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Lilian Arruda Marques

lilian_arruda_marquesHistória temática

Identificação

Meu nome é Lilian Arruda Marques, eu nasci em Boituva, em São Paulo, no dia 26 de novembro de 1958.

 

 

Infância

 

 

Eu nasci no interior. E a gente sempre mudou muito, e a gente voltou pra Osasco. Porque meus pais se casaram em Osasco, se conheceram em Osasco, têm família até hoje em Osasco. A gente nunca gostou muito de Osasco, tínhamos ótimos amigos. Mas a gente gostava de interior, porque achávamos que a qualidade de vida é melhor. E era uma vida muito difícil – foi a pior fase financeira da família – meu pai perdeu o emprego e já tinha certa idade. Naquele tempo, apesar do Milagre Econômico já tinha discriminação de idade, então foi difícil ele ter uma reinserção no mercado. Foi um período muito difícil financeiramente e a gente queria voltar para o interior. Tanto que hoje, minha família inteira voltou para o interior.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Eu sou agrônoma, formada na UNESP [Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho] de Botucatu. Eu fiz cursinho, prestei Agronomia em Piracicaba e em Botucatu. Uma era a USP, a outra, UNESP. Entrei em Botucatu e pra mim foi muito bom. Era uma faculdade menor, aproveitávamos melhor, havia muito professor novo com pique. Não tinha aquela coisa pomposa de Piracicaba. Entrei em 79 e saí em 82. Fomos uma turma muito boa, notas boas e muito rebelde!

 

 

Juventude

 

 

A gente questionava, criava um monte de confusão, mas nós éramos muito bons alunos. Foi naquele período de abertura política, aí entrei na militância, comecei a fazer movimento estudantil. Conheci muita gente nessa coisa. Em cidade menor é mais fácil você conviver com as pessoas do que em cidade grande. Eu morava em república, então todo mundo era a família do outro. Em Botucatu, as tendências não tinham muito espaço. Em Piracicaba não, já era tudo definido: tendência, partido, o PT [Partido dos Trabalhadores] estava se organizando. Mas em Botucatu, as tendências eram muito fracas. Eram cinco faculdades e era interessante porque era Medicina, Veterinária, Zootecnia, Biologia e Agronomia, então a gente convivia muito com as pessoas de outros cursos. Em Piracicaba não, era só, Agronomia. Vivíamos o tempo todo com o pessoal da Medicina e da Biologia que tinha mais identificação política. Veterinária o pessoal, era muito de direita, muito violento, inclusive, nas brigas eram agressivos. A minha turma de Agronomia foi uma grande exceção na faculdade. Até teve um estudo psicológico porque éramos exceção. Entre nós, era quase todo mundo de esquerda, quase todo mundo fazia militância, quase todo mundo aprontava um monte de confusão, mas fomos uma das melhores turmas em termos de notas que tinham passado até então pela faculdade.

 

Trajetória Profissional

Eu trabalhei no Banco Bradesco como estagiária. Eu estudava Processamento de Dados na Fundação Bradesco e morava em Osasco, próximo à Cidade de Deus e aí fui estudar lá e acabei sendo estagiária por um tempo. Aí arrumei um outro emprego num banco também, numa agência do Banco América do Sul. Lá eu era auxiliar no banco e parei por motivos de saúde. Fiquei doente na época, mas eu estava até já subindo profissionalmente.

Continuei fazendo Processamento de Dados e no último ano do curso, fui convidada pra trabalhar na área de informática, na própria escola da Fundação Bradesco, na Cidade de Deus em Osasco. Mas eu parei porque eu vi que não era a área que eu queria. Não tinha nada a ver comigo ser analista. Como eu havia feito um curso técnico [de Processamento de Dados], fui fazer cursinho pra poder prestar Agronomia. Foi quando eu entrei na UNESP em Botucatu. Estudei quatro anos lá. Era curso de período integral, então fazia uns bicos. Não tinha estágio na área de agricultura. Em 82, me formei. Em 83, é o governo do Montoro [André Franco Montoro] em São Paulo. Tinha sido a primeira eleição pra Governo do Estado [pós-1964]. Havia muita gente de esquerda no governo, muita gente que tinha voltado do exílio, estavam contratando muita gente nova. E aí eu arrumei emprego na Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, na área de abastecimento.

Por mais de um ano, trabalhei com abastecimento em áreas populares, feiras de produtos direto do produtor, de preços; varejão, sacolão, em áreas daqueles conjuntos da COHAB [Companhia Metropolitana de Habitação], enfim, abastecimento popular. Foi um trabalho comunitário, popular. Quando surgiu a oportunidade, vim para o DIEESE. Foi uma espécie de acordo feito com a Secretaria de Agricultura, porque o DIEESE calculava cesta básica, calculava algumas coisas. Vim para ficar um tempo no DIEESE. [Foi quando estava começando as negociações na área rural, então uma pessoa da Secretaria da Agricultura, que trabalhava comigo, conhecia o Barelli [Walter Barelli]], sabia que ele precisava de uma agrônoma, porque estavam começando as demandas e os economistas não conheciam direito algumas questões na área da agricultura. Eu vim, fiz uma entrevista com o Barelli e comecei esse intercâmbio no DIEESE em novembro de 1984.

Ali na Secretaria da Agricultura é uma secretaria grande, conheci várias pessoas. Mas lá havia a questão de partido. Aquele tempo não existia o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], tinha o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], o PT [Partido dos Trabalhadores] que estava se reestruturando e também tinha muita gente do Partidão [PCB – Partido Comunista Brasileiro]. E isso demarcava muito o campo, então as pessoas te classificavam se você era do grupo de tal. Isso me assustou muito, porque minha militância na faculdade não foi essa e eu nunca gostei disso. Eu participei do grupo agrário do PT e conheci um monte de gente que até me ajudou a vir pro DIEESE. Depois que eu comecei a trabalhar no DIEESE, me afastei do núcleo agrário porque fui trabalhar com um pessoal da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, aqui de São Paulo que não era ligado ao PT. Afastei-me, porque achava que o meu trabalho era independente de partido. E essa é uma coisa que me atraiu no DIEESE: não ter vínculo a um partido, a um grupo político, ser uma coisa mais aberta. E acho que isso é uma coisa que atrai boa parte das pessoas do DIEESE até hoje.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Quando entrei no DIEESE tinha a questão da cesta básica, algumas coisas da agricultura, e eu comecei a escrever sobre essas coisas. Em 1984, aconteceu a primeira grande greve de trabalhadores rurais de São Paulo, em Guariba, que parou quase o Estado inteiro, e teve morte de trabalhador. E teve uma experiência de negociação, que saiu um acordo, aí eles [os sindicatos dos trabalhadores rurais] queriam começar a negociar organizadamente, fazer uma convenção coletiva, se aproximar do DIEESE.

O Barelli tinha interesse em trabalhar com a área rural, mas os economistas não sabiam como, porque na área rural se ganha por produção, não há um salário fixo. Fixo é só pra tarefa diária. Se ganha por quantidade de cana cortada, por quantidade de algodão, por quantidade de tomate. É tudo por quantidade. Se você colhe mais, ganha mais. A forma de medir, você tem que conhecer de agricultura. Tem uma conversão, tem o espaçamento, o tipo de produto, se é plantado em morros, se não é plantado, se há mudança tecnológica. Os economistas não tinham idéia de como se media isso, então surgiu o interesse por um agrônomo. Foi aí que eu apareci nessa história.

Em 1987, quando mudou o governo, acho que o Quércia havia ganhado, eu entrei num acordo com a Secretaria de Agricultura e pedi demissão. O DIEESE me contratou e passei a fazer parte do quadro, porque até então, eu fazia apenas um intercâmbio. A Secretaria pedia e eu voltava todo mês lá. Mas aí a coisa passou a não ter muito mais sentido com a Secretaria da Agricultura. Nesse mesmo ano, conheci o Moacir Palmeira (assessor da CONTAG), e ele conhecia o pessoal do DIEESE Ele ia toda campanha salarial da cana-de açúcar para o Nordeste, pra assessorar. A data-base lá no Nordeste é no mês de outubro e novembro, porque a safra de cana do Nordeste é diferente do sul por causa do clima, chuva, enfim, são períodos diferentes. Aqui data-base começa em maio, lá é em outubro. E aí eles me convidaram pra ir e a CONTAG também aceitou. Aí, eu e o Hélio Neves (diretor da FETAESP – Fed dos Trab. Na Agric de SP – e da CONTAG) começamos a ir para o Nordeste para acompanhar as campanhas salariais do setor canavieiro.

A primeira campanha que eu fui, foi no Rio Grande do Norte, quando eu conheci o Urbano [Francisco Urbano Araújo Filho]. Eu o conhecia, mas muito superficialmente. E aí, eu e Urbano fomos para a mesa de negociação. Eu não conhecia muita coisa do Nordeste, mas conhecia muita coisa da cana. A partir daí, ficamos amigos até hoje. Trabalhamos juntos, foi uma identificação imediata. Na campanha salarial fiquei o tempo todo lá. E aí, comecei todo ano a ir pra campanha salarial do Nordeste. Ajudava a preparar o material. Ia para os estados, onde a CONTAG não tinha muito esquema de assessoria técnica, Sergipe, Paraíba... Envolvíamos os escritórios e eu assessorava também. Alagoas não tem escritório até hoje do DIEESE, então em Alagoas, eu ia muito.

Em 1989, 90, o Reginaldo [Reginaldo Muniz Barreto] foi contratado pela CONTAG. Era o sonho do Barelli ter uma subseção do DIEESE dentro da CONTAG [em Brasília]. Mas aí a mulher dele [Reginaldo] não queria mudar, entre outros vários motivos, e não deu certo. Aí ele recebeu convite, pelo DIEESE pra voltar pra Pernambuco. E então a CONTAG me convidou. Eles queriam me contratar pra ser da CONTAG, aí o Barelli entrou no circuito e eu fui como subseção do DIEESE na CONTAG em 1990. A partir daí, eu passei a assessorar quase todas as campanhas salariais do Brasil. Eu ia para o Nordeste, também assessorei por mais de dez anos a negociação da cana de, Goiás. E no Vale do São Francisco, as primeiras negociações, nós que fazíamos o trabalho técnico. A primeira denúncia de trabalho escravo fui eu que fotografei. Foi no Vale do São Francisco, a CONTAG ganhou um prêmio e a jornalista fez uma matéria com as fotos que eu tirei. Acho que foi o Prêmio Vladimir Herzog.

Fiquei na CONTAG até 1999. Viajei pelo Brasil todo. Onde tinha assalariado eu ia. Fizemos trabalhos muito legais, análise econômica, o que a gente conseguia de recorte de jornal... Várias federações se filiaram ao DIEESE. Antes, só Pernambuco que era filiada, depois São Paulo, e hoje já têm mais, tem Paraná, Goiás, Rio Grande do Norte. Eu assessorei por vários anos todas essas campanhas salariais, da cana. Depois, laranja, a gente também assessorou bastante aqui. A neg. do setor de frutas, no vale do São Francisco, eu nunca fui na negociação, mas preparava o material e mandava. Várias negociações, às vezes, eu não ia, mas mandava ou complementava o material preparado.

 

Assessoria/Negociação

Eu comecei a assessorar a área rural aqui em São Paulo. O Reginaldo [Reginaldo Muniz Barreto] já assessorava Pernambuco, e tinha uma experiência anterior à minha. Lá, em Pernambuco, a campanha salarial foi retomada em 1979 em São Paulo, em 1984. Mas São Paulo já produzia muito mais cana que o Nordeste. Na primeira rodada de negociação de São Paulo que eu fui - que eu fiquei apavorada – estavam os principais usineiros do país na mesa de negociação, donos das principais usinas de São Paulo, que eram as principais usinas do mundo. E foi a única vez que os usineiros foram pra mesa de negociação - 1985 - porque daí eles perceberam que também tinham que profissionalizar e elegeram um coordenador e um advogado [para representá-los]. Por ser São Paulo meio paradigma para outras regiões na área da cana, começamos a organizar uma área rural dentro do DIEESE. E, também tinha o fato de que a CONTAG [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura] não assessorava São Paulo. O movimento sindical daqui tinha mais capacidade de financiamento, enquanto do Nordeste não. O movimento sindical de lá tem menos recursos e a agressividade dos usineiros era muito maior também. Aqui teve morte também, a polícia bateu muito aqui no começo, mas lá teve até recentemente. Hoje é bem menos, mas naquele tempo era na base do tiro mesmo. O pessoal enfrentava tiro. Aqui tinha, mas era bem menos.

Aqui, com aquela greve de 84 que se espalhou pra vários Estados, pra Minas, pra Goiás, começou toda uma campanha salarial no Sudeste e no Centro-Oeste que não tinha antes. Em 85, vários estados já começaram a fazer acordo, convenções coletivas estaduais. Todas as negociações do estado aconteciam aqui na cidade de São Paulo, porque a sede dos sindicatos patronais era aqui. Havia greve no interior - eu ficava doida pra ir - mas eu não podia, tinham as negociações. Tinha a turma que ia fazer a greve no interior, os sindicatos, os militantes dos partidos políticos, PT, Partidão [PCB], a CUT [Central Única dos Trabalhadores], todo mundo ia. Ficávamos nas mesas de negociações em São Paulo. Eu ficava preparando, porque naquele tempo tinha poucos dados, mal tinha computador. Estávamos começando a montar os indicadores, a montar as primeiras análises.

Lembro-me que em 1985, fiquei apavorada, tremia que nem vara verde. Na primeira mesa foram o Barelli, o Reginaldo e o José Graziano que assessorava a Federação dos Trabalhadores na Agricultura daqui. Na segunda rodada, todos eles sumiram porque foram para o congresso da CONTAG. Eu fiquei sozinha e nunca tinha ido para uma mesa de negociação. Os meninos daqui do DIEESE iam comigo, os economistas, mas eles não entendiam nada de área rural e eu que tinha que falar. Eu lembro a primeira vez que falei, eu tremia. Todos eles (dirigentes e assessores) me trataram com muito respeito, porque também eram inexperientes. Está certo que eu era a mais crua naquela história, mas os dirigentes sindicais me trataram com muito respeito. E mesmo o setor patronal, os usineiros, tinha hora que eles brincavam, mas eles me trataram com muito respeito. Agora, pra eles, também era uma experiência nova. Lembro-me que o sindicato patronal era ali no centrão de São Paulo, perto da São Bento [estação de metrô]. E eles brigavam muito entre eles, os usineiros com os fornecedores de cana, porque os usineiros também exploravam os fornecedores de cana. Tiveram brigas horrorosas na nossa frente. As vezes eles se fechavam em salas e brigavam muito, a gente ficava ouvindo. A gente deixava a coisa pegar fogo ali. Lembro que havia dois dirigentes muito bons dos trabalhadores: o Vidor [Vidor Jorge Faita] e o Élio Neves. O Vidor foi presidente da FETAESP [Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo] muitos anos aqui em São Paulo. E o Élio Neves rachou com a FETAESP e fundou a FERAESP que é a Federação dos Trabalhadores Rurais Assalariados em São Paulo, fica lá em Araraquara. O Vidor era do PT e o Hélio era do Partidão, hoje o Élio tá no PT e o Vidor abandonou. o partido. Mas eles eram brilhantes, muito inteligentes e eu aprendi muito, muito, muito com eles. O Élio tinha sido cortador de cana e o seu pai, um dirigente histórico do Partidão. O Vidor também tinha sido da área da cana, acho que administrador ou gerente.

Na mesa de negociação, por parte da patronal, já teve tentativas de me desqualificar, tentaram me tirar da mesa várias vezes. Diziam que eu não era do movimento sindical, que eu não era daquele estado, que eu não era sindicalista, que eu não podia ficar na mesa. Agora isso não aconteça só na área rural, na área urbana também, e aí quem tem que segurar a gente é o movimento sindical e no meu caso, seguravam: “Não, ela vai ficar, ela é assessora, ela trabalha pro movimento sindical, ela fica.” E o DIEESE fez muita diferença em mesa de negociação. A gente conseguia desmascarar algumas manipulações. Eu me lembro de Goiás, a primeira vez que eu fui à mesa. Peguei todo o histórico dos reajustes e mostrei porque eram vários preços. Porque dependendo do tipo de cana, o corte vale um preço. Eu fiz a comparação ano a ano e mostrei que eles davam reajuste diferenciado pra cada corte e alguns eram bem menores que a inflação. Os dirigentes sindicais não sabiam calcular a inflação, como é que se multiplicava, como é que se dividia. Eles iam falando valor: “Aqui reajusta, aumenta tanto centavos, diminui.” Eles achavam o valor bom e aceitavam. Quando eu fui mostrar em termos de inflação, tinha valor ali que tinha perdido muito pra inflação, e eles nunca tinham percebido o quê era valor real de salário, o quê não era. Os trabalhadores me ensinaram a fazer o cálculo que a usina fazia pra calcular o preço, como que funciona o espaçamento da cana, da produção. Tem uma formulinha que é simples, mas pra quem não conhece é muito difícil. Eu sabia como a usina calculava o trabalho no campo, e através disso eu pegava a tabela de cana e desmontava pra trás. Chegava na mesa de negociação, eu tinha desmontado o raciocínio dos caras [da patronal], eles tentavam mudar e, aí eu percebia pra onde que eles iam. Aí eu fazia os trabalhadores voltarem com o preço deles, com a tabela que eles queriam. Eu pegava declaração deles em jornais, tirava xerox e levava pra mesa de negociação. Uma vez eu consegui pegar jornal deles e falei: “Mas o senhor disse aqui que está indo muito bem o setor...” Eles olhavam, era a revista deles. O movimento sindical não estava acostumado a olhar e analisar o dado assim. Hoje, por exemplo, temos análises muito melhores. O DIEESE de Goiás, por exemplo, produz análises muito boas. Mas as primeiras análises, eu comecei a fazer pela subseção. Descobríamos dados porque íamos trocando informação. Descobri que tinha o Jornal Cana, de Ribeirão Preto que tinha dados por usina. Ligávamos, comprávamos a publicação, dizia que era de outro lugar. Aparecíamos com o anuário deles lá na mesa. Dados por empresas. Com isso o movimento sindical foi dando valor a esse tipo de coisa, vendo que fazia diferença. A primeira negociação lá no vale do Açu (RN) eu fui mas não teve negociação e voltei pra Brasília. Aí eu preparei todo o material fui procurar a revista Globo Rural, pesquisei, tirei cópia, mandei pra pessoa que foi negociar. Um cara de Pernambuco foi pra mesa pela CONTAG. Ele falou que quando ele abriu aqueles dados todos, as tabelas de perda, tabelas de salário e aquela cópia de revista, o pessoal teve um choque. Eles sempre contrataram consultores muito caros, e aí que eu mostrava para o movimento sindical: “O que vocês pagam pra subseção do DIEESE por mês, eles pagam por algumas horas de trabalho [para consultores]”. Iam pessoas de São Paulo pra negociação, desses escritórios que dão consultoria em negociação.

O interessante é que com o tempo, as negociações foram mudando muito. Por exemplo, eu encontrei com a pessoa que começou a coordenar a campanha salarial de Goiás, pelo setor patronal, que era o mesmo cara da mesa de negociação de Pernambuco. Porque as usinas começaram migrar, então você encontrava as mesmas pessoas em regiões diferentes, porque o Capital se deslocou. Eu me lembro que tivemos muita resistência no Nordeste e o Urbano [Francisco Urbano Araújo Filho] é quem me segurava dentro da CONTAG, dava meio carta branca para eu fazer umas maluquices lá. Porque eu levava um pessoal daqui de São Paulo, o Chiquinho [Francisco Alves – Universidade de São Carlos], Marcelo Paixão da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Paulo Adisse da Universidade Federal da Paraíba. Eles faziam pesquisas e a gente levava tudo para discutir a modernização da cana. O que falávamos para eles [para os sindicalistas] é que ia mudar tudo na cana, que eles tinham que começar a mudar o jeito de fazer campanha. Aí eles falavam: “Você é de São Paulo, por que vem aqui propor assim?” Falei: “Porque quem pensa a cana é São Paulo, a escola de administração é a mesma, o pensamento econômico é um só, você adapta ao teu setor.” Eu encontrava amigos agrônomos que iam implantar sistemas no Nordeste e eles me contavam isso. Eu falava: “Quem está implantando a nova forma de gestão aqui são os técnicos de São Paulo, a ESALQ [Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz“], as universidades de São Paulo.” Tanto que alguns agrônomos de São Paulo mudaram para o Nordeste, moram lá até hoje. E eles [os sindicalistas] ficavam assim meio descrentes. Hoje mudou tudo lá. Você tem o pensamento, a produção, a competitividade. Você vai ao Rio Grande do Norte e lá modernizou tudo. A indústria deficitária não está mais lá, fechou, foi pra outra área. Muito das coisas que levantamos, ajudou a preparar o movimento sindical para discutir. E o Urbano era a pessoa que apoiava, porque ele falava: “Não! Está certo, as coisas estão mudando e as pessoas estão modernizando.” O Urbano viajou pelo PCDA [Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindicais], foi para os Estados Unidos com o pessoal da área urbana, com a Suzanna [Suzanna Sochaczewski] e voltou com o maior respeito de todo o pessoal da área urbana. E eles sacaram que as diferenças que estavam acontecendo na Volks estavam acontecendo no campo. Porque a idéia que está por trás do pensamento, que está por trás da metodologia, digamos assim, que está na área de administração, de gestão é a mesma, você adapta para o seu setor. Os filhos dos usineiros do Nordeste vinham estudar na Fundação Getúlio Vargas, foram estudar na Europa... A escola é a mesma, você adapta à tua realidade. Fizemos muitos seminários, com algumas resistências, com apoio de outras pessoas. Mas era difícil, porque a cana existe no Nordeste há 400 anos, o tataravô do cara já cortava cana. Em Goiás não. Goiás você chegava e a cana é nova. Quando eu cheguei em Goiás em 90, não tinha mais trabalho infantil. Não queriam saber de trabalho infantil em Goiás. No Nordeste, uma grande luta era acabar com o trabalho infantil. Porque Goiás, os caras eram usineiros novos, eles estavam vendo o mundo de outro jeito, já queriam competitividade, já queriam ganhar mercado. Eles querem um trabalhador produtivo. Eles não queriam trabalho infantil.

Agora, no Nordeste tem cana há 400 anos, aqui faz pouco tempo. Por exemplo, aqueles caminhões que transportavam trabalhadores no Nordeste, a primeira vez que entrou em Goiás, no dia seguinte os trabalhadores destruíram o caminhão. Eram uns caminhões que transportavam cana e transportavam gente. Eles tinham umas madeiras e o pessoal andava naquilo lá, quando o caminhão virava, muitas vezes o pessoal morria porque as ferramentas matavam. Aqui, uma das lutas foi que se transportasse em separado. Tudo isso foi uma guerra no começo, uma guerra. “Caminhão coberto, com lugar separado pra ferramenta”. Depois transformou em ônibus, hoje a guerra o que quê é? Fazer um ônibus decente, porque tem ônibus aí que você vê o chão. Por quê? Porque em muitos acidentes os trabalhadores perderam mão, perderam perna, porque o facão vinha, transportava junto. No nordeste foi até depois, demorou mais, porque isso era uma coisa que estava dada. Era muito diferente culturalmente: os usineiros muito mais resistentes, muito mais violentos, os administradores andavam armados. Em São Paulo também, tinha muita violência, mas a sociedade estava mais de olho. A sociedade, a organização social era diferente. Eu acho que hoje ainda teve um retrocesso nos últimos anos em relação a algumas questões. Nos anos 90, foi muito complicado. Mas se compararmos com o que era os anos 80, o equipamento de proteção, o que era o roubo na medição da cana pra você pagar menos para o trabalhador, isso melhorou muito. Ainda tem muito problema, mas entre o que era em 84 e o que foi no começo dos anos 90, é uma outra coisa. Melhorou muito a qualidade; acho que o movimento sindical teve um papel fundamental nesse processo.

 

Cotidiano de Trabalho

Em Campos no Rio de Janeiro, por exemplo, já era uma região decadente e havia uma negociação muito difícil, os patrões não apareciam na mesa. E eu ia para o campo, ia fazer piquete, ia pra conversar com os trabalhadores, eu ia pro interior. Em Goiás, eles sempre foram muito bons nas campanhas salariais. Eles me levavam para o interior também, e eu ia e participava de assembléias. Pernambuco e Rio Grande do Norte também eram sempre muito organizados. Quando dava tempo eu ia para o campo, porque eu tinha que ficar preparando documentos do nordeste. Por aqui [São Paulo] não, raramente o processo ia para o dissidio. Já o nordeste era muito de entrar em dissídio, normalmente era a justiça que decidia, porque os patrões eram muito resistentes. Tínhamos que preparar tudo, o arrazoado, preparava toda a justificativa econômica. Tinha que mostrar todos os dados econômicos, comparar com cesta básica, preparar tudo. Naquele tempo, fazíamos à mão, não tinha computador. Eu desenhava tabela à mão, para a menina começar a datilografar e fazer as tabelas. Às vezes, em fim de semana, tinha que ficar preparando, porque havia urgência de se fazer logo. Outras vezes, eu ficava lá esperando uma mesa de negociação. Em Alagoas, às vezes, eu ficava 20 dias. Lá eram 2 rodadas por semana, era muito caro eu voltar de novo. Aproveitava e dava uma passeada na praia de manhã, depois ia para a Federação. Mas ia todo dia, porque tinha mesa [reunião de negociação] que os patrões avisavam de última hora. Também tinha mesa que ia até de madrugada.

Em muitas negociações, eu argumentava em quase todas as cláusulas. E daí eu passei a conhecer tanto aquilo, que inclusive eu sabia uma cláusula que tinha aqui, ou que tinha lá em outro estado. Tanto que conseguimos comparar todas as cláusulas. O que se faz hoje (o SACC), o banco de dados, que você digita a cláusula e aparece tudo, eu fiz a mão nos acordos da cana. Tinha tudo lá sobre trabalho da mulher... Isso há muito tempo atrás. Estamos encaminhando hoje uma nova comparação, vamos fazer isso da forma eletrônica. Conseguimos mostrar: “Olha, em tal estado está melhor; em tal estado está pior. Como conseguimos melhorar?” Rio Grande do Norte, por exemplo, eu negociava a pauta inteira junto com o Urbano, com o pessoal das federações.

 

 

Pesquisa/Estatísticas do Meio Rural

 

 

Na área rural, sempre tivemos muita dificuldade nos levantamentos de dados, porque, por exemplo, a RAIS / CAGED [Relação Anual de Informações Sociais / Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], que é um dado que o pessoal da área urbana trabalha direto pra fazer perfil de categoria, eu nunca usei na área rural. E acho que não deve ser usado, porque a informalidade dentro do campo é muito grande. O trabalho é temporário. Agora, têm outros indicadores. Essa experiência da publicação foi muito interessante, porque conseguimos colocar todos os dados que existem. Dá para desagregar mais os dados, dá para desagregar por estado, entre homens e mulheres. É possível fazer mais desagregações. Conseguimos mapear tudo, todos os indicadores que há no campo. Acho que seria interessante, se pudéssemos, numa segunda etapa, chamar algumas pessoas para fazer uma crítica, no sentido de analisar qual dado seria melhor desagregar. Tem dado ali que podemos aprofundar mais, para análises mais regionais.

Com essa publicação, você consegue ter um quadro do Brasil em todas as áreas. Porque o movimento sindical rural e a área rural, a gente trabalha [estuda] a agricultura familiar, trabalha os assalariados e trabalha reforma agrária. É diferente do movimento sindical urbano. O movimento sindical urbano trabalha [estudamos] as pessoas daquela base das empresas que estão lá. Na área rural você trabalha ocupação de reforma agrária, desapropriação, produção agrícola, agricultura familiar, da cana, da laranja, do café, do algodão, da soja, etc. e assalariados rurais também nas mais diferentes regiões. Na CONTAG, eu trabalhei na área de assalariados, mas participava da reunião de discussão de política agrícola, de discussão de previdência, de discussão de reforma agrária. É uma escola. E na área rural também as pessoas não estão acostumadas a trabalhar com estatística, eles têm dificuldade, mais do que o pessoal da área urbana.

O interessante é que, apesar da baixa escolaridade do pessoal na área rural, eles desenvolvem uma outra capacidade. Eles são muito espertos, fazem conta de cabeça, muitas vezes enquanto eu estava na calculadora, eles me davam resultado. Pessoas com escolaridade mínima, faziam conta muito bem. Tinha o Vidor [Vidor Jorge Faita] de São Paulo, que fazia conta de cabeça. Era mais rápido que a máquina que usávamos para fazer a regrinha e ele me dava o resultado de cabeça. Eles desenvolvem outros mecanismos, porque ganham por produção. O agricultor familiar vende o produto, então sabe o que ele produz. O cara que corta cana, que colhe o café tem que ter rapidez pra saber o quanto que está cortando, o quanto vale, quanto que é a produção do alqueire, do hectare, eles são muito rápidos.

Acho, então, que a gente aprendeu a lidar com estatística. Foi um intercâmbio dos dois lados e hoje esse material vem dar um subsídio a eles. Porque eles têm dificuldade de olhar esse tipo de material. Tem muito Banco do Brasil no interior, casa de agricultura, agrônomo, eles – os dirigentes sindicais, os estudiosos - precisam ter acesso a isso, precisam olhar com mais atenção isso. Acho que o “Estatísticas do Meio Rural” vai ajudar muito a entender melhor o campo, estando no Pará ou estando no Rio Grande do Sul, ou estando na academia. Porque cada um usa um dado, às vezes, pra analisar a mesma coisa. Quem sabe a gente consegue uniformizar melhor as informações.

 

Sindicatos Rurais

Os dirigentes sindicais rurais reclamam muito que o DIEESE tinha que estar mais presente, mas eu acho que eles deveriam estar mais presentes no DIEESE também. São poucas entidades filiadas, eles não aparecem nas assembléias. Agora, eu acho também que o DIEESE participa de uma partezinha da área rural. Boa parte dos sindicalistas rurais são agricultores familiares, porque são os caras que tem estabilidade. Assalariado no campo é muito difícil. Não é como na área urbana que você tem estabilidade, volta para o teu emprego depois, tem estabilidade de dois anos. Ou para o pessoal de estatal, para o servidor público que tem estabilidade, não é demitido.

Na área rural, o trabalho já é temporário, muitas vezes como assalariado. Aí se ele saiu, virou dirigente, não tem salário, quem paga o salário dele é o sindicato. Mesmo o agricultor familiar, se ele largou a produção dele, se ele não tiver família que toma conta não tem renda. Na área urbana não, boa parte dos dirigentes é liberada com o salário ou o sindicato dá uma complementação. Na área rural não, é o sindicato que tem que bancar. O sindicato dá uma ajuda. Até o sindicato precisa de mais dinheiro porque ele tem que dar ajuda de custo. Com essa estrutura no campo, boa parte dos dirigentes sindicais são agricultores familiares porque o trabalhador rural assalariado cada dia está numa área. São poucos os trabalhadores permanentes na área rural. Isso já dá uma característica diferente. Mesmo na mesa de negociação, quem vai negociar, na maioria das vezes é agricultor familiar, não é assalariado. E isso é um nó porque muitas áreas dão problema, os trabalhadores reclamam porque acham que alguns dirigentes não entendem o que se passa. Agora, alguns dirigentes que são agricultores familiares, se incorporam à luta e participam.

O DIEESE nunca atuou na área agrária. Até falamos e escrevemos. No Boletim do DIEESE tem alguns artigos sobre reforma agrária, mas não temos atuação. Tem o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], tem a CONTAG e não temos uma atuação. Porque é atuação de militância, ocupação, é um outro trabalho. Hoje que estamos trabalhando mais com estatística agrária, é uma coisa nova. Na área de agricultura familiar, sempre tivemos pouca atuação, precisamos crescer mais. É fundamental o intercâmbio. Já fizemos várias propostas de trabalhar com a cadeia produtiva, como trabalhar com custos de produção, mas o retorno deles é sempre dificil. Quanto a isso, algumas federações trabalham com o DIEESE. Agora, a CONTAG é dividida, tem secretarias: a secretaria da mulher, de formação, de agricultura familiar, de questão agrária e de assalariados. Por enquanto, trabalhamos mais com assalariados e um pouco com agricultura familiar.

Não sei como é hoje dentro da CONTAG, mas o que eu gostava muito no movimento sindical rural é que aquelas pessoas antigas no movimento tinham uma formação política muito boa. Eles tinham formação do PC do B [Partido Comunista do Brasil], do Partidão [Partido Comunista Brasileiro], da Igreja. Eles tinham uma formação política muito boa. E mesmo com uma escolaridade baixa, eles liam muito. Eles são muito mais orais, verbais, do que da escrita. Eles tinham dificuldade de escrever, escrevíamos muito para eles e era normal lermos o documento todo nas reuniões. Por exemplo, tem o congresso da CONTAG, que líamos os documentos para todo mundo e eles sabiam o que tínhamos lido, mandavam voltar no parágrafo não sei quanto, porque não estava coerente. Isso é um aprendizado, porque você sabia que eles estavam prestando atenção e intervindo com qualidade. Pelo fato de lermos, sabíamos que eles estavam participando, era uma produção coletiva. E isso que eu digo dentro da CONTAG, juntava toda a assessoria, todos os diretores e a gente lia documentos da área agrária, da área agrícola, dos assalariados. Todo mundo ouvia e todo mundo dava palpite no documento que estava sendo produzindo. Isso era uma produção muito boa, todo mundo entendia um pouco de todos os assuntos. O Zé Francisco (ex-presidente da CONTAG) ia para um comício falar de salário mínimo; pedia todo o material de salário mínimo e lia! Ele ia para o comício, tinha três minutos para fazer o discurso, mas sabia tudo o que estava falando de salário mínimo. Hoje é difícil ver um dirigente fazer isso. Isso eu gostava; era interessante esse processo.

Acho que se não fosse o movimento sindical, os salários teriam perdido muito mais seu valor. Na área de segurança e saúde no trabalho, melhorou muito, porque era um horror, não era trabalho de gente, apesar de ainda haver muitos problemas. Hoje ainda há problemas, mas também de outra ordem. Por exemplo, em São Paulo está morrendo trabalhador rural na cana por excesso de trabalho,. O cara tem que cortar doze toneladas de cana por dia, embaixo de sol, de chuva. Eu acho que é uma outra discussão muito séria, porque se trata de um dos setores mais competitivos do mundo e é um absurdo você deixar os trabalhadores morrendo desse jeito, de tanto trabalhar.

 

Subseção

Eu dava muito atendimento por telefone, atendia as federações, atendia imprensa, atendia a academia. Fazíamos muitas atividades de formação, muitos seminários de negociação coletiva.. Existem documentos excelentes sobre reestruturação produtiva na área da cana, tanto em São Paulo, como no setor canavieiro do Nordeste. Porque a cana foi se modernizando muito rápido, fazendo uso de novas tecnologias, de colheitadeiras. Em outras etapas da produção da cana foram também pondo máquinas. Fizemos muitos seminários para discutir as mudanças na cana: tecnologia, como a coisa mudou, variedades de cana, qualidade. Hoje, a produção por hectare cresceu, mudou tudo. A cana que você tem hoje não é a mesma de 20 anos atrás, tudo mudou.

Produzíamos muito material, fazíamos seminários de negociação coletiva, de preparação e avaliação das campanhas salariais. Eu acompanhava todos os acordos. Lia mais de 50 acordos da área rural. Eu tinha um arquivo grande dos acordos coletivos que chagamos a publicar. Naquele tempo, não tinha o SACC [Sistema de Acompanhamento das Contratações Coletivas]. Eu li os acordos, classifiquei na mão os acordos coletivos da cana e a gente fez uma publicação que esgotou. Conseguimos pegar vários acordos e publicamos. A CONTAG fazia publicações com o material que conseguíamos lá. Eu fazia conferência à mão, colocava tudo lá, lia um por um, conferia, mandava digitar, depois relia, conferia e os patrões ficavam doidos atrás das publicações.

Hoje não tem mais a subseção do DIEESE na CONTAG. Estamos querendo voltar a ter. Mas a gente tem uma relação muito boa com eles. A CONTAG participa da direção nacional do DIEESE e a gente, hoje, tem muito menos trabalho com eles. Temos mais trabalho com algumas federações estaduais. Nós conseguimos transferir parte do trabalho para as federações. Por exemplo, em Pernambuco e Rio Grande do Norte, o DIEESE vai pra mesa de negociação.. Rio Grande do Sul não vai pra mesa, porque lá é outra realidade, são acordos no interior, mas é filiado. Goiás tem um papel muito forte, não tinha. Muitos desses estados eu que ia. No Paraná, o escritório do DIEESE de lá dá todo apoio pra federação. E aqui, em São Paulo, o Silvestre acabou de fazer um seminário e tem hora que eles filiam, ao DIEESE, depois desfiliam. Há muito problema político, têm duas federações, muito racha. Tem uma federação do assalariados e tem a FETAESP, que é a federação antiga. A gente tem muito trabalho nessa área porque descentralizamos esse trabalho no meio rural o que é bom. Você tem os DIEESEs locais trabalhando com a área rural hoje.

O que nós queremos é trabalhar com a CONTAG e talvez com as confederações do setor de alimentação, fazendo o estudo de algumas cadeias produtivas, por exemplo, da soja, do leite que são setores que na cadeia produtiva ocupam muita gente. Mesmo na cadeia produtiva do açúcar, tem um pessoal da alimentação, pessoal dos químicos, e dependendo da usina que você pega tem uns cinco sindicatos lá dentro [tem trabalhadores organizados em cinco diferentes sindicatos]. Há sindicatos rurais que envolvem um pessoal da alimentação, do transporte, dos químicos. Cada lugar você obedece uma organização. O ideal era você sentar com todo mundo da cadeia produtiva.

Já fizemos essa proposta, de começar a trabalhar a cadeia produtiva. Por exemplo, o algodão, que é uma cadeia produtiva, já empregou milhares de pessoas, mas hoje emprega bem menos gente. Quase todo o algodão é colhido com máquina. Todo o algodão que está sendo plantado no Brasil hoje, usa colheitadeira. O homem só entra pra pegar o resto, depois que a máquina passou. Ele sempre fica com o pior serviço. Na cana aqui em SP, na área mecanizado, o homem fica com a pior área, que é onde a máquina não entra. Ele fica com as áreas que estão alagadas, com as áreas em que a cana tombou, que é o pior trabalho.

 

Técnico X Sindicalista

Não nos metemos na disputa política, é um assunto deles e eu encontro, às vezes, com os dois lados (FETAESP e FERAESP), porque eles vão para em Brasília, em alguns eventos em que somos convidados. O de São Paulo, eu encontro muito lá em Brasília, porque a FETAESP é filiada a CONTAG; a FERAESP foi filiada ao DIEESE aqui um tempo. A gente se encontra, produz material e divulga, mas a briga, aí é com eles.

A CONTAG, é filiada a CUT hoje, mas dentro dela, há todos os grupos políticos. Tem o pessoal da Força Sindical, da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), tem a maior parte que não é filiada a nenhuma central. Eu encontro com todo mundo e tenho uma relação boa. Tirando uma ou outra pessoa que, às vezes, teve algum problema ao longo da história , mas no geral é uma relação boa.

 

 

Mulheres no Dieese

 

 

Na área rural, eu sempre fui a única agrônoma. Agora, parece que tem o Pedro [Pedro dos Santos Bezerra Neto], que é agrônomo também, mas trabalha com distribuição de renda. Eu sempre andei muito entre os homens, porque o meu curso boa parte era homem, quando fui trabalhar, também. E aí também no movimento sindical, que hoje tem mais mulher, mas na maioria das vezes eu era a única mulher. Em mesa de negociação, na direção, na reunião de direções sindicais, na equipe do DIEESE local, às vezes, as mulheres eram da área administrativa. Havia uma ou outra técnica. Nessa área rural, muitas vezes vinha uma advogada patronal, que normalmente não era a pessoa que mais falava. Mas eu sempre tive muito apoio dos dirigentes sindicais e do DIEESE. Não é que não tem discriminação, eu acho que tem, mas não era uma coisa explicita. Eu acho que tem uma discriminação que a gente – as mulheres e os homens, ainda tem que aprender a trabalhar. Discriminação que é meio velada, não declarada. Às vezes, você fala a mesma coisa que um homem, mas eles dão atenção para o que o homem falou. Isso eu sentia no movimento sindical rural e mesmo no DIEESE, mas em menor escala. Hoje no DIEESE há muitas mulheres na direção dos Ers e muitas técnicas. Eu acho que já melhorou muito. Hoje na CONTAG, por exemplo, você tem uma diretora de mulheres e isso já tem alguns anos. Foi uma conquista difícil, dentro da CONTAG, mas a boa parte do tempo que eu fiquei lá não tinha isso. A gente conquistava na marra mesmo.

Mas na CONTAG tinha uma coisa muito boa no tempo em que eu estive lá. Discordávamos, brigávamos muito, mas não era ameaçada de demissão. Se fosse outro lugar, eu tinha perdido o emprego. Brigávamos e quando saía de lá, estava tudo bem. Eles sabiam que mesmo brigando, discordando, a gente falava o que tinha sido aprovado pela direção. A gente nunca saiu e aprontou uma, por exemplo, de falar alguma coisa diferente, discordante. Tanto que em vários eventos, eu ia representar a CONTAG e o pessoal do movimento sindical estranhava. O Urbano autorizava e o pessoal da CUT estranhava, mas “eu sei o que não é pra dizer”. Por isso, eles confiavam em me mandar.

Hoje acho que a CONTAG mudou, mas no tempo que o Urbano estava lá, e o Zé Francisco [José Francisco da Silva] também, a gente representava a entidade porque havia uma relação de confiança muito forte. Não éramos malucos de falar alguma outra coisa porque era irresponsabilidade e a gente não estava lá pra isso. O que a direção tinha aprovado, era o que era passado por nós. Isso pra aquele grupo que estava ali, aquele tempo, isso era muito forte. Tanto que são pessoas que até hoje tem uma relação pessoal muito forte. E eles eram muito respeitosos. Nunca fui desrespeitada com brincadeiras. Os trabalhadores rurais sempre me trataram muito bem. Tanto que até hoje encontro com as pessoas, vou aos estados, vou às federações, às vezes eles me levam pra almoçar. Hoje que eu não estou mais na CONTAG, ficou essa relação próxima.

 

Avaliação/Dieese

O DIEESE contribuiu muito para o movimento sindical, seja na questão da formação, da qualificação. E uma outra muito importante no DIEESE é esse espaço plural. Muitas pessoas do movimento sindical que vivem aquela briga, aquela disputa, quando chegam no DIEESE percebem que dá pra fazer uma coisa diferente com outra visão política de mais integração, de respeito. E além disso fazemos um trabalho de qualificação, de produção de dados.

Acho que é uma experiência única, porque eu viajei muito pelo DIEESE e pela CONTAG para o exterior e todas às vezes eu voltava muito otimista em relação ao Brasil e o DIEESE. Porque o Brasil tem tudo pra fazer muita coisa boa. O movimento sindical brasileiro, com todos os defeitos, com todas as contradições, é um movimento sindical muito atuante que tem muita coisa boa, muita experiência legal.

Como sempre viajei muito, hoje um pouco menos pelo Brasil, então eu ia para os estados nos escritórios do DIEESE. Eu era uma das pessoas que mais conhecia o DIEESE, porque ia pra Paraíba e trabalhava com o pessoal de lá, muitas vezes no escritório. Passava no escritório de Pernambuco e em vários outros. E aí você vê as experiências do movimento sindical nesse local, que não é só nas centrais, você vê muita coisa boa acontecendo, muita conquista. Às vezes, uma coisa que ninguém sabe, mas lá está mudando, lá os caras estão fazendo. Temos muita criatividade.

 

 

Evento Histórico/Movimento Sindical Rural

 

 

O pessoal na área rural, o pessoal da CONTAG, tem uma capacidade de luta que eu fico impressionada até hoje. Eu fui ao lançamento da Marcha das Margaridas e elas estão querendo pôr 50 mil mulheres na rua em Brasília. Acho que se quiser coloca. A Marcha das Margaridas existe há alguns anos - eu não estava lá quando começou - é uma marcha linda que as mulheres organizam em Brasília, onde levantam reivindicações que afetam as mulheres na área da saúde, educação, de tudo. Tem homens que participam também. As mulheres vão todas coloridas, pintadas, fazem muito teatro, fazem apresentações, é uma coisa super bonita.

O Grito da Terra também, levanta uma pauta de reivindicações concretas com o Governo Federal, uma coisa muito objetiva. Eu presenciei ocupação em ministério várias vezes. E os caras vão e ficam. Hoje já não ocupam, porque os ministérios já estão mais preparados. Mas anos atrás, o pessoal chegava às seis horas da manhã. Tem um episódio em que eles chegaram seis horas da manhã, chegaram e desceram quietinhos dos ônibus. Foram descendo, centenas de trabalhadores. Dois deles bateram na porta e aí o vigia foi lá e eles seguraram as portas e aquela multidão entra e ocupa o ministério. Tinha umas coisas assim, muito legais. A gente fantasiava animais. Eles viajam 36 horas, fazem uma caminhada, ficam na Esplanada e vão embora depois. Eles têm um pique de luta, de organização na área rural que eu fico impressionada.

Acho que eles são um exemplo e acho que pouca gente conhece. Até hoje não deram a atenção que eles merecem. Conquistar a previdência rural pra homens e pra mulheres. O Urbano [Francisco Urbano Araújo Filho], por exemplo, teve uma participação muito boa na Constituinte de 1988, pela CONTAG. Porque antes a aposentadoria era só para o homem, meio salário mínimo, a mulher só tinha direito quando era viúva. Depois de 88, foi aprovado para o homem e para a mulher um salário mínimo, que só vigorou em 92 com o Collor. Isso aconteceu porque houve muita mobilização: se ocupou ministério, ocupou muito posto do INSS [Instituto Nacional de Seguro Social] pelo Brasil todo. Eu me lembro de participar dessas reuniões e aí de repente ficávamos sabendo que eles haviam ocupado quase todos os postos de INSS em 15 estados ao mesmo tempo. Conseguiram regulamentar o que estava definido na Constituição em 92 com muita luta, nada foi dado. E isso distribuiu renda, melhorou qualidade de vida. Foi fundamental ter esses direitos no o campo, para distribuir melhoria de qualidade de vida. E era ocupação ali no interior do Rio Grande do Sul, ali naquelas cidadezinhas que ninguém ouve falar no Nordeste. O que aquele pessoal lutou não foi pouca coisa. E aqui em São Paulo também. Fizemos muitos seminários treinando mesa de negociação pra área rural que o pessoal fala sobre eles até hoje. Porque eles sempre se sentiram muito inferiores, pelo fato da escolaridade, por falar diferente, de serem como o pessoal chama, caipiras, ou atrasados. Fizemos muita mesa de negociação, sempre discutimos a questão da auto-estima deles. Acho que isso fez muita diferença, porque ajudou muito o movimento sindical rural.

 

Importância do Dieese

O DIEESE é muito importante para a sociedade, porque qualifica a discussão, como por exemplo, essa questão da inflação e da cesta básica. Eu já estou em Brasília há 17 anos e vejo que recebemos muitos telefonemas, porque quando a cidade é um pouco menor, você sente mais a repercussão. E lá (em Brasília), a gente dá muitas entrevistas pra CBN [Central Brasileira de Notícias], Radiobrás [Empresa Brasileira de Radiodifusão]. Quando o lugar é menor ainda - eu vejo isso em outras cidades - o impacto dessas pesquisas é muito maior.

O DIEESE é uma referência. Primeiro, pela credibilidade, que é uma coisa que falta muito pra sociedade, as pessoas não acreditam em pesquisa, não acreditam nos institutos. O DIEESE tem muita credibilidade, é um parâmetro pra você negociar. Mesmo que a sociedade não saiba direito o que é o DIEESE, porque boa parte não entende direito, mas se “o DIEESE falou” eles acreditam. E é um parâmetro pra pesquisa, pra consulta. As pessoas nos procuram com suas dúvidas e se a gente fala, eles confiam. Vários jornalistas ligam para a gente ajudá-los, inclusive, em matérias que não são do DIEESE. O pessoal liga: “Lilian, onde eu acho esse dado? Estou aqui perdido. O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] não passa isso...” E é a gente que ajuda.

Eu acho que é como se fossemos aquele “grilinho falante” nas áreas de pesquisa, na área de política. Por exemplo, agora na questão do salário mínimo, o DIEESE fez toda a diferença. Assim como na discussão de indicadores de inflação, de cesta básica. Não que a inflação do DIEESE é só o Índice de Custo de Vida (ICV) de São Paulo, mas a gente é como o “grilo falante“: “Olha: a gente está tomando conta desse indicador, vocês não vão manipular que a gente está aqui”. E isso faz toda a diferença. Acho que o DIEESE é meio que o “grilo falante” organizado da sociedade, dos trabalhadores.

 

 

Futuro do Dieese

 

 

Eu vejo o DIEESE muito maior do que ele é hoje. Acho que se essa coisa da Faculdade DIEESE, é importante. Eu sou umas das pessoas a favor. O DIEESE tem muita experiência acumulada. Temos que recuperar um monte de coisa, porque ouvimos muito discurso derrotista. Quanto a isso eu brigo muito com os dirigentes que conheço. Acho que não damos valor para tudo o que conquistamos.

Temos que olhar para trás e ver. É como eu estava dizendo sobre a área rural, se olhar o que era um trabalho rural em 84 e o que é hoje, com todos os problemas, ele melhorou muito e o movimento sindical ajudou muito. Temos que ter uma avaliação mais positiva. Tem que ter um pouco a visão do processo histórico: nada acontece do dia pra noite.

Temos que estar sempre atentos, batalhando e temos que fazer as coisas com qualidade. Acho que não tem que levar as coisas com a barriga. E por isso o DIEESE é importante. O movimento sindical abandonou um pouco a formação política. A política que eu estou dizendo não é partidária, mas política de você conhecer a História, conhecer a história do movimento sindical, conhecer o que é político, o que é sociedade, o que é Estado, político nesse sentido. Isso tem que ser recuperado. O DIEESE não é o principal ator nesse processo, mas é um ator muito importante.

 

 

Desafios

 

 

Eu acho que o Mundo do Trabalho vai mudar. Por exemplo, agora eu estou envolvida com a tal da nanotecnologia. O Clemente [Clemente Ganz Lúcio] me colocou nisso. Que eu acho que é nova revolução tecnológica, vem diferente da outra porque está acontecendo muito numa área científica. Vai ser outro impacto no mundo, inclusive, no mundo do trabalho. E acho que o DIEESE é uma coisa que tem que estar sempre renovando e ampliando porque o mundo está muito dinâmico.

Acho que tem muita coisa para o DIEESE trabalhar pra frente. Temos que continuar investindo na área de formação, nas análises econômicas, na questão da informação para o movimento sindical. Acho que estamos indo pelo caminho certo. Eu acho que conseguimos fazer as coisas, somos muito plurais, temos pessoas de lugares diferentes, de formações diferentes. Você tem um sociólogo, tem economista, tem engenheiro, tem matemático.

Acho muito importante essa história da Faculdade DIEESE. Eu acho que é importante formarmos as pessoas com qualidade, com uma outra visão de sociedade, com uma outra relação: professor/aluno. Acho que os professores desaprenderam de conversar com os alunos, mesmo os professores de esquerda. Eu acho que tem que rediscutir o papel do ensino. Não é só financiamento. Tem que discutir a relação professor/aluno, a relação do aprendizado. Tem que recuperar Paulo Freire e outros tantos aí.

 

Avaliação/Dieese

Eu sou muito briguenta, mas mesmo brigando, a gente sabe conviver com a diferença. E o DIEESE é um espaço muito plural, onde a gente aprende a conviver. A gente briga, mas acabou a briga, somos amigos, vamos tomar cerveja. A produção é coletiva, os técnicos palpitam na produção dos outros e gostam de fazer esse tipo de trabalho: coletivamente. Há muito respeito profissional no DIEESE. Porque você constrói, você respeita a diferença de opinião, você constrói na diversidade. E eu acho que o DIEESE mostra que podemos fazer as coisas darem certo. Porque eu me lembro que quando eu comecei a participar do movimento estudantil, quando eu era adolescente, a gente sempre achava: “Ah, não vamos fazer isso aqui não, que isso não vai mudar.”. Isso você ouve da maioria das pessoas. E depois que eu comecei a militar no movimento estudantil, fui para a Secretaria da Agricultura do est. De São Paulo e vim para o DIEESE, a gente vê que lutando, a gente não muda tudo, mas a gente muda muita coisa. Acho que o DIEESE mostra que podemos mudar muita coisa. Tem outra: a história tem tempo, nada acontece do dia pra noite.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Eu acho muito legal, mas tem explicitar melhor esse projeto para a equipe. Eu acho que talvez pudesse falar se vai entrevistar todo mundo, se não vai. Qual o critério? Como começou a entrevistar? Seria legal explicitar isso um pouco. Porque todo mundo dá o sangue. Tivemos salário atrasado e ninguém abandonou o barco. As pessoas se sentem um pouco parte disso. Mas eu acho o projeto fundamental.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

Eu trabalhei em banco, estava na área de processamento de dados. Larguei tudo, larguei salário, larguei tudo. Fui fazer cursinho, viver de mesada de pai duro, sem muito dinheiro. E nunca conseguia trabalhar em um lugar que eu não gostava. Eu nunca consegui fazer uma coisa que eu não queria fazer. E comecei a trabalhar muito cedo, com 15 anos de idade. Passei pelos bancos e vi que aquilo lá não era minha praia. Eu acho que o DIEESE mostra que você pode fazer um bom trabalho de um jeito diferente, com respeito.. Você tem outros valores que ajudam a construir o teu trabalho profissional e o trabalho dos outros. Um trabalho em equipe. Acho que o DIEESE mostra um jeito de fazer trabalho em equipe que raros lugares mostram.

 

 

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