Ferramentas Pessoais
Seções

Ir para o conteúdo. | Ir para a navegação





Página Inicial nossas_historias_menu Antonio José Corrêa do Prado

Antonio José Corrêa do Prado

antonio_jose_correa_do_pradoHistória temática

Identificação

Meu nome é Antônio José Correia do Prado, eu nasci em Bebedouro, no Estado de São Paulo.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Sou economista (FEA-USP) e um pouco sociólogo, porque eu estudei três anos de Sociologia (IFCH-USP), mas depois eu larguei para fazer mestrado em Economia. Sou mestre e doutor em economia pelo Instituto de Economia da UNICAMP e professor da PUC-SP.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Meu primeiro trabalho foi no DIEESE. Eu comecei como auxiliar técnico ainda na época de estudante. Eu estava no segundo ano da faculdade de Economia. Entrei, achei que ia ficar pouco tempo, mas fiquei 23 anos no DIEESE. Eu conheci o DIEESE no trote cultural, no ano em que entrei (1976). O pessoal do Centro Acadêmico levou grupos de calouros para conhecer instituições de resistência à Ditadura. Um grupo conheceu o CEBRAP [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento]; outro, conheceu o DIEESE. Eu estava nesse grupo. Eu já tinha uma convivência com essa coisa de você viver numa Ditadura. Eu realmente achava que era importante participar de uma instituição que pudesse derrotá-la e reconstruir a democracia. Certamente, trabalhar em uma instituição ligada ao movimento operário tinha essa dimensão, essa legitimidade. Também, com meu irmão mais velho, é que eu desenvolvi uma visão mais crítica dos costumes e da própria política. Quando eu cheguei a São Paulo, fui morar com ele e a amiga que me apresentou ao [Walter] Barelli, era amiga dele (Yasuko Tominaga). Já havia a visão de que o autoritarismo tinha que ser derrotado e eu queria contribuir de alguma forma. Eu sabia que o DIEESE era uma instituição que atuava com os trabalhadores. Para um estudante, em 76, poder estar numa luta desse tipo, era o que atraia. Só depois fui conhecer a natureza do DIEESE. Eu sabia que o DIEESE fazia pesquisa, que tinha um índice de custo de vida, mas só depois fui conhecer melhor a instituição. Eu tinha facilidade com matemática e também gostava muito de mexer com máquinas, tecnologias de todos os tipos. Sempre gostei, até hoje sou completamente apaixonado por qualquer tipo de tecnologia. Comecei a trabalhar no Índice de Custo de Vida [ICV] com o José Maurício Soares e a Vera Gebrim. Nosso trabalho era fazer os cálculos das médias, fazer a consistência dos questionários das pesquisadoras. Quando o Maurício foi coordenar a nova pesquisa de orçamento familiar (PPVE), eu fiquei coordenando a pesquisa do Índice do Custo de Vida. E, como eu era muito jovem, coordenava sob tutela dos técnicos mais antigos. E eu não fiz só isso, também ajudava em cálculos, nas coisas de análises de balanço, nos estudos de distribuição salarial, mais uma série de coisas. De vez em quando, ainda antes de me formar, ia a uma negociação. Depois de formado, aí sim, eu participava de negociações. Fui fazendo um pouco de tudo dentro da instituição, mas acho que o que mais marcou foi a área de pesquisa. Eu sempre participei de pesquisas dentro do DIEESE. Quando fui fazer o meu mestrado, na UNICAMP [Universidade de Campinas], sugeri a criação de um grupo de estudos de análise de conjuntura no DIEESE. Eu nem entendia as resistências que havia em relação a isso, por que análise de conjuntura era uma coisa típica de partido político, e eu estava pensando em análise de conjuntura econômica, não estava pensando em análise para estratégia política. Então, eu insisti muito e acabou que nós criamos um grupo de estudos de análise de conjuntura. Naquele momento, o DIEESE começou a participar mais dos debates de política econômica. Eu lembro de um debate do Barelli com o Simonsen [Mário Henrique Simonsen – ex-ministro da Fazenda] sobre essa questão. Nós ficamos muito tensos com aquele debate. O que me pareceu, com o pouco de formação que eu tinha - já estava fazendo um mestrado - era que o DIEESE precisava de estudos de análise de conjuntura para subsidiar essa participação no debate político nacional, não apenas com os números do custo de vida, mas sim com uma intervenção mais qualificada.

 

 

Produção Técnica

 

 

No histórico do DIEESE, nós sempre fomos identificando um pouco os temas do debate que iam surgindo e nós tínhamos uma postura considerando duas dimensões, que eram as seguintes: a dimensão prospectiva, daquilo que nós avaliávamos que seria importante no debate; e a outra, sempre citada pelo Barelli, que a gente tinha que tomar cuidado, de não ir mais rápido do que o movimento sindical. A idéia é de que a evolução pessoal é mais rápida que o movimento, o que evidentemente cria ansiedades e necessidades e leva ao risco de você acabar se desconectando do movimento sindical. Mas, ao mesmo tempo, você também tem um papel de alertar o movimento sindical para os temas. Você não pode se desconectar e tem que contribuir para que o movimento sindical perceba quais são os temas relevantes para a sua ação política. Por exemplo: a década de 80 tem a questão da inflação, mesmo. Foi o período das políticas salariais, isso tinha tudo a ver com a questão da inflação, nesse tema o DIEESE já tinha know-how e tecnologia para atuar. Foi naquele momento que surgiu o tema do desemprego, um tema novo e que abriu para a questão tecnológica. Isso resultando tanto na pesquisa de emprego e desemprego e nas pesquisas relacionadas a processo produtivo, de automação, etc. Eu cuidava do grupo de estudos de análise de conjuntura – e o Mário Salerno cuidava dessa área de tecnologia. Eu participava também da área de tecnologia, a minha tese era nessa área. Mas, naquele momento, eu estava mais na coisa da macroeconomia e na análise de conjuntura.

Tecnologia

Participar das comissões de tecnologia foi muito fascinante. Primeiro, que politicamente foi uma coisa curiosa, porque o movimento sindical nos autorizou a participar pessoalmente e não institucionalmente, pelo simples fato de que as comissões de informática estavam ligadas diretamente ao presidente da República e era na Ditadura. No entanto, o movimento sindical percebia que era importante, do ponto de vista da estratégia do país, ter uma política de informática. Projetar o futuro, projetar essa transformação, por exemplo, um ATM [Auto Telling Machine], um caixa automático de banco, coisas que naquela época eram o máximo que você podia imaginar. Agora, tinha a coisa dos robôs, que era o mais fascinante de tudo. Todos achavam que os robôs iam tomar as fábricas rapidamente, e ninguém percebeu que a transformação principal era na organização do trabalho. A automação, mesmo, vem depois. Primeiro você tem todo o processo de racionalização e de mudanças da organização do trabalho. Os japoneses fizeram isso antes – o ocidente foi perceber que eles fizeram isso antes, muito tempo depois. Nós fizemos todos aqueles debates e estávamos preocupados com a geração de emprego, com a qualificação e com a questão das condições de trabalho. Essa era a nossa preocupação fundamental, mas também queríamos que o Brasil participasse da Terceira Revolução Industrial. A GM [General Motors] perdeu bilhões porque fez um projeto chamado projeto Saturno, comprou todos os equipamentos, robôs, máquinas, ferramentas de comando numérico, enfim, tudo o que existia. Montou uma fábrica, mas não montou a cultura organizacional adequada para esse sistema, que é o que hoje os especialistas da área de automação chamam de pavimentação-do-caminho-da-vaca. E, no período, houve um esforço de se criar a reserva para a informática. Agora, nós estávamos numa crise profunda no país, que foi a crise da dívida externa. Então, mesmo que você tivesse uma formulação interessante do ponto de vista de uma política industrial orientada para criar capacitação tecnológica para produzir, usar, difundir as novas tecnologias, nós tínhamos uma dificuldade básica, que era a capacidade de investimento. A economia estava arrasada, era uma terra arrasada, e isso não foi possível. A não ser com iniciativas muito desconexas, heróicas, todas elas, mas que era pouco para se constituir um bloco de investimento como a Coréia fez. Nós não conseguimos fazer o que a Coréia fez, por causa da nossa crise. Então, esse processo foi muito difícil. O DIEESE participou, pensando que precisávamos entrar em uma nova etapa de desenvolvimento, podendo participar da Terceira Revolução Industrial que estava começando naquele momento e que tínhamos que discutir o impacto da Terceira Revolução Industrial sobre o mundo do trabalho. Sempre fui um analista que não gosta de separar a questão tecnológica das outras dimensões, isto é, da própria questão da acumulação de capital e da dimensão política. Eu não sou dos que acham que a tecnologia, em si, causa desemprego. Eu acho que a tecnologia deve estar integrada a um padrão de desenvolvimento e estando integrada a um padrão de desenvolvimento, que seja de crescimento e distributivo, você pode certamente absorver tranqüilamente os efeitos locais da tecnologia; basicamente porque você pode compensar, com o crescimento econômico, o aumento da produtividade: isso significa que você gera desemprego num setor, mas cria emprego em outro. Por exemplo, o padrão de acumulação de pós Segunda Guerra, que é um objeto que eu comecei a estudar em 94 e venho estudando, é acompanhado por um aumento brutal de produtividade. A taxa de produtividade cresceu muito e não teve geração de desemprego. Pelo contrário, você teve pleno emprego e teve distribuição de renda. Então, na verdade, a articulação desses elementos, o elemento tecnológico, o elemento da economia, da acumulação de capital, com a regulação estatal, é que determina qual o efeito que tem. Nós tivemos o pior dos mundos. Por quê? Principalmente na década de 90, porque nesta década tivemos uma derrota do projeto desenvolvimentista brasileiro. Você tem democracia, mas tem uma derrota do projeto desenvolvimentista. Ao mesmo tempo, inicia-se o processo de difusão dessas novas tecnologias. Então, o que acontece? Você tem um padrão de regulação que é um padrão que na verdade destrói a regulação, que é o padrão neoliberal, completamente hostil a qualquer concepção de política industrial, de planejamento, etc. Vamos ter a mudança tecnológica, com aumento da produtividade: mudança tecnológica no sentido tanto de máquinas e equipamentos como de processo de organização do trabalho, inovações de organização do trabalho, como as inovações que a gente chama de tecnologia incorporada nos equipamentos. Tem isso, um aumento da produtividade, ao mesmo tempo com uma falta de regulação da economia, principalmente do mercado de trabalho, com uma derrota dos sindicatos e com a macroeconomia de desemprego. Claro, aí o resultado é o quê Um desemprego brutal na indústria, um desemprego brutal no setor bancário. Mas isso é por causa dessa configuração de mudança tecnológica com um padrão de regulação neoliberal e com uma macroeconomia restritiva. Esse tripé: aumento de produtividade, macroeconomia restritiva e falta de regulação, gera o que nós tivemos. E nós tivemos o quê? Desemprego, piora nas condições de trabalho, terceirização selvagem, crescimento do setor informal, queda nos rendimentos. A tecnologia não é nada, do ponto de vista intrínseco. Ela depende da forma que você se apropria, da forma que ela está relacionada com a economia e com a política. E uma coisa que eu fiz foi colocar isso, e muito, para os companheiros do DIEESE. Isso já na década de 90, quando nós estávamos participando do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade-PBQP. Eu insistia muito e falava; “Olha, nós não podemos falar de reestruturação produtiva só, porque reestruturação produtiva é uma concepção a-histórica”. Reestruturação produtiva pode ser qualquer coisa. Se você assistiu 2001- Uma Odisséia no Espaço, quando o sujeito joga aquele osso para cima, o homem macaco, ali percebendo que aquilo era uma ferramenta, aquilo passou a ser uma reestruturação produtiva. O que deve ser analisado é a inserção histórica, nada é bom ou ruim em si, depende de como você se apropria, incorpora, como é que você organiza a sociedade em torno daquilo. As inovações tecnológicas adotadas no Brasil, na década de 90, tiveram efeitos negativos por causa do contexto em que elas foram adotadas. O empresariado brasileiro citava muito o modelo japonês, mas eles queriam o melhor dos mundos, para eles: queriam a participação do trabalhador japonês no processo produtivo, através dos CCQs [Círculos de Controle de Qualidade], mas não queriam dar o que os trabalhadores japoneses têm, uma participação nos ganhos de produtividade, participação nos lucros, acesso às informações das empresas, emprego vitalício, etc. “Não, o modelo de relação de trabalho deles, não. Isso aí é antigo". Realmente, é assim, a elite brasileira é muito predatória. Não é à toa que o Estado brasileiro sempre arbitrou, desde o Getúlio, [Vargas], o Estado arbitra. E quando não arbitra, dá o que deu na década de 90: um desastre. Essa história ainda vai ser contada de forma mais detalhada. O calor do debate político está muito presente. Em minha opinião, a década de 90 foi pior do que a década de 80. Na década de 80, havia razões objetivas, de outra natureza. Na década de 90, não, foi uma escolha de uma sociedade democrática. Nós escolhemos não ir para lugar nenhum. Hoje querem comparar o crescimento do Brasil com a China, com a Coréia. Mas nós não fizemos na década de 90 justamente o que a Coréia fez, o que a China fez, o que criou as condições para eles crescerem hoje a 10%. São construções demoradas. Nós começamos essa construção e o DIEESE participou, lá no início da década de 80, pensando num futuro industrial do país. Há muito ainda para ser estudado. Na minha avaliação a década de 90 é um desastre, não tem outra coisa a dizer. Na pesquisa do custo de vida (anos 70 e 80), nós fazíamos o cálculo das médias dos preços à mão. Nós pegávamos os questionários e passávamos para uns papéis gigantescos. Geralmente a Vera e eu fazíamos isso, depois calculávamos as médias de todos os preços e aí no final chegávamos a – não me lembro bem, faz tantos anos – 183 preços, mais ou menos isso. Levávamos os preços na Politécnica da USP [Faculdade Politécnica de Engenharia da Universidade de São Paulo], no cirquinho. Na Politécnica tinha o Borroughs, um computador, que hoje, um relógio de pulso tem mais capacidade de processamento que o Borroughs, que tomava lá uma sala inteira, tinha ar condicionado e etc. Nós levávamos esse negócio para perfurar, numa empresa lá no Paraíso e depois entregávamos para o Serginho, o Serginho Mendonça. Ele fazia esse tipo de trabalho à noite – ele estava estudando economia, mas trabalhava com mainframe. Hoje eu não sei como ele está com computador, mas na época que eu e o Serginho trabalhávamos juntos no DIEESE, ele detestava microcomputador. Creio que ele ficou com a cultura do mainframe, demorou anos. Ele foi talvez o último a se incorporar na cultura, mas é porque também vinha de uma outra. O que percebi quando comecei a trabalhar com custo de vida? Percebi que havia questões que podíamos mudar ali. Por exemplo, nessas folhas que a gente transcrevia, a numeração dos produtos não era seqüencial, era uma numeração que acompanhava a lógica do questionário, mas não na seqüência dos questionários, mas das categorias de produtos, era uma coisa mais ou menos assim. Nós que demorávamos de uma semana a 10 dias para soltar o custo de vida, começamos a soltar em três dias. Esse foi o primeiro contato de você incorporar essa tecnologia para dentro do DIEESE. Outra coisa foi a HP [Hewlett-Packard], acho que HP 12. Não me lembro direito, mas um sindicato ou uma federação queria dar para o DIEESE uma placa de prata porque tinha feito um trabalho de distribuição salarial e nesse trabalho eles descobriram um monte de empresas que não tinham recolhido a contribuição sindical do sindicato. Eles quiseram dar uma placa para o DIEESE e eu lembro que o [Walter] Barelli falou assim: “Placa, não! Melhor uma máquina de calcular!” Ele perguntou para alguém: “Qual a melhor máquina de calcular que existe?” Aí falaram que era a HP, ele comprou e ninguém sabia usar. Ele me chamou: “Prado, você não quer descobrir como usa isto?” Eu falei: “É claro, é pra já”. Fui lá e descobri tudo. Antes do computador, eu fazia nesta HP pequenos programas que eram possíveis de usar no custo de vida e também dava para usar na distribuição salarial, porque era a mesma coisa: pegar as guias, mandar digitar os valores dos salários e depois distribuir por faixas de salário, de salário mínimo, por origem de capital. O [Walter] Barelli desenvolveu uma série de coisas muito bacanas. Depois a gente abandonou, porque veio a RAIS, a Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho, não tinha mais o porquê fazer aquilo. Podíamos pegar no Ministério do Trabalho. Mas durante muitos anos, nós fizemos. Nessa HP, eu fiz um programa que dava também para fazer a distribuição salarial, só coisas que a gente precisava fazer rápido. Não dava tempo para mandar para perfurar, fazíamos e funcionava bonitinho. Foi bacana. Daí para frente, o DIEESE entrou nesse mundo dos computadores. O DIEESE ganhou um Scopus, que fazia parte dessa coisa da informática. Foi uma empresa que surgiu nesse processo da reserva de informática, ganhou da Scopus, ganhou da Prológica, e foi indo. Depois os suecos financiaram o DIEESE, também para comprar computadores. Logo após essa época eu já era da direção técnica do DIEESE. Fizemos um belo projeto com os finlandeses, para criar rede de computadores de ponta dentro do DIEESE. Na época, que só tinha o Alternex, do IBASE [Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas], e os sindicatos não queriam usar o sistema do IBASE, por problemas políticos. Falei: não quero nem saber das brigas dos sindicatos com o IBASE, que era o único provedor de Internet. Não quero nem saber, falei até com a Silvia Portella, que era do Departamento dos Metalúrgicos da CUT [Central Única dos Trabalhadores]. Eu disse: ”Olha, Silvia, é o seguinte, quando vocês resolverem politicamente a coisa, vocês me falam, porque eu vou negociar com o IBASE direto, porque não dá para esperar. A Internet é o futuro”. O pessoal achava que eu era meio louco. Eu falava: “Gente, a Internet é o futuro!” É difícil, o futuro você não vê. Chutei e acertei, era o futuro, de fato. Fui ao Rio de Janeiro, na casa da Célia Bertoni que, como o Jones, marido dela, havia trabalhado no IBASE. Ele era apaixonado também por esse negócio da Internet. Eu e a Célia conseguimos estruturar esses acordos com o IBASE e trazer essa coisa da Internet para dentro do DIEESE. A primeira vez que eu vi a Internet funcionando foi na casa dela. Eu estava hospedado lá e o Jones me chamou: “Prado, venha ver um negócio.” Ele pegou e entrou no Museu do Louvre, com a interface gráfica da Internet. Na hora, eu falei: “Acabou, isso é maravilha total”. E, mesmo assim, entrava linha por linha. Os modens eram muito lentos, mas mesmo entrando linha por linha, era uma coisa absolutamente maravilhosa. Eu imagino a emoção das pessoas que viram a televisão pela primeira vez. Era isso, você olhar e dizer, o mundo vai mergulhar nesse troço! Eu não descansei enquanto a gente não ligou o DIEESE em Intranet, Internet, de tudo quanto é jeito. A Celi [Audi], que está até hoje no DIEESE, também gostava muito disso e nós construímos coisas muito legais. Eu acho, que se você não tem esse tipo de paixão, é difícil você olhar para uma coisa como a Internet e achar que ela é o futuro. Estávamos vendo o futuro, quando ninguém via nada. O DIEESE estava na frente. Quando os sindicatos começaram a trabalhar com Internet, nós já havíamos feito tudo o que era possível com Internet; já tínhamos até a Intranet estruturada. Fizemos um esforço muito grande com os sindicalistas, para eles levarem essa cultura para dentro dos sindicatos; os sindicalistas dirigentes do DIEESE. Todo ano a gente fazia reunião, explicava, mostrava, falava o número de acessos. Eu sempre falava: “Quando nós atendíamos por telefone – e até hoje há atendimento técnico do DIEESE – atendíamos, vamos supor, 100 chamadas por semana e, na Internet, o nosso site é visitado por 100 mil pessoas por mês”. Isso lá no início, hoje eu não tenho nem idéia, é uma coisa incalculável. “Então, isso é a questão da democratização da informação, isso é acesso e tem que ser levado para as instituições sindicais”. O processo é muito difícil porque é aquela coisa assim: o computador é uma coisa maravilhosa, mística, e poderosa, então, o presidente do sindicato queria o computador na sala dele, se possível, fechada à chave. Quer dizer, até você transformar o computador num instrumento cotidiano de trabalho, demorou muito, mas o DIEESE foi à frente, e foi até muito interessante.

Planejamento Estratégico

Vendo que o movimento sindical já estava se desdobrando na possibilidade da participação do poder político efetivo, que acabou sendo a candidatura do Lula para a presidência da República, fui convidado pelo Ademar Sato (Chicão também) para fazer um curso de planejamento estratégico situacional, no Cendec, que é um centro de treinamento do Ministério do Planejamento. A Dorothéa Werneck era responsável na época por isso, no ministério do Planejamento. A Dorothéa Werneck trouxe para o Brasil este tal de planejamento estratégico situacional, que era uma coisa que o Carlos Matos, que foi Ministro da Fazenda do Governo Allende [Salvador Allende, presidente do Chile entre 1970 e 1973], tinha desenvolvido na cadeia, quando estava preso. Ele não tinha o que fazer e ficava lendo livros da biblioteca da prisão. Ele estava em uma prisão militar e acabou lendo muitos livros de estratégia militar. Foi percebendo que poderia construir, a partir daquilo, uma concepção de planejamento estratégico. Então ele criou esse planejamento estratégico situacional que é planejamento para alta direção de governo. Ele fez uma coisa tão sofisticada que eu passei anos no DIEESE simplificando para poder usar em várias coisas. Porque é muito sofisticado. Você precisa ter uma estrutura fantástica de informações para montar o planejamento estratégico situacional. Falei para o [Walter] Barelli: “Esse negócio pode dar uma nova identidade para o DIEESE”. Porque tinha uma história do técnico político, que era o sujeito que não é nem político, nem apenas técnico, mas que faz uma mediação entre a tecnocracia e a política. Bem, sugeri ao [Walter] Barelli que aquilo era interessante e poderia dar uma nova identidade à instituição e permitir que o DIEESE saia do debate só sindical e entre num debate, que é o debate nacional. Foi uma questão muito complexa, um salto perigoso, naquele momento. O bom de ser jovem é que fazemos as coisas sem ver todas as variáveis. Então, eu olhava aquilo ali e falava: temos que fazer isso. E o [Walter] Barelli comprou a idéia, treinou quase que toda a equipe do DIEESE, naquele momento, no planejamento situacional. Mais uma vez à frente do movimento sindical. Depois a CUT comprou essa idéia, também. As escolas da CUT, principalmente a Escola Sete de Outubro, ensinaram muito essa metodologia, formaram-se equipes também dentro da CUT para fazer isso, a coisa avançou bastante. Eu estou falando principalmente da CUT, porque a Força [Força Sindical] também incorporava coisas do DIEESE, mas eram de outra natureza, principalmente o treinamento em negociação, mas participava de outra forma das coisas do DIEESE. O DIEESE sempre manteve o tradicional com a coisa mais de futuro, mais prospectiva. Sempre trabalhou nas duas frentes. Hoje mesmo, eu vi uma nota técnica do DIEESE que ensina os sindicalistas a fazer contas de perda salarial, aliás, que é uma coisa que nós fizemos a vida inteira. Eu entrei no DIEESE iniciando os sindicalistas nesse cálculo de perda salarial. Trabalhei também no estudo de campanha salarial, que a gente chamava e hoje eu estou vendo que continuam ensinando. Por quê? Enfim, porque o movimento continua tendo gente que está entrando, que não sabe nada, que precisa aprender. O DIEESE, de fato, é uma escola no sentido amplo.

 

 

Crises

 

 

O funcionário do DIEESE sempre incorporou o projeto institucional, então os sacrifícios que os funcionários do DIEESE sempre fizeram para manter a instituição viva foram sacrifícios grandes: desde ficar sem salários, até trabalhar de graça. O DIEESE tinha uma jornada de 6 horas. Durante muito tempo, as pessoas trabalhavam oito horas, dez horas, sem hora extra, nem banco de horas, nada. Ou seja, não era só uma questão de ficar sem receber, mas trabalhar de graça. Eu trabalho agora no setor público, eu vejo uma cultura diferente. Você têm alguns servidores excepcionais, mas têm uma outra mentalidade. O DIEESE sobreviveu às crises, principalmente, por causa do vigor e da resistência de seus funcionários E a partir disso, desse vigor. O movimento sindical sempre se encantou e apoiou isso. Tinha as crises, a instituição se segurava e depois o movimento sindical vinha e ajudava e tem sido assim. Eu tenho a impressão de que, se os funcionários do DIEESE tivessem uma outra postura, a instituição já teria acabado. Se eles tivessem uma postura mais burocrática, a instituição já tinha acabado. As crises sempre aconteceram e sempre teve um espírito de corpo muito grande na instituição.O DIEESE é um espaço de convivência fraterna, dentro de um movimento que é conflituoso, que é em si, pela sua natureza, sectário, mas que têm no DIEESE um ponto de unidade. Trabalhei no DIEESE 23 anos, tem companheiros meus que estão até hoje aqui. Eu comecei a trabalhar com o Maurício, o Maurício está até hoje no DIEESE e eu acho que a crise faz parte da história da instituição. Quer dizer, o movimento sindical determina o ritmo de crescimento da instituição, em determinados momentos ele permite um crescimento bastante grande, outros momentos não. Ás vezes eu fico pensando se não tivessem essas crises, se seria mantido esse espírito de corpo, se não acabaria se burocratizando. Talvez as crises permitam esse resgate permanente da dedicação ao projeto da instituição. Não sei, não saberia dizer.

Importância do Dieese

O DIEESE é uma instituição que tem presença constante na mídia. No período do [Walter] Barelli foi mais pessoal, não por causa dele, mas por causa da circunstância histórica. Já na década de 90, essa presença na mídia foi mais institucional. Eu acredito que a sociedade tem o DIEESE como uma referência. A sociedade brasileira de hoje é muito mais complexa e muito mais aberta do que era na década de 60, na década de 70 e, por isso, muito mais rica do ponto de vista institucional. Acho que é até natural que o DIEESE já não tenha a mesma projeção, porque se têm as centrais sindicais, existem os partidos. A democracia permitiu emergir uma riqueza de organizações políticas, de movimentos, e claro que, relativamente ,o DIEESE diminuiu de tamanho. Mas continua presente, continua como referência na sua área de trabalho. E é absolutamente importante esse trabalho do DIEESE. Existe uma primeira esfera de atuação que é a esfera da relação capital e trabalho, direta. É você atuar nas negociações, atuar na preparação dos dados, no treinamento dos dirigentes sindicais, na estruturação das reivindicações. Para tudo isso, o DIEESE tem uma estrutura boa, nós passamos anos construindo isso e, depois da revolução da informática, se transformou em uma coisa bastante sofisticada. Têm os bancos sindicais: de reajustes salariais, de pisos, de greves, de acordos; a área de educação no DIEESE fazendo o trabalho de treinamento em negociações, em treinamento de análises de dados para negociações e coisas dessa natureza. É uma atuação que faz parte da luta sindical cotidiana no mundo do trabalho. Isso é importante. Tem também o nível da atuação institucional, nos espaços institucionais. Numa sociedade democrática, ocupar esses espaços institucionais, levar a visão sindical e a visão de analistas que estão abordando os temas da sociedade, a partir da perspectiva do mundo do trabalho, é importante, participar desse nível institucional, estar preparado para isso. E o terceiro nível é o da política nacional. Sei que uma instituição como o DIEESE não pode fazer opção político-partidária. Eu, como militante, fiz e tenho a convicção de que a ação sindical é limitada para permitir melhor padrão de vida e a inserção dos trabalhadores. Permite uma inserção limitada. Para se conseguir vitórias mais amplas, se precisa da política nacional. E a necessidade de política pública, de Estado, só se conquista no âmbito da política nacional, da disputa do poder político nas instituições democráticas, no parlamento e no próprio executivo. Eu acho que tendo essa compreensão, o DIEESE pode atuar diretamente quando a ação é sindical e indiretamente quando a ação é política. Indiretamente, em que sentido? Criando os estudos que subsidiem a ação política. Se for realizado um estudo sobre a desigualdade, que é um estudo de qualidade, etc, os deputados federais vão usar, os senadores vão usar, os formuladores de políticas públicas vão usar; então você pode trabalhar nessas três dimensões. No DIEESE, nós nos esforçamos muito para construir essas três dimensões de ação. Não podemos mais pensar apenas na dimensão sindical restrita. Mesmo que o DIEESE não atue na questão política, partidária. O DIEESE tem que realizar os estudos que subsidiem o debate nacional, na questão do salário mínimo, na questão da previdência social, na questão da política social para os excluídos. Acho que o DIEESE tem que participar, subsidiando, enfim, os atores sociais que estão aí para defender esses interesses das classes populares brasileiras.

 

 

Desafios

 

 

Tenho a impressão que o DIEESE está desaparelhado para participar dos debates, hoje. A questão da desigualdade é um tema que o DIEESE pode abordar intensamente. Na mídia, quais são as instituições de referência? A Fundação Getúlio Vargas -- com o Néri -- e o IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] -- com o Paes de Barros -- têm uma abordagem conservadora. Esse é um espaço que o DIEESE poderia participar ativamente. Tem produção e legitimidade para fazer isso. No entanto, quem está pautando o debate é a FGV e o IPEA. Não as instituições em si, mas determinados pesquisadores do IPEA, que são pesquisadores conservadores. Acho que o DIEESE deveria estar mais bem preparado para ser uma referência nesse debate, da questão do crescimento com distribuição de renda, de um novo modelo de desenvolvimento, eu acho absolutamente fundamental. Quando eu trabalhava no DIEESE já se discutia a questão de se ter que atuar em várias dimensões.

Salário Mínimo

Quanto ao aumento do salário mínimo nos últimos anos, recentemente fiz um estudo e vi que deu uma contribuição significativa para a redução da desigualdade no país. Reduziu a desigualdade! E isso desde o governo Fernando Henrique. A gente tem que ter claro isso, isso não é um mérito do Fernando Henrique ou do Lula, é um mérito de uma luta social que se expressa no Congresso Nacional. O salário mínimo subiu 100%, real, desde 95. No governo Lula esse ritmo foi mais acelerado, cresceu 40%. Em oito anos de governo Fernando Henrique, cresceu 40% e o restante em 4 anos de Lula, isso significa que o ritmo foi o dobro no governo Lula. Mas o que eu acho absolutamente fundamental, é que a sociedade brasileira identificou uma agenda própria na valorização do salário mínimo. Estamos há mais de 10 anos aumentando o valor real do salário mínimo, enquanto que nos 30 anos anteriores, o salário mínimo foi sendo desvalorizado. Essa questão continua sendo importante. O que aconteceu na História brasileira é que nos momentos de maior crescimento do PIB per capita, esse crescimento não foi incorporado ao salário mínimo. Então, eu acho que como política de longo prazo, e quando eu estou falando longo prazo, é longo prazo mesmo, 20 anos mesmo, é isso mesmo: INPC mais PIB per capita. Agora, a pergunta é sempre essa, até que limite? Na medida em que você tem essa recuperação do salário mínimo, ela extravasa em várias outras políticas de transferência social. Isso é um debate super delicado para ser feito, mas que eu acho que tem que ser feito. A questão do emprego, acho que o DIEESE tem que lidar com a questão do emprego. Houve uma geração substantiva de emprego. Nós vamos chegar até o final do ano com oito milhões e meio a nove milhões de empregos, desde 2003, quase uns 10 milhões. É muito emprego, muito emprego. Mas ainda não é o suficiente para reduzir a taxa de desemprego de forma significativa. Isso quer dizer que nós precisamos passar mais quatro anos aumentando a geração de empregos, ainda mais, não podem ser 10 milhões, vai ter que ser mais que 10 milhões de empregos, nos próximos quatro anos. E o DIEESE tem que participar desse debate, dar sugestões de como isso pode ser alcançado e participar ativamente.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

Eu aprendi no DIEESE a escrever para ser entendido. É um treino difícil, esse. Então, essa é uma primeira lição, a lição de que você tem que se comunicar para que as pessoas te entendam, em todos os níveis, o público e a crítica. O bom filme é aquele que todo mundo gosta, a crítica gosta e o público também. Eu acho que eu aprendi um pouco isso no DIEESE, estar sempre se esmerando na comunicação. De fazer com que o trabalhador te entenda, que você tenha uma forma simples para apresentar um assunto complexo, isso é uma lição importante, que eu aprendi aqui e registrei nos agradecimentos da minha tese, lá eu pus isso. Você perguntou e está lá. A outra coisa é o seguinte, é o espírito público dos funcionários do DIEESE. O DIEESE é uma instituição privada, sem fins lucrativos, mas é uma instituição pública no sentido mais elevado dessa expressão. Quer dizer, eu não vejo, não vi e olha que eu debati muito no DIEESE, muito duramente, eu sempre fui um polemista duro, nunca dei folga nos debates, não com as pessoas, mas na polêmica, mas nunca vi no DIEESE esta coisa mesquinha, nunca vi isso, eu sempre vi nos funcionários do DIEESE e nas direções sindicais do DIEESE, na maioria delas, não dá para deixar de registrar, mas eu sempre senti essa coisa do espírito público mesmo, essa coisa de você querer melhorar a sociedade. E a outra coisa, que eu acho uma lição importante, é essa conjunção entre a legitimidade política e a produção do conhecimento. Isso é muito importante, principalmente numa instituição de ação. O DIEESE não é uma instituição de pesquisa, é uma instituição de ação política, uma ação política que tem um instrumento e o instrumento é o conhecimento. É a lição de que você é capaz de construir uma instituição unitária do ponto de vista político. O espaço do DIEESE é unitário, não tem essa coisa do conflito político sindical dentro do espaço do DIEESE, as direções sindicais sempre entenderam a necessidade de preservar a unidade nesse espaço e dando legitimidade para a produção do conhecimento, para a ação política em defesa dos trabalhadores. Eu acho isso absolutamente fundamental: é isso que dá ao DIEESE essa permanência, apesar das crises, apesar de todas as dificuldades. Acho que isso que dá ao DIEESE essa permanência, que é a convivência, mesmo, entre esses pilares, que é o pilar da legitimidade política e da capacidade técnica; o que acaba transformando a instituição no que a instituição tem sido historicamente, é uma instituição respeitada pela sociedade, e respeitada pelos atores sociais, inclusive aqueles que nós combatemos.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Acho que o DIEESE é uma instituição curiosa porque, pelo meu relato e de tantos outros , está sempre presente nos momentos históricos relevantes do país, pelo menos nesses últimos 40 anos ou 50 anos já, está presente até na sua ausência: quando o DIEESE foi mantido numa semi-clandestinidade durante os primeiros anos da Ditadura. Vocês percebem que o DIEESE esteve ali sempre presente na resistência à Ditadura, estava presente no renascimento do movimento sindical, estava presente na criação das centrais sindicais, estava presente na Constituinte, estava presente na elaboração da política industrial, estava presente nos pactos sociais que foram tentados, quer dizer, o DIEESE está sempre presente. Eu acho que fazer o registro dessa história é interessante, porque como o DIEESE não é o protagonista, é protagonista quem tem a legitimidade política, quem tem o mandato político. Então, às vezes essa história não aparece, é um substrato, é um pouco desconhecida. As pessoas conhecem o DIEESE pela imprensa, mas não tem idéia de que os quadros do DIEESE participaram intensamente da história brasileira. Então, acho que este depoimento é importante, quer dizer, é um momento de registrar isso, é uma instituição que vem cumprindo o seu papel histórico. É uma instituição que está presente na construção da história brasileira e presente de forma bastante intensa, qualificada, criativa, inclusive. Acho que registrar isso certamente vai ajudar alguns historiadores a entender pequenas lacunas da história do movimento sindical brasileiro.

Ações do documento