto novo do DIEESE. Passados alguns meses, continuava aquela idéia: “o Joel tem que continuar..” Aí eu fiz uma carta pedindo licença da presidência do DIEESE. O vice-presidente era o João Vacari, que era da CUT. Ele assumiu, cumpriu esse mandato e não aconteceu nada, o DIEESE não morreu. O fato é que aquela reforma estatutária foi fundamental para a manutenção do DIEESE.

 

Futuro do Dieese

 

 

Eu acredito que o DIEESE continua fazendo as coisas que fazíamos anteriormente. Mas eu acho que um dos principais desafios que continua existindo é o de conter o déficit financeiro do DIEESE. Porque ainda têm muitos sindicatos que aproveitam os dados do DIEESE e não contribui.

Quando fui presidente do DIEESE, chegamos a discutir, numa reunião de diretoria, de estabelecer um certo royalt. Usou os dados do DIEESE, usou na sua campanha salarial, botou no jornalzinho os estudos do DIEESE, foi para mesa de negociação com esses estudos, então paga uma taxa para o DIEESE. Claro que nós não colocamos isso em prática.

Um dos grandes desafios que o DIEESE tinha era um projeto. O DIEESE tinha como objetivo ter um computador ligado a ele em cada sindicato. Naquela época, os computadores não “falavam” entre si, precisava comprar um computador compatível com aquele computador que você tinha. Íamos para o sindicato e falávamos: “Nosso projeto é que em cada sindicato tenha um computador que possa acessar as informações diretamente da sede do DIEESE.” Isso parecia um sonho extremamente longínquo e inaplicável. Passamos por esse problema. Falando hoje parece ridículo, mas naquela época, era uma operação futurística imaginar que os computadores pudessem estar ligados a um órgão central abastecendo, aquela unidade ou aquele sindicato, de informações. O grande desafio que o DIEESE tem pela frente é, naturalmente, continuar prestando esse serviço para o movimento sindical. Acho que esse é um desafio de todo o dia do DIEESE. Mas é preciso que os dirigentes sindicais tenham consciência política de valorizar mais o DIEESE. São milhares de sindicatos que existem no Brasil, mas a quantidade de filiados ao DIEESE é muito menor. E quantidade daqueles que pagam, provavelmente seja menor do que a quantidade filiada. O grande desafio é convencer todos os dirigentes sindicais de que o DIEESE é um órgão útil e necessário para as suas atividades de embate do dia a dia com o patronato.

 

 

Avaliação/Movimento Sindical

 

 

Na minha opinião, o sindicato tem que ser de luta, tem que ser combativo. E os dirigentes sindicais para ter esse compromisso e não se corromper, eu acho que ele tem que vir da base. Ele tem que ter a militância dentro da fábrica, do escritório ou da repartição em que trabalha. Ele tem que ser levado dali pelos trabalhadores até a direção do sindicato. Aqueles dirigentes que são dirigentes pela graça de Deus, ou porque teve um amigo, ou porque foi levado à direção do sindicato pela ditadura, esses são dirigentes que se tornam com o passar do tempo verdadeiros carrapatos do movimento sindical. Eles grudam ali nos sindicatos, e não querem sair nem a pau. Eles achavam que se saíssem dali, morreriam. Ele não tem desprendimento. Não compreendem que aquilo que estão fazendo é um trabalho para os trabalhadores. Eles têm um mandato, mas faz todo tipo de falcatrua, de alteração de estatuto, de golpe, de rasteira para continuar na direção do sindicato. Muitos deles que foram colocados pela ditadura militar, estão aí até hoje posando de dirigentes. Na verdade são dirigentes, não são líderes. Porque falam por eles.

Acho que o sindicato deve ser uma instituição que reflita a opinião dos trabalhadores, tem que ser de luta, ser comprometido. Isso não significa dizer que alguns desses dirigentes não possam cometer erros. Menos se corromper, fazer corpo mole ou buscar locupletar-se de certas coisas que o sindicato possa oferecer.

Eu fui um dirigente que vesti a camisa dos trabalhadores durante todo o tempo que estive na direção do sindicato. Procurei fazer o máximo que pude. Chegou uma hora que achei que não tinha mais condições físicas para continuar. Eu fui acometido de um problema de coluna, acho que por ficar muito tempo sentado dirigindo. Não conseguia andar direito. Eu subia as escadas do sindicato arrastando o pé e os companheiros, por uma questão de solidariedade, falavam, “Não, Joel, você vai ficar aqui, vai nos ajudar, vai nos assessorar.” Mas, eu sentia que eu estava limitado. Precisa levantar cedo, ir para porta de fábrica, conversar com os trabalhadores, ajudar a organizar. Saí, fiquei praticamente, um ano e pouco, sem poder andar direito. Hoje estou recuperado. Você não pode ficar na direção de um sindicato, eternamente, sem produzir. Quando eu falo em produção, estou falando de produção de algo que seja de interesse dos trabalhadores. Não basta você ficar na representação.

 

Fato Marcante

 

 

Eu acho que o sindicato é para lutar, para desenvolver atividades em benefício dos trabalhadores. Às vezes, você conquista uma coisa pequena. Uma das coisas que me orgulho muito... Quando eu estava na fábrica, eu ficava muito indignado quando o patrão mandava o trabalhador embora e falava: “Vai procurar os seus direitos.” Eu falava que isso tinha que acabar. A pessoa ia procurar seus direitos e ficava de dois a cinco anos esperando o resultado da Justiça do Trabalho. Quando o patrão era condenado, ia lá e pagava ao trabalhador o que devia ter pagado há cinco anos passados.

Sugeri numa assembléia dos Marceneiros, que toda vez que o trabalhador fosse demitido houvesse um prazo para que fosse feito o acerto de contas dele. E se não recebesse no prazo, a empresa teria que pagar uma multa. Essa proposta foi feita logo nas primeiras vezes em que fui participar da Comissão de Salário do sindicato. Foi aprovada na assembléia e levei para a pauta de reivindicações. Levamos como reivindicação um ano, dois anos, até que chegou um ano - que eu não lembro bem qual - que nós conquistamos no Sindicato dos Marceneiros, a seguinte cláusula na convenção: “As empresas que demitirem o empregado terão dez dias úteis para fazer o acerto de contas. Se o acerto de contas não for feito nesse prazo, o salário passará a contar a partir da data da demissão.” Ou seja, se a empresa demorar um mês, vai pagar um mês, se demorar três, vai pagar três salários e assim por diante. Acho que foi em 77 que conseguimos essa cláusula. Eu fiz uma carta com essa cláusula e mandei para todos os sindicatos do Brasil. Hoje, é lei.

O primeiro sindicato a conquistar para a categoria essa cláusula foi o dos Marceneiros. Hoje falam: “Ah! isso aí é direito nosso” Ninguém sabe como foi feito isso. Todos os direitos dos trabalhadores são conquistados assim. Nem sabemos como foi, quem abriu o caminho. Essa é uma cláusula que eu acho muito importante. Quando nós ganhamos o primeiro processo em cima disto e o trabalhador ganhou dois anos de salário, os patrões ficaram alucinados. Porque eles não acreditaram. Se mandar embora tem que pagar, tem dez dias para pagar os direitos. O primeiro que bancou pagou na Justiça. A Justiça entendeu que estava na convenção e era direito. E condenou. A partir daí, os patrões passaram a respeitar.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

Primeiro, os trabalhadores têm capacidade de ter as suas informações, de constituir as suas organizações, de buscar as informações que possam alavancar as suas lutas, as suas conquistas. Segundo, a união faz a força, pode ser um negócio muito assim batido, mas é a realidade. Quer dizer, se o DIEESE não fosse um órgão constituído pelo conjunto do movimento sindical, provavelmente não teríamos tido tantas conquistas, como temos hoje e como tivemos. Porque eu acho que o momento de maiores conquistas no movimento sindical brasileiro se deu de 78 até 80 e pouco. Neste período, conquistamos a redução da jornada de trabalho e vários direitos, o direito da mulher, da criança, etc.

Eu defendia sempre uma tese que em vez de nós constituirmos várias centrais sindicais, nós poderíamos ter uma única central sindical. Eu falava isso com muita convicção, não apenas porque eu era dirigente do DIEESE e achava necessário que tivesse isso. Mas eu acho que dentro de uma única central sindical pode você ter os diversos departamentos e segmentos, cada um com a sua ideologia, porém buscando o mesmo objetivo. Não precisa ter dez centrais sindicais. Tem vários países do mundo com uma central sindical só, vamos pegar um caso, na terra da valsa, vi isto e achei muitíssimo importante. A Áustria tem uma central sindical só, é claro que é um país pequenininho, respeitada as proporções, mas aquela central sindical tem vários departamentos das diversas ideologias. Tem comunista, tem socialista, tem direitista, tem verde , tem amarelo, tem de toda cor. Está todo mundo ali dentro. E eles têm um peso nas eleições. Como a CUT, por exemplo, tem diversas correntes lá dentro, pode ter também as diversas centrais sindicais constituída numa única. Eu sei que isso é uma utopia, mas eu acho que é possível a organização e a união dos trabalhadores. Aí você fala assim: “Mas está provado, através da história, que as pessoas com opiniões diferentes têm dificuldade de conviver e cada um puxa para um lado”. Tanto é que nas eleições que nós tivemos agora. Nós tivemos PT [Partido dos Trabalhadores], com outros partidos, tivemos o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], com outros partidos, tivemos o PSOL [Partido Socialismo e Liberdade], também, que é um aglomerado de partidos. Tivemos várias correntes, mas que no fim estamos todos dentro de um único país. Nós podemos, naturalmente, conviver, pacificamente, sem agressões, claro que podemos disputar os espaços, mas é possível. O DIEESE e o movimento sindical, me ensinou que é possível você conviver com opiniões diferentes.

Eu não estou mais atuando dentro do movimento sindical, mas eu tenho um sonho, particularmente, dentro do movimento sindical. Eu acho que precisa ser feita uma Reforma Sindical no Brasil. Não dá para continuar eternamente com esse modelo de organização em que tem o sindicato, por exemplo, atrelado a uma contribuição compulsória que é o Imposto Sindical, e que através dessa contribuição você permite a manutenção de muita gente que não representa coisíssima nenhuma. Representam a si próprio e são eternos dirigentes sindicais, de grandes categorias, inclusive. Um dos meus sonhos é ver uma reforma na estrutura sindical para ampliar a democracia no meio sindical, uma democracia sindical. Porque democracia política, eu acho que o Brasil já tem, apesar de ser muito nova, está bem estabilizada. E o meu sonho maior não se refere à minha pessoa, se refere ao povo em geral. Eu gostaria de ver o meu povo numa situação muito melhor de vida do que tem hoje. Do que teve anteriormente. Eu gostaria que não houvesse mais trabalhadores ou mesmo pessoas que estejam desempregadas no Brasil passando fome, como tem em muitos lugares, não é só no Nordeste, até aqui no estado de São Paulo tem. Meu sonho maior seria não ter mais pessoas mendigando pela rua, que as pessoas tivessem o mínimo necessário para a sobrevivência, com educação, com saúde, com lazer e em paz.

 

Família
 

Sou casado. Tenho três filhas maravilhosas, uma delas, inclusive, está tão distante agora, está do outro lado do mundo, está na Austrália. É uma revolucionária. A minha filha mais velha se chama Lisbel, inclusive, ela e a Lenina, minha segunda filha, participaram comigo de muitas manifestações. Eu levava minha filha no colo, naquelas manifestações na Praça da Matriz em São Bernardo, quando os metalúrgicos do ABC estavam em greve. Eu me lembro bem, em uma dessas manifestações, os helicópteros do Exército passavam raspando as árvores e o cabelinho dela balançava. Os helicópteros passavam baixíssimos para intimidar os trabalhadores. E, ao lado, com a praça toda cercada de cão de guarda com seu respectivo soldado e com os escudos. Nós participamos muito dessas atividades, de manifestações políticas em favor da liberdade e dos direitos dos trabalhadores. A minha mulher, por exemplo, foi comigo muitas vezes fazer piquete em porta de fábrica. Quando nós compramos o primeiro som, eram umas cornetinhas, depois compramos um som chamado “treme-terra”. Fomos um dos primeiros sindicatos, depois dos bancários, a ter carro de som. Mandamos fazer umas caixas de ferro, engatada atrás de um carro e aquilo dava um som maravilhoso. Com o passar do tempo, verificamos que era inoperante, porque era muito pesado, aquele trambolho, para carregar atrás do carro. Minha mulher me ajudou muito. Lembro bem, que numa das greves gerais, eu falava no microfone e ela ia dirigindo o carro na frente de uma passeata na Freguesia do Ó. Eu e vários dirigentes de outros sindicatos, éramos responsáveis por encaminhar o movimento [a greve geral] naquela região. Nós conduzíamos os trabalhadores, parando fábrica por fábrica, até o Largo da Lapa, onde tem a estação de trem. Minha mulher foi dirigindo e eu ia fazendo o comício: “Companheiro, vamos a luta...”

Minha mulher participou muito desses movimentos e minhas filhas também. Tenho a Lisbel, a mais velha, depois a Lenina e a Lidiane, que nasceu de oito meses em decorrência de um conflito na eleição do sindicato. Minha esposa estava participando da eleição - inclusive tem uma foto dela com a mão na cabeça e com a barriga daquele tamanho. No dia seguinte, ela foi para o hospital e a Lidiane nasceu. Ela tem vinte e cinco anos e está na Austrália, foi estudar Inglês. Eu tenho essas três filhas maravilhosas e duas netinhas: a Laís e a Labele. Uma de cinco anos e outra de um ano e meio. Enfim, eu tenho uma família muito feliz, graças a Deus!

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Eu quis contribuir neste projeto para mostrar que é possível as pessoas se desenvolverem politicamente. Que possam contribuir para a melhoria da situação geral. Eu espero que isso sirva para alguma coisa, mesmo para ver a própria história do DIEESE que é uma instituição reconhecidamente de grande importância para os trabalhadores e até para o pessoal do exterior. Porque quando eu fui presidente do DIEESE, eu recebia muitas delegações de outros países e o pessoal queria saber, por exemplo, da situação social do Brasil, queria conhecer o movimento sindical.

Acho que eu contribuí, de alguma forma, nesse período em que eu fui dirigente. Nunca me acomodei ou fiz corpo mole, graças a Deus. Um operário pode ser um dirigente melhor ou pior, desde que tenha algum compromisso, que tenha alguma ramificação na base dele, porque não acredito que as pessoas sejam dirigentes pela graça de Deus ou por amizade particular. Pode até acontecer, eu espero que contribua até para um esclarecimento do movimento sindical.

Eu vi no cinqüentenário do DIEESE, pessoas falando só das coisas boas do DIEESE. O DIEESE já passou pedaços difíceis e eu, como dirigente, quantas e quantas vezes junto com o Barelli, com outro funcionário do DIEESE, íamos aos sindicatos de pires na mão: “Olha, paga aí , adianta, faz um empréstimo.” Isso para pagar o salário de pessoas que estavam trabalhando para eles. Acho que tem muitos funcionários do DIEESE que são grandes exemplos de humildade, de trabalho. Eu conheci um deles aqui. Dentre muitos excepcionais, por exemplo, o Bartolomeu. Não estou querendo desmerecer nenhum outro funcionário do DIEESE. O Bartolomeu é um exemplo, ele lida com o dinheiro do DIEESE. O DIEESE não tem dinheiro, mas o movimento dele é grande, porque tem muitos compromissos. E o Bartolomeu é um cara que eu nunca fiquei sabendo que ele tivesse um deslize sequer. Está há tantos anos, continua como funcionário do DIEESE. É uma pessoa simples e humilde, excepcional exemplo. Eu quando exerci a presidência do DIEESE, nunca fui um cara vaidoso por cargo. Procurei exercer da forma mais humilde e discreta possível. Afinal de contas, ser presidente nacional do DIEESE era uma coisa importante. Eu nunca utilizei essa vaidade pessoal para aparecer. Eu acho que o Bartolomeu é um exemplo disso. Como tantos outros funcionários que o DIEESE têm também, que eu não estou falando o nome aqui, mas que eu reconheço que são pessoas maravilhosas.

 

 

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