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Página Inicial nossas_historias_menu João Vicente Silva Cayres

João Vicente Silva Cayres

joao_vicente_silva_cayresHistória de Vida

Identificação

Meu nome é João Vicente Silva Cayres. Nasci em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, em 19 de junho 1969. Sou mais conhecido como João Cayres.

 

 

Família

 

 

Meus pais chamam-se Pedro Pereira de Cayres e Marlene Silva Cayres. O sobrenome Silva, acho que é português. Cayres, temos uma dúvida se é português trasmontano ou se é francês, até porque existe uma cidade na França com esse nome. É uma cidade turística, tem até um site, Cayres.com. Eu dei uma olhada, mas não sei. Sinceramente, nunca procurei saber a questão genealógica do nosso nome.

Minha cidade natal chama-se Livramento. Teve vários nomes, Livramento de Taguaçu, Livramento de Nossa Senhora - para os católicos é Nossa Senhora -, tem Livramento do Brumado, porque tinha uma cidade ao lado chamada Brumado, ficou independente. O nome atual é Livramento de Nossa Senhora. Fica na Bahia, no sudoeste baiano, na região da Chapada Diamantina. Inclusive do lado tem uma cidade turística chamada Rio de Contas, perto de todo aquele trecho, Rio de Contas, Mucugê, Lençóis lá em cima. Fica bem perto do Pico das Almas, região turística no sudoeste baiano, na Chapada Diamantina.

 

 

Infância

 

 

Meu irmão mais velho é paulistano. Nasceu no bairro do Belenzinho. Meu pai estava em São Paulo, veio para cá casado com a minha mãe. Por conta de saudades, voltou para a Bahia. Lá teve mais três filhos: minha irmã mais velha, eu e meu irmão mais novo. Em 74, meu pai voltou para São Paulo. Eu estava com quatro anos e meio de idade. Viemos morar em Santo André, onde ficamos um ano e meio. Depois, mudamos para o Parque São Rafael, na Zona Leste de São Paulo. Local, naquela época, muito atrasado: as ruas não tinham asfalto, iluminação, era muito pobre, muito ruim. Ficamos lá durante cinco anos e voltamos para Santo André. Fomos depois para Camilópolis, Parque das Nações, onde passei toda a minha adolescência. Minha mãe ainda mora lá e eu moro num bairro vizinho.

Sempre brinquei bastante na rua. Coisas de moleque: caçar passarinho, carrinho de rolimã, brincar de polícia e ladrão, de tudo. Tudo o que a gente podia fazer era brincar na rua, jogar fubeca, pião, jogar bola, soltar pipa. Foi uma infância normal, apesar de eu ter começado a trabalhar cedo.

 

 

Primeiros Trabalhos

 

 

Naquela época tinha feira. Nós fazíamos um caxotinho, que chamávamos de carreto. Fazíamos carreto na feira ou trabalhávamos como engraxate. Acho que com uns nove anos, eu já estava engraxando sapatos. Até porque eu tinha uns colegas que faziam isso, eu achava legal porque eles ganhavam um dinheirinho, eu falei: “Vou ganhar dinheiro também.” Meu pai fez uma caixa, pesada para danar, com umas madeironas, e eu ia engraxar sapatos.

Todo domingo, eu ia a uma padaria e ficava lá - eu e um colega - engraxando sapato. Eu fiz isso até uns onze, doze anos. Durante a semana, fazia o carreto na feira; domingo, ia à padaria e ficava lá, das oito ao meio dia, engraxando sapato. Eu e uns colegas, íamos à feira e fazíamos o carreto, mas não dava muito dinheiro. Tomei até um chapéu. Isso foi tão engraçado: andei que nem um burro velho, cheguei lá, o velha não tinha dinheiro para me pagar. Falei: “Pôxa!” Aí ela me deu uma moranga. Eu nem sabia o que era moranga. Levei, dei para minha mãe e falei: “Eu não sei o que é isso, não!” Ela riu e me explicou que era um tipo de abóbora.

 

Estudos

Comecei a estudar no Parque São Rafael. Eu ia entrar no prézinho, lá em Santo André, mas como eu mudei – minha mãe tinha até feito a papelada – que eram as chamadas EMEIS, para o prézinho, pois eu já estava com cinco, seis anos. Aí quando nós mudamos para o Parque São Rafael, acho que não tinha o prézinho e eu entrei no primeiro ano, com seis anos e meio.

Entrei no primeiro ano no Jardim Vera Cruz, que era um bairro vizinho do Parque São Rafael. Estudei lá os dois primeiros anos e mudei para uma outra escola, que se chama, hoje, Cláudio Manoel da Costa, mas na época era Jardim Colorado. Aliás, uma escola muito boa, uma diferença gritante daquela que eu estava, que era estadual. Essa escola era municipal e as escolas de São Paulo eram muito melhores. Tanto a questão do ensino como a questão da merenda. Havia essa questão da merenda escolar que era muito boa, na época.

Aí estudei até a quinta série e mudei para uma escola estadual, em Santo André, num bairro bom, como em Camilópolis, a escola municipal em São Paulo, apesar de ser periferia, era melhor. Lá tinha um esquema que não podíamos comprar livro, porque tinha aquele negócio de caixa. Mas não tinha livro didático no ginásio, fazíamos tudo escrito, copiava tudo. Eu tive uma sorte danada, porque eu já cheguei na semana de prova, na outra escola do Estado. Fui bem nas provas. Até os professores estranharam, eu era meio inocente, eles perguntaram: “Você estudou para prova?” Eu falei: “Não!” Tirava nota B, nota B mais. Eles voltavam a perguntar: “Como você foi tão bem?” “Ah, não sei, tudo o que você está dando, eu já vi.” E não era leitura de livro. Tinha que copiar tudo. A professora passava tudo na lousa. Às vezes, escrevíamos na lousa; ela pedia para os alunos irem se acostumando; tinha aquelas alunas que eram lideres de classe, que escreviam. Daí, mudei para Santo André, mudei dessa escola, comecei a trabalhar numa floricultura e tomei pau, pela primeira vez na vida.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Eu estava com doze anos. Comecei a trabalhar numa floricultura, entregando flores e fazendo cestinhas, buquê de flores. Meu serviço maior era a entrega. Era uma coisa interessante porque fiquei conhecendo várias ruas; ia para tudo que é lugar, a pé ou de ônibus. Muitas vezes, eu ia a pé para guardar o dinheiro da condução. Até tem um fato interessante: o dono da floricultura chegou para mim, era a última entrega do dia, e perguntou: “João, dá para ir a pé?” Eu fiquei meio assim e o filho dele falou: “A pé dá para ir até aos Estados Unidos. Só que demora.” Aí, ele me deu o dinheiro da condução, mas eu acabei indo a pé.

Era aquela coisa, doze, treze anos, você quer jogar fliperama. E tinha a caixinha também. Eu trabalhei uns dois anos na floricultura, mas não era registrado. Uma vez, briguei com um moleque dentro da floricultura. Coisa de menino, saímos na porrada e eu fui mandado embora. Passaram-se dois meses, eles viram que eu não estava errado e me chamaram de novo para trabalhar. Eu aceitei e trabalhei lá até pedir as contas porque meu pai me arrumou um emprego em uma auto-escola.

Saí da floricultura, comecei a fazer o curso de datilografia – naquela época, o pessoal fazia muito – e fiquei trabalhando na auto-escola até os dezessete anos. Depois, arrumei um estágio na Ford, de eletrônica, porque eu estava fazendo o colégio, e acabei ficando lá. Nessa auto-escola trabalhava o dia todo, de segunda à sábado. Foi meu primeiro emprego registrado. Auto-escola Visão. Eu fiquei um período como estagiário, aprendendo o serviço, fui efetivado e fiquei uns dois anos.

Com dezessete anos eu saí e fui para a Ford, onde fiquei como estagiário durante um ano. Foi uma época de corte na Ford, quando houve a fusão da Autolatina e eles não efetivaram ninguém, naquele ano. Inclusive, meu pai foi demitido. Ocorreram 3 mil. Eu fiquei fazendo uns biquinhos, nesse meio-tempo, voltei para a auto-escola - o pessoal me chamou e eu estava precisando - passaram-se uns dois, três meses e a Ford me chamou. Estou lá até hoje, desde 88.

Ingressei na Ford, quando meu pai ainda estava lá. Fiz uma ficha de estágio, entrevista, teste e acabei passando para ser estagiário. Fiz o estágio, houve esse corte e depois, a Ford começou a contratar e me chamaram. Eu trabalhava na manutenção de máquinas, de robôs. Na verdade, a gente não faz a manutenção, faz a programação. São aqueles robôs que soldam o carro. Você faz a programação dele, conserta quando dá problema e a manutenção grossa, mesmo, vai para a fábrica de origem, que no caso da Ford é a BB.

 

Militância Política

Na quinta série, eu participei da disputa de uma chapa para o Centro Cívico. Era um rescaldo da Ditadura, o Centro Cívico. Eu disputei, mas nós perdemos. Perdemos porque o pessoal que estava cooptava a molecada do primário. Nós fazíamos uma campanha ética, eles iam à escola pela manhã, faziam brincadeira de roda para garantir o voto da molecadinha do primário. Foi aí que comecei a acordar para a vida. Nós não fizemos nada disso, só conversávamos com o pessoal do nosso meio, a galerinha adolescente, combinamos de fazer campeonato de futebol, aquela coisa toda, campeonato de vôlei para as meninas, algumas coisas para melhorar a escola, pintar, melhorar o laboratório. A idéia era essa. Eu tinha um irmão que estava no primário e que me disse: “O pessoal está vindo todo dia brincar com a gente.” Eu nem me ligava nisso. Eles faziam brincadeiras de roda, brincavam de amarelinha e acabaram ganhando os votos deles. Foi a primeira vez que eu participei de uma disputa assim.

No colégio ajudei a montar o grêmio, mas era colégio particular, muito repressor, não tinha muita conversa. Ajudamos a montar o grêmio, mas eu acabei não disputando, até porque eu trabalhava e não tinha muito tempo para essas coisas. Na faculdade, sim. Na faculdade, fui eleito duas vezes para presidente do centro acadêmico. Antes era diretório, mas na nossa gestão, transformamos em centro acadêmico. O diretório ainda era subordinado a faculdade, à direção da faculdade, na Fundação Santo André.

Na faculdade de economia, tinha a FAECO, era o mais antigo, porque foi uma das primeiras faculdades de Economia do país. Havia o pessoal da Filosofia que também tinha o seu centro acadêmico, mas eles já vieram pós-88.

 

 

Família

 

 

Prestei vestibular, passei e fui direto para a Fundação. O ano de 1990 foi um momento muito tumultuado da minha vida. Eu casei, minha esposa ficou grávida e eu estava no meio de uma greve de 50 dias, que fizemos fez na Ford. Ela prestou vestibular e entrou. Eu ainda não tinha terminado o colégio, mas faltava um ano, que era o colégio técnico, quatro anos. Quando eu me casei, parei e foi um rolo, mas ela entrou na faculdade. Eu entrei no ano seguinte. Ela entrou grávida, estudava de dia, depois, passou para noite e estudamos juntos. Mas foi um período meio tumultuado, casamento apressado, o nenê nasceu em fevereiro, casei em 27 de outubro, quase novembro. Aí o Lucas nasceu em fevereiro, ela na faculdade, enfim um período meio difícil. Ainda teve a greve, tive que pagar: carnêzinho, 50 dias de greve, devendo pra caramba.

 

 

Greves

 

 

Eu não estava no movimento. Eu militava, gostava, ia sempre à sala da comissão conversar com o pessoal. Essa greve que teve em 90, foi em virtude do decreto-lei, acho que era 2060, não lembro direito, do Collor, que proibia os reajustes salariais. Como a nossa data base, naquela época, era em abril - e o decreto entrou em vigor em março, aquele decreto determinava que não havia mais reposição da inflação – e nós estávamos com o salário defasado em 84%. Eu lembro que o pessoal do sindicato organizou uma greve estratégica: “Vamos parar só o setor de manutenção e ferramentaria - que eram, na época, 900 pessoas - e assim a gente para a fábrica como um todo.” No mês de junho, fizemos a greve e a fábrica não acreditava que daria certo. Ela foi vingando, vingando, até que - tem vários relatos da época - teve um quebra-quebra danado, que acabou com a greve, porque a Ford não pagou os funcionários que não estavam em greve. Por que o que eles estavam fazendo? Enquanto nós estávamos em greve eles doavam um dia de trabalho para bancar o nosso salário. A gente fazia pedágio na rua e a Ford viu que estava dando certo. Então a Ford acabou cortando o salário do pessoal. O pessoal que não estava em greve acabou colocando fogo na fábrica. Quebrou carro. Nós temos fotos de tudo isso. A imprensa informou que “Os grevistas quebraram os carros”. Na verdade, não foram os grevistas, eles não estavam nem na fábrica. Nós os grevistas voltamos para segurar o povo, senão acho que tinha virado um inferno. Foi um mini inferno. A coisa foi bem feia. Turbulência dos dois lados.

 

Militância Política

Eu passei a me envolver mais. Eu já tinha certo interesse, até pelo movimento estudantil um pouco no colégio, participei de algumas coisas. Eu sempre tive uma simpatia pelo Partido dos Trabalhadores, desde os primórdios. Eu lembro que meu pai uma vez – não sei bem em que ano que foi, era o período das greves – e ele me levou no sindicato. Fomos de ônibus. Achei legal ver aquele povo todo falando, ver o Lula [Luis Inácio Lula da Silva – hoje presidente da República] falando; eu não entendia muita coisa, mas achava legal o pessoal se reunir. Quando começou a criação do Partido dos Trabalhadores, eu fui discutir. Não entendia muito de política, mas eu ficava tentanto convencer o pessoal, até mais velho do que eu, a votar no Lula. O Lula era candidato a governador, em 82. Nesse ano eu ainda estava trabalhando na floricultura. Teve a Copa do Mundo, aquela decepção toda, chorei muito porque nós perdemos a Copa e nas eleições eu ficava lá, tentando convencer as pessoas. Tinha um cara que trabalhava comigo, maior de idade, um florista, que falou: “Vou votar no Lula.” Aí falou um monte de coisa e desde então eu ficava, não sei o porquê, fazendo campanha para o Lula. Havia uma identificação, meu pai falava muito do Lula, e acabei me identificando. Na escola, também comecei a me interessar por essas coisas; comecei a ler sobre socialismo, comunismo. Comecei a ler alguns livros e debater na escola. Sempre fui desse lance.

 

 

Juventude

 

 

Também tinha um pouco de rebeldia, de ser um pouco roqueiro, heavy metal, mas também gostava de punk, era meio eclético, misturava as coisas, já que os punks e heavy metals sempre brigavam, os carecas. Eu não entendia porque os caras brigavam; eu gostava dos dois tipos de som. Sempre fui meio eclético, gosto de música popular brasileira, de rock, de punk. Mas aí os caras não entendiam, o pessoal não podia se misturar, aquelas besteiras de adolescente. Não podia, tinha que se vestir de um jeito, tinha que se vestir de outro jeito, tinha muita briga.

Eu briguei muito naquela época. Os punks, eu gostava por causa do ideal, que eles tinham, um ideal rebelde e queriam protestar contra o sistema. Os heavy metal não, eu gostava mais da música, mas não tinha muito ideal, na verdade, tinha uma rebeldia, mas não tinham um quê político. Comecei a me interessar mais pelo punk por causa disso. Um dos conjuntos estrangeiros que eu mais gostava - até porque eu achava mais politizado - era o The Clash. Tinha o Sex Pistols, tinham outros, mas esses aí falavam muita besteira. Ramones também era legal, mas as letras não diziam nada; O The Clash eu achava muito interessante.

Eu tive um professor muito bom de sociologia, no colégio. A gente fazia muito debate, lia alguma coisa, , sobre Marx, sobre Engels e ele ia colocando alguns debates interessantes, falava sobre pena de morte, questionava se a gente concordava ou não. Deu um livro do Galeano [escritor Eduardo Galeano] muito interessante, que eu achei muito legal, chamado, “Veias abertas da América Latina”. Foi um livro que lemos o ano inteiro e que deu um debate bom.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Fui para faculdade, fazer Economia e havia altos debates sobre sociologia, economia. Fui me envolvendo politicamente, na questão do sindicato, por viver as lutas no dia-a-dia. Eu acho que a greve faz um pouco isso, ela forma as pessoas. Ou por um lado ou por outro. O cara que é demitido, acha que foi em virtude da greve e vira um anti-sindicato. Uma vez, eu era moleque, tinha 15, 16 anos e comecei a discutir com um cara na padaria. O cara era velho e eu falando para ele votar no Lula. O cara: “Que Lula! Fui demitido da Volkswagen, nunca mais arrumei emprego!” Estávamos em 86, 87. O cara disse que foi demitido em 81. Eu pensei: ”Se não arrumou emprego de 81 pra cá, então a culpa não é do Lula.” Ele foi demitido em 81, não por causa da greve. Foi uma super recessão que houve naquele período. A greve foi por outros motivos.

 

Juventude/Militância Política

Eu gostava, também na juventude, do Metálica. Hoje, eu não gosto mais, ficou muito comercial; muitas bandas surgiram na época, o Sepultura, faz um sucesso grande no Brasil; Os Ratos de Porão, O Cólera, umas bandas até interessantes que tinham um discurso com o qual eu me identificava. Eu gostava de ouvir as bandas no próprio idioma deles. Eu me correspondia com três amigas que escreviam em inglês: uma, da Irlanda e duas, da Alemanha. Depois perdi o contato. Eu gostava disso, inclusive, consegui uma fita de várias bandas de rock da Alemanha, cantando em alemão. Eu tinha um colega que possuía alguns contatos - antes da crise na União Soviética - contatos na União Soviética, na Hungria ele trazia músicas para gente ficar ouvindo. Não entendia nada, mas achava interessante escutar os conjuntos. Tinha uma banda chamada Lama, que era sueca, e era interessante ouvir aquela banda porque era diferente. Tinha um que cantava em finlandês, de trás para frente. Você não entendia nada de finlandês e finlandês cantado de trás pra frente, era pior ainda. A gente aprendia alguma coisa de outras culturas e era interessante. Tinha também os italianos e o lado ruim no punk que era radicalizar muito, a questão do racismo. Eu lembro de uns colegas com ascendência italiana que tinham esse negócio de ficar valorizando a raça italiana. Eu sempre entro nesse debate de raça e arrumo confusões porque eu digo que “a raça é a humana, o resto é etnia”.

Quando eu fiz um curso de políticas públicas, em São Carlos [interior de São Paulo], foi muito legal, porque eu perguntei para o professor a respeito disso. Eu falei que senti na pele um preconceito muito grande por ser baiano. Hoje não. Com esse negócio do Axé, isso mudou muito. Mas, quando eu cheguei em São Paulo, havia muito preconceito e tudo que era ruim era baiano: “calça de baiano, cabeça de baiano, carro de baiano; tudo o que não prestava era baiano”. O professor era negro e fez uma pergunta sobre a questão do racismo: ”O quê vocês acham do racismo no Brasil? Façam uma proposta para solucionar esta questão.” Todo mundo falou e quando chegou na minha vez, eu pedi uma explicação sobre a questão da raça porque eu havia sofrido preconceito por ser nordestino. Na segunda série, uma coisa me marcou, porque eu sabia a resposta e não respondi. A professora perguntou qual era o estado brasileiro que tinha o mapa mais parecido com o do Brasil. Eu sabia, mas não respondi porque eu sabia que ela ia me perguntar outra coisa. Uma menina respondeu: “É a Bahia”. A professora, então, perguntou: “Você é baiana?” A menina disse que não. Se fosse comigo, eu iria falar que era e ia ficar pensando: ”Agora os caras vão ficar tirando sarro de mim porque eu sou baiano.” Não respondi por causa do preconceito. Hoje o preconceito diminuiu bastante, mas ainda tem.

Bem, responde a minha pergunta colocando dois pontos de vistas sobre a questão da raça: a dos genéticos e a dos antropólogos. Ele explicou que: “Os geneticistas colocam, por exemplo, que eu posso ser mais branco que qualquer alemão, geneticamente falando. Do ponto de vista da antropologia, eu sou o resultado do meu meio social. Por exemplo, eu posso me considerar um branco, ou um branco pode se considerar negro.” Aí a gente pode pegar o caso do Eminem, um hip hop famoso, branco que teve que se impor no meio dos negros, e por outro lado você tem o Lenny Kravitz que é um negro e roqueiro. Apesar do rock ter suas raízes negras, o pessoal fica com isso do rock ser branco, mas a origem é negra, blues. Eu falei para ele que eu achava que quanto mais a gente falasse em raça, mais ampliaríamos a discriminação. O caminho é o seguinte: a raça é uma só, é raça humana e o que nós temos são etnias.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Lá na fábrica existe um pessoal organizado, que faz parte da comissão de fábrica, que trabalhava para sindicalizar todo mundo da Ford. Eu fui sindicalizado por um companheiro eletricista. Eu também sou eletricista e ele era da minha seção. Filiei-me no primeiro dia de trabalho. Da minha seção saíram várias lideranças sindicais. Foram sete, contando comigo.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, entidade a qual pertenço, sempre trabalhou, acho que desde a época do Lula, incentivando os líderes sindicais a estarem na fábrica. Tem que estar dentro da fábrica, do portão da fábrica para dentro, aquele negócio das bases. Então, a nossa área de manutenção, influenciava muito o pensamento do pessoal dirigente lá dentro e da direção sindical também. Sempre conversávamos, fazíamos muita discussão política na seção. E tinha o Partido dos Trabalhadores também. Todo mundo usava estrelinha na época de eleição [a estrela é o símbolo do PT – Partido dos Trabalhadores]. Saía espalhando estrelinha, vendendo estrelinhas, estrelinha metalizada enquanto ia filiando aqueles que tinham interesse em participar do partido. Lá dentro da fábrica teve essa organização muito forte e acaba influenciando as pessoas, quer dizer, se você não gosta, acaba se interessando.

No sindicato tem uma coisa que chamamos de comissão de mobilização, por meio da qual a militância delibera o que a diretoria tem que fazer. A diretoria vem com uma pauta, cada um vai lá, fala à vontade, é livre, e a direção do sindicato acaba acatando tudo o que foi decidido.

Tem a assembléia que é o órgão máximo. Eu comecei a me interessar porque você ia lá, falava e era ouvido. Na fábrica, mesmo tendo a comissão, via-se a chefia da Ford como feitores. Você tinha o encarregado e o feitor - o nome era feitor mesmo, coisa da escravidão – e o feitor era o “capa amarela”, o chefe do encarregado. Era uma coisa bem bruta.

 

Educação/Formação Sindical

Havia muitas injustiças dentro da fábrica e a comissão sempre brigava e defendia os trabalhadores. Na greve você percebia, realmente, de que lado você estava, como a empresa agia. Isso vai te formando. Conversa com um, com outro, vai num barzinho, fica discutindo, vai ao sindicato. Fiz alguns cursos pelo sindicato, antes de entrar na CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes]. Fiz cursos com o pessoal do DIEESE. Tive um contato mais forte com o DIEESE nos idos de 94. Eu achava o DIEESE muito legal e pensava: “Acho que vou estudar Economia para trabalhar no DIEESE. Tenho vontade de trabalhar no DIEESE.” Via o pessoal da subseção do DIEESE no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na época estava o Luiz Paulo Bresciani, o Tadashi - que ainda está lá -, o Osvaldinho. Eu me dava muito bem com eles.

Estava no colegial ainda e ia ao sindicato, tinha a subseção do DIEESE, estava com eles, fiz uns cursos e fui tendo um contato maior. Havia seminários eu participava e o pessoal do DIEESE também. Sempre ia alguém do DIEESE fazer uma análise de conjuntura. Eu achava legal, eu falava: “Pôxa, vou estudar isso.” Eu achava que só tinha economista no DIEESE, mas depois que eu descobri que o Tadashi era engenheiro, havia os sociólogos, mas eu sempre me interessei muito pela área de Economia. Eu achava que através da Economia você podia entender de tudo, como funcionavam as coisas. Mas não é nada disso!

 

 

Educação/PCDA

 

 

Fiz um curso legal, em 98. Fui indicado pela diretoria do sindicato para fazer o PCDA. Eu fui pego de surpresa. Fiquei 15 dias fora e não foi fácil explicar para a mulher. Ela já estava se acostumando. Minha vida de militante sempre foi assim. Inclusive quando eu casei tive que cancelar minha ida como delegado num congresso da CUT, que ia ser em Santos. Falei, “Pôxa, acabei de casar, já vou ficar fora?!”. Com o tempo, ela foi entendendo. Fiz esse curso do PCDA que foi muito bom. Foram, ao todo, 45 dias: três etapas de 15 dias,.. Foi durante este curso que eu acabei conhecendo mais o DIEESE, como funcionava, aprendi um pouco das metodologias das pesquisas, que eu não entendia. Nesse curso, aprendemos muita coisa, inclusive a ver um pouco mais o papel e a importância da formação sindical.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Nos anos de 95 a 98, aquele período do Fernando Henrique [Fernando Henrique Cardoso – ex-presidente da República], era uma desgraça total, desemprego total, as empresas se aproveitando, se reestruturando e a gente não tinha muita resposta para dar para os trabalhadores. Eu tinha acabado de entrar na CIPA. Fui eleito em 95, como suplente, na primeira vez que eu disputei. Até que fui bem votado. Tinha um senhor que já era conhecido, tinha o apoio do sindicato e eu tive uns 15 votos a menos que ele. Ele era o titular, tinha tempo livre para andar na área. Ele apoiava um outro cara que era o suplente, mas que perdeu e eu entrei. Fui começando a entender a política, como funcionava. Na disputa da comissão de fábrica com ele, perdi. Tive alguns alguns problemas e acabei entendendo o que é calúnia, difamação, como isso funciona. Eu sou da manutenção que é minoria na fábrica. Eu lembro que se estava discutindo uma reestruturação salarial na fábrica, a questão da qualidade. Acho que havia dez pisos salariais. A remuneração do pessoal da produção lá em baixo, o da manutenção lá em cima. Eu falei: “Hoje, o pessoal da produção tem que estudar muito mais, tem a questão da estatística, tem que se preocupar com a qualidade. Eu acho que a gente deveria ter uma linha de discussão com a empresa de redução, de aproximação destes pisos.” Eles diziam: “Mas, é nessa linha mesmo que nós estamos indo.” Na disputa da eleição, eleição vale tudo, os caras falaram para o pessoal da produção que eu disse que eles tinham que ganhar menos porque não estudaram; que quem tinha que ganhar mais era o pessoal da produção. Espalharam isso na fábrica e pegou muita gente que me conhecia. Até um senhor que comprou a casa do meu pai no parque São Rafael, falou: “Pôxa, João, te conheço desde pequeno, não esperava isso de você, falar uma besteira dessas!” “Mas, eu não falei!” Primeiro até porque eu tenho dois irmãos na produção, então iria tomar um cacete em casa na próxima vez que fosse lá; segundo, meu pai trabalhou muito tempo na produção e depois foi para a manutenção. Eu jamais falaria isso. Acabei perdendo a eleição por causa da mentira que os caras inventaram.

No PCDA eram três turmas, cada uma numa sala. Era um curso de imersão total, você ficava o dia inteiro, não tinha hora para acabar. Começava às nove horas e tinha duas horas de almoço, para o pessoal descansar bem. Era num hotel, Atibainha, em Nazaré Paulista. O interessante é que tinha uma integração muito grande pelo fato de o DIEESE ser intersindical, reunia pessoas da Força Sindical, da CUT, da CGT. Dava um debate bom, porque havia muita coisa em disputa, muita reforma querendo ser feita de maneira que a gente não concordava. Eram discutidos vários temas. Vieram pessoas, por exemplo, da Fundação Cristiano Ottoni, que é uma entidade mais ligada aos empresários, fundação que dá cursos para os executivos, e eles davam o curso para nós da mesma forma, como era dado para os executivos. Eram vários embates: “Não concordo.” “Você não concorda, mas é assim.” E por aí vai. Alguns professores universitários foram lá para debater; alguns mais à direita, outros mais à esquerda. Tinha o pessoal da USP, o Mauro [Mauro Zilbovicius], o Mário Salerno e o pessoal do DIEESE. Havia discussões sobre ergonomia, que era um tema que estava em voga, na época, vários assuntos. Seguia com discussão de como organizar o trabalho na fábrica, como planejar a ação sindical, estudo geral sobre como funciona a economia, um pouco de teoria econômica - que é uma coisa que eu gosto – que foi dada por um dos coordenadores técnicos do DIEESE. Deu para entender um pouco essa visão de mundo, a visão dos liberais e dos não liberais.

 

Educação/Formação Sindical

Antes do PCDA teve um curso sobre reestruturação produtiva que foi bolado pelo DIEESE; um curso rápido. Foram três ou quatro dias; ficamos num convento. Fiz outros cursos, como aquele de Economia do Trabalho, na UNICAMP, muito bom, muito legal! Fiz o de Políticas Públicas na Universidade São Carlos, que eu gostei mais do que o da UNICAMP. O curso foi bem duro, com uma disciplina rígida, cobrando-se os trabalhos que devíamos fazer.

No curso da UNICAMP eu gostei muito do Baltar [Paulo Baltar - professor], por causa da eloqüência dele. Ele provocava o pessoal, principalmente o pessoal mais velho. O professor Rui Quadros, era chamado de “Rui Vargas”. Ele fez um debate e tinha um sindicalista mais antigo que lembrava da época do Getúlio. Era muito engraçado! Ele dizia: “Vocês estão falando de Getúlio Vargas? E o Fernando Henrique? O Getúlio criou um monte de coisa, ele está tirando tudo o que o Getúlio criou e vocês estão falando o quê?” E os outros: “Ah, está defendendo o Getúlio?” O Alonso também dava aula, mas a que eu gostei mais foi a do Baltar, porque ele provocava, ia para cima, gritava. Eu achei muito interessante. Agitava a turma, não deixava ninguém dormir, provocava.

 

 

Assessoria/Negociação

 

 

O nosso sindicato [metalúrgicos do ABC] usa muito a assessoria do DIEESE. Antes usava nas negociações; sempre tinha um técnico do DIEESE para acompanhar. Eu não participei dessa época. O pessoal que está na comissão, na direção, o Rafael, que é secretário-geral, participou muito dessas negociações da câmara setorial, dos acordos coletivos, negociações de PLR. Agora hoje eu não sei se, devido a nossa formação, devido ao embate, a gente negocia, mas não consulta muito o DIEESE, no caso das montadoras. Estou lá negociando, dificilmente pedimos assessoria ao DIEESE nessas negociações.

As empresas pequenas, outros diretores, eles acompanham. Outros sindicatos também. O nosso sindicato tem uma visão muito grande da questão regional; em discutir políticas de âmbito regional. Aí, usamos muito o DIEESE. A discussão da câmara setorial passou por ali também. De propor uma política; o DIEESE vai lá e pesquisa.

Temos outras discussões, por exemplo, no setor de autopeças, o DIEESE dá uma pesquisada: “Vamos criar uma política para o setor de autopeças. O que está pegando aqui?” Mas, nas negociações, a diretoria que está hoje, por ser mais tarimbada, está mais auto-suficiente. Eu, particularmente, na questão jurídica, sempre consulto; assinar um contrato, acordo, passa pelo jurídico para eles darem uma olhada, porque a questão jurídica, como sempre muda, temos que estar atentos. Os dirigentes que nunca passaram por um curso de negociação coletiva, precisam de um técnico do DIEESE para assessorar e para fazer as contas: o que é melhor, o que é mais interessante. De repente, vem uma proposta, o cara pede um tempo, de negociação, e vai ver se isso é realmente interessante. No caso da Volkswagen, foi uma negociação complicada. O DIEESE acompanhou de perto. Eu lembro que, antes de estar na representação, fui indicado para participar de um seminário junto a Ford, com o pessoal do DIEESE. Mas foi a única vez que eu participei tendo o pessoal do DIEESE como assessor, que eu me lembre.

 

 

Importância do Dieese

 

 

O DIEESE é muito respeitado, mas o interessante é que tem muita gente, inclusive dirigente sindical, que acha que o DIEESE é um órgão do Governo. Não sabe que o DIEESE é do movimento sindical. Imaginam que o DIEESE é como se fosse o IBGE. Muita gente conhece o DIEESE de nome, de ouvir falar, mas muitos não sabem direito o que é o DIEESE.

 

Manipulação de Índices

O DIEESE é um departamento que foi criado há mais de 50 anos, em virtude do índice oficial de preços. Os sindicalistas, sempre que iam negociar, tinham que responder com que base reivindicavam os aumentos. Os sindicalistas resolveram montar um departamento, contratar um economista, tentar fazer uma pesquisa de preço e foi crescendo. O DIEESE foi crescendo, crescendo e se tornou uma referência.

Eu acho que a grande referência foi com relação à questão da manipulação dos índices, na década de 70, na época da Ditadura Militar. Quando o Banco Mundial se utilizou dos índices do DIEESE. Deu aquela briga toda dos 34% de diferença. Surgiram as greves de 78,79, greves históricas, em virtude dessa perda salarial e o DIEESE se consagrou.

 

 

Importância do Dieese

 

 

Hoje, o DIEESE faz pesquisa junto com a Fundação SEADE, que é um órgão do Governo do Estado de São Paulo. Faz pesquisas em várias capitais, junto com os governos e municípios de cada localidade. Virou a referência. Pelo fato do DIEESE ser intersindical, representa os interesses dos trabalhadores. É por isso que a gente fala que o DIEESE faz ciência de classe, da classe trabalhadora, porque mesmo uma ciência tem um viés político por trás. A gente tem que tomar certo cuidado.

 

 

Pesquisa/PED

 

 

Sempre houve uma polêmica muito grande na questão da pesquisa de emprego do DIEESE e do IBGE. No governo Fernando Henrique, até novembro de 2002, a taxa de desemprego do DIEESE era sempre o dobro em relação a do IBGE. Porque, se eu perguntasse para uma pessoa: “Você procurou emprego?” e ela falasse: “Não”, pelo IBGE não era considerada desempregada, porque você não procurou emprego. Agora se você lavou um carro a semana passada e ganhou cinco reais, o IBGE te considera empregado. O DIEESE, não. O pesquisador do DIEESE faz outro tipo de pergunta: “Você procurou emprego nos últimos 30 dias?” A pessoa responde: “Não.” O pesquisador continua: “Por quê?” “Ah, estou sem paciência, já faz dois anos que estou desempregado, não acho emprego, não tinha dinheiro para pagar a condução.” Entra lá, numa das variáveis: “Desemprego oculto pelo desalento.” E dava essa diferença. Do ponto de vista técnico, para nós foi ótimo. O IBGE mudou a metodologia, jogou fora a estatística histórica, mas tudo bem, agora já tem outra que se aproximou mais do DIEESE. Em novembro de 2002, mudaram a metodologia do IBGE. O que aconteceu logo em janeiro? Explode desemprego! Por quê? Ele se aproximou da metodologia do DIEESE que sempre foi o dobro do IBGE. Você vê que hoje está bem próximo. Os dois índices são muito próximos porque eles mudaram a metodologia.

Tudo tem um viés político. Até do ponto de vista de doenças profissionais. Tem alguns médicos querendo justificar a LER [Lesão por Esforço Repetitivo]... Por exemplo, de 95 para cá, o INSS não reconhece mais a hérnia de disco como doença profissional. A não ser que tenha um nexo causal, sofrer um acidente que cause isso. Já tem gente querendo provar que a LER não é doença profissional.

 

 

Pesquisa/ICV

 

 

O DIEESE foi criado em virtude da necessidade de se ter um índice de custo de vida para a classe trabalhadora, porque os índices oficiais eram manipulados. Calcular o custo de vida é uma pesquisa que custa caro. Tem que atualizar sempre porque os hábitos de consumo mudam. Você tem que incluir, agora, celular, internet banda larga, TV a cabo. O consumo está mudando muito. Tem que atualizar, no mínimo, a cada cinco anos; no máximo, em dez anos. Então, nós vamos atualizar, temos um convênio com a FIPE [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] e estamos nos preparando para a atualização. Mas teve pessoas que diziam: “Vamos acabar, gasta muito dinheiro, vamos ter que gastar um milhão para atualizar! A gente coloca um técnico para auditar os outros índices.” A razão de ser, do surgimento do DIEESE é o ICV; não tem porque acabar. Mas sempre tem uma referência: o ICV do DIEESE está ali. Agora que ele vai ser renovado, atualizado. Acho que vai dar um diferencial legal.

 

Trajetória Dieese

Quando entrei para a direção do DIEESE fui eleito vice-presidente. Porque é assim: um pool de sindicatos compõe a direção. Tem uma diretoria nacional, tem a executiva e a diretoria técnica, que toca o dia-a-dia do DIEESE. Na verdade, nós tratamos mais da questão política. Nós nos reunimos uma vez por mês. Eu, como presidente - cargo que ocupo, atualmente -, tenho que ir mais vezes. Como vice, eu ia duas, três vezes por mês. De qualquer forma, estava sempre em contato, por e-mail ou telefone. Existem as questões administrativas, assinar os cheques, por exemplo.

Hoje existe um entendimento entre as duas grandes centrais, de alternância na presidência do DIEESE. Tem um representante da CUT que fica dois anos; depois vem o representante da Força; que fica outros dois anos. O nosso sindicato, que é da CUT e tem certo peso, reivindicou a presidência do DIEESE. Como eu já estava na vice-presidência, estava a caminho. Tinha uma discussão dentro da CUT, quem que vai ser, qual a proposta para o DIEESE, e o nosso sindicato reivindicou, eu conversei com o pessoal, o pessoal achou legal, confiou em mim, e me indicaram. É um grande desafio. Nós temos o desafio de criar a universidade, a faculdade DIEESE, a faculdade do Trabalho. O DIEESE surgiu também com essa intenção, de fazer uma formação dos trabalhadores, em nível superior. Está bem avançado, mas faltam algumas coisas. Primeiro, com a crise que teve, desde os anos 80, mas principalmente no período Fernando Henrique, com muito desemprego, muitos sindicatos deixaram de ser sócios do DIEESE ou deixaram de pagar. Nós fizemos um trabalho grande, estávamos com cerca de 430 sócios e chegamos a 500. Mas, num país onde existem 12 mil sindicatos, segundo pesquisa que o Ministério do Trabalho fez – falam até em 20 mil - nós estamos aquém do que precisamos. Um dos meus objetivos na presidência do DIEESE é tentar chegar pelo menos a mil sindicatos, fazendo um trabalho melhor de comunicação.

Eu acho que uma das coisas que a gente poderia fazer seria reeditar o livro do Miguel Chaia, que conta a história do DIEESE e que é muito interessante. Todo sindicalista deveria ler e entender. Tem algumas pessoas que não conhecem bem o trabalho que é feito aqui: “Estou pagando x por mês para fazer o quê? Ah vou cancelar isso.” Eles não sabem para o que serve o DIEESE, como utilizá-lo e acabam cancelando o pagamento das mensalidades. Estamos trabalhando nessa linha, conversando, pensando numa proposta de fazer com que o DIEESE se torne mais conhecido no movimento sindical.

Vou assumir em fevereiro [de 2007]. A diretoria executiva é praticamente a mesma, com poucas mudanças: da CUT não mudou ninguém e na Força Sindical mudaram duas pessoas. São nessas reuniões, como uma que terei na próxima terça-feira, que definimos a política do DIEESE, o que deve ser feito, como fazer. Temos que trabalhar o dia-a-dia, fazer a relação institucional; de vez em quando, ir para Brasília, conversar com ministro, conversar com o presidente; tem que conversar com o governador e tentar conseguir novos projetos. Hoje, o DIEESE trabalha muito com projetos, mas a nossa meta é ampliar a receita sindical. A idéia é aumentar a relação receita sindical - receita de projetos; a receita tem que ser 60 sindical e 40 projetos. Hoje, está praticamente 50 a 50. Depender só de projetos é muito ruim, em função da possibilidade de descontinuidade dos projetos.

O desafio de ser presidente do DIEESE é, primeiro, eu entro num contraponto, porque eu queria ser funcionário do DIEESE, e hoje estou como presidente; é uma coisa importante; depois, é a marca do DIEESE, que é muito forte, tem que ser mais bem esclarecida, o pessoal entender realmente o que é o DIEESE. Ele é bem respeitado, todo mundo respeita, reconhece o papel do DIEESE nas pesquisas, mas não sabe o quê é, para que serve, não tem uma integração maior.

Tem muita gente que tem pretensão de trabalhar no DIEESE; temos que falar a verdade: trabalhar no DIEESE é essa coisa de “caxias”. O cara é muito “caxias”, tem que gostar do que faz, porque o DIEESE é coração mesmo. O cara trabalha que é uma coisa de doido: tem que resolver; tem projetos para fazer do dia para a noite. Eu sei que o Clemente [Ganz Lúcio – diretor técnico do DIEESE]... É coisa de maluco, não sei como ele consegue fazer tudo; e ele se dedica bastante à família. Mas se você ler os relatórios dele de atividade, ele relata até quantos telefonemas ele recebeu!

 

 

Futuro do Dieese

 

 

Essa questão da faculdade está andando bem. Já conseguimos um financiamento para pensar no projeto. Faremos uma reunião com as centrais, porque sem elas não tem faculdade, e depois com os principais sindicatos como os Metalúrgicos de São Paulo, Metalúrgicos do ABC, Bancários. Vamos discutir como será o financiamento deste projeto. Tem que discutir com as respectivas secretarias de formação de cada sindicato, de cada central, ver como será o currículo; se será cobrado, se não será; se será aberta; se não será. Tem muitas questões a serem discutidas. A parte estrutural está quase pronta: como vai ser feito, tem que ter certificação, tem que ter convênios com algumas universidades. E lógico, a preferência é universidade pública, para ter certificação. Também estamos pensando se vai ser presencial ou não; porque esse é um problema para os sindicalistas. Outro aspecto: se quem já fez certos cursos de formação sindical, se vai contar ponto, como vai entrar. A idéia é você fazer o curso e ter uma certificação de terceiro grau para que, se a pessoa quiser, poder fazer uma pós-graduação, um mestrado ou um doutorado. Já existem faculdades assim na Europa. Existem na Bélgica, na França e nos Estados Unidos também. Não é muito divulgado; o pessoal não fala muito. Será mesmo uma faculdade do Trabalho. Quiçá um dia seja, do ponto de vista do reconhecimento, uma faculdade que forme pessoas, assim como o DIEESE é respeitado, a faculdade do DIEESE forme pessoas que debatam, que discutam a sociedade, que tenham uma visão de mundo. É lógico que do ponto de vista de defesa do trabalhador, mas que discuta a sociedade como um todo. Não só uma visão sectária, uma visão de mundo mesmo.

 

Família

 

 

A minha esposa é pedagoga; agora, voltou a dar aula. No começo foi muito complicado. Casamos, tivemos o primeiro filho logo e não tivemos muito tempo de curtir o menino. Quando a gente teve a menina, nove anos depois, já foi mais tranqüilo. Hoje o menino vai fazer 16 anos e a menina tem seis. Minha esposa, no ano passado, começou a dar aulas, como eventual [professora substituta no sistema estadual de ensino]. Tem aquela questão de pontuação, ela ficou muito tempo sem dar aula, hoje ela está inscrita novamente para dar aula de forma efetiva.

Os meus filhos são o Lucas, que tem quinze anos, está no segundo colegial; e a Letícia, que foi para o primeiro ano. Ultimamente, tenho tentado me dedicar mais à família; o que não acontecia no começo. Dedico-me muito às questões do trabalho sindical: o que tem que fazer, eu faço; se tem que viajar, eu viajo; mas sempre que posso, fico com a família. E há uma compreensão grande por parte da família em relação as minhas viagens. No ano passado, viajei bastante. Ás vezes, fora o que você tem que fazer, você vai quebrar o galho. Eu tive que ficar 10 dias, em Berkeley, e no México. Você fica afastado, perde algumas coisas, aniversário de um, aniversário de outro, mas a relação com a família tem sido boa. A minha esposa compreende bem; a menina está maiorzinha, não há problema da família com relação ao meu trabalho sindical.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

O movimento sindical me abriu a visão de mundo, de compreender como funcionam as coisas, aprender a ter tolerância com a adversidade, com as diferenças, com as pessoas. Aprendi a ouvir muito mais - coisa que quando você é mais novo, não está muito propenso a ouvir, você quer mais falar. E me deu uma oportunidade maior de conhecer - muitas viagens que eu fiz foram graças ao movimento sindical - e poder discutir certas coisas com pessoas que eu jamais imaginaria. Por exemplo, quando eu estava numa mesa coordenando um debate com a Maria da Conceição Tavares, uma pessoa que eu admiro muito; jamais imaginaria estar lá com ela, conversando de igual para igual. Ou conversar com um ministro. Eu tenho amizade com o ministro Luiz Marinho [ex-ministro do Trabalho, atual ministro da Previdência], mas com os outros ministros, se fosse um cidadão comum, dificilmente conversaria com eles. O movimento sindical me deu essa oportunidade. A gente tem que aproveitá-la e sempre estudar, se preparar e deixar o sectarismo de lado. Você tem que ter seus princípios, você não pode abrir mão deles, de jeito nenhum, mas também tem que estar propenso a ouvir algumas coisas diferentes.

 

 

Avaliação/Projeto de Memória

 

 

Achei legal esse negócio de memória, porque eu estava até refletindo: estou com vontade de jogar as máquinas digitais fora. Sabe por quê? Porque a gente não revela. Um dia deu pau no meu computador, perdi um monte de coisas, se tivesse revelado! Foto é um negócio assim e a memória também. Acho que somos meio relapsos com isso. O sindicato tem um centro de documentação - Cedoc - e eu comecei a guardar muita coisa que fazíamos na comissão, como jornal, folhetos etc. Porque é aquela coisa: quem não tem memória não tem passado; quem não tem passado não tem presente e não tem futuro. E a gente percebe quando tem. Eu lembro de quando caíram aqueles prédios do Sérgio Naya. O que o povo foi procurar primeiro? Alguma foto antiga, alguma coisa que relembrasse a história deles. Memória é uma coisa muito importante e a idéia desse projeto é importantíssima porque nós não podemos perder a referência.

O pessoal diz que os ingleses costumam passar a história de pai para filho. Não sei se isso é verdade. Dizem que eles têm a história de seus direitos, porque surgiu isso, porque surgiu aquilo. Muita gente não sabe, por exemplo, sobre o direito de férias no Brasil, que é muito recente; sobre a luta para a mulher poder votar... Na questão das férias, por exemplo, somos mais avançados do que os europeus. O pagamento de 1/3 (um terço) a mais nas férias, é coisa de 88, da nova Constituição! Essa molecada chega e pensa que conseguiu ontem. Não sabe o porquê tem esse direito. Eu represento a área administrativa dentro da fábrica, setor mensalista. Esse pessoal que vem de uma formação mais elitista, não tem noção de algumas conquistas dos trabalhadores. Eles dizem: “Ah, a gente tem, porque tem!”. Surgiu do nada, veio de graça? Então, tem que ter isso de memória sempre em mente. Por isso, achei muito importante participar. Espero ter contribuído de alguma maneira.

 

 

 

 

 

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