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Alberto Marcelo Gato

alberto_marcelo_gatoHistória de Vida

Identificação

Meu nome completo é Alberto Marcelo Gato, mas o nome pelo qual sou conhecido é Marcelo Gato. Nasci em Sertãozinho, no estado de São Paulo, em 16 de janeiro de 1941.

 

 

Família

 

 

Meu pai é Antônio Gato Junior e minha mãe Dolores Rodrigues da Silva. Tenho um irmão, uma irmã e um irmão que faleceu. Meu avô, do lado do meu pai, era ferroviário. Quando eu nasci ele já estava aposentado por invalidez. Era ferroviário de uma empresa chamada Estrada de Ferro Mogiana, naquela região de Ribeirão Preto. Do lado da minha mãe, meus avôs, trabalhavam na lavoura, tinham um pedaço de terra pequeno e sobreviviam daquilo. De um modo geral, as famílias na época eram bastante humildes, bastante simples. Esse nome Gato que é com um t só, é de origem portuguesa. O meu avô paterno era português e minha avó paterna era italiana. Do lado da minha mãe, os avós eram portugueses.

 

 

Infância

 

 

Sertãozinho hoje é uma cidade de bastante expressão no interior de São Paulo, mas até a minha adolescência era uma cidade pequena, com cerca de 10 mil habitantes. Uma cidade eminentemente agrícola, simples, bem diferente do que é hoje. O Brasil também era muito diferente.

Numa cidade pequena, a vida era muito simples, muito modesta. O que você brincava, era normal, como qualquer criança. A diferença é que você tinha que fazer os próprios brinquedos, criar as coisas porque não havia o mercado de brinquedos e nem dinheiro para comprar. Era uma infância bem diferente da que nós conhecemos hoje. A brincadeira, a atividade própria da criança era desenvolvida de uma maneira muito mais simples, mais sossegada. Usar sapato era luxo! Todo mundo andava descalço, mesmo. Você tinha um par de sapatos e olhe lá, para ir à missa ou a um casamento. Isso não era só comigo: 98% das famílias daquela cidade eram assim. Era pouca gente com grande poder econômico; você contava nos dedos, os automóveis que havia na cidade.

 

 

Juventude

 

 

Depois que eu terminei o ginásio, fui para Ribeirão Preto; eu tinha 16, 17 anos de idade. Claro que foi um primeiro golpe porque você tem que deixar a sua família. Eu fui morar em Ribeirão Preto porque eu trabalhava e estudava e o curso de Química, que eu fiz, tinha aula praticamente de manhã à noite, todo o dia. Não tinha condição de viver, se não fosse assim. Eu trabalhava na PRA7, Rádio Clube de Ribeirão Preto. Cumpria a minha jornada e trabalhava no fim de semana na área de esportes. Em Ribeirão Preto havia dois times de futebol muito fortes: o Botafogo e o Comercial. A cidade vivia muito o futebol.

Ribeirão era uma belíssima cidade. Já era uma cidade muito forte economicamente, culturalmente muito próspera porque você tinha todas as faculdades: Medicina, Odontologia, enfim, era um grande centro cultural e educacional para o qual convergiam todas as cidades da região e de outros estados como Minas [Gerais] e Mato Grosso.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Eu fiz o grupo escolar e o ginásio em Sertãozinho. Depois do ginásio, não havia mais escola, você tinha que estudar em Ribeirão Preto. Fui estudar Química Industrial porque, naquela época, todo mundo fazia o tal de colegial, o científico, como era chamado, depois do ginásio, para depois entrar numa faculdade.

A porta de acesso era esse segundo ciclo. Como eu tinha família, aquela coisa toda, eu achei melhor fazer Química Industrial que era em quatro anos de estudo, mas eu já sairia dele com uma profissão técnica, que foi o que aconteceu. Quando estudei em Ribeirão Preto, eu trabalhava para poder estudar.

Em 1966, eu entrei na faculdade de Direito em Santos [litoral de São Paulo]. Prestei vestibular na Faculdade Católica de Direito de Santos, que existe até hoje. Hoje é uma grande universidade. Naquela época, não, mas já era uma instituição muito importante.

 

Trajetória Profissional

Eu era radialista. Trabalhei numa emissora importante, a PRA7, Rádio Clube de Ribeirão Preto. Trabalhei em outras emissoras também, mas mais nessa. Foi a forma de eu conseguir me manter para poder estudar até terminar o meu curso. Quando eu acabei Química Industrial, eu fiz um estágio importante numa antiga refinaria que havia do Matarazzo, no Ipiranga, em São Paulo, capital, porque naquela época, o curso de química exigia que no último ano, você fizesse estágios práticos. Eu fiz na usina de açúcar, na região lá de Ribeirão Preto, dois meses. Depois, nessa refinaria do Matarazzo, mais três meses, completei o tempo que eu precisava. Depois, fiz mais um estágio na Cobrasma, Companhia Brasileira de Matéria Ferroviária de Osasco, uma grande fabricante de vagões.

Naquela época, havia uma empresa, hoje muito grande, que estava nascendo, chamada Companhia Siderúrgica Paulista, Cosipa, que é em Cubatão [SP]. Eu fiz um teste junto com alguns outros colegas que tinham feito Química Industrial comigo e ingressei na Cosipa, em maio de 63.

No ponto de vista político, eu já me liguei ao velho Partido Comunista Brasileiro, como militante. Na Cosipa, eu trabalhei como técnico e exerci o cargo de chefe de turno na Aciaria, que é a unidade de produção de aço. Uma usina siderúrgica é um complexo industrial que tem todas as modalidades de atividade industrial. Há uma unidade que recebe o ferro gusa, a matéria prima básica e ali se processa a transformação do ferro gusa em aço. Dali vai para a Laminação, onde há o processamento final das chapas.

A Cosipa, nesta época, tinha cerca de 10 mil empregados, mais ou menos, uma quantidade grande de trabalhadores e empreiteiras. A usina estava nascendo. Tanto eu como outros colegas, fizemos curso de especialização lá dentro porque não havia escola que preparasse técnicos para o setor siderúrgico e metalúrgico de alta complexidade. Tanto assim, que eu fiz estágios na Usina de Volta Redonda [RJ], na Usina da Belgo Mineiro, em Minas Gerais e assim por diante, até que começamos o processo de operação.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Já em Ribeirão Preto, havia uma efervescência política muito grande. Era uma cidade de muito vigor político, eu já tinha uma ligação com o Partido Comunista, com alguns militantes, que foi se aprofundando. Quando eu fui trabalhar numa grande empresa, como a Cosipa, eu mergulhei naquele mundo. É o mundo do trabalho mesmo. Uma empresa de quase 10 mil empregados! Era uma coisa muito grande e muito forte. Antes do Golpe Militar de 64, Santos era chamada a “moscou brasileira”, a “cidade vermelha”. A tradição de luta sindical em Santos era uma coisa estupenda, fenomenal! Quando surge a Cosipa, o Sindicato dos Metalúrgicos, em Santos, teve um crescimento vertiginoso. Porque antes os sindicatos mais importantes eram da área do porto de Santos. Entram os metalúrgicos e também os petroleiros, com a criação da refinaria de Cubatão, pouco antes da Cosipa. Havia uma efervescência sindical muito grande! Era uma das cidades mais importantes do ponto de vista da vida sindical. Sofreu muito por causa disso.

Quando veio o Golpe de 64, eu já estava mergulhado na militância e aquilo foi um arraso para a Cosipa, para todos os setores. Na Baixada Santista, diria que dos vinte sindicatos de porte médio e grande, 99% sofreram intervenção. As diretorias foram caçadas, houve intervenção, prisões em massa, houve um arraso total. Em nenhuma cidade do Brasil - isso eu posso garantir a você - houve tanta perseguição política e tanto desmantelamento do movimento sindical, como houve em Santos, em Cubatão, enfim, naquelas cidades da Baixada Santista, em que a mais conhecida e mais importante é Santos.

Eu e um grupo de militantes da Cosipa, que também faziam faculdade, todos ligados à luta sindical, ainda muito jovens, resolvemos concorrer ao Sindicato dos Metalúrgicos de Santos, que tinha sofrido intervenção. O presidente, na época da intervenção, um nome não muito conhecido, era o Vitelbino Ferreira da Silva, já falecido. Nós resolvemos enfrentar a diretoria que estava lá, que vinha da ditadura. Quando houve a intervenção, eles ficaram de interventores, depois ganharam uma eleição muito esquisita e, em 1968, nós conseguimos ganhar a eleição.

Minha vida sindical começou nos Metalúrgicos de Santos; estava militando na área política, na área sindical. Ela se consolida quando a gente ganha a eleição dos Metalúrgicos em Santos. O movimento sindical, em 64, tinha sido arrasado no Brasil inteiro. Mas havia ainda muitas lideranças de esquerda da velha guarda. Os que estavam mais jovens sobreviveram. Havia muitos quadros de esquerda, do PCB, que era majoritário, também o PC do B tinha muita gente. O PSB, Partido Socialista Brasileiro, na área sindical era muito pequeno. Existiam alguns setores da Igreja Católica, da antiga AP [Ação Popular], que não atuavam no movimento sindical, onde a Igreja também não atuava mas havia um contingente grande de uma estratificação, ou de centro direita e até de direita. Havia alguns estratos de direita pesadíssimos no movimento sindical, que a gente guerreava e precisava tomar um cuidado danado.

Eu acredito que a política que o Partido Comunista pregava, tinha um papel muito importante. Não quero desmerecer ninguém. Não estou desmerecendo outras forças políticas de maneira nenhuma, mas o centro da teoria do Partidão, para derrotar a ditadura era que só um grande movimento de massas, a aliança de uma grande frente de todos os democratas, os que tinham interesse no progresso social é que poderiam derrotar a ditadura.

O papel que a gente desempenhava, eu me lembro que meu esforço, sempre, com toda a dificuldade que havia em cada instante, era trabalhar pela unidade de luta dos trabalhadores. Em torno das nossas bandeiras imediatas, da classe trabalhadora, mas sempre ligada à questão política: “Olha, não adianta pensar que acabou o arrocho, se não derrotar a ditadura! Uma coisa está ligada à outra, nós só vamos derrotar esse arrocho salarial no instante em que nós derrotarmos a ditadura.” Não se admirem se nós andávamos com divergências políticas grandes, com grandes divergências com outros dirigentes, mas sempre procurávamos encontrar uma forma de luta nas campanhas salariais, nas campanhas anti-arrocho, nas campanhas eleitorais, uma forma de conseguir costurar alguma unidade que pudesse ter eficiência e caminhar naquele mar de dificuldades que a gente enfrentava, dificuldades de todos os tipos. Greve, você não pode imaginar a greve. A greve era um palavrão da pior espécie. O cerco era muito grande, o cerco cultural, o cerco ideológico em cima de nós, e o quadro era esse.

Olhando assim depois de muito tempo, foi realmente um verdadeiro milagre o que fizemos. Como se conseguiu, numa das circunstâncias mais difíceis, ir adiante, e que culminou logo depois, em 77, 78, em plena ditadura, naquele grande movimento que veio do ABC. Mas aí que está. É um movimento sobre o qual você tem que pensar. Para ele explodir daquele jeito, ele foi construído, ele não caiu do céu. É uma luta que foi construída e chegou um momento em que ela acumulou força suficiente e bateu de frente com o regime.

 

Trajetória Política

Em 1972, quando eu me candidato a Deputado Federal, me elegi bem. Quero dizer, eu não me elegi, eu, Marcelo Gato. Foi o movimento que me elegeu, houve apoio de todas as categorias profissionais, quase todas. Foi um apoio brutal. Eu tive, na época, 101 mil votos. Seriam hoje, coisa de 400 mil. Estou entre os seis mais votados do Brasil, naquela época. Não fui eu que tive aquilo. Foi todo o movimento sindical, foi uma coisa encantadora, uma campanha pobre porque não tinha recurso, mas desembocou.

Foi pelo velho MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. Eu posso ser colocado no hall dos fundadores do velho MDB. Naquela época, existiam dois partidos apenas. A ditadura deixou a Arena [Aliança Renovadora Nacional] e o MDB, que eram incipientes, com muita dificuldade. Eu estou entre aqueles que se filiaram logo no início, ajudaram a montar. O vice-presidente do meu sindicato era o Arnaldo Gonçalves, na época em que eu fui para Brasília cumprir o mandato de deputado federal no ano de 75.

Eu me recordo que conversava com o Walter Barelli porque eu ia tomar posse como deputado e minha vida toda estava envolvida na questão trabalhista, a minha militância era toda enraizada nisso. Conversando com ele, nós pensamos, em pedir uma CPI, Comissão Parlamentar de Inquérito, para investigar o arrocho salarial. Cheguei em Brasília, parei no MDB, havia dois partidos e a possibilidade de cinco CPIs. De acordo com o regimento da Câmara, como a Arena era majoritária, ela tinha direito a três CPIs e o MDB a duas. Eu coloquei a proposta da CPI para investigar o arrocho salarial e a política de salário mínimo que enterrava os trabalhadores. Esta CPI vingou. Eu vi nos jornais, pois estava em Porto Alegre e pensei: “Agora vai caber ao DIEESE preparar!” E o DIEESE preparou um estudo muito bem feito, fez a análise da política do arrocho salarial, do salário mínimo, de uma maneira que ninguém mais tinha competência para fazer igual. Do ponto de vista nosso, da classe trabalhadora, dos interesses populares, ninguém tinha o interesse, a matéria prima, o mergulho naquelas questões como o DIEESE tinha.

No início de 76, eu fui cassado. É bom registrar isso, a cassação foi por natureza política, a cassação do AI-5, não tem nada a ver com outras histórias, cassação política por perseguição política. O que detonou a minha cassação e de outras pessoas, na época, foram as denúncias que fizemos das torturas a presos políticos, das perseguições políticas, do arrocho salarial, enfim, toda aquela caretice da ditadura que atingia principalmente a classe trabalhadora. Então perdi o mandato de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e de Deputado Federal.

Trajetória Dieese

Tomando posse do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos, no dia seguinte filiamos o sindicato ao DIEESE. O sindicato não era filiado porque era um bando de direita que não podia nem ouvir falar do DIEESE. Havia no setor sindical algumas figuras com uma posição política tão radicalizada para a direita, que o DIEESE era um verdadeiro demônio para eles. Víamos a importância do DIEESE naquele processo. Nunca se pensou em partidarizar o DIEESE, é preciso deixar registrado. Em nenhum momento, eu ouvi, por exemplo, da palavra, das mais importantes lideranças do PCB, tudo na irregularidade, na clandestinidade, ao contrário: “Não partidarizem o DIEESE! Se partidarizar o DIEESE, liquida!” Aliás, ele tem que ser um instrumento de toda a classe trabalhadora, de todos os sindicatos, numa convivência democrática das várias vivências diante daqueles objetivos fundamentais que ele tem que cumprir. Não é para servir o PCB, não é para servir, não é não, ao contrário.

Também havia as correntes mais à direita da gente, que uns chamam de corrente centro-direita. No movimento sindical, não passava na cabeça de ninguém isso. E o DIEESE só funcionou e se manteve nessa trajetória que continua, porque ele não foi partidarizado por nenhum grupo político e nenhuma corrente política. Se fazia política no movimento sindical, era militante, era engajado e todos sentiam a necessidade absoluta da existência do DIEESE. Isto aqui era claro para todos nós e todo mundo procurava lá, de acordo com suas forças, com suas coisas, ajudando para tocar adiante. Eu vim para o DIEESE em 1970, uma época de bastante efervescência política, bastante interessante, mas uma época muito difícil para o movimento sindical, para os trabalhadores, para a sociedade brasileira, porque nós tínhamos um regime forte militar, ditatorial e com total ausência das liberdades democráticas fundamentais.

Eu conhecia velhos militantes sindicais, de antes do DIEESE. Para o trabalhador, para um sindicato apurar quanto é que houve de elevação de custo de vida para aquelas coisas fundamentais, para ele poder reivindicar, era uma dificuldade. A gente colecionava nota fiscal amadorísticamente, e o DIEESE surge por causa dessa necessidade dos trabalhadores de ter um organismo intersindical com todas as correntes divergentes atuando ali, porque aquilo era uma necessidade fundamental e a necessidade é a mãe das invenções. O diretor técnico do DIEESE, quando assumi, era o Walter Barelli. Uma das primeiras tarefas nossas e que foi muito difícil, porque era um processo caro, era fazer um novo perfil do custo de vida. Tínhamos que refazer todo o estudo porque os hábitos haviam mudado. Você tinha que ter todo um estudo novo para poder aplicar e avaliar o custo de vida. Não havia desenvolvimento nesse projeto. Esse projeto levou acho que um ano e meio para terminar porque a dificuldade era muito grande, a gente não tinha recurso para fazer aquilo, era caro e era difícil.

A partir daquele instante o DIEESE passa a ter aquela matriz, o padrão de consumo da classe trabalhadora nos seus vários extratos, enfim, da sociedade de um modo geral, e pôde então, trazer um aperfeiçoamento muito grande em relação ao próprio trabalho técnico do DIEESE, quando você examina desde os primeiros anos. Houve ali um crescimento da entidade, nos anos 70. Já vinha crescendo. O DIEESE é algo que vem da tradição de todo mundo. É um projeto de muita gente, não é um projeto de uma pessoa só. É um projeto de milhares de pessoas que se juntaram e passaram por aqui.

O DIEESE era a referência que você tinha naqueles anos para o movimento sindical poder balizar suas reivindicações. Não nos esqueçamos, a política, a marca da ditadura em cima do trabalhador, além da falta de liberdade sindical, de total proibição do direito de greve, greve era palavrão que dava cadeia, das perseguições, da brutalidade, das intervenções, de tudo aquilo, a marca registrada do ponto de vista econômico era o arrocho salarial. O arrocho salarial passou a ser a bandeira que nos unificava a todos, todas as correntes. Porque havia um arrocho bem caracterizado e o DIEESE tinha um papel muito grande de medir esse arrocho, ele conseguia medir quanto era esse arrocho em cada lugar. A palavra arrocho salarial, a luta contra o arrocho salarial, se tornou bandeira de todo o sindicalismo, de todos os democratas que lutavam contra a ditadura, todos que lutavam a favor do trabalhador, todos os que queriam um regime de tendência de esquerda socialista e assim por diante.

Um fato importante é a questão da denúncia da manipulação dos índices, mas ela vem lá, do ano 73. Já se sabia que havia essa manipulação e ela conseguiu ser provada, de uma forma mais evidente, em 77, se não me engano. Logo depois surgem os grandes movimentos dos grevistas do ABC. No período em que estive no DIEESE, vi a seriedade técnica, a seriedade científica, a seriedade do método, para apurar as coisas e assim por diante.

A grande dificuldade que nós tínhamos na época, e que existe até hoje, eram recursos para manter o DIEESE. Essa era a grande dificuldade. Às vezes queríamos fazer outros estudos, outras coisas, mas nós não tínhamos recurso. Nós não recebíamos um tostão do governo. Não havia nada, nada que viesse de um governo municipal, federal ou estadual. O DIEESE vivia exclusivamente com aquilo que recolhia dos sindicatos. E os pobres sindicatos não tinham nenhuma fortuna, grande dinheiro, também lutavam com dificuldade... Porque no momento em que você tem o arrocho salarial, a mensalidade do sindicato tem que ser baixa, porque no fim uma coisa pega na outra.

Eu me lembro quando iam começar as grandes safras das campanhas salariais, o DIEESE organizava seminários e acompanhava todos os grandes sindicatos. Além disso, era muito comuns, as assembléias de associados do DIEESE, onde vinha gente do Brasil inteiro para participar. A forma de decidir certas coisas era uma democracia muito direta: “Nós vamos ouvir os nossos companheiros para participar.” Eu acho que você faz a democracia direta o máximo que você puder porque é bom, mas há coisas que você não pode ficar reunindo a todo instante todo mundo para ficar tomando decisões, por isso que existia uma Diretoria Sindical que representava todos os sócios do DIEESE. Esta diretoria era eleita para executar aquelas políticas operacionais que eram determinadas, mas sempre com esse cuidado. Não era a diretoria que traçava as grandes diretrizes operacionais de luta; eram as Assembléias Técnicas; duas, três, quatro, cinco por ano.

Avaliação/Dieese

O DIEESE tem uma importância fundamental não só para os trabalhadores, mas para toda a sociedade. Porque o DIEESE pode, em qualquer área do conhecimento, o sociológico, o econômico, fazer os seus trabalhos com a mesma seriedade, mas levando para ali uma visão do trabalhador, da classe trabalhadora. Essa visão que vem do DIEESE é uma visão da grande massa de explorados, de miseráveis, de pobres, de gente que não consegue emprego, que está empregado e é despedido abruptamente e luta com todo o tipo de dificuldades, essa massa cultural, a cultura que surge disso, de instituições públicas. Acho que nenhuma entidade pode abranger e incorporar isso tão bem quanto o DIEESE, na sua luta para incorporar toda essa visão, fazer a mediação e conseguir externar isso de uma maneira sistematizada. Isso é a importância fundamental do DIEESE.

O DIEESE é um organismo que trabalha para a comunidade. Ele surge a partir da necessidade dos trabalhadores, enfim, tem essa característica. Não pode, no meu modo de ver, mudar isso. Se mudar, ele acaba. Isso é fundamental. Um desafio é sempre enfrentar dificuldades dos recursos, de obter meios para crescer, para ter uma quantidade de funcionários necessários, para conseguir pagar bem esses funcionários, porque, eu sei do problema, não adianta você pensar em ter uma equipe técnica, se você não tiver o mínimo de recurso para mantê-la. Quando a pessoa está amadurecendo aparece a possibilidade de ganhar dez vezes mais lá fora, você não vai segurar. Então é preciso que o DIEESE tenha recursos para isso, aliás, não se pode viver à mingua.

Eu acho lícito pensar em parcerias. Como por exemplo, na área de colocação de mão-de-obra o DIEESE pode ter um papel importante. Não só para executar, mas assessorar aos sindicatos que queiram fazer, entidades que queiram fazer. Isso tudo pode ser feito em parcerias com governos federais, estaduais, municipais. Evidentemente, quando eu falo nessas parcerias, eu digo sempre com essa característica, mantendo sempre a sua independência, não se partidarizando.

Deve ter outros desafios brutais. O que já está na cultura do DIEESE, que é essa vida democrática com relação ao movimento sindical. Isso já está enraizado, não tem que ficar buscando chifre na cabeça do cavalo, porque não há nada o que impeça o DIEESE. Para mim seria um verdadeiro absurdo se o movimento sindical dissesse: “Olha, eu não preciso mais do DIEESE!” Isso nem passa na minha cabeça. Aliás, quem sofreu tanto nos momentos mais difíceis, sobreviveu, cresceu e teve um papel decisivo naquele momento histórico, e continua tendo, é algo que tem que ser prestigiado e avançar.

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