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Ericson Crivelli

ericson_crivelliHistória de Vida

Identificação
 

Eu sou Ericson Crivelli, nasci 16 de novembro de 1958, na cidade de Bauru, no interior do Estado de São Paulo.

 

 

Família

 

 

Eu sou Ericson Crivelli, nasci 16 de novembro de 1958, na cidade de Bauru, no interior do Estado de São Paulo. Meu pai chama-se Ivaldo Crivelli e minha mãe é Egle Giancoli Crivelli. Meu pai foi professor de Desenho Técnico na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, no centro de formação que eles mantinham em Bauru. Durante um período ele foi político também, político local, na cidade. Hoje está aposentado. Foi vereador, presidente da Câmara. Isso até 64. Em 1964, quando começou a fase mais complicada e foi afastado. Mas era ligado à oposição ao regime militar. Minha mãe foi professora. Trabalhou durante um período, depois passou a dedicar-se a casa e da minha educação e de meus irmãos.

O meu avô paterno era italiano e casou com uma filha de italianos e brasileiros. Ele veio da Itália no começo do século passado. Trabalhou na lavoura do café. Depois, já adulto, indo trabalhar no comércio. Foi pequeno comerciante a vida inteira, veio falecer acho que em 1978. Com a minha avó paterna eu convivi pouco. Sei que ela nasceu em Batatais. Ela faleceu em 1961, ou 62 e eu ainda era muito pequeno. Cuidava de casa, administrava uma pensão também que funcionava na casa do meu avô. Que era a forma como completava a renda doméstica.

Do lado materno, o meu avô nasceu em São Roque. Era filho de italianos. O meu bisavô veio da Itália. Ele fazia vinho, plantava uva em São Roque. Quando morreu era também um pequeno comerciante. O meu avô teve uma serralheria, atividade que acho que hoje é uma raridade. Ele fazia aquele trabalho artesanal de preparar ferros para janelas, portas, e aqueles trabalhos ornamentados. Hoje é um ofício em extinção. Estudou no Dante Alighieri, e fez também o Liceu de Artes e Ofícios para aprender o ofício. A minha avó materna nasceu em Ribeirão Preto onde os pais trabalhavam na lavoura do café. Morando em São Paulo foi operária da Alpargatas até casar-se.

Tenho mais dois irmãos. Eles são arquitetos. São mais velhos. Eu sou o filho mais novo. Os dois têm empresas de construção. Moram em Bauru. Moram e trabalham lá. Eu sou o único radicado fora. Nosso nome é de origem italiana, da Província de Mantova, O nome refere-se ao ofício das pessoas que fabricavam peneiras. Alguns nomes surgidos no final da Idade Média eram ligados aos ofícios. Crivello é o nome de uma grande peneira; então, Crivelli é o plural de peneiras, provavelmente porque algum antepassado nosso trabalhava com o ofício de fabricar peneiras.

 

 

Infância

 

 

Eu tive uma excelente infância. Porque foi uma infância de classe média. Nós tínhamos luxo algum mas não tínhamos dificuldades. Sempre moramos em casa grande, com quintal, com frutas, com bichos, coisas que só quem é criado no interior tem essa oportunidade. Fui criado subindo em árvore e brincando na terra, Andávamos na rua com muita tranqüilidade. Coisa que hoje é impensável até mesmo nas cidades médias do interior. Isto nos anos 60 que foram anos de muita mudança. Na infância nós não temos ainda muita condição de perceber essas mudanças todas. Mas eu lembro que era uma época de rock, a época da ditadura, do iê-iê-iê, das mudanças comportamentais. Enfim, eu não entendia muito as coisas, mas via tudo com muito interesse, muita curiosidade. Na música, no teatro. No período da minha infância era o período dos festivais. Isto, por exemplo, era uma coisa que nos mobilizava muito. Nós esperávamos ansiosos o novo festival, as músicas novas que viriam. As músicas todas traziam uma série de conotações políticas ou crítica social e de comportamento. Era um período de mais contestação. De quebra dos padrões anteriores. A sensação que eu tenho, de lá para cá, existe uma linha contínua de evolução. 

Trajetória Acadêmica
 

Eu no primário estudei em uma escola particular, extremamente conservadora. Era uma escola até, acho que deveria ser bem cara. Eu mesmo pedi para sair da escola e ir estudar em uma escola do Estado. O que foi bom para o meu pai, porque aquilo devia pesar, devia ser um peso no orçamento de casa. E fui para o colégio do Estado, onde eu tive a sensação de muito mais liberdade. Porque na escola que eu fiz primário é aquele tipo de escola que hoje em dia deve ser uma raridade. Criança que fazia arte ficava de castigo atrás da porta ou ficava horas depois do final do horário das aulas fazendo, de castigo, tarefas extras. Ficávamos fechados em uma sala de castigo sem falar com ninguém. A escola primária na qual estudei tinha este tipo de disciplina. Não era raro sermos levados para a diretoria, segurados pela orelha. Atravessavam conosco – o que era a coisa mais humilhante - os corredores inteiros da escola; todo mundo vendo você sendo “arrastado” pela orelha torcida. A escola do Estado era muito mais liberal, apesar de estarmos período do regime militar. Dentro da escola, no ginásio, eu não sentia tanto a presença do regime militar. Fui sentir a restrição as nossas liberdades quando comecei a ficar um pouquinho mais velho.

No colegial, eu comecei a participar das atividades que existiam, as que eram toleradas pelo regime militar, no centro cívico da escola. Eu fui diretor eleito do centro cívico, no colegial, por dois anos seguidos. Aí sim comecei a ter problemas, a sentir o que era viver sob um regime autoritário. Nós não podíamos fazer críticas ao governo no boletim do centro cívico. Mesmo assim, tentávamos fazer. Nós tínhamos um mimeografo na nossa sede. Rodávamos boletins com críticas ao Decreto Lei 477, que era um decreto que proibia os estudantes de terem atividades políticas, falarem, discutirem política na sala de aula. Eu estava no primeiro ano colegial, descobrimos esse decreto, fuçando nos livros da biblioteca.

Escrevemos um boletim sobre o decreto. Foi uma virada na minha consciência, ainda adolescente. Para os demais também, que estavam na mesma geração comigo nesse processo. Porque escrever um boletim com 15 anos, fazer críticas ao governo e as conseqüências que nós sofremos com isso, de pressão, de ameaças. Ameaça de ser levado ao DOPS, que nem sabíamos o que era. Ameaça de ser expulso da escola. Aquilo foi um choque. Nós reagimos de forma crítica. Não aceitar a limitação ou ficar revoltado com elas. Na verdade, a pressão toda teve o efeito de nos dar, adquirir consciência, repentinamente, para a falta de liberdade. Então foi uma série de conflitos até a minha saída da escola. Eu, nesse período, decidi fazer faculdade de Direito. E decidi fazer a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na USP. Claro que com uma visão romântica, pois é um lugar em que estudou tanta gente. Esta faculdade mantém um mito, porque tem desde os artistas, dos poetas ou os políticos da República Velha, como uma série de pessoas importantes para as artes no Brasil, que passaram pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Havia também uma imagem de contestação, porque havia contestado a ditadura de Vargas. Os estudantes sempre mobilizaram. Nos 60 se mobilizaram também contra o regime militar também. Então eu queria estudar Direito, mas no Largo São Francisco. Aí no terceiro colegial houve uma mudança no ensino público estadual. O Paulo Egídio Martins, que era o governador da época, ele tinha um secretário de Estado que se chamava José Bonifácio Coutinho Nogueira que fez uma reforma nos anos 70 que desmembrou o primeiro e o segundo graus. Então minha escola deixou de ter o colegial. A minha escola deixando de ter colegial eu teria que estudar do outro lado da cidade. Aí eu resolvi abandonar a escola pública e fazer cursinho. E fazia cursinho e nem entrava nas aulas para o terceiro colegial, particular. Ia só fazer as provas. E depois, no meio do ano, mudei para São Paulo. Vim fazer cursinho no Anglo em São Paulo, o que foi fundamental para entrar na faculdade. Eu fiz três ou quatro meses no Anglo e entrei em Direito na USP.

Em 1976 houve o ressurgimento do movimento estudantil. Em 77 há definitivamente o seu ressurgimento com mobilizações de massa. É um período muito rico de vivência universitária, onde todos os grupos de oposição ao regime militar se organizavam dentro da universidade. Desde grupos de centro até a extrema esquerda. Então nós tínhamos desta forma, um leque de ofertas, como jovens adolescentes, de se aproximar das idéias de esquerda, idéias de contestação ao regime político. De contestação à sociedade, à estrutura social. Muito rico para participação. Eu considero entrei na universidade em um momento muito feliz. Tinha uma grande ebulição cultural também. Com dois grupos de teatro, tínhamos um cineclube, a Academia de Letras. Existiam grupos de discussão, grupos de estudo. Eu mesmo participei de vários grupos de estudo.

Tinha uma quantidade enorme de organizações de esquerda. Todas tentando nos captar para as suas idéias e para a militância política. E eu passei acho que o primeiro ano só naqueles namoros muito superficiais. Conversas com gente do Partidão, conversas com gente do PC do B e com gente da Ação Popular. Havia vários grupos trotskistas. Tinham grupos mais de esquerda e os mais moderados, sociais democratas. Tinham grupos de centro. E na Faculdade de Direito, tinham também os grupos de direita, o que diferencia da experiência do resto da USP. E nós podíamos viver com isto e confrontar inclusive a postura que eles tinham em relação às todas as coisas.

 

Trajetória Profissional
 

A partir do segundo ano eu comecei a fazer estágio. Até porque tinha necessidade financeira também. Para poder comprar livros, para ter gastos com as atividades culturais. O estágio me supriu um pouco estas necessidades. Mas também não tinha a necessidade de trabalho, de ter um emprego muito rígido para poder sobreviver. Eu tinha certa liberdade. Trabalhei em vários lugares diferentes: em escritórios de empresas, em órgãos públicos, fui estagiário da Secretaria da Promoção Social nos anos 70, fui estagiário da Sabesp. Fui estagiário do Departamento de Estágio do Centro Acadêmico XI de Agosto. Que é um Departamento que existe até hoje, e atende a população carente. E fui estagiário em sindicato, o que de certa maneira acabou influenciando a minha carreira, o meu futuro profissional. Fui estagiário do Sindicato dos Condutores de São Paulo. Uma nova Diretoria havia ganhado a eleição no Sindicato dos Condutores de São Paulo. O administrador e o presidente do sindicato eram simpatizantes do que se chamava na época sindicalismo autêntico. O presidente havia feito uma composição com o Partidão e conseguiu ganhar a eleição e tirar os herdeiros da intervenção. O Sindicato dos Condutores de São Paulo, como a maior parte desses grandes sindicatos, sofreu intervenção durante o regime militar. Então ele contratou um administrador do Sindicato. O administrador do Sindicato era militante da Ação Popular. Eu tive um relacionamento muito próximo da AP. Não cheguei ser militante integralmente da organização. Eles contrataram o administrador que era ligado à organização, Antonio Sampaio Dória. Mas é uma pessoa que tem uma trajetória individual muito interessante. Um sujeito muito culto, muito inteligente, típico militante político de classe média intelectualizada e virou administrador de um sindicato de motorista de ônibus da noite para o dia. Então ele pediu para pessoal da organização indicar pessoas na área jurídica para trabalhar no sindicato. Na época só tinha advogados do Partidão. Então o Dória queria por algumas outras pessoas para mesclar, para que tivesse outras opiniões. Esta área da advocacia trabalhista sempre foi dominada pelo Partido Comunista durante décadas e décadas.

A minha geração quebrou essa seqüência de controle do Partido Comunista sobre a advocacia trabalhista. E aí eu fui ser estagiário quase como pedido à célula do Largo de São Francisco com uma missão: “Vá trabalhar no sindicato, porque o Dória está lá. Precisa alguém que o ajude etc”. Fui trabalhar no sindicato nessas circunstâncias, porque o problema é o seguinte: essa visão de um adolescente da classe média quando se envolve com a esquerda, lê textos, ouve falar de operário, é como se o operário fosse um ente mítico. Uma coisa fora do comum. Eu lembro que tinha um colega de faculdade que era militante e ele é marxista até hoje inclusive. Era militante também do movimento estudantil, ele descobriu que tinha um aluno na nossa classe que era operário. Aquele dia quando ele descobriu um operário em carne e osso, aí ele queria que esse sujeito dirigisse as assembléias da sala de aula. Foi um desastre, porque o “nosso” operário era uma sujeito completamente alienado. Era uma ótima pessoa, mas ele não tinha a menor preocupação política. Não estava preocupado em fazer qualquer mudança política e social, estava preocupado em ganhar um diploma de Direito para inclusive ascender socialmente, deixar a vida dura de operário.

Então trabalhar no sindicato foi um choque de realidade. Apesar de estudantes nós dávamos apoio, por exemplo, às greves do ABC. Porque isso era uma das tarefas, inclusive, que a organização que eu apoiava nos dava. Que eu lembro quando o Lula fez aquela greve no ABC, tentávamos sempre de uma forma ou de outra apoiar, através da arrecadação de fundos. Fazíamos material de divulgação. Nós tínhamos vários jornais que fazíamos na faculdade em apoio às greves operarias. Mostrar as reivindicações do movimento operário. As críticas que o movimento operário fazia já ao regime militar, à falta de liberdade, à estrutura sindical, por exemplo. Era uma coisa que de certa maneira tinha um contato também com a nossa realidade de estudantes de Direito. Porque mexia com a questão legal, com a questão da estrutura que o Estado, enfim, de controle sobre o movimento sindical. Esse foi o primeiro contato.

Em 1982 a situação econômica era muito ruim. E eu fiquei muito tempo desempregado. Acabei voltando à área sindical depois de um tempo trabalhando com outras coisas e dela nunca mais saí. Eu já não era mais militante e o meu primeiro movimento foi fugir do confronto de advocacia sindical, mas o primeiro emprego que me apareceu foi em um sindicato. No Sindicato dos Condutores do ABC. Há aí o problema das relações pessoais na trajetória profissional. A maior parte dos meus amigos era ou tinham sido militantes de esquerda. Trabalhavam em sindicatos ou tinham relações com o movimento social ou movimento popular. Então eu bati as portas de empregos em vários lugares. Curiosamente um dos primeiros que me apareceram foi no Sindicato dos Condutores do ABC, eu fui ser advogado lá.

E eu não tinha nenhuma experiência para a função. Foi um desafio grande. Comecei a trabalhar lá. Em finais de 1988 eu fui contratado pelo Departamento Nacional de Bancários da CUT para assessorar a Negociação Nacional de Bancários. Fiquei até final de 94. No meio dessa trajetória eu fiz várias coisas. E hoje eu sou sócio do escritório que tem meu nome, nós somos 30 e poucos advogados. Um escritório que cresceu com o movimento sindical. O escritório tem uma característica ímpar, pois é difícil de você encontrar escritórios com esse porte. Hoje nós temos administração profissionalizada. Apesar das origens de esquerda dos sócios, o escritório se transformou em uma empresa. Isso graças a uma rápida trajetória de profissional proporcionada pelo movimento sindical. Se eu tivesse me transformado imediatamente em advogado de empresa eu teria tido uma trajetória profissional muito mais lenta. Então apesar das dificuldades, apesar de ter suportado empregos em condições ruins, do ponto de vista de salário, de segurança pessoal, advogar para sindicato era correr os mesmos riscos que corriam os dirigentes sindicais que tentavam organizar sindicatos naquele período. Estes riscos e ainda ganhar pouco para quem estudou na USP. Nos primeiros três, quatro anos de vida profissional eu estava ganhando muito menos do que estavam os meus colegas de faculdade que tinham entrado para a área empresarial, mas em compensação eu fui demandado a tomar decisões, a crescer profissionalmente com tal rapidez, que isso foi uma oportunidade inigualável. Eu era obrigado com dois, três anos de formado a fazer sustentação oral nos tribunais trabalhistas, a ter que ir a uma audiência às 11 horas da manhã e fazer sustentação oral no Tribunal às cinco horas da tarde. Então eu fui demandado a dar respostas profissionais que eu acho que me obrigou um crescimento profissional muito mais rápido. Ter uma visão, uma experiência, uma vivência profissional muito mais rápido do que aqueles que seguiram uma carreira de ascensão lenta e gradual. Aquilo que aparentemente foi uma escolha de sobrevivência para mim foi decisivo para o meu crescimento e reconhecimento profissional.

Quando começa a terminar o regime militar tinham poucos advogados nessa área trabalhista e sindical. Vários são da velha geração que sobreviveu ao regime militar. E a maioria, a grande maioria deles ligados ao Partido Comunista. E o sindicalismo autêntico nasceu descolado do Partido Comunista. Foi uma nova experiência política que gerou a criação do PT, a criação da CUT, descolados do Partido Comunista. O partido influenciava algumas administrações sindicais, tanto é que os advogados trabalhistas mais antigos foram um dia ligados ao Partido Comunista.

Fui adquirindo projeção profissional o que nos permitiu abrir um escritório em Brasília, e depois em São Paulo. Nosso primeiro escritório foi aberto em Campinas. Começamos no interior, fizemos uma trajetória da capital para o interior. Fiz uma trajetória do interior para Brasília, de Brasília para São Paulo. Retornando São Paulo finalmente. Depois virei advogado da CUT, e depois enfim, do DIEESE.

 

Avaliação/Movimento Sindical
 

O nível de qualificação pessoal dos dirigentes sindicais melhorou muito. Um dirigente sindical nos anos 70, nos anos 80 era um dirigente sindical que tinha uma revolta em relação às péssimas condições de trabalho nas empresas. As péssimas condições sociais. Mas uma categoria como Metalúrgicos, ou Condutores, onde inclusive o grau de formação escolar individual era muito baixo, o grau de preparação individual desse dirigente sindical era muito precária. Então a visão que ele tinha das instituições era precária pela pouca formação de escolaridade formal, inclusive. O que eles tinham era grande disposição, grande desejo, um desejo ardente de mudar as coisas e fazer as coisas acontecer, de mudar a realidade. Mas uma preparação muito precária para tudo. Porque esses dirigentes são dirigentes que nascem no período final do regime militar, que não são quadros da esquerda tradicional. O regime militar quebrou a organização que a esquerda tinha antes de 64 de quadros muito mais bem preparados. Com o ressurgimento do movimento sindical apenas um ou outro que tem uma preparação política melhor. Aqueles que são base da igreja, ou conseguiram ser militante de alguma organização de esquerda que sobreviver durante o regime militar.

O sindicalismo autêntico nasceu em oposição à estrutura sindical. Em oposição ao modelo sindical que nós temos no Brasil. Ao modelo corporativo. E a Convenção 87 da OIT praticamente proporia o desmonte de toda essa estrutura corporativa. Porque ela cria uma liberdade sindical plena. Boa parte do sindicalismo brasileiro defende hoje a unicidade sindical. Inclusive na CUT, que é a central sindical que nasceu crítica à estrutura sindical. Aliás eu sou consultor jurídico da CUT também, e posso fazer essa observação com maior tranqüilidade. Mas hoje eu acho que até que a maior parte dos dirigentes da CUT defende a unicidade sindical. Este é um processo curioso.

 

Trajetória no Dieese
 

Acho que o DIEESE é um dos contratos mais importantes que eu tenho do ponto de vista de trajetória profissional e também emocional. Mais do que ganhar dinheiro com o DIEESE, ou ser advogado do DIEESE, é um local onde eu tenho o espelho da minha trajetória pessoal, apesar de que hoje eu tenho uma visão muito mais flexível do que eu tinha quando comecei. Não acredito em uma série de coisas, mas continuo acreditando na necessidade de distribuição de renda e de diminuição da desigualdade social. O DIEESE acaba sendo para mim uma ligação com a trajetória da vida profissional. Então tem, para mim, uma carga emocional importante. Meu contato com o DIEESE foi desta forma: eu era advogado do Departamento Nacional dos Bancários da CUT. Tinha um dirigente do Departamento Nacional dos Bancários da CUT, João Vaccari Neto, que na transição da saída do Barelli como diretor técnico virou presidente do DIEESE. Devido a uma série de problemas administrativos que havia no DIEESE ele acabava me consultando informalmente. Eles precisaram fazer algumas alterações de estatuto nesse período, acho que em 1990 para 91 e me pediu para redigir e registrar as mudanças. Eles não tinham nenhum advogado que dava assessoria para a direção do DIEESE. O advogado do DIEESE era o Ari Castelo e cuidava dos processos. Ele cuidava de algumas ações que ex-empregados do DIEESE tinham proposto contra o DIEESE. Mas eles não o usavam o seu serviço como consultor, como assessor da direção do DIEESE. Contrataram o meu escritório para dar esta consultoria. Foi um período muito interessante de contato com o DIEESE, porque foi um período de organização administrativa. Isso é um desafio para mim passar a fazer uma advocacia que era, de fato, uma advocacia no pólo oposto. Defendendo a instituição. Ainda que com essas considerações todas, mas que às vezes, estava em conflito com os empregados do DIEESE. Então foi uma nova experiência na minha vida muito rica nesse ponto.

Eu já tinha tido essa experiência de embate com o empregador, mas no DIEESE, com suas características próprias, acabei vivenciando outras. Eu já tinha feito negociações de greves importantes quando eu entrei aqui: Bancários, Motoristas de Ônibus, Servidores Públicos. Já tinha uma experiência bem variada de negociação coletiva. Mas também aprendi uma outra coisa como negociar o consenso político, encontrar pontos de convergência dentro da divergência de visões políticas, dentro do conflito de visões diferentes de como resolver as coisas.

O DIEESE é uma escola - desse ponto de vista - é uma escola de aprendizado da negociação para a construção de soluções consensuais. Acho que o fato de algumas vezes aqui no DIEESE se exagerar na busca do consenso isso de forma nenhuma diminui a riqueza desse princípio que você precisa negociar. A idéia da diferença, da alteridade, de que você e os diferentes precisam conviver no mesmo espaço, precisa compor e transigir, é muito rico no DIEESE. De como dirigir o DIEESE enxergando o país com a diversidade que ele tem. Porque uma coisa é você atender um sindicato rural na Amazônia, atender um sindicato rural no Nordeste e atender um sindicato de classe média em São Paulo, ou ainda, atender um sindicato de pequenos produtores no Rio Grande do Sul. Então essa diversidade toda, do que é o mundo do trabalho em um país com tanta diversidade regional, com tanta diversidade cultural, com tanta diversidade de realidade socioeconômica, tudo isso passa pela administração do DIEESE.

O DIEESE tem um corpo técnico muito politizado. De classe média intelectualizada. Isso está mudando um pouco. Óbvio que classe média intelectualizada se auto-considera com uma visão especial sobre o mundo, com uma preparação para analisar a realidade do mundo do trabalho, que lhe dá um conhecimento especial a mais. De certa maneira, faz com que os jovens técnicos que entram no DIEESE entram em um processo. Eles entram muito dono de si e vão amadurecendo nessa convivência dentro do DIEESE. Mas a maioria dos técnicos que entram aqui busca esse compromisso que o DIEESE tem, “de mudar ou melhorar o mundo do trabalho”.

Aqui não existe uma racionalidade administrativa como em qualquer organização. A administração é perpassada muito por essa preocupação de visão de mundo. O dirigente do DIEESE sofre muita dificuldade por viver papéis diferentes. Vive o papel do técnico que assessora o movimento sindical e o do administrador que deve administrar às vezes em conflito com os interesses dos empregados, com conflito com os interesses dos seus pares técnicos. Isso é um grande desafio para quem trabalha na direção do DIEESE. Desafio maior ainda de tomar decisões em momentos de crise. Decisões estas que não necessariamente foram ao encontro da lei. Teve um período em que os dirigentes, os coordenadores tiveram que reduzir os seus salários para permitir a sobrevivência econômica do DIEESE. Então essa foi uma decisão difícil. Foi uma decisão correta, legal? Não, não foi. Mas foi a decisão mais justa e correta do ponto de vista de sobrevivência da instituição. Prejudicaram os seus direitos individuais, seus interesses individuais para a sobrevivência da instituição. Depois, obviamente, a organização tenta recuperar esses prejuízos causados individualmente. Nem sempre com sucesso.

Eu acho que o movimento sindical tem hoje o DIEESE que é uma instituição que tem reconhecimento e a respeitabilidade. Você fala do DIEESE para um juiz ele conhece, sabe quem é e respeita. Você fala para um funcionário de qualquer nível de poder, de prefeitura, de governo do estado, sabe quem é e respeita. O DIEESE aparece no Jornal Nacional constantemente como referência de índice de desemprego, de inflação. E as universidades conhecem e usam o material de pesquisa do DIEESE. Então o DIEESE, digamos o seguinte, ele é o melhor instrumento que o movimento sindical tem de verbalização dos pontos de vista que os trabalhadores, enquanto sindicatos organizados têm sobre a sociedade brasileira. Sobre as instituições brasileiras. Sobre a realidade social que nós vivemos de desigualdade econômica. Todos os problemas do mundo do trabalho. É uma instituição respeitada, que é reconhecida e que consegue ter essa visibilidade política institucional. Eu não consigo imaginar o movimento sindical sem o DIEESE.

 

Assessoria
 

O DIEESE tem relação com empresas privadas. Com órgãos públicos, com contratos com as instituições e órgãos fiscalizadores do Estado. Todas essas relações que o DIEESE mantém com a sociedade brasileira, com o Estado ou, ainda, internamente com seus empregados, geram, eventualmente, problemas jurídicos. Então esse é o trabalho do advogado do DIEESE.

Eu sou mais focado para a questão relação capital-trabalho. Relação do DIEESE com seus empregados. Então, atualmente, por exemplo, o DIEESE está negociando com uma comissão de empregados. E já não é a primeira experiência. Eu já tive outras, em processos anteriores. Eu assessoro, do lado do DIEESE, a parte jurídica. Quando um empregado do DIEESE tem uma reivindicação interna a Direção consulta o advogado. Quando um empregado, enfim, causa algum problema disciplinar, ou se um coordenador do escritório precisa tomar alguma atitude é consultada a assessoria jurídica. Quando o DIEESE vai publicar um texto, às vezes, e está preocupado se o conteúdo está de acordo com a legislação trabalhista ou não. Um texto que fala sobre negociação coletiva, sobre CLT, sobre Constituição, por exemplo. Um texto técnico que ele vai publicar nós também somos consultados. Ás vezes até um técnico quando está envolvido no trabalho que está fazendo para algum sindicato, para algum grupo de sindicatos às vezes e ele tem alguma dúvida jurídica.

 

 

Futuro do Dieese

 

 

Uma entidade que trabalha com o movimento sindical tem muita dificuldade de interagir com o mercado sem romper com os seus princípios, sem romper com seus objetivos centrais de defender os interesses de trabalhadores organizados em sindicatos. Eu acabo percebendo que existe uma dificuldade de “vender” os produtos do DIEESE e digo: “Ah, mas qual é o problema de uma empresa comprar determinado produto do DIEESE”? O que eles me respondem: “Ah, mas uma empresa poderá usar em uma negociação contra o sindicato, ou contra os trabalhadores.” E eles têm razão. Em boa parte das idéias “liberalizantes” ou “capitalistas” que eu tenho eles sempre têm uma razão para por uma ponderação e dizer: “Não, olha, se for vender isso de tal forma...” Acho interessante isso. Quer dizer, qualquer idéia que eu tenho de fora para dentro não significa que eles não tenham pensado nisso. Aqui dentro se vive este dilema. E apesar deles estarem vivendo dentro de uma instituição eles conseguem ter uma visão aberta e se questionarem. E eles dão respostas razoáveis às novas demandas. Eu acho o seguinte: o DIEESE precisaria encontrar um ponto de equilíbrio onde ele pudesse conviver com o mercado. Arrecadar dinheiro não só de empresas, mas de universidades, de outras ONGs, preservando os seus valores centrais. Porque os seus valores é que lhe dão identidade e razão de ser, que conectam com sua história passada. Toda organização é feita de gente de carne e osso, de pessoas. Então mudar uma organização é um processo lento e gradual. Os valores da organização são sua essência: trabalhar e prestar serviço para o sindicato. Agora, eu não acho impossível preservar valores e encontrar esse ponto de equilíbrio que é difícil. As gerações que dirigem o DIEESE são muito focadas para o núcleo tradicional do DIEESE que é o núcleo que tem uma visão política, de assessorar os sindicatos, O DIEESE tem hoje um grau de racionalidade muito maior de administração, de controles internos administrativos. O DIEESE do período anterior era mais organizado, como era na fase ainda pré-regime militar, mas ele ganhou um grau de racionalidade e organização incomparável ao que existia no período anterior, até final dos anos 80. Se afastamos e olharmos o processo como um vemos que o DIEESE já avançou muito.

 

Família
 

Sou casado. Minha esposa é advogada autoralista, apaixonada por Direito Autoral. Trabalha, defende escritores, como o escritor Ferréz (autor do livro Capão Pecado). Ainda não temos filhos.

 

 

Avaliação/Trajetória Profissional

 

 

Vou fazer 48 anos. Eu conto aos estudantes quando dou aula muitos anos só em sindicato, que fui militante na minha juventude. Eles olham para mim como se fosse um ser em extinção. A teia de relações interpessoais em que se cria o que se chama, na filosofia, de intersubjetividade e é fundamental para entender o mundo em que vivemos, e quais as resistências que existem para mudá-lo. O que é que esgarçou a teia que valorizava socialmente os sindicatos? O que permite este tipo de mudança e o que o mantém e preserva laços? Esta é uma reflexão que devemos fazer.

Em 1988, na Itália, lembro que eu contei no curso que para professores italianos no curso que estava acompanhando que atuava em tribunais trabalhistas: “Ah, o que é que você faz?” “Ah, eu faço isso, aquilo, isso. Ah, e faço sustentação, cuido de processo de tribunal e faço sustentação oral no tribunal.” Eu tinha 26 para 27 anos. “Já faz sustentação oral no tribunal?” Isso na Europa é uma coisa para um advogado com muita experiência. Advogado já com 40, ou mais de 40 ou 50 anos. No Brasil já não é mais para gente de 26, 27 anos, mas ainda não é para gente de 50 anos.

Conto isto para ressaltar que fui submetido a tomar decisões técnicas, a estudar, me aprimorar, porque eu não tinha uma geração mais velha para se recorrer. Quero dizer, algum predecessor à quem se pode perguntar: “Como é que eu faço?”. Porque quando você tem, isso é um conforto. Ter alguém mais velho que você pode virar e falar assim: “Como é que eu faço nessa greve hoje? Como é que eu me comporto no tribunal? Quais são as questões técnicas mais importantes? Eu acho isso, o que é que você pensa sobre isso?”. Alguém que seja o oráculo. Que é o que acontece quando você tem continuidade de gerações que se sucedem. Como é ocaso quando se trabalhar em um grande escritório que tem gerações que se sucedem.

Eu optei por ser advogado e ter o meu próprio escritório. Então eu fui submetido a tantas experiências diferentes que isso me permitiu um amadurecimento nas relações interpessoais, na segurança pessoal para dar respostas nas situações que representaram desafio. E me ajudou a construir uma empresa com meus sócios. Eu sócio de um escritório em que trabalham um pouco mais de 100 pessoas. E, por fim, esse último desafio de ser empresário também. De assumir a posição de um advogado, mas que já é também um empresário. Como temos mais que 100 pessoas que vivem por conta do nosso empreendimento isso nos dá também essa responsabilidade adicional, e nos faz ver as coisas com outras preocupações adicionais. Acho que isso é fruto da trajetória pessoal que eu tive. O meu último grande desafio foi recentemente, quando fui presidente de uma comissão na OEA, até o ano passado. Foi um grande desafio enfrentar reuniões internacionais, com representantes de governos de 34 países. Consegui alcançar alguns objetivos. Não que esta atividade não tenha me dado um frio na barriga, ansiedade e tensão, mas consegui ter clareza das coisas que eu devia fazer e o momento certo de fazê-las.

O que os especialistas em administração chamam de “capital relacional”, “experiência vivencial pessoal de conflitos”, etc e tal, é muito baixa. A pessoa é focada num trabalho único, ou fez carreira a vida inteira de advogado, de juiz, ou ficou a vida inteira em uma outra instituição pública. A advocacia sindical representou, na maior parte do período em que estive envolvido com ela, a falta total estabilidade. Hoje pode se estar calmo e amanhã ter uma greve espontânea. Hoje você entra no sindicato e encontra o calmo, amanhã há um conflito. Um dia se vai calmamente ao fórum, no outro tem que ir à porta da delegacia tirar dirigente sindical.

Devo a maior parte desta experiência ao movimento sindical. A vivência que tive e a oportunidade ímpar de ter atuado profissionalmente num rico período histórico do movimento sindical. Eu não posso recomendar para ninguém, porque isso é uma coisa pessoal e intransferível. Depende das oportunidades, da chance que você tem. O Maquiavel tem uma frase que diz que o príncipe é bem sucedido quando tem virtude e fortuna. Fortuna é a idéia medieval da roda da fortuna, da sorte. A figura da roda medieval da sorte: ela estava lá girando e para. Se parar em uma boa oportunidade e você tiver o que ele chamava de virtude, quer dizer, você tem condições pessoais para tomar decisões e atitudes acertadas. Você tem consciência do que você deve fazer, tem condições técnicas de fazer e você o faz da melhor forma possível e aproveita aquelas oportunidades exaurindo a no limite. Eu considero assim a minha trajetória pessoal: eu tive muita sorte de ter vivenciado momentos muito bons.

 

 

Ações do documento