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Página Inicial Navegação Nossas Histórias Miguel Wady Chaia

Miguel Wady Chaia

miguel_wady_chaiaHistória de Vida

Identificação
 

Sou Miguel Wady Chaia. Nasci em São Paulo, em 3 de fevereiro de 1947 . Meus pais são libaneses. Wady Miguel Chaia e Selma Abla Chaia. O meu nome é inversão do nome do meu pai. Meu pai é do litoral do Líbano e a minha mãe, das montanhas. Eles se conheceram no Brasil. Eu tive um irmão, o Alfredo, que fazia Medicina, mas ele faleceu num acidente de automóvel.

 

 

Infância

 

 

Eu fui criado em uma fazenda no Mato Grosso. Eu nasci em São Paulo e com 40 dias, fui para o Mato Grosso. Meus pais tinham uma fazenda na boca do Pantanal, em Aquidauana. Cresci e fui alfabetizado na fazenda, na escolinha da fazenda. Depois, eu tive aquela vida bem ligada à natureza.

 

 

Estudos

 

 

Com sete, oito anos, tipo segundo ano, fui para uma cidadezinha menor que Aquidauana para estudar. Quando esses recursos educacionais se esgotam nessa cidade pequena, nós vamos para uma cidade maior que é Campo Grande, em Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, e lá eu faço até o segundo colegial. No segundo colegial, eu venho sem a família, estudar em São Paulo. Vim com a finalidade de fazer Medicina. Lá em Mato Grosso, nós só sabíamos que existia Medicina, Direito e Engenharia. Você era direcionado para uma dessas três áreas. Ciências Humanas passavam ao largo. Praticamente, eu não tinha conhecimento dela. Vim para fazer o terceiro colegial e um cursinho para Medicina. Foi aí que descobri as Ciências Sociais.

E engraçado - acho que isso tem a ver, obviamente, com o trabalho e com essa atenção que eu depois vou dirigir ao DIEESE - o que me motivou mais a mudar de área, foi uma conferência do Leôncio Martins, que eu ouvi sobre o movimento operário no Brasil. Para mim, aquilo abriu um horizonte, uma perspectiva muito forte, muito grande. E também li, paralelamente... Porque no cursinho, a sobrinha do Octavio Ianni, Heloisa Ianni, era minha colega; ela ia fazer Medicina, mas ela me emprestou um livro do Octavio Ianni, do tio dela que eu nunca tinha lido também sobre industrialização no Brasil. Acho que essa palestra sobre a classe trabalhadora e os movimentos operários no Brasil e o livro do Octavio Ianni me fizeram começar a mudar de rumo.

Tanto que eu vou deixando gradativamente a Medicina. Faço um ano, depois mais um para atender às pressões familiares, mas eu me interesso também por cinema. Descubro em São Paulo as possibilidades que eu não via em Mato Grosso. Essa área de cinema, de jornalismo, também me atraíram muito a atenção. A Comunicação. Parei de fazer Medicina, fiz dois anos sem interesse nenhum, e fui fazer Jornalismo, na ECA, no segundo ano que abriu a ECA, na Universidade de São Paulo. E faço cinema também, a Escola Superior de Cinema São Luís. Foi a primeira escola de cinema que abriu em São Paulo. Fiz três anos de escola de Cinema, ela fecha depois. E nessa época, inclusive, conheci muitos cineastas que hoje estão por aí: Carlos Reichenbach, lembro que fui aluno do Luiz Sérgio Person, Anatol Rosenfeld. Aquilo abriu um horizonte muito grande. Eu largo o Jornalismo, porque aí gostei muito de Cinema e não gostei de Jornalismo, mas achava que tinha que retomar alguma coisa, que eu chamava de conteúdo, de conhecimento. Como eu já estava na USP, estava numa outra escola, larguei a USP e me matriculei para o vestibular de Ciências Sociais, na PUC. Faço Ciências Sociais em paralelo com Cinema. Durante um ano, os dois cursos coincidem. Depois eu largo Cinema e fico só em Ciências Sociais. Mas essas coisas estão relacionadas porque no meu mestrado, eu vou fazer uma análise política dos filmes de chanchadas no Brasil. Vou relacionar populismo do Getúlio Vargas e filmes de chanchada. E depois no doutorado, eu vou retomar um antigo projeto. Aquela inspiração original do Leôncio e do Octavio Ianni. Vou fazer essa análise sobre intelectuais e sindicalistas, que me interessava bastante e vai desaguar no DIEESE.

 

Família
 

Meus pais eram fazendeiros. Tinham uma grande fazenda de gado no Mato Grosso. Eu diria que a influência da minha família tem uma característica, talvez da cultura árabe, da cultura libanesa, que é de uma certa liberdade. Os filhos meio que ficam um pouco a deriva, a não ser que você queira, se o pai queira que o filho seja um comerciante porque ele já tem um comércio, mas normalmente eu percebo que tem uma certa liberdade. É óbvio que eu fui direcionado para fazer um curso superior, fazer Medicina ou Engenharia. Isso eles motivavam. Como os meus pais não tinham formação universitária, eles eram imigrantes... Meu pai migra para o Brasil e vai trabalhar na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que é no Mato Grosso, e a minha mãe veio meio que fugida, na verdade, a família foge da invasão turca e eles mandam as filhas bonitas e mais novas para outros países. Então, eles não têm essa formação universitária, mas tinham aquela idéia da ascensão social, da mobilidade social. Eles incentivavam a fazer o ensino universitário. Nunca houve um esforço de manter os filhos fazendeiros. Isso é interessante. Tanto que desaparece a fazenda. Assim num certo sentido, quer dizer, vende-se, perde-se, não havia administração porque também não tinha interesse de continuidade. Eu acho que o que eles deixaram mais é essa liberdade. Existia uma pressão muito leve para você fazer essas três áreas, mas eles também não conheciam outras. Eu é que vim descobrir. E à medida que eu fui propondo essas mudanças, eles foram aceitando. Meu pai faleceu, eu era menino, na verdade, tinha uns cinco, seis anos, então, era mais a minha mãe que eu dialogava no final.

Talvez isso tenha aumentado esse grau de liberdade, o diálogo de filho com mãe é facilitado. Eles tinham como objetivo que o filho fizesse ensino superior nessas três áreas e no momento em que eu descubro outras áreas, Jornalismo, Cinema, eu vou tateando até chegar na área das Ciências Sociais. Eu acho que a influência que eu tenho é desse incentivo, desse jogar o filho para fora para fazer alguma coisa na vida, na linha do ensino superior.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Eu vivia no começo com uma ajuda da família, mas depois comecei a trabalhar em pesquisas de campo. Foi quando comecei a ter contato com a pesquisa. Na época, eram pesquisas de remédio, coisas parecidas que mantinham um paralelo. Á medida que eu fui me envolvendo mais nessa área de Ciências Sociais, me tornei um profissional na área de pesquisa. Eu trabalhava muito como pesquisador, desde produtos farmacêuticos passando até por questões de mercado, coisas desse tipo. Foram os meus primeiros trabalhos.

Nessa época, também eu tinha a forte sensação de descobrir a cidade. Eu tinha São Paulo na palma da mão. Se bem que eu vinha, todos os anos, para São Paulo desde criança, porque toda a família da minha mãe morava em São Paulo. Então, a cidade sempre foi muito próxima, mas quando eu comecei a trabalhar como pesquisador, eu descobri a cidade e andava facilmente nela. Duas coisas esses trabalhos me trouxeram: primeiro uma idéia de sistemática, de metodologia, de medir uma realidade, algumas coisas, alguns fatos; e segundo, esse potencial de ir para qualquer lugar da cidade sem medo, sem limites, qualquer lugar eu invadia.

 

Família
 

Eu sempre tive uma sensibilidade social muito forte. Porque a minha mãe herdou a fazenda do meu pai, sem ter muito conhecimento de administração. Sendo uma mulher, era muito sensível às questões sociais, tanto que durante a época que antecede ao governo militar, ela era uma das pessoas que estavam em listas para serem mortas. Eu me lembro que isso assustou muito a família. Por quê? Porque ela recebia muitos migrantes nordestinos. Todos os fazendeiros da região, as pessoas, eram impermeáveis e, praticamente, não deixavam chegar pessoas de fora. E minha mãe não só recebia como ela doou terras; ficou conhecida. A fazenda era grande, ela não tinha essa mentalidade empresarial capitalista; ela fez um tipo de colonização, de divisão de terras e deixava esses colonos nordestinos que chegavam, morar por ali. Eu fui criado muito com esse espírito de uma sensibilidade social muito grande.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Quando eu vim para São Paulo, eu obviamente começo a freqüentar muito teatro, e o teatro naquele tempo era muito político. Teatro Oficina, Teatro Opinião. Eu já gostava muito de cinema e teatro e quando eu venho morar em São Paulo, me dedico mais a isso do que aos estudos formais. Tenho a impressão que isso tudo, essa entrada no teatro, esse conhecimento do Leôncio, do Octavio Ianni é que me direcionaram realmente para uma outra área.

 

 

Fatos Marcantes

 

 

Eles eram diferentes na fala, no jeito de vestir, no tipo físico. Era muito diferente porque em Mato Grosso tem toda uma colonização que é voltada para a frente de expansão. Tinha japoneses, árabes, muitos. Aliás, uma outra questão interessante era a nossa convivência com os índios tupis, guaranis, principalmente os guaranis. E também tinha muito em casa - é uma coisa estranha porque a minha mãe tinha uma proximidade muito grande também com a Igreja Católica que fazia trabalhos indigienistas -, e, em casa, às vezes, almoçavam ou jantavam caciques, com penas e coisas parecidas. Vivíamos com essas pessoas. Essa idéia de alteridade ficou muito forte. Eu convivi e fiquei muito amigo de pessoas... Tenho lembranças muito bonitas dessas famílias que vieram do Nordeste e acabaram ficando na Fazenda Correntes. O nome da fazenda era Fazenda Correntes, ao lado do Rio Aquidauana e do Córrego Correntes.

Era uma experiência bem rica. Eu nunca tinha pensado nisso. Agora que você fez essa pergunta eu estou indo mais para trás um pouquinho. Eu nunca tinha pensado. Sem dúvida nenhuma. Quer dizer, me deu uma abertura para as questões sociais de uma forma muito clara. Mas, não tinha me dado conta disso. Hoje, pela primeira vez, eu relacionei. Para mim começava sempre nas palestras do Leôncio e do Octavio e do teatro, mas tem lá atrás esse contato com outras culturas, é muito importante.

 

Formação Acadêmica
 

Fiquei um ano em Jornalismo, não gostei. Fiz três anos de Cinema, mas Cinema eu levei mais a sério. Tanto que vai desdobrar na dissertação de mestrado. Porque eu fiz três anos de Cinema, foi uma experiência maravilhosa. Trabalhei como assistente de direção de Roberto Santos, fiz filmes experimentais, participei de festivais durante esses anos todos. Eu participei de festivais no Fotocineclube Bandeirantes, que era uma coisa importante. E até hoje alguns filmes que eu fiz foram recuperados nesse Dicionário de Curta-Metragem. Tem um ou dois filmes que eu fiz na época. E eu não vou perder essa experiência que eu tive com o Cinema, primeiro porque eu vou recuperá-la no mestrado que hoje nós temos na PUC, no programa de pós-graduação em Ciências Sociais. Temos um núcleo muito ativo que se chama Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política. É um núcleo das Ciências Sociais onde fazemos muito essa relação entre política e mídias eletrônicas, televisão, cinema, teatro e arte, no limite teatro, artes plásticas. Essas diferentes experiências do passado, no fundo convergem para esse Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política, ligado a PUC.

 

 

Avaliação/Dieese

 

 

Hoje eu ainda tenho orientações nessa área do trabalho, de relações sindicais, eu ainda continuo lendo, pesquisando, não com a intensidade anterior. Mas, porque na verdade, o doutorado que eu fiz, não é voltado só para a questão sindical, a questão do trabalho, talvez eu não fizesse uma pesquisa nesse sentido. O que me preocupou, o que me chamou a atenção no DIEESE não foi só o movimento sindical, a questão do trabalho, foi a relação do trabalho com o intelectual. Nós temos que considerar essa dimensão porque senão fica um pouco à parte. O foco, que eu acho muito importante, aliás, é a produção de conhecimento.

 

 

Trajetória/Dieese

 

 

Primeiro, eu fui estudante, então, existia, vamos dizer assim, a mítica do DIEESE. Quer dizer, o DIEESE para nós estudantes de Ciências Sociais tinha um valor muito alto, muito forte, era uma grande referência para se pensar o mundo, para se pensar o Brasil, para se pensar o quarteirão e a sala de aula. Eu sempre ouvia falar do DIEESE e não tinha muito contato. Mas ele sempre esteve presente na minha vida, nunca imaginei que fosse estudá-lo porque na graduação eu já conhecia o DIEESE, quando eu fazia Ciências Sociais, mas de referências, de uma coisa muito importante que existia no Brasil. E o que me interessa é a relação do movimento sindical com os intelectuais, com os cientistas sociais, no fundo com aqueles sociólogos e com os economistas. Isso que eu vou passar a pesquisar: qual é a ação, qual é a relação entre ação e conhecimento? Como uma classe age? Como um grupo social age em função de um conhecimento adquirido? Isso relaciona a ação sindical, dos trabalhadores, e a produção de conhecimento dos cientistas sociais e dos economistas. Ainda hoje, a questão que me pega é esta. O curso que eu dou, por exemplo, em pós-graduação é um curso que se chama “Poder e Liberdade”. Neste curso, eu discuto as relações entre conhecimento e ação, de que maneira a política permite determinadas formas de ação em função de conhecimento, de grau de consciência etc.

 

Avaliação/Dieese
 

Essa questão é chave no José Albertino Rodrigues, na Lenina Pomeranz, no Walter Barelli que são os intelectuais do DIEESE ligados à academia, mas com uma posição política. O que eu estudei é exatamente a trajetória de alguns intelectuais que se desencantam com o partido político, fosse ele comunista, socialista – normalmente, são de esquerda -, e vão de forma independente se alocar, se colocar no interior de um movimento sindical. Na academia a relação com a política é forte, os intelectuais têm posições políticas, sejam de esquerda, de direita ou de centro, mas normalmente todos têm, explicitam. Agora, os intelectuais do DIEESE, deixam de ser partidários, embora tenham as suas simpatias partidárias, deixam de ser partidários e vão de forma autônoma produzir conhecimento, criar, divulgar, disseminar técnicas de compreensão do mundo no interior de um movimento sindical. O DIEESE era esse lugar de encontro entre essas duas tendências.

 

 

Importância do Dieese

 

 

Hoje menos, mas nos anos 60, 70, 80, 90 a visibilidade do DIEESE era muito grande entre os intelectuais e mesmo na população. Os índices do DIEESE eram muito pesquisados, eram muito olhados, ele tinha uma entrada muito grande no conjunto da sociedade civil. E no meio intelectual também, contra ou a favor. Havia pessoas que não tinham simpatia, outras que tinham maior simpatia, maior identificação. Mas ele nunca deixa as pessoas apáticas, sem relação. É uma instituição que vai adquirindo, gradativamente, a partir dos meados dos anos 50, cada vez mais um grau de significação política muito forte. E essa significação política nasce exatamente do esforço sindical e do esforço, vamos chamar técnico-científico. Do esforço do movimento dos trabalhadores e do esforço do grupo intelectual.

Para compreender essa relação entre intelectuais e sindicalistas, vou estudar como o DIEESE se formou, qual a sua origem. Vou buscar a origem primeiro no movimento sindical. Eu mostro uma primeira fase que é a origem do movimento, a origem do DIEESE no movimento sindical, os principais acontecimentos, as conjunturas políticas dentro do movimento sindical, começando pelo Sindicato dos Bancários que percebe a necessidade da existência de um órgão produtor de informação. Porque existia a produção de informação do Estado, da prefeitura, dos capitalistas, dos empresários, mas não existia uma produção de conhecimento da classe trabalhadora. E depois, obviamente, quando os sindicalistas resolvem criar um órgão centralizado como é o DIEESE e que recebe as mais distintas correntes sindicais. Daí vem os intelectuais, Aziz Simão, os intelectuais da USP, da Universidade de São Paulo, ligados à pesquisa da classe trabalhadora, do trabalho, começam a dar sugestão de nome, começam a se interessar e voltar sua atenção para esse novo órgão sindical criado. Começa um fluxo, então, da Universidade de São Paulo para o DIEESE, de sociólogos como José Albertino Rodrigues, depois a economista Lenina Pomeranz, Heloisa Martins. E estes vão ser os diretores técnicos, mas outros pensadores como Aziz Simão, Florestan Fernandes, embora não atuem diretamente no DIEESE têm simpatias e estabelecem diálogos bastante produtivos também com esse departamento intersindical.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Quando eu entrei no doutorado eu estava saindo de uma empresa, a Hidroservice Engenharia de Processos e fui para Fundação SEADE, Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados que é do governo do Estado de São Paulo. Eu sabia do DIEESE, mas nunca me aproximei. Porque, eu acho que construí uma imagem muito grande dele para que eu pudesse enfrentar. Eu tinha um respeito muito grande que é aquele respeito que o estudante cria e cria ídolos, mitos e coisas parecidas. Então, o DIEESE era isso pra mim, era uma coisa muito distante, de valor muito alto. Quando eu vou para a Fundação SEADE eu vou trabalhar numa pesquisa que a Fundação está fazendo com o DIEESE. Conheci algumas pessoas ligadas ao DIEESE que estão no SEADE. Era como se abrisse a porta onde há um castelo que eu imaginava inacessível. Começo a levantar esses problemas e converso com o meu orientador, o Gabriel Cohn – porque eu tinha um outro projeto – e proponho para ele a mudança, para estudar o DIEESE e ele me incentiva muito. O Gabriel Cohn foi muito importante pelo incentivo que ele deu, em nenhum momento ele titubeou e, pelo contrário, ele me motivou: “Vamos nessa então!” É assim que nasce o meu tema e o meu recorte, o meu objeto de estudo, quando eu descubro que aquela instituição era acessível, sim. E daí também eu escancaro as portas porque eu vou fazer uma análise interna do DIEESE e vou tentar buscar algumas verdades, possíveis. Descobrir os conflitos internos e os externos. Eu fiquei muito à vontade para poder, pelas entrevistas, pelas análises de arquivos, estatutos, de boletins, de revistas, que eu fui pesquisando, descobrir o funcionamento do DIEESE, as suas potencialidades e também os seus limites.

Eu fazendo, em paralelo, pesquisas no arquivo, em jornais, na imprensa escrita, tudo que foi publicado sobre o DIEESE. Fui coletando e a Rosana me ajudou muito nisto. Pesquisei arquivos, todos os boletins publicados pelo DIEESE até então. As revistas do DIEESE. Entrevistei todas as lideranças sindicais possíveis que estavam vivas, que criaram, desde a origem até a direção daquela época e todos os diretores técnicos. E aí obviamente eu fui fazer também pesquisas bibliográficas, sobre o estudo do movimento sindical, sobre a classe trabalhadora, sobre as instituições. Fui montando dessa forma a minha tese de doutorado. Isso foi em 89. Uns quatro anos, mais ou menos, para fazer esse estudo porque eu tive que recomeçar, porque o meu tema era outro. Eu só pude reconstruir a história do DIEESE, até em minúcias, porque eu cotejei a pesquisa bibliográfica que já estava fazendo, ou seja, os textos produzidos por intelectuais como Leôncio, Albertino Rodrigues, Aziz Simão etc. Com a versão dos agentes que eles estudavam. Consegui falar com sujeitos históricos que estavam ali nas assembléias, levantando as questões, propondo a criação do DIEESE ou numa greve, na Greve de 53, ou no Sindicato dos Bancários. Acho que ganhou vida, ganhou força e ganhou expressividade exatamente porque as entrevistas dão a vitalidade, dão o significado para a reconstrução histórica. Há uma reconstrução histórica, uma nova interpretação da história possível a partir das entrevistas.

Sindicalista gosta de falar da sua experiência, porque eles são sujeitos históricos; é nesse cotidiano, na história desse cotidiano; eles são os agentes, então, eles têm o que falar, eles contam a sua história, cada um dá a sua versão. Aí eu fui cotejando e também fazendo uma conclusão a partir de confrontos e complementaridades de versões. Por outro lado, os intelectuais e os diretores técnicos também têm muito o que falar no sentido de que eles têm uma paixão, um orgulho pelo DIEESE, porque eles se entregaram. Albertino, Heloisa, Lenina, a Annez, Barelli se entregaram ao DIEESE. É um projeto de vida. Foi muito rico entrevistar cada um desses diretores técnicos também. Na entrevista com o Albertino, por exemplo, a gente usava fitinhas, eram umas cinco, seis fitas, três, quatro horas de gravação. Fora que eu voltei várias vezes para conversar com eles. Eu voltava para tirar dúvidas, para preencher uma lacuna. Eu não entedia muito bem uma passagem, uma relação, voltava.

 

Convivência no Dieese
 

Foi muito importante nesse projeto, a pessoa da Annez Andraus Troyano porque eu convivia com a Annez na Fundação SEADE e tinha uma troca muito grande, diariamente, sobre o DIEESE. O DIEESE se tornou meu projeto de vida durante esses quatro anos. Eu vivia constantemente a presença do DIEESE. Vi o DIEESE a partir da Fundação SEADE, entrei em contato com os técnicos, foi mais fácil compreender as múltiplas atividades que o DIEESE oferecia. Eu entrei dentro do DIEESE, e com o olhar de fora. Nunca me entreguei como os outros se entregaram ao DIEESE. Eu tinha essa admiração, eu estava envolvido com o trabalho, mas eu, mesmo estando dentro, com essa capacidade de circular internamente, eu também fiquei fora. Em nenhum momento eu assumi uma relação orgânica com o DIEESE. Foi uma experiência muito rica e hoje quando, às vezes, eu releio o texto, me emociona, me emociona bastante. É um texto que me pega ainda hoje.

 

 

Avaliação/Dieese

 

 

Antes a minha primeira visão era uma visão mitificada, uma visão distante e depois eu entro e vejo que é uma organização, que é uma instituição, que tem conflitos. No início, eu não percebia os conflitos, o único conflito que eu sabia do DIEESE é da classe trabalhadora com o capital, mas depois eu vou esmiuçar, eu vou trazer para as questões conjunturais, os conflitos. Eu descubro os conflitos externos, conflitos internos, grandes, digamos, oposições entre um Ministro da Fazenda e o DIEESE, no caso o Delfim Neto, questões de manipulação de dados. Eu entrei num universo extremamente dinâmico de relações de forças que se desestabilizam constantemente sejam entre as lideranças sindicais, porque o DIEESE é um local de heterogeneidades, é um local de encontro dos mais diferentes, que são as lideranças sindicais, e mais ainda, o encontro de lideranças sindicais com o intelectual. Até hoje, eu vejo o DIEESE com um extremo dinamismo, com muitas tensões, o que traz uma visão trágica, mas no sentido de pensamento trágico, de entender que o conflito é que faz uma história, de que o conflito é sempre inesgotável, e o DIEESE é o território dos conflitos, mas dos conflitos produtivos.

 

 

Técnico X Sindicalista

 

 

A relação entre os técnicos e os sindicalistas foi o que me deu mais vontade de continuar pesquisando, de procurar alguma coisa que não tem solução. O que não tem solução? Esta relação, porque essa é uma relação de tensão tênue ou às vezes de tensão exacerbada. Por quê? Obviamente que tanto os sindicalistas quanto os intelectuais, quanto o corpo técnico tem um objetivo comum que é a defesa dos interesses da classe trabalhadora, que é produzir conhecimento para o movimento sindical. Há, portanto, um substrato comum, mas também esses dois grupos têm especificidades, eles têm autonomias, cada um tem uma racionalidade própria e nesse sentido eles vivem em permanente tensão. Porque além dos interesses básicos existem os interesses diferentes e o que move o corpo técnico e os grupos técnicos não são os mesmos interesses que movem o corpo sindical. Eu que é uma relação paradoxal, é uma relação ao mesmo tempo de complementação e de oposição. Acho até que quanto mais o DIEESE avança, maiores ficam essas tensões, ou elas tendem a se esvaziar ou elas tendem a se fortalecer. Então, essas tensões estão sempre colocadas.

 

Relação com o Dieese
 

Eu ganhei amigos. Durante a pesquisa eu fui ganhando afetos, afetividades, principalmente, com pessoas como a Annez, o Albertino. Eu já conhecia o Albertino, mas não sabia da história dele quando eu fui estagiário na Hidroservice. Ganhei amizades que trago até hoje. Das amizades mais importantes que eu tenho, por exemplo, com a Annez Andraus Troyano, é um vínculo muito forte, só que aí não foi só DIEESE. Mas eu nunca me entreguei ao DIEESE e eu acho que isso foi muito bom porque eu fiz uma análise que algumas pessoas podem achar mais crítica ou menos crítica, mas ela não deixa de ser uma análise crítica.

O trabalho, a tese, não pensei em reações. Não mesmo. Em nenhum momento eu pensei no que poderia ser a reação do corpo sindical, do corpo técnico. E eu consegui, talvez porque você está envolvido com o sistema, o objeto, o que importa é a pesquisa. Mas quando eu terminei a tese, no dia da defesa, lotou o auditório, foi quando eu me dei conta: “É óbvio que as pessoas do DIEESE vão ler!” Até então eu não tinha me dado conta de que o pessoal do DIEESE iria ler o meu trabalho. Foi no dia da defesa. Tinha muitos amigos, evidentemente, mas mais da metade das pessoas talvez fosse de funcionários, pessoas que trabalham no DIEESE. O DIEESE gravou, filmou. Foi quando me veio a presença do público mesmo. Quando eu publico o texto a recepção se amplia mais. Foi muito boa. Mesmo essa dimensão crítica foi valorizada pelo Serginho, pelo Barelli. Nesse deslocamento da tese e do livro para fora, o Barelli e o Serginho foram pessoas muito importantes, mesmo sabendo dessa análise crítica, com divulgação, com indicação, presenteando pessoas, para a imprensa, até para eles mandaram porque saiu uma crítica no Rio de Janeiro, algumas outras aqui. Então, eu acho que o DIEESE tem o livro como uma boa contribuição para a sua história e para a instituição.

 

 

Avaliação/Dieese

 

 

O vínculo ficou forte e continua forte, mas é diferente, porque daí é como se ele se desnudasse para mim também. Eu dei mais importância para o DIEESE. Aquele valor que eu dava na época de estudante, na época de mestrando era de um tipo; o valor que eu dou depois é um valor histórico, é um valor teórico. Porque até hoje eu tenho uma atração muito grande pelo que é o DIEESE. Não deixo de estar atento, de ler. Porque ele se tornou um sujeito coletivo, um sujeito histórico com uma dinâmica muito forte. Eu sei que é um livro utilizado várias vezes por alguns cursos. Depois deste livro também fiz três ou quatro artigos sobre o DIEESE publicados, desde Lua Nova até São Paulo em Perspectiva. Eu produzi mais alguns textos, artigos sobre intelectuais sindicalistas e universidade, daí eu discuto a universidade do ponto de vista do movimento dos trabalhadores.

 

 

Manipulação de Índices

 

 

No livro eu mostro exatamente quando o DIEESE passa a ganhar esse reconhecimento no interior da sociedade. É no confronto de índices, através dos dados do DIEESE, que o movimento sindical consegue enfrentar, patrões, sindicatos patronais e o Estado. E quando também há uma repressão política muito forte . Então, os índices do DIEESE começam a ganhar fidedignidade. A sociedade desconfia dos índices patronais e dos índices do Estado e valoriza, toma para si os dados do DIEESE. É nesse momento em que há na história a presença do DIEESE no interior da sociedade civil, isso daí de forma crescente.

 

Importância do Dieese
 

Com o surgimento do PT, dos chamados “novos sujeitos sociais”, as unidades sindicais criam seus próprios centros de pesquisa e o DIEESE ganha grandes competidores, o que reduz um pouco a sua presença na sociedade, mas nunca deixa de ser importante. O DIEESE disputa espaço com outras instituições similares, não é mais o único gerador fidedigno de informação, mas ainda assim ele já ganhou um lugar na história, agora é desenvolver-se a partir do patamar alcançado. E com as pesquisas sobre emprego/desemprego, quer dizer, ele vai diversificando também, ele vai se ampliando no transcorrer histórico. A CUT, por exemplo, tem um órgão que coleta informações. A Fipe, da Faculdade de Economia da USP. Existem vários centros de pesquisa: Data-Folha, Ibope que vão crescendo. Mas, com a especificidade da constituição do DIEESE, é único. Nós temos que chamar a atenção, perceber a especificidade do DIEESE, no que ele é único, particular na história brasileira. Como é que ele representou rupturas e inovações no interior da história brasileira. Ele representa inovações, ele traz rupturas, ele traz constituição de alguma coisa nova.

Acho que o DIEESE tem um auge pelos anos 70, há um auge só que não há declínio, eu diria, há um auge e depois há uma continuidade. Ele se mantém até hoje, não é alguma coisa que se encerra, então isso já é significativo, já tem quase dez, o livro... Uns dez, quinze anos, que eu fiz o livro e poder-se-ia tranqüilamente fazer um novo doutorado, um novo livro sobre o DIEESE a partir de então.

 

 

Futuro do Dieese

 

 

É desenvolver, ampliar cada vez mais essa capacidade de produção de conhecimento. Pensava-se numa universidade popular, eu acho que isso poderia ser colocado. E principalmente, precisamos pensar que o movimento sindical reduz, perde intensidade, isso leva o DIEESE também a perder intensidade, mas o movimento sindical também está aí. Formalmente ele está aí. Eu acho que além da questão de produção do conhecimento até a continuidade em incentivar, essa maneira de incentivar o movimento sindical em direções específicas. Existe demanda, sem dúvida nenhuma.

 

 

Família

 

 

Sou casado, tenho dois filhos, um faz Cinema, a outra é artista plástica. Acaba tendo influência, é claro. Sem eu perceber, a gente vai influenciando, eu tenho a impressão, um pouco. E também acho que essa questão da sensibilidade social dos dois também é aguçada. Minha esposa também é cientista política, ela fez mestrado e doutorado na USP. É professora da PUC São Paulo. Eu e ela coordenamos esse núcleo de estudos em Arte, Mídia e Política da PUC São Paulo.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

O que eu aprendi também na minha carreira é descobrir sempre coisas novas, inusitadas, estar aberto para o inesperado. Então, esse projeto para mim é inusitado, eu não sabia dele. Fiquei encantado com o trabalho que vocês fazem, com essa metodologia que vocês usam e com os recursos técnicos. E tem muito a ver com o nosso Núcleo de Arte, Mídia e Política. Tem uma coisa próxima a ela também. É muito bacana. É muito bom conhecer o trabalho de vocês. Parabéns pelo trabalho que vocês fazem e ao DIEESE pela data.

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