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Adi dos Santos Lima

adi_dos_santos_limaHistória de Vida

Identificação

Meu nome é Adi do Santos Lima, nasci em Montes Claros, Minas Gerais, no dia 14 de fevereiro de 1956. O nome do meu pai é Silvino dos Santos Lima e, minha mãe, Leondina da Silva Brandão. Meu pai era comerciante e minha mãe, dona-de-casa. Tenho nove irmãos: sete homens e duas mulheres. Alguns deles são militares, outros trabalham em indústria, um outro trabalha em comércio, minhas irmãs, uma é professora e a outra, dona-de-casa.

 

 

Infância

 

 

Eu nasci num bairro pobre, sem infra-estrutura; água, luz, esgoto e telefone não existiam. Talvez, tenha sido a melhor fase da minha vida porque era possível conhecer as pessoas de perto, conviver sem correria, sem a preocupação de uma cidade grande. Eu era feliz e não sabia!Tinha muitos amigos, vizinhos, colegas de escola. A molecada era muito família, todo mundo se conhecia. Nós brincávamos, fazíamos os nossos próprios brinquedos. Éramos uma família muito pobre, mas com muita solidariedade entre nós. Eu era muito “sacana”. Não desejo para ninguém as coisas que eu fazia. Porque moleque nasce com espírito de briga e eu, por exemplo, brigava muito. Eu brincava, gostava muito de jogar bola, mas por qualquer coisa acabava brigando. Quanto às minhas brincadeiras preferidas eram bola, soltar pipa, bolinha de gude. Eu andava de bicicleta e aprendi rapidinho. As pessoas sempre ficavam nervosas e iam reclamar para o meu pai e para a minha mãe, mas não resolvia nada porque no outro dia eu pegava a bicicleta e... Porque o meu prazer era assustar as pessoas. Na rua da minha casa tinha uma descida bem grande e eu pegava o embalo lá de cima, vinha e mirava bem no meio da pessoa, quando eu chegava bem perto, desviava. Eu não desejo essa brincadeira para ninguém porque era perigosa, mas era uma coisa, para mim, muito divertida.O dia-a-dia em casa era muito bom. O meu irmão mais velho ia trabalhar e os outros oito ficavam em casa. Minha mãe costurava. Nós tínhamos um fogão à lenha que até hoje não consigo entender como suportava oito crianças em cima dele. Todos os dias à noite, a gente subia nesse fogão e ficávamos ali, contando histórias, principalmente, quando estava chovendo. Quando o tempo estava bom, brincávamos na rua, próximo da nossa casa, porque era muito escuro, não tinha luz elétrica. Era aquela criançada, brincando de pega-pega e sempre juntos até o falecimento da minha mãe.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Estudei no Grupo Escolar Simeão Ribeiro, que ficava no bairro Roxo Verde, não muito longe da minha casa. Eu ia a pé e ali, fiz os quatro primeiros anos da escola. Apaixonei-me pela professora e me lembro que na terceira série, não passei de ano e quis que a professora me levasse para a quarta série mesmo assim. Foi um rolo na escola, porque eu não aceitava ir para outra sala. Ali, convivi com crianças também pobres que iam muito para a escola em função do mingau que era a nossa merenda. Gostava muito da escola, porque fazia aquelas festinhas de criança. Para mim, era um mundo quase que completo. Às vezes, os colegas me chamavam para matar aula e jogar bolinha de gude ou para nadar num riozinho perto da minha casa. Às vezes, eu ia, mas a minha mãe logo ficava sabendo e me batia muito. Às cinco horas, o meu pai chegava do serviço e não queria nem saber o quê eu tinha feito, sabia que eu tinha feito alguma coisa, então já tinha hora marcada para me bater. Eu apanhei de segunda a segunda, durante um bom tempo. Eu e mais alguns irmãos passamos por essa fase de educação. E foram assim, os meus primeiros anos de escola. Depois entrei no Colégio Marista, para fazer o exame admissional, para entrar na primeira série do ginásio. Entrei nesse Colégio Marista e estudei lá quatro anos. A escola Marista era católica e nós tínhamos que rezar. A maioria dos professores eram padres. Tinha uma divergência com a minha família, porque os meus pais eram protestantes, evangélicos e eu também participava, freqüentava a igreja. Quando eu chegava à igreja tinha uma prática, quando chegava à escola era outra. Mas não atrapalhou, passei assim o meu período de ensino fundamental. Depois eu fui pra fazer o segundo grau numa outra escola. Ganhei uma bolsa de estudo numa escola particular, uma escola de classe média. Eu fiz o primeiro ano do segundo grau e saí. Fui para um outro colégio que era estadual e tinha um nível melhor. Eu fiz o exame admissional, entrei no segundo ano do segundo grau e concluí o meu segundo grau na Escola Normal.Quando entrei na Mercedes Benz, eles davam curso de alemão. Fui estudar alemão, mas eu gostava de inglês porque eu tinha facilidade com a língua inglesa. Apesar de que o meu grande sonho era um dia entrar numa escola de música para aprender piano. Aí ocupei todo o meu tempo. Durante o dia, eu estava na fábrica e, à noite, um dia, estudava alemão, no outro dia, estudava inglês. Conheci uma professora de piano que gostou muito de mim, e falou: “Eu vou dar aula para você todo sábado.” E comecei a ir à casa dela. Estudei piano por um ano. Eu estudava inglês, alemão e piano. Fiz isso durante um ano. Depois, percebi que o alemão não era a minha praia e continuei estudando inglês. Eu queria ser tradutor e intérprete de inglês, mas na época só tinha duas faculdades com esse curso: a Ibero Americana e a USP. Na USP, não consegui disputar, a concorrência era muito grande. Na Ibero Americana, prestei duas vezes o vestibular, na segunda, entrei. Fui estudar Letras, tradutor e intérprete, durante quatro anos. De 1985 a 88. E na Mercedes Benz, fui fazendo vários cursos.

 

Juventude

Quando perdi a minha mãe, eu tinha 18 anos, estava servindo o Tiro de Guerra [serviço militar] e para mim foi uma coisa muito pesada porque era muito apegado à minha mãe e ela a mim. Foi o fim de uma caminhada. Acho que foi ali que “cortou o cordão umbilical” entre mim e minha mãe, então tive que aprender a caminhar só.Mas eu já engraxava sapatos, aos dez anos de idade, em frente ao mercado municipal, em Montes Claros. Todo dia tinha vendedores ambulantes que ficavam ali e quando eles precisavam sair, pediam para eu cuidar. Eu sempre fazia isso para um e para outro. Fiquei ali três anos. Depois, fui trabalhar numa lavanderia buscando e entregando roupas nas casas, mas sempre que podia ia lá engraxar sapatos. Até que um amigo me convidou para trabalhar na loja dele. Era numa banca como vendedor ambulante e ali comecei. Eu era uma criança muito honesta e as pessoas dificilmente encontravam garotos assim naquela idade, com aquela transparência toda. Eu nunca fui numa escola de música, mas toco violão de ouvido e Montes Claros era uma cidade muito interessante, porque a maioria das pessoas toca algum instrumento, seja idoso, seja criança. Em todo lugar você encontra gente que toca. Na noite, em Montes Claros, havia uma coisa que me fascinava, porque eu saia do colégio e todos os meus amigos tinham um violão, daí a gente ia fazer serenata. Eu passei muitos anos assim. Fazíamos serenata nas casas das pessoas. Eu chegava em casa meia-noite, uma hora da manhã. O meu pai brigava comigo, mas aquilo não tinha jeito. Uma coisa que me marcou muito, foi essa convivência com os amigos. Éramos como irmãos.

 

 

Migração

 

 

Conheci uma família de vendedores, que tinha loja na minha cidade, e acabei indo trabalhar com eles. Eles prosperaram nesse ramo do comércio, espalharam lojas por vários lugares do país e aqui em São Paulo. Era a família Boa Ventura. Uma família grande, parece que de dez irmãos. O primeiro com quem eu comecei a trabalhar se chamava Jurandir Boa Ventura. Depois passei a trabalhar com o Walter, que fez sociedade com o Noélio Boa Ventura. O Noélio Boa Ventura tinha loja em São Paulo e eu trabalhava na loja do Walter e do Noélio. Eu tinha concluído o segundo grau, minha mãe tinha falecido e eu achei que não deveria ficar mais em Montes Claros. Apesar de toda amizade e família, eu achava que não tinha mais o que fazer ali. Alguns amigos tinham ido para Brasília, outros para o Rio e eu queria tomar um outro rumo. Não tinha dinheiro, não tinha a mínima condição de viajar e foi por isso que eu pedi carona para o Noélio e ele me trouxe para São Paulo. Vim em 1967 e fiquei por aqui até hoje. Eu tinha 22 anos de idade.O Noélio foi um pai, um amigo e a esposa dele, a dona Cida, uma mãe. Tanto que nos consideramos, até hoje, como uma família. Eles são os meus pais e eu sou filho deles. Mas eles não me deram moleza. Quando cheguei, eles falaram: “Você não vai dormir na minha casa, vai dormir num cômodo vazio que eu tenho pegado na loja e amanhã vai para procurar emprego. Eu vou dar uma volta com você na cidade de Diadema para você conhecer e, depois, você vai se virar sozinho.” Passei, praticamente, dois meses em São Paulo tendo lições de vida que me ajudaram muito. Esta convivência com eles e a forma como me tratavam, sem dar moleza, sem deixar me acomodar, me ajudou demais. O Noélio saiu comigo para procurar emprego e eu consegui logo.

Trajetória Profissional

Eu estava há dois meses em São Paulo e consegui emprego. Nessa época [1977] quem tinha o segundo grau completo, em São Paulo, tinha facilidade para arrumar emprego e havia uma demanda muito grande. Fui trabalhar numa empresa chamada Trefil SA, uma empresa de trefilação de aço. Nos primeiros meses, gostaram muito de mim por causa do meu jeito de tratar as pessoas e de trabalhar com responsabilidade. Deram-me um aumento de salário e fiquei uns dez meses nessa fábrica; inclusive, queriam me promover. Mas eu não aceitei porque eu queria ir embora. Eu entrei lá como ajudante; depois de três meses me colocaram como auxiliar administrativo. A empresa começou a apostar muito em mim, mas na minha cabeça eu tinha que ir embora para Brasília. Não tinha nada a ver com são Paulo, um lugar muito frio, as pessoas muito frias, não tinha com quem conversar. Eu tinha deixado a minha namorada e meus amigos em Montes Claros. Pedi a conta nessa fábrica e voltei para lá, para passar o final do ano e aí fiquei três meses. Revi todo mundo, mas achei que não era mais aquela cidade que eu nasci. Como a minha mãe não estava, eu achava que eu não tinha mais o que fazer ali, mas, ao invés de ir para Brasília, voltei para São Paulo, para Diadema.Fui morar numa pensão e lá eu cozinhava, lavava roupa e comecei a procurar emprego. Tinha juntado o dinheiro do Fundo de Garantia de dez meses; podia ainda ficar alguns meses sem trabalhar que dava para sobreviver. Deixei currículo em várias empresas e uma delas foi a Mercedes-Benz. Cheguei lá, entreguei o currículo, um cara pegou, leu e na hora me mandou preencher uma ficha. Fiz teste e uma entrevista. A entrevista tinha uma parte escrita e uma oral. A escrita era mais para saber as minhas referências, se eu tinha uma boa caligrafia. Parecia um teste vocacional. Foi talvez para perceber qual era a minha forma de agir, de atuar, de conviver. Só sei que me pediram para voltar no outro dia. Voltei e me mandaram fazer exame dentário, médico. Fiquei uns três meses fazendo exame, de fevereiro a abril, e no dia 2 de maio, comecei a trabalhar na Mercedes.Antes de eu entrar na Mercedes, tive um choque na Trefil, porque eu nunca tinha vestido um macacão, nunca tinha calçado um sapato de bico de aço. Para mim aquilo era coisa de outro mundo. Quando coloquei aquela roupa, me senti uma pessoa fora do meu habitat. Ficava até incomodado, mas fui me acostumando. E mineiro é uma pessoa muito atenciosa, fala devagar, fala cantado e aí é fácil de fazer amizade. Eu tive muita facilidade para fazer amizade. A Mercedes era uma fábrica muito grande, tinha 18 mil trabalhadores. Eu me perdi lá dentro no primeiro dia de trabalho. Entrei de distribuidor de material, em 78, e depois de alguns meses me mudaram de função. Fui trabalhar no Cardex, que era um fichário em que se anotava entrada e saída de peças. Uma função qualificada, porque quem trabalhava lá usava uma roupa mais limpa. Eu havia entrado de macacão, lavava peça enferrujada com ácido. Aquilo ali foi terrível. Eu sempre pensava que o meu negócio era um violão, era namorar, que eu não tinha a ver com aquilo. Mas no primeiro pagamento, me entregaram o holerith, um envelope com o dinheiro dentro e quando eu vi o valor, falei: “Acho que a coisa aqui é boa.” Com esse primeiro pagamento, fui à casa do Noélio porque eu vivia lá. O Noélio falou “Você vai comprar um carro e eu vou com você.” Ele me tratava igual a um adolescente. Fomos lá comprar um carro, um Fusca 83. Chegou lá, comecei chorar porque eu achei que não ia conseguir pagar. O Noélio que fez o negócio do Fusca para mim, eu não tive oportunidade de optar em nada. Eu tinha que pagar as prestações e fiquei muito nervoso. Foi o meu primeiro carro. Dois anos depois que eu estava na Mercedes, começaram a informatizar a fábrica. Éramos oito cardexistas. Os computadores foram implantados, em 1980, e nos chamaram para fazer curso de digitação. Fiz o curso durante seis meses e dos oito que trabalhavam no Cardex, só eu fiquei trabalhando no computador. O cardex acabou porque passaram todos os dados para o computador e os outros companheiros foram fazer outras coisas na fábrica. Trabalhei durante nove anos digitando, até adquiri tenossinovite, a Lesão por Esforço Repetitivo [LER], mas foi um período em que eu pude me desenvolver bastante profissionalmente. Era muito rápido para digitar e tinha muita facilidade. Tanto é que, em 81, quando teve um “facão” muito forte, uma demissão em massa em que quase 6 mil trabalhadores foram embora, eu fiquei porque não tinha ninguém para me substituir. Se não fosse isso eu teria ido embora também naquele “facão” porque os solteiros, na sua grande maioria, estavam sendo demitidos.

 

 

Militância Política

 

 

Lá em Montes Claros, com meus 17, 18 anos, fundamos um Grupo de Jovens ligados à Igreja Católica. Um grupo muito atuante que fazia trabalho filantrópico. Era uma atividade que a juventude fazia no bairro e eu participava. Eu também tocava na missa e passei a gostar muito. Quando eu vim para São Paulo, senti falta dessa convivência. Na mesma rua da pensão, que eu fui morar, tinha algumas pessoas que participavam de grupo de jovens. Conheci alguns deles, me enturmei e acabei indo tocar na igreja. Nessa época, tinham as Comunidades Eclesiais de Base [CEBs] que faziam o contraponto com o conservadorismo da igreja. Nisso nasceu o Partido dos Trabalhadores [PT], em 1980, e tinha muito a ver com as Comunidades Eclesiais de Base, as bandeiras eram as mesmas, a vida era muito próxima. Comecei a trabalhar na Comunidade Eclesial de Base e no partido político. Tanto é que eu dava aula de catequese e tinha um dos professores da catequese que saiu candidato a vereador pelo PT, em 1982. Nós elegemos esse companheiro, era o Manoel Boni. Também elegemos o primeiro prefeito do PT na cidade de Diadema, o Gilson Menezes, que era um diretor do Sindicato dos Metalúrgicos e trabalhava na Scania, lá em São Bernardo. Esta convivência me aproximou do movimento sindical. Mas antes, na pensão ainda, quando estávamos fundando esse grupo de jovens, num sábado à tarde, eu me deparei com um carro da policia na porta da pensão. Mandaram me chamar dizendo: “Nós estamos sabendo que vocês estão fazendo reuniões aqui e vamos investigar, se for isso mesmo, vamos levar vocês presos.” Dois policiais falaram isso para mim e para uma outra pessoa que estava comigo. Eu fiquei com medo do meu pai saber, porque eu era de uma cidade pequena e de repente saber que o filho estava envolvido em alguma coisa podia criar um pânico lá em Montes Claros. E a dona da pensão me disse: “Não faz mais reunião aqui, não quero confusão para o meu lado”. Nisso, uma das pessoas que participou da reunião na pensão me chamou para ir a uma reunião no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na época era de São Bernardo e Diadema, e eu fui. Só que cheguei lá e tinha intervenção no sindicato. A direção [do sindicato] estava atuando perto da Igreja Matriz. Eu fui nessa reunião, sei que tinha os líderes sindicais, possivelmente, o Lula, o Vicentinho, esse pessoal todo, mas eu não conhecia ninguém. Participei de duas reuniões e não quis saber, preferi seguir na igreja. Aí houve essa aproximação da Comunidade Eclesial de Base com o partido político [PT], eu numa empresa metalúrgica e o sindicato que ia lá fazer a assembléia. O Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] e o Meneguelli [Jair Meneguelli] iam lá fazer assembléia num Fusquinha branco.

Trajetória Sindical

Lembro de um dia em que houve um incidente forte na empresa, foram arrebentados todos os vidros, a fachada da fábrica, estávamos em greve. Foi a primeira greve que participei. Eu tinha entrado na Mercedes em maio de 78; no mês de junho, começou a greve e eu não tinha idéia do quê era a greve. Eu estou lá trabalhando, lavando as peças e, de repente, passam duas pessoas: “Pára, pára tudo aí, pára tudo aí que nós estamos em greve.” Eu não entendi nada. Passaram e eu continuei lá lavando as peças. Dez minutos depois, veio um batalhão de trabalhadores, era gente que não acabava mais, tudo porque eu estava lavando as peças. Aí eles me explicaram e falei: “Eu sou novo aqui, tenho só um mês”. E eles: “Quando está em greve não é para trabalhar, é para parar.” Eles estavam fazendo um arrastão, levaram todo mundo. Iam parando e levando todo mundo. Eu acabei me desviando lá no meio e não fui com eles. Foi a minha primeira greve e passei a conviver, porque que tinham as assembléias na porta da fábrica, as assembléias no Paço Municipal. Até fui em algumas delas, mas com muito medo porque tinha muita, muita policia. Eu me lembro quando nós entramos em greve na Mercedes, tinha, num determinado dia, vários canhões [do exército] no pátio. Parecia um campo de guerra e aquilo me marcou. Porque tanta máquina, tanta potência para acabar com uma greve? E depois eles correram atrás de mim, me cercaram de um lado e, de outro. E os caras com uns cassetetes... Consegui escapar, mas eles espancaram vários de nós que estávamos próximo da fábrica naquele dia. Até para chegarmos na assembléia, tinha que chegar todo mundo junto porque se pegasse alguém, batiam mesmo. Foi uma época muito pesada, em 78, 79, 80, mas eu não militava no sindicato, a militância era na igreja.Em 1984, teve uma outra greve na Mercedes e entre as reivindicações tinha a Comissão de Fábrica. Sei que tinha um grupo de companheiros na fábrica com muita aproximação com os trabalhadores na Alemanha. E os trabalhadores da Mercedes na Alemanha mandaram um grupo de representantes aqui no Brasil. Eles foram lá na Mercedes e fizeram uma reunião com os dirigentes sindicais e mais alguns militantes para discutir essa comissão de fábrica. Acabou saindo a comissão de fábrica. O primeiro mandato da comissão eleita foi em 85, mas havia uma repressão muito forte na fábrica, a chefia se achava dona do mundo. Não se podia ouvir música dentro da fábrica, não se podia jogar baralho, enfim, havia um relacionamento rígido com os trabalhadores. Tinha companheiros que não sabiam muito, não sabiam falar direito, mas tinham uma coragem de enfrentar os guardas na fábrica. Era um exemplo para nós. Eles nos levavam a Tribuna Metalúrgica [jornal do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema], mas os guardas não deixavam entrar na portaria. Então, eles colocavam por dentro da roupa, chegavam na saída do restaurante e distribuíam ou levavam nos setores, deixavam no banheiro e pegávamos para ler. Se a chefia pegasse a gente lendo a Tribuna Metalúrgica era punição. Tomávamos uma advertência. Este regime duro acabou sendo quebrado quando foi instituída a Comissão de Fábrica. Porque na Volks, na Ford, na Scania, já tinha Comisão de Fábrica. A Mercedes foi a última a ceder, por pressão, por greve. Esta comissão de fábrica passou a ser extensão do sindicato dentro da fábrica. Aí me convidaram para entrar na comissão, mas eu não quis porque eu queria concluir o curso. Mas, no segundo mandato, em 87, não teve jeito. O Vicentinho insistiu e acabou me convencendo. Entrei como suplente na comissão de fábrica, em 87, e dois anos depois, fui eleito coordenador. Fiquei até 96 e entrei na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Em 1998, eu fui para a executiva do sindicato e me afastei da Mercedes Benz, para coordenar a subsede do sindicato, em Diadema. Também em 98, vim para o DIEESE, depois fui para a Federação dos Metalúrgicos.

Fatos Marcantes

Numa assembléia de 50 mil pessoas, tomei a primeira vaia. O pessoal tira um “sarro”, brinca até hoje que eu resisti àquela vaia e, portanto, estaria preparado para continuar no movimento sindical. Foi uma assembléia que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC chamou na campanha salarial. Eu era apenas da Comissão de Fábrica, não era da direção do sindicato, estávamos reivindicando 84,17%, me parece que era da inflação da época do José Sarney, em 89. Eles [o sindicato patronal] só queriam dar 45%. A inflação era de 84, 85% e não aceitamos. Chamou a Comissão de Mobilização e lá vão todos os militantes, os membros das comissões de fábrica, as CIPAS [Comissão Interna de Prevenção de Acidente]. Nesse fórum, discutimos essa proposta de 45% e foi reprovada. Só que a diretoria do sindicato que havia negociado - na época, o Vicentinho [Vicente Paulo da Silva] era o presidente do sindicato - tinha chegado no limite deles, não passava de 45% e a comissão de mobilização debateu, reprovou e aprovou, mas, enfim, tinha assembléia no dia seguinte e tinha que apresentar a proposta. Tinham que escolher alguém da comissão de mobilização para defender os 45% que era a proposta da diretoria do sindicato e me escolheram para falar. Foi um momento da minha vida que eu não esperava passar. Quando subi em cima do caminhão e vi aquele “mar de gente”, o Paço Municipal tomado. Grande parte das pessoas não eram metalúrgicos, eram professores porque se nós aceitássemos os 45%, eles possivelmente teriam que aceitar os 45% também ou menos na campanha salarial deles. E fiz a defesa da proposta e 51 mil pessoas me vaiaram naquele dia. Em seguida foi o Vicentinho, que só não foi vaiado por mim e por quem estava em cima do caminhão, porque nem deixaram ele terminar de falar. Essa foi a minha primeira assembléia. A partir daí passei a falar em todas as grandes assembléias e nunca mais tive nenhuma vaia. Porque em nome do sindicato, comprávamos a briga. E foi assim que, em 1996, eu entrei para a direção do sindicato. A década de 90 foi marcante na minha vida como sindicalista, como representante dos trabalhadores. Porque houve uma mudança muito forte na reestruturação industrial, e a Mercedes foi uma das empresas que começou a fazer essa reestruturação no início da década de 90. Nas outras empresas em que havia tido mudança no processo de produção, foi sem a participação dos trabalhadores e eu não me conformava, não aceitava que a empresa fizesse unilateralmente essas mudanças. Então chamamos a comissão de fábrica, chamamos o sindicato, chamamos o DIEESE, montamos um grupo de trabalho e nos capacitamos para enfrentar essa reestruturação. A Mercedes havia proposto uma nova fábrica, uma nova estrutura, que dividia a fábrica em cinco e nos apresentou o projeto. Esse projeto já vinha com nome “Mudar ou Fechar”, ou seja, ou fazia aquelas mudanças ou ela fecharia. Nós não tivemos problema em topar discutir. Fizemos um projeto também que chamava “Qualidade de Vida no Trabalho” e o DIEESE nos assessorou: o Osvaldinho [Osvaldo Cavignato], o Jefferson [Jefferson José da Conceição], o Luiz Paulo [Luiz Paulo Bresciani], o Doutor Nilton Teixeira. Enfim, um grupo de técnicos e nós, da Comissão de Fábrica, elaboramos esse projeto e dissemos para a empresa: “Vamos discutir o projeto de vocês, mas queremos discutir o nosso também.” E passamos dois anos negociando os dois projetos. Tanto que em relação à Participação nos Resultados [PLR – Participação nos Lucros e Resultados], a Mercedes foi a primeira empresa a negociar, porque isso estava no nosso projeto antes da medida provisória do Itamar Franco. Enfrentamos a reestruturação produtiva, as mudanças organizacionais, a terceirização, o Kaizen, o Kanban, todas essas mudanças no processo de produção. Evidente que tivemos perda de postos de trabalho, mas a intervenção dos trabalhadores talvez tenha sido a coisa mais importante que aconteceu na minha vida, enquanto representante dos trabalhadores. Tive a oportunidade de conhecer outras experiências fora do Brasil e pude compartilhar, com os companheiros, novas formas também de organização dos trabalhadores, como por exemplo, as greves que passamos a fazer a partir de conhecer melhor o sistema de produção. Também achamos um novo caminho de mobilização dos trabalhadores que foram as greves inteligentes, as greves estratégicas, como a que fizemos em 1990. Essa greve, para mim particularmente, foi um achado porque eu tinha ido para a Alemanha, em 89, e conversando com os companheiros de lá, percebi que tinham uma forma de fazer paralisação que podia durar bastante tempo e os trabalhadores não perdiam porque quem estava trabalhando pagava os dias de quem estava parado. Eu trouxe essas discussões para a Comissão de Fábrica na Mercedes e passamos a desenhar um novo tipo de greve. Primeiro tínhamos que conhecer o sistema de produção. Como a minha função era programador de produção, eu conhecia todos os “gargalos” da fábrica. Eu conhecia todo o processo de produção e chamamos uma plenária com todos os trabalhadores para discutirmos o setor estratégico da fábrica. Ali, todo mundo descobriu que seu próprio setor era estratégico. O empilhador achava que o setor dele era estratégico porque se a empilhadeira não pegasse as peças, não montava; um outro que montava o pneu falava que não saía caminhão sem pneu; o do motor falava que o setor dele era estratégico porque sem motor não sai caminhão. Listamos vários setores estratégicos. Contemplamos todo mundo e fomos ver os critérios. Queríamos parar um setor que tivesse um número mínimo de trabalhadores e que tivesse um salário menor, porque o setor que continuasse trabalhando iria pagar o salário desses que iam parar. Mapeamos vários setores, e no dia da greve dissemos: “Entra todo mundo para a fábrica, ninguém vai saber qual é o setor que vai parar, fica todo mundo preparado que a comissão de fábrica vai chegar no setor que for estratégico e vai parar.” E chegamos de manhã - e até avisamos na fábrica que na segunda-feira ia parar algum setor e não sabíamos qual era -, chegamos de madrugada, fizemos a assembléia, entrou todo mundo, e aí todos os guardas, todos os membros do Recursos Humanos nos acompanharam. Para onde ia um da comissão de fábrica, ia outro. Eu fiquei na portaria. Sei que eles se espalharam e eu fui para a linha de motores. Já tínhamos combinado e eles foram para lá. Daí paramos o setor de motores. Avisamos a fábrica inteira que a linha de motores estava parada. Primeiramente, tínhamos visto qual era o estoque de motores, quantos dias daria para montar, quais os tipos de motores, quais os tipos de caminhão que sairiam naqueles dias com os estoques que havia. Fizemos um levantamento antes de tomar essa decisão. Foi uma greve inteligente, a empresa tentou resistir, mas aí começou a acumular, a linha de caminhão parou por falta de motor. Começou a amontoar cabine porque não tinha caminhão para colocar e foi asfixiando, fechando. Ou a fábrica cedia abria a negociação, cedia nas reivindicações ou então ia atrofiar a produção. Essa greve agüentou 19 dias. A empresa entrou na justiça, mas nos chamou para negociar. Os trabalhadores que pararam não receberam o salário. Os outros que continuaram trabalhando fizeram uma coleta na fábrica inteira e pagamos os salários deles. Foi uma forma de greve em que a fábrica inteira pararia em função de um único setor. Por isso, achamos que temos que aproveitar o sistema de produção que tem hoje na fábrica que é o tipo de produção enxuta, os kaizen, os kanban, não tem mais estoque. A fábrica hoje é muito vulnerável, todas elas são, porque não tem mais estoque. Então qualquer setor que pára, prejudica o outro. Penso que, hoje, para o movimento sindical, o conhecimento é mais necessário do que a força daqueles companheiros no final da década de 70, em que o diretor do sindicato chegava, "chutava a porta do chefe" para depois perguntar quem é que estava lá dentro. Podemos até "chutar a porta", mas chutar sabendo o porquê o chefe não quis conversar antes.

 

Educação/PCDA

Na época, havia uma disputa muito grande, entre os dirigentes dos sindicatos para poder participar deste curso [o PCDA]. Fui privilegiado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em ser indicado e conheci a Suzanna [Suzanna Sochaczewski], conheci toda a equipe que cuidou do curso, os professores, a metodologia. A partir daí, passei a gostar mais das coisas que o DIEESE fazia. Tinham várias turmas e ali não se discutia a concepção do sindicato porque tinha a Força Sindical, CUT [Central Única dos Trabalhadores], CGT [Confederação Geral dos Trabalhadores], várias centrais sindicais. Tinha a “turma azul”, a “turma amarela” e a nossa era a “turma vermelha”. Nessas turmas tinha gente de todas as centrais e aí não é uma coisa muito simples na cabeça do dirigente quando ele tem esse primeiro contato com dirigentes de outras centrais num mesmo espaço. O cara olha e: “Esse cara é da Força, esse cara...”; o de lá olha e: “Esse cara é da CUT...”Eram três módulos. Eu sei que no último módulo foi uma verdadeira festa, ninguém olhava para o outro como adversário, olhava como um dirigente sindical, como um representante dos trabalhadores. Essa transformação em três módulos de 15 dias... Eu até falava pra Suzanna como é que nós íamos conviver com toda aquela experiência que tínhamos trocado durante 45 dias. Então, o PCDA [Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindicais] foi uma fase de amadurecimento, porque na medida em que você passa a conviver com pessoas de outras concepções, você aprende muito. Isso me ajudou a fazer uma campanha salarial, se necessário, com outras centrais sindicais, sem o menor problema. E acho que para muita gente também, porque ali convivemos com concepções diferentes tratando dos mesmos assuntos. É como a Bíblia, tem gente que lê e interpreta de várias formas e o objetivo é o mesmo.

 

 

Subseção

 

 

O sindicato que tem uma subseção e que chega à conclusão da necessidade de uma subseção é porque consegue enxergar mais longe. Aquele que não tem, vive do imediato, ou seja, daquilo que está na imprensa. O sindicato que não tem uma subseção, não tem um histórico de vida. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ao longo desses últimos, 20, 30 anos, é o que é, em grande parte, graças à subseção do DIEESE. Ali se produziu política macroeconômica, políticas públicas, a partir da subseção. Tenho orgulho de ter uma subseção do DIEESE no sindicato do ABC. Primeiro, pela qualidade dos técnicos que tem na subseção. Eu não conheço outra pessoa como o Osvaldinho [Osvaldo Cavignato] que tenha a facilidade e o gostar de números. Segundo, pelo interesse daqueles técnicos e técnicas do DIEESE que estão naquela subseção. Eles produzem trabalhos como se fosse para eles, e é para a categoria, às vezes até para fora da categoria. Uma subseção, para mim, é a fonte que produz conhecimento para a categoria. Mas, infelizmente, não são todos os sindicatos que tem essa visão.

 

Avaliação/Dieese

A primeira vez que eu ouvi falar do DIEESE, não sabia o que era. Foi quando a pauta do sindicato reivindicou 34,1%, segundo o DIEESE. Não era 34% da inflação, era 34%, segundo o DIEESE. Esse nome vinha junto com a reivindicação, com o número. Então se a gente conseguisse igual, conseguiríamos a marca DIEESE no salário. Foi aí que eu tive o primeiro contato com este nome, mas nunca fui atrás para saber o quê era, ou o quê fazia. Passamos a reivindicar, segundo o DIEESE. E essa marca está na cabeça dos metalúrgicos. Se você perguntar a qualquer metalúrgico, o que é o DIEESE, ele lembrará da época dos “tantos por cento segundo o DIEESE”.Eu cheguei aqui praticamente sem saber de nada, porque eu não tinha domínio nenhum sobre os produtos que o DIEESE fazia, as pesquisas de emprego, de cesta básica, a metodologia.... O Sérgio Mendonça me ensinou muito. Eu passei a gostar de números, tanto que depois eu vim fazer um curso de pós em Economia, porque me aproximei demais dos técnicos do DIEESE e hoje a coisa que eu mais gosto é Economia. Está ainda no meu caminho continuar estudando e me aprofundar, graças a esta convivência com o DIEESE. A passagem por essa escola chamada DIEESE, para mim, foi e é importante na vida de qualquer sindicalista. Quantos trabalhadores tiveram essa oportunidade de passar pela direção do DIEESE, e depois presidir o DIEESE? Para mim, foi um privilégio. Aproveitei todas as oportunidades que eu tive de conhecer, de conversar com os técnicos do DIEESE. Essa convivência com o DIEESE, talvez só perca para a serenata lá em Montes Claros. Eu aqui consegui ver, juntar até essa questão da serenata e a questão do sindicalismo no PCDA, [Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindicais] naquelas confraternizações que fazíamos. Foi gratificante demais. Está sendo bom ter o DIEESE como parceiro, mas mais do que isso, eu gosto das pessoas que trabalham no DIEESE. Eu gosto do produto final do DIEESE. É algo que não tem preço por causa dessa relação. E o DIEESE tem um corpo técnico muito importante e várias instituições acabam levando seus técnicos. No período em que eu estive aqui, perdemos muitos técnicos por várias razões. Primeiro, o DIEESE passava por uma situação financeira difícil e não tínhamos condições de manter esses técnicos. Segundo, os técnicos vão se capacitando, vão se preparando para enfrentar outros desafios e saem. Vários técnicos saíram do DIEESE e isso parecia que ia dar uma “baqueada”. Quando eu fiquei sabendo que o Serginho [Sérgio Mendonça] ia sair do DIEESE, eu pensei isso. É evidente que tem o Clemente [Clemente Ganz Lúcio], tem a Suzanna [Suzanna Sochaczewski] e outros vários técnicos, só que estamos acostumados com aquela pessoa. A gente imaginava que iria dar um baque, mas isso não aconteceu com o DIEESE. E parece que é uma marca do DIEESE também, esta forma de trabalhar em que não há personalismos, em que a pessoa se coloca acima do DIEESE. Na verdade, é um corpo técnico uniforme. Acho que isso dá vida longa ao DIEESE.

 

 

Desafios

 

 

Quando vim para o DIEESE, percebi a dificuldade de sustentação financeira porque o movimento sindical não tinha o DIEESE ou não o tem como um patrimônio dele. Então como convencer o movimento sindical de que ele tem um patrimônio construído pela classe trabalhadora e que ele tem que cuidar? Esse é o primeiro desafio, porque os sindicatos, em função da estrutura sindical brasileira, olham muito para si e se acham independentes. Eu penso que o DIEESE merece muito mais atenção do movimento sindical, porque é a única instituição que consegue agregar várias concepções dentro dela e que consegue produzir políticas para o movimento sindical . Penso que, pelo menos a experiência que eu tive aqui como diretor, como presidente, é de que a gente vem para o DIEESE com essa imagem de que todos os sindicatos reconhecem o DIEESE como seu patrimônio, mas não é bem assim, e esse é o grande desafio: convencer os sindicatos de que o DIEESE é um patrimônio que deve ser cuidado pelo movimento sindical.

Avaliação/Movimento Sindical

Na vida do sindicalista, se ele não conseguir acompanhar as mudanças, possivelmente vai se isolar. Eu digo isso porque sou, hoje, presidente da Federação dos Metalúrgicos, cuido de uma categoria, de um ramo específico, e aí você tem diferenças dentro do mesmo ramo. Na medida em que eu estou indo, agora, para a secretaria geral da CUT no Estado de São Paulo, estou convivendo com professores, com químicos, com metalúrgicos, com construção civil, enfim, com outras categorias. Essa visão plural é que dá a qualidade ao movimento sindical. A CUT é plural, representa vários segmentos da economia, seja no setor produtivo ou não, e o funcionalismo público. Este é um processo que a vida sindical nos ensina a aprofundar o conhecimento sobre cada realidade. Eu não posso me sentir um dirigente sindical se eu não conheço minimamente a realidade das categorias que estão dentro da central a qual eu pertenço. Parto do conhecimento e da vocação porque isso também, para mim, é fundamental. Tem companheiros que tem vocação para ser sindicalista, outros para serem médicos, outro para ser jornalista. É a partir da vocação que a pessoa se dedica, se capacita. Mas tem outras pessoas que não tem vocação e querem estar no meio. Esse, possivelmente, vai ser um mau dirigente sindical, assim como tem o mau engenheiro, o mau médico, o mau professor também vai ter o mau sindicalista.

 

 

Importância do Dieese

 

 

O DIEESE se tornou um patrimônio dos trabalhadores com a credibilidade que tem justamente porque tem uma ética e acho que a sociedade pouco aproveita uma instituição como essa. É evidente que têm outras [instituições] que fazem esse tipo de trabalho, mas penso que no mundo não exista outra instituição que consiga agregar essas diferenças. Para qualquer sociedade, para qualquer país isso é um ganho, é uma coisa que deveria ter valor máximo. Porque na democracia se convive respeitando as diferenças, respeitando as divergências, porém cada um procura se representar na sua forma mais democrática, mais liberal. O DIEESE quando constrói uma linha de pensamento e que, o movimento sindical passa a defender, o movimento empresarial passa a respeitar, o governo passa a respeitar. Penso que é uma instituição que tem que ser valorizada. Quantas vezes a gente não quis que o DIEESE desse uma diferençazinha lá em um número: “O DIEESE, patrimônio dos trabalhadores, podia mexer um pouco aqui nos números. Como é que pode o DIEESE dizer que a inflação do mês foi menor do que a inflação do IBGE?” Mas tem gente que pensa assim, que se pudesse manipularia o DIEESE. E o DIEESE não se deixa manipular por essa ética que construiu. Então o DIEESE como uma organização, merece toda a nossa atenção, não só da classe trabalhadora, mas de todas as instituições. Penso até que há um reconhecimento do DIEESE. O poder público, por exemplo, poderia aproveitar muito mais o resultado das informações produzidas pelo DIEESE para desenvolver as suas políticas. Na medida em que, o DIEESE divulgasse um resultado de desemprego, de taxa de desemprego, poderia ser um alerta para o prefeito, para o governador, presidente da república. No entanto, tem lugares [instituições] que não gostam do DIEESE porque é essa instituição que não se deixa manipular. Mas eu continuo defendendo essa concepção implementada pelo DIEESE.

Futuro do Dieese

Muitas preocupações passam pela minha cabeça, toda vez que eu ouço falar da situação do DIEESE. O movimento sindical ainda não assimilou este patrimônio que foi construído nesses 50 anos e que está aí à disposição dele. Portanto, traz dificuldades para o DIEESE. Esse desafio vem ano após ano, todas as diretorias que entram vêm com esse desafio: “Vamos fazer um trabalho com o movimento sindical, com as centrais sindicais e pregar esta nossa história, essa nova caminhada, o movimento sindical precisa assumir o DIEESE.” Essa é uma caminhada longa, persistente que ainda não foi possível acontecer. E para mim este é um grande desafio.

 

 

Família

 

 

Sou casado com Meraní Maria de Jesus Lima. Tenho dois filhos, um de 23 anos chamado Esli Gustavo Lima e o outro de 16 anos, Radi Danilo Lima.Eu nunca fui um pai muito presente porque quando me proponho a fazer algo, quero me dedicar ao máximo naquilo que posso. E isso me ausentou muito da convivência familiar. Evidente que seria muito bom se eu pudesse sair da fábrica, ir para a casa e conviver com os filhos, com a família, mas eu não lembro de quando isso aconteceu comigo assim durante uma semana, por exemplo. Não lembro porque eu me propus a estudar, a conhecer, a participar e ajudar a construir o movimento sindical. Então o meu lado pessoal, o lado familiar ficou muito prejudicado. Mas pelo lado do conhecimento, eu tive oportunidade de fazer curso superior, depois tive oportunidade de fazer um curso de pós em Economia, Gestão e Relações de Trabalho, e ainda pretendo continuar estudando, aprendendo porque essa vida é uma eterna escola. Mas eu diria que aproveitei todas as oportunidades que tive. Disso eu não posso reclamar. Tive oportunidade de conhecer vários países, várias experiências e todas essas experiências, essas viagens, esses contatos que eu fiz com trabalhadores de outros lugares, procurei trazer para o movimento sindical. Então eu sou uma pessoa muito privilegiada. Sair lá do norte de Minas e poder conhecer pessoas como eu tive oportunidade de conhecer no meio acadêmico, no meio sindical e gosto muito do chão de fábrica. Este é um cordão umbilical que eu não cortei e não vou cortar nunca, acho que só quando eu morrer porque depois desse tempo todo na fábrica eu volto lá praticamente toda semana e me dá vontade de ficar. Sinto-me em casa e é ali que me sinto bem. O que me abastece politicamente é o chão de fábrica.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Esse projeto começou a ser desenhado uns seis anos atrás, mais ou menos. Eu cheguei a participar do início da discussão, mas não sabia como é que iria terminar porque era uma coisa a ser feita a médio e longo prazo. A conclusão para mim agora é: participar da história. Não é o que eu ouvi falar; não é o que alguém me contou. Estou participando da história do DIEESE. Acho que só isso basta. Concluir esse projeto de 50 anos do DIEESE como um ator ativo é um privilégio. Parabéns ao corpo técnico que o preparou e a quem está executando esse projeto, seus executores e executoras.

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