Ferramentas Pessoais
Seções

Ir para o conteúdo. | Ir para a navegação





Página Inicial Navegação Nossas Histórias José Maurício Soares

José Maurício Soares

jose_mauricio_soaresHistória temática

Identificação
 

Chamo-me José Maurício Soares Eu nasci no dia 20 de maio de 1941, em Rio Pomba, Minas Gerais.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Entrei no DIEESE em julho de 69, quando estava no primeiro ano da faculdade de Economia da Universidade de São Paulo [USP]. Eu conhecia duas pessoas que trabalhavam na instituição - uma delas participava comigo de um movimento de educação chamado Move – e a outra era um amigo que, também, fazia o curso de economia na USP, e através delas, insisti para trabalhar no DIEESE. Eu dava aula num cursinho, Madureza, e queria trabalhar no DIEESE. Depois de algum tempo fui conversar com o (Walter) Barelli.

Quando eu entrei, a sede era no Brás [bairro de São Paulo], no Sindicato do Gás, na época em que o gasômetro funcionava ali. Iniciei como estagiário fazendo um trabalho de levantamento de empresas de sociedade anônima, que publicavam seus balanços no Diário Oficial. Dados principais do balanço. Em 1º de março de 70, eu fui contratado efetivamente.

 

 

História do Dieese

 

 

O DIEESE foi fundado em 1955, em função de uma modificação no índice de custo de vida que servia de base para reajustes dos trabalhadores, nas negociações com os patrões. Eu vi um depoimento do Salvador Romano Losacco, que era dos bancários e foi um dos fundadores do DIEESE, por ocasião do aniversário de 25 anos. Ele disse que teve a greve em 52, uma greve muito grande. 52, depois 53. Eles não aceitavam o índice [do Governo]: Revelou que a instituição produtora do índice de custo de vida dizia que, “de fato, revendo o índice, foi mais do que tinha sido divulgado." Eles ficaram furiosos e mais sindicatos entraram na greve. Segundo o Losacco, foram três vezes, parece, que revisaram o índice para cima. Terminada a greve, resolveram: "Precisamos ter um índice da nossa confiança." Além disso, na negociação, ele contava que iam negociar sem base em muita coisa. Eles não tinham levantamento de preço, sabiam quanto custava algumas coisas, mas os patrões perguntavam: “Vocês querem tanto de reajuste baseado em quê?” "Ah, o arroz subiu, o aluguel subiu tanto, o bonde subiu.” Os patrões retrucavam: "Mas, a carne não subiu, o leite está o mesmo preço, a roupa está o mesmo preço." Eles ficavam desarmados. A negociação era muito difícil. Ainda mais que o índice usado estava sendo revisado na greve e eles não queriam negociar com base naquele índice. Então, fundaram o DIEESE em dezembro de 55.

Durante a Ditadura muitos sindicatos entraram e muitos saíram do quadro de filiados do DIEESE. Eu me lembro que alguns saíram por pressão. Por deterem o presidente do sindicato, por ameaça. Pressões desse tipo. Depois de certo tempo, ia lá um major do exército para pegar a cesta básica para poder comparar com o preço do rancho deles. Nós fazíamos o cálculo para ele.

 

Pesquisa/POF

 

 

Para se calcular um índice é preciso, primeiro, fazer uma pesquisa de orçamento familiar. As pessoas, famílias, respondem, durante um mês inteiro, o que gastou e de que forma foi gasto, quanto gastou. Na primeira pesquisa, realizada em 1958, usava-se uma caderneta daquelas de armazém, aquela brochurinha, “deve / haver”, do armazém de antigamente, onde se fazia a compra e anotava na caderneta. Para o levantamento das despesas mais comuns e corriqueiras utilizou-se este tipo de caderneta, e, nelas as famílias anotavam tais despesas. Usavam-se também questionários para perguntar a composição da família. Bastava dizer o chefe, os outros membros da família, a relação com o chefe: filho, esposa, sobrinho, outras pessoas que não são da família nuclear. A pesquisa foi realizada com base nos trabalhadores sindicalizados de São Paulo. A partir dos dados colhidos foram feitas as tabulações, distribuídas em grupos – alimentação, habitação, vestuário, transporte – e dentro desses grupos, tem subgrupos compostos pelos produtos. Outra pesquisa fundamental consistia em um levantamento de onde as pessoas faziam suas compras. Naquela época, era basicamente na feira, no armazém, na padaria, no açougue. Não tinha supermercado. Faziam no Mercadão de Santo Amaro, Mercadão Central, o Mercado da Lapa, Ipiranga. Tinham esses mercados antigos. Começamos a calcular o índice em janeiro de 1959.

Na época que eu entrei, o DIEESE estava fazendo a pesquisa de 1969/1970. A segunda pesquisa de orçamento familiar [POF]. A Annez Andraus coordenava a equipe de pesquisadores, com a assessoria do professor Albertino Rodrigues, que tinha sido diretor do DIEESE. Não era mais, já era o Barelli. Isso era feito ainda no Sindicato do Gás, na Rua Maria Domitila. Calculava o índice e fazia uma divulgação simples. Para os sindicatos e imprensa. Era somente uma folha. Nesta época, o movimento sindical andava muito quieto. Tinha tido uma greve em 68, em Osasco, e outra em Contagem, Minas Gerais. O Jarbas Passarinho era o Ministro do Trabalho e para encerrar a greve, deu um abono no final do ano. Um abono salarial, que era descontado depois, no reajuste anual seguinte. Daí para frente, o AI-5 proibiu greve de qualquer tipo. O AI-5 foi editado em 13 de dezembro de 68. Havia sensores na imprensa. No jornal Estado de São Paulo, muitas vezes, a primeira página saía com uma receita de bolo no lugar da matéria. Eu comecei a calcular o Índice de Custo de Vida no mês de setembro de 70 até 77. Depois entrou um estatístico que passou a ser o responsável pelo cálculo do ICV.

 

 

Manipulação de Índices

 

 

Em julho de 77, saiu uma matéria na Folha [jornal Folha de S.Paulo], sobre um relatório do Banco Mundial, em que o Paulo Francis [jornalista], que estava nos Estados Unidos, comentava essas informações. Tinha uma das tabelas do relatório que indicava que o índice do custo de vida de 73 tinha sido de 22%, coisa por aí, enquanto que o índice oficial do governo tinha sido 13 e pouco. A redação da Folha grifou a taxa, dizendo: “O Banco Mundial extrapolou ou o governo nos deve algumas explicações sobre o índice oficial”. A Gazeta Mercantil [jornal paulistano], no dia seguinte, citou trechos de um relatório, “de alta fonte” dizendo, realmente, da manipulação do índice. “Como é que conserta?” A pessoa fez esse relatório, em 73... O Geisel [general Ernesto Geisel, presidente da República] já tinha sido escolhido o novo presidente, mas tomaria posse só em março de 74; Tanto assim que o índice publicado, por exemplo, na revista Conjuntura Econômica da Fundação Getúlio Vargas, de março ou de abril, tem dados revisados, janeiro até março. Dados revisados, com resultados bem diferentes.

Nessa celeuma toda, o cálculo do DIEESE, deu 26,67%. No citado relatório, após a revisão chegou-se a 26%. Foi quando o DIEESE foi levado lá para cima, estava na imprensa, na televisão, quase todos os dias. Apareceram vários jornalistas no DIEESE. Eu dei muitas entrevistas, ensinei para um jornalista, o que era índice de custo de vida, como calculava, porque estava dando errado. Os sindicatos começaram a gritar e o DIEESE passou a refazer o cálculo das perdas salariais. Como tinham datas-base, datas de reajustes diferentes, era necessário calcular para cada data. Os trabalhadores metalúrgicos de São Paulo, Osasco, Mogi e Guarulhos, por exemplo, tinham a data-base novembro. Os demais, inclusive de São Bernardo do Campo, do interior, a data-base era em abril. O primeiro cálculo de correção do índice foi feito para os metalúrgicos com data-base em abril. Porque a política salarial, desde 1964/1965, entre outras coisas do plano de ação econômica do governo – PAEG - consistia no cálculo do índice salarial médio, baseado na inflação oficial, dos últimos 24 meses. E, no meio do período, tinha tido um reajuste, referente ao ano anterior. Os coeficientes eram os mesmos para qualquer categoria que tivesse data-base no mesmo mês, no mesmo dia. Mas, se o reajuste no ano anterior, fosse diferente, o resultado era diferente. O reajuste continuava anual. Mas, partindo da média. E acrescentava a produtividade, que era definida pelo governo. Os trabalhadores não tinham a mínima negociação com os patrões. Nada! E tinha que ser aquele índice. Não adiantava discutir e acertar com os patrões um índice maior do que aquele. Se fosse maior, o Ministério do Trabalho interviria, ou a Delegacia Regional do Trabalho não aprovava.

Eu estava, naquela época, fazendo um levantamento no sindicato de Santo André, e houve uma assembléia de trabalhadores para tratar da manipulação do índice oficial. O salão estava lotado. Eu fui chamado para a mesa, estavam lá o presidente, outros diretores. Um discurso mais feroz do que o outro. Um levantando: "Nós precisamos fazer greve." O presidente chamou um outro diretor: Orientou para dizer que "Greve tem que preparar. Não dá para sair amanhã, fazer greve. Não dá. Você tem que preparar, tem que ver como que é. Como faz uma greve." Fazia dez anos, praticamente, que não havia greve na categoria. O diretor ponderou: "Greve é o último recurso e a gente não pode queimar cartucho." Teve esses jargões todos. Se colocasse em votação, dava 100% de apoio para a greve no dia seguinte.

 

CPI da Manipulação dos Índices

 

 

Foi em 77 que surgiu a questão da manipulação do índice de 73. Teve uma Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI]. O DIEESE tinha preparado um estudo, há muito tempo: Dez anos de política salarial. Foi publicado em 74. Tínhamos o conhecimento da política salarial, fazia parte do programa de ação econômica do governo, do Otávio Gouveia de Bulhões e do Roberto Campos. Entre as coisas para combater a inflação, pois ela tinha chegado, mais ou menos, a 100%, em 1964. Desde final dos anos 50 a inflação começou a subir. E chegou a perto de 100%, ou algo por aí, em 64. Essa política salarial ficou apelidada de arrocho salarial. Ela foi decretada primeiro para os servidores públicos, depois para as empresas de economia mista. Que eram as empresas estatais, basicamente. E depois, começou a valer para todo mundo. O que era para durar três anos, durou quase 30, terminando em junho 1995, com a proibição de qualquer indexação. As Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN - foram instituídas nesse programa de ação econômica do governo. Então, tudo passava a ser corrigido por isso ou por um índice.

Na CPI, o Barelli foi o primeiro a fazer o depoimento, depois veio o [Mario Henrique] Simonsen e o Delfim Neto, e não podiam retrucar. O Delfim Neto [ex-ministro da Fazenda], fez muitas ironias.

 

 

Greves

 

 

Naquela época, não tinha a política semestral. Entretanto, já tinham acordos que previam que depois de seis meses se teria 20%, 15% de antecipação nos salários. Outros davam por conta. Por exemplo, tinha uma empresa que dava aumento a cada dois meses, dava um pequeno reajuste. Descontava-se depois, na data-base seguinte. Os sindicatos de São Bernardo, Santo André e São Caetano queriam que em 1º de abril de 1978 fosse feita a correção sobre o salário de março. Porque em outubro, eles tiveram uma antecipação, chamavam antecipação salarial, um reajuste que deu 20%, mas a inflação era 40% ao ano sobre o salário de abril do ano anterior. E o que o pessoal queria é que não descontasse essa antecipação, para corrigir parte das perdas. Que fosse sobre o salário de março, principalmente com as empresas automobilísticas. Então, esperaram receber o holerite. Naquela época era até o décimo dia útil. Hoje é até o quinto dia útil que você tem que pagar. Então, no dia 10 ou 11 de maio, receberam o holerite com o reajuste sobre abril do ano anterior e não sobre março daquele ano. E aí, parou a Scania. Já estava dentro do esquema, preparado, parou a Volkswagen, parou borracheiro, parou São Paulo, São Caetano, Santo André. Foi parando todo mundo. E aí, nessa greve é que houve a negociação com as montadoras. Nessa negociação, estavam lá o Maurício Soares (advogado do Sindicato de São Bernardo e, se não me engano, o Almir Pazianotto, os diretores do sindicato, o Lula, o Djalma, o Devanir Ribeiro e a equipe do DIEESE). A negociação começou às nove horas da manhã na Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). Por volta de uma hora da madrugada do dia seguinte chegou-se a um acordo da forma de reajuste. Essa greve tinha sido em 78. Uma greve grande. Em 79, teve outra. Aí, o Lula [Luis Inácio Lula da Silva] e toda a diretoria do Sindicato de São Bernardo foram presos. A mãe do Lula morreu, ele estava preso. Foi algemado para o enterro, eu estava ao lado dele.

Políticas Salariais
 

Em 1985, no Governo do presidente Geisel, houve uma mudança da política salarial, passou-se da média salarial dos últimos 24 meses para a média dos últimos 12 meses. Acrescentava-se metade da previsão inflacionária. A idéia era de que houvesse ganho nos primeiros seis meses e perda nos outros seis meses. Além disso, incluía-se a taxa de produtividade. Como a previsão inflacionária para os próximos 12 meses era muito menor , introduziu-se a correção do resíduo inflacionário, aquela parte que faltava da previsão do reajuste do ano anterior. Uma nova alteração ocorreu em 1979 a partir de novembro. Instituiu-se a política salarial semestral com base no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) calculado pelo IBGE. Essa política semestral era feita da seguinte forma: qualquer salário até três salários mínimos, tinha o INPC [mais 10% da taxa). Se o INPC semestral fosse de 30%, este salário teria 33%. Caso o salário fosse maior que três salários mínimos e menor que 10, o reajuste seria assim: até três mínimos aplicava-se a taxa do INPC mais 10% dessa taxa e na parcela restante o INPC semestral. Se fosse mais do que dez salários mínimos, essa parcela receberia apenas 80% do INPC. Se a política continuasse durante muito tempo, alguns anos depois, todos os salários estavam valendo 11 salários mínimos. Que é mais do que a média salarial hoje da área metropolitana de São Paulo. Bom, e o primeiro valor foi para novembro de 79. Metalúrgicos de São Paulo, de Osasco, de Guarulhos, dos Gráficos, 1º de novembro. O salário mínimo também tinha o índice mais 10%. Em 81, cortaram isso do salário mínimo. Os outros continuaram. A inflação que em 1979 estava em cerca de 40%, quando os reajustes passaram a ser semestrais no ano seguinte dobrou atingindo taxas de 80% a 90%, quer dizer, a perda ficou do mesmo tamanho. A perda que você tinha em 45% no semestre, passou a ser maior no semestre

O poder de compra do salário mínimo era muito maior do que esse agora. De 95 para cá, já aumentou 40% real, descontada a inflação. Esse ano vai chegar perto de 50%. Só para entender, em 59, o salário mínimo era 5.900 cruzeiros. A passagem de ônibus era 5 cruzeiros. E foi o ano inteiro assim, tanto a passagem de ônibus, como a do bonde, que era mais barato um pouquinho. Você comprava 1.180 passagens de ônibus com o salário mínimo. E o salário foi perdendo o poder de compra, tanto pelo crescimento da inflação, que passou a ser, depois, 40%, 70% ao mês. Com o Plano Cruzado, em 86, só pra você ter uma idéia, o salário mínimo valia 804,cruzados e a passagem de ônibus era 1,50 cruzados. Em 2006 a tarifa de ônibus custa 2 reais e você consegue comprar 352 passagens com o salário mínimo vigente . É uma diferença brutal. Eu estudei em Belo Horizonte [MG], nos anos de 1959, 60, 61, fiz o colégio e tinha um amigo meu que era bancário. Fizeram uma greve, não sei se em 60 ou 61. Encontrei com ele na rua e perguntei: "E aí?" Tinha terminado a greve. "E aí, como ficou?" Falou: "Ah, agora nós ganhamos O (zero) salário". O salário era o salário mínimo. Os bancos não pagavam nem o salário mínimo. Eu me lembro uma vez, também, de uma entrevista de uma senhora na televisão, falando da época de reajuste do salário mínimo: "Eu estou fazendo crochê porque o salário que eu ganho, que é o salário mínimo, não dá para viver. E quando a senhora se aposentou? Ah, quando eu aposentei, eu ajudava os meus filhos. Dava para eu viver com folga frente a isso. Hoje são os meus netos que têm que me ajudar e eu tenho que fazer crochê ainda." Ela tinha 90 e tantos anos. Naquela época, mesmo em 64, o salário mínimo tinha um poder de compra muito maior.

 

Pesquisa/PPVE
 

Em 77, fizemos a primeira reunião para renovar a pesquisa de 69, 70. De tempos em tempos, é necessário fazer a pesquisa de orçamento familiar porque somem alguns itens nos hábitos de consumo e entram outros. Basta você verificar, a pesquisa de 58: tinha chapéu e suspensório. Hoje, suspensório, usam os mais gordinhos. Alguns artistas colocam suspensório. Palhaço usa suspensório com aquela calça. E chapéu também não. Em 69, 70, íamos lanchar na Rangel Pestana. Tinha uma padaria lá, comíamos um sanduíche, tomávamos uma vitamina. No trecho, na quadra, que você ia da Rua Maria Domitila até lá, tinha uma lojinha que vendia doces, iogurte. Na época, existia só o Danone. A Annez, volta e meia, pedia: "Ah, traz um Danone para mim." Danone virou nome de iogurte. O Danone não entrou na lista de pesquisa de preço em 69/70, porque não tinha peso significativo. Não pesava no bolso. Era meio caro e pouca gente comia. Era novidade também.

Houve a primeira reunião para preparar a nova pesquisa de orçamento familiar. A idéia era de que o DIEESE fizesse a pesquisa na área metropolitana de São Paulo e o Albertino nas cidades médias do interior de São Paulo, dentro do quadrilátero São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Bauru e Campinas. Incluía Jaú, Araraquara, São Carlos, Rio Claro, Americana, Limeira. Eram sete cidades, eu não lembro de todas. Nós fizemos questionários, discutimos, e a idéia era também fazer pesquisa de emprego/desemprego. Não existia, ainda, a pesquisa de emprego/desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], que só foi surgir em 1980. Mas, a pesquisa de orçamento familiar custa muito caro. Fizemos o questionário, sentamos com o Paulo Renato. O Paulo Renato tinha trabalhado muito tempo no PREALC, Programa Regional de Emprego pra América Latina e Caribe. Foi vice-presidente e presidente interinamente. Fez várias pesquisas dentro da metodologia do PREALC, que tinha um questionário de composição familiar, em que você punha o nome do chefe, definido pela família, podia ser a mulher ou o marido, ou se estava separada, quem estava ali, se era o marido, se era a mulher. E depois, os demais membros com a relação que tinha com o chefe, filho, esposa, sobrinho, agregado. Tinha a idade, que anotava em meses para as crianças menores de cinco anos. E tinha local de nascimento, estado. Se rural ou urbano. Por exemplo, botava a sigla do estado e mais, urbano ou rural. Tinha nível de instrução. Esse é o primeiro questionário. Para todas as pessoas com dez anos ou mais, se aplicava o segundo questionário, que era de ocupação. Questionário dois: ocupação. A primeira pergunta era: "Você trabalhou a semana passada?" Se ele trabalhou pulava para o questionário de assalariado ou de conta própria, autônomo, patrão ou de trabalhador familiar. Se ele dizia que não, você perguntava: "Você procurou emprego?" "Também não.” E tinha mais questões. Podia ter sido definido como inativo. Uma mulher, por exemplo, que não tinha emprego. Não estava desempregada, estava trabalhando na casa. Se ele respondesse que procurou emprego e com mais algumas outras perguntas seria aplicado o questionário de desempregado. O inativo ia para o inativo. Eram cinco questionários. Chamava-se PPVE, Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego. Mas, sem grana, paramos. Mandamos para várias instituições, para universidades, IBGE, professores pesquisadores sociais, para fazerem uma avaliação. Pedíamos: "Acrescentar, não. Cortar pode." Porque o questionário estava enorme. Todo mundo queria acrescentar. Queria saber da cor, queria saber sobre gênero. Enfim, muita coisa. Trabalhávamos nesta pesquisa eu, Pedro Paulo, Tomás de Aquino e o Luís Hirano. Nós quatro coordenávamos. Depois, contratamos mais cinco ou seis coordenadores de campo. Tinha uma equipe de campo, basicamente uma área central e mais cinco regiões que pegavam desse anel em torno do centro e os eixos de avenidas. Então, você tinha mais cinco, que expandiam além de São Paulo, para as áreas metropolitanas. Excetuados alguns municípios. Na época a área metropolitana tinha 37 municípios, nós fizemos em 27. Eu costumo dizer que a pesquisa ia de Cotia até Mogi, e de Caieiras até Rio Grande da Serra. É mais ou menos isso. A amostra foi extraída da Pesquisa Origem e Destino (OD), da EMPLASA, extraídas de 3.600 endereços. Depois sorteamos ali dentro, duas mil famílias. Mil e quinhentos, para o município de São Paulo e 500 para os demais municípios. Pegávamos na mesma região, a mesma área homogênea. Podia ser, por exemplo, geograficamente distante, mas tinha certa homogeneidade: padrão da casa, infra-estrutura urbana, carro ou garagem, pelo menos. Tinha uma série de critérios, renda, para você definir que uma área lá na zona norte é homogênea a uma outra área na zona leste ou sul. Geramos um endereço aleatório para substituição ou esclarecimento do domicílio a ser pesquisado, que era de um a nove. Mas, tudo sorteado. Em cada endereço que íamos, tinha um número. Mapeamos tudo. Chegava numa vila, tinha um número na entrada da vila, tinha cinco, seis casas lá. Então, a gente sorteava lá, na hora. Pegava a primeira à direita ou a terceira à direita ou a quarta à esquerda. Contando da direita para a esquerda. O pesquisador tinha que ligar, definíamos isso no escritório, na hora. Inclusive sábado e domingo tinha plantão, que era um momento em que você encontrava as pessoas. Eu costumo dizer que eu tenho pós-graduação em pesquisa. Porque tem coisa que precisa resolver na hora, não tem manual que diz: "Se acontecer isso, faz isso." Não tem, não existe. Aconteciam as mais variadas situações.

O Albertino fez a pesquisa das cidades médias do interior. Nós fizemos da área metropolitana. Conseguimos algum dinheiro, fizemos no segundo semestre de 82, primeiro semestre de 83. Você pegava o trimestre, do período julho, agosto, setembro e no último mês (setembro) aplicava alguns questionários, por exemplo, bens duráveis, porque você não compra geladeira todo dia. Pegava o trimestre. Alguma compra no trimestre ou alguma prestação. Comprou lá atrás, mas está pagando prestação. O que pagou no trimestre. Roupa. E bolamos uma caderneta diferente. Era um papel ofício, que tinha uma capa com um desenho. O Pedro Paulo tinha um amigo que era desenhista, ele botou a família em redor da mesa da casa, com o gato, cachorro, ali do lado. E o título era: o seu custo de vida, na ponta do nosso lápis. E aí, você virava a página, tinha um pouco menos de meia página com um texto explicativo de como preencher. E o resto da página já preenchido, modelo de como preencher. Você não podia colocar: compras de supermercado, tantos reais. Cem reais, não podia. Tinha que descrever o que comprou. Leite e pão, na padaria, por exemplo, até que dava para deduzir, porque você sabia, mais ou menos, o preço do pão, o preço do leite. Não era tão complicado, mas a gente insistia para não fazerem isso..E no preenchimento desta página de modelo, ficou assim: carne, macarrão, papel higiênico, massa de tomate, sabão em pó, tudo misturado. Só que em linhas diferentes. Aí, você tinha a data que era o mês e o ano, dois dígitos para mês, dois dígitos para o ano, que o resto sabíamos que era primeiro trimestre, julho, agosto, setembro. O segundo já era outubro, novembro, dezembro de 1982. Você ia sempre no último mês de cada trimestre, seguida pelos dois primeiros trimestres de 1983 E o preenchimento ficava por conta de um membro da família. Eram sete páginas, com sete desenhos diferentes. Eu garanto que todo mundo folheou, mesmo que não tenha preenchido, folheou tudo aquilo para ver os desenhos. Era um lembrete mais leve que ajudava no preenchimento da caderneta pelas famílias. Distribuíamos isto, na primeira visita; aplicava o questionário de composição familiar e entregava a caderneta. Fizemos um pré-teste desse formulário com os dirigentes sindicais. Depois chamamos e verificamos como eles marcaram. Um sindicalista fez a seguinte observação: "Olha, eu tenho gastado fora de casa. E chegando em casa, eu ia marcar na caderneta, não me lembrava de tudo. Eu sabia que tinha mais coisa, mas não me lembrava de tudo. Ônibus, eu sei. O almoço, tal, mais ou menos, eu sei. Mas, tinha mais coisa que eu não me lembrava. É um sorvete, é um lanchezinho, é cigarro. Não lembrava. Aí, eu passei a anotar num papel. Chegava em casa, eu passava para caderneta. Num dia, eu tinha já anotado algumas coisas nesse papel e o diretor lá falou que era para eu ligar para alguém, eu anotei o telefone, acabei de ligar, amassei o papel e joguei no lixo. Cheguei em casa e não lembrava mais. Porque que vocês não fazem uma cadernetinha para anotações dos gastos fora de casa?” Nós, então, fizemos um formulário, do tamanho de um talão de cheque, mais ou menos, com a mesma forma da caderneta. Data, produto, tipo ou marca do produto, a quantidade, o preço unitário e o total pago. E o local onde você fez a compra. Isso na caderneta e no formulário. Local onde você fez a compra, bastava dizer supermercado, padaria, açougue. Depois, passávamos um questionário perguntando o endereço do supermercado mais freqüente, o açougue mais freqüente. Marcávamos a primeira entrevista com as pessoas maiores de dez anos. Tinha que ser individual. Marcava a data que eles estariam lá, geralmente fim de semana. Íamos depois do dia dez, que já podia anotar a renda do mês anterior. As cadernetas e as agendinhas eram recolhidas no meio do mês e substituídas por outras.

A agenda, às vezes, vinha em branco: Cabia ao supervisor de campo esclarecer com o pesquisador "Não preencheu?" "Ah, não sei." O pesquisador deveria verificar com a família: “Entrega a segunda e tenta recuperar a primeira quinzena.” Vinha lá a observação: “É uma pessoa de idade, não sai de casa, não faz...” Para saber que não houve gasto nenhum. Às vezes, a pessoa comprava um par de sapatos, anotava na agenda. A gente passava o questionário perguntando roupa, calçado, bens duráveis, geladeira, televisão, e ela marcava de novo ali. Tinha passado para a caderneta. Então, quando você ia digitar, tinha que passar tais gastos para os respectivos questionários. A gente tarjava com esse pincel que você marca texto. Passava em cima dos dois, da caderneta e da agendinha. O questionário era, então, digitado.

Usávamos oito dígitos para definir o produto. Tinham coisas interessantíssimas. Tinha uma agendinha que estava assim: pinga, ônibus, almoço, ônibus. No dia seguinte: pinga, ônibus, almoço, ônibus, pinga. Lá pelas tantas, você percebia que o resto era igual. Era só o que ele anotava. Antes de trabalhar, passava no bar e tomava um traguinho.

Tivemos que arrecadar um pouco mais de dinheiro para fazer a tabulação. Você tinha a equipe de coordenadores dos pesquisadores de campo. Tinha a equipe de crítica que passava para o supervisor. Falava: "Esse aqui está com problema". O supervisor dava uma olhada, mas não dava a olhada detalhada. A equipe de crítica fazia isso. E nós da coordenação dividíamos os endereços. Faltou o endereço completo da casa e um coordenador indicava qual endereço pesquisar.

A tabulação era feita, digitando os bens ou serviços e cruzando depois com os tipos de estabelecimentos como supermercado, feira, açougue, farmácia e lojas de calçados, roupas etc. Há itens que são vendidos em dois lugares: a carne, por exemplo, em açougue e supermercado. O leite na padaria e no supermercado. Você vê quanto se gastou na padaria com leite, quanto se gastou no supermercado com leite. Soma os dois e tira a porcentagem. O gasto, por exemplo, era 60% no açougue; 36% no supermercado, 4% na feira. O frango, você compra na feira. No caso do frango, tem feira, açougue e supermercado. E aí, você fazia a ponderação. Fruta, por exemplo, você tinha supermercado e feira. Mas eram 90% na feira e 10% no supermercado.

 

Produção Técnica

 

 

Nós fizemos várias pesquisas. O índice, a cesta básica. O índice está na origem do DIEESE. Basicamente era para isso, depois expandiu. Negociação, assessoria, política salarial, estudo da política salarial. Têm vários estudos da política salarial. Nós fizemos um curso chamado PCDA, Programa de Capacitação para Dirigentes e Assessores, sobre a reforma estrutural das empresas, novas tecnologias. Os cursos eram realizados em quatro módulos de quinze dias. Íamos para o Hotel Atibainha, perto de Nazaré Paulista, longe de tudo, internado, aula o dia inteiro, durante quinze dias. Mas não era somente aula. Ocorriam debates, discussão, trabalho em grupo. Tinha gente de todos os matizes, de todas as regiões do país. Fizemos vários cursos. Você tem seminários que o sindicato pede. Vai ter uma assembléia na Praia Grande, vamos lá, preparamos trabalhos, como análise de conjuntura econômica, inflação e salários e as perdas salariais, especialmente no período da inflação elevadíssima. Também são tratados os temas do emprego/desemprego.

 

 

Indicadores Socioeconômicos

 

 

Fizemos um levantamento de emprego e desemprego, taxa de desemprego. Em 84, propusemos ao Seade, a Annez trabalhava no Seade. Fomos fazer a pesquisa conjunta, DIEESE e Seade, com a metodologia do PREALC, financiado pelo Governo do Estado. O [José] Serra era Secretário de Planejamento do [Franco] Montoro [ex-governador do Estado de São Paulo]. Fizemos um pré-teste no final de 1984 e, tendo por base o ano de 1985, surgiu a pesquisa de emprego e desemprego [PED]. Cinco anos depois do IBGE. Quando surgiu o Plano Plano Real, tínhamos a pesquisa com a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor [PROCON], que existe até hoje, mas não é mais diária como no início. Esta pesquisa se refere a 31 produtos vendidos em supermercados. São 22 produtos alimentícios e mais nove de higiene e limpeza doméstica. Então, desandaram a citar aquela pesquisa porque 1º de julho de 1994, foi uma sexta-feira. De sexta para segunda, ainda subiu um pouquinho. Depois começou a cair. Foi o principal termômetro de aferição deste Plano, por ser diária. Usávamos a taxa de desemprego oculto, que era ou pelo desalento - desistiu de procurar porque nem tinha dinheiro - ou pelo emprego precário. Por exemplo um desempregado, que fazia uns bicos. Não tinha jornada. Um dia trabalhava três horas, outro dia não trabalhava, porque não tinha trabalho. Isso a gente chamava de desemprego oculto pelo trabalho precário ou pelo desalento. Era a metodologia do PREALC. E aí, dava uma taxa bem elevada. O desemprego aberto é aquele que mede quem, na semana anterior a pesquisa, não estava trabalhando e procurou emprego. Ou, que ainda procurou emprego durante o mês inteiro. O desempregado pelo desalento, por exemplo, media até um ano de desemprego. A taxa total de desemprego soma todas as taxas e dava 15%, 18%, chegou até dar 20%. Mas, a do IBGE dava menos, bem menos. O nosso questionário permitia fazer o que o IBGE não fazia. O questionário do DIEESE era mais amplo. Com o tempo o IBGE também passou a medir o desemprego precário. Já o desemprego aberto estava muito próximo, uma diferença relativamente pequena.

 

 

Centrais Sindicais

 

 

Houve um congresso dos empresários, chamado Conferência Nacional das Classes Produtoras [CONCLAP], se não me engano, no Rio de Janeiro. Os trabalhadores se reuniram: "Vamos fazer o nosso congresso também." Porque era tudo proibido. Qualquer reunião ou entidade intersindical a ditadura não permitia. O DIEESE foi única exceção. Existiam divergências entre os diversos sindicatos mas isso não impediu a reunião. Eles, então, fizeram o Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras [CONCLAT], na Praia Grande [SP], na colônia do sindicato dos têxteis. A partir desse congresso surgiram as Centrais Sindicais.

 

Eleições no Dieese

 

 

O DIEESE é a única entidade intersindical que permaneceu, que não foi cassada nesse período todo. A eleição da diretoria sindical do DIEESE é realizada pela Assembléia Geral das Entidades Sindicais Sócias. O mandato é de três anos. Nos últimos anos se convencionou que, apesar de o mandato ser de três anos, o presidente tem o mandato de um ano havendo um rodízio entre a vice-presidência e a secretaria geral, e a alternância das centrais sindicais no direção do DIEESE.

 

 

Avaliação/Trajetória no Dieesee

 

 

Eu fui para o DIEESE porque tinha interesse por essa área. Uma vez a Olivetti - eu tinha um contato com uma pessoa lá - emprestou uma máquina xerox que era a álcool, que exigia um papel especial. Acabou doando para o DIEESE.

O DIEESE não tinha mimeógrafo, não tinha nada. Tinha que fazer tudo fora, em alguns sindicatos. Todo trabalho era mimeografado. Eu costumo dizer que nos meus 36 anos de DIEESE, eu tenho dez anos de hora extra, mais ou menos. A minha jornada é de seis horas, mas na pesquisa, você chegava às nove horas, oito horas e ficava até dez horas da noite. Fim de semana, vários. Eram dois de manhã, dois de tarde, entre equipe de coordenação e a equipe de supervisão, para definir, para dar instruções. Sinto-me realizado nessas coisas todas.

Tive muitas experiências dessas. Eu estava no Rio Grande do Sul quando foi criado o Escritório Regional, em março de 1977, o primeiro escritório regional do DIEESE, com o Olívio Dutra, do sindicato dos bancários de Porto Alegre na direção regional. A criação de um escritório regional é a condição para pesquisar os preços e calcular a cesta básica na região. Depois veio Belo Horizonte -setembro de 1979, Rio de Janeiro – em janeiro de 1983, Salvador - abril de 1983, Curitiba - junho de 1983, Florianópolis – maio de 1985, Brasília –janeiro de 1986, Fortaleza – setembro de 1986, Recife –fevereiro de 1987, Belém agosto de 1987, João Pessoa – julho de 1988, Vitória – outubro de 1988, Natal – fevereiro de 1991, Goiânia – dezembro de 1994 e Aracaju – setembro de 1995.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Eu acho interessante ter um projeto de memória. Ninguém diria, quando o DIEESE surgiu, que ele duraria 50 anos, principalmente depois do golpe militar. Trabalhamos muito. O estudo de política salarial, por exemplo, começou em 65 e terminou em 95. Durou 30 anos, era para durar três anos. Nesse longo período houve grande ampliação do DIEESE, com a implantação e desenvolvimento de outras pesquisas e muitos projetos. Estou aqui, este tempo todo, participando, vendo essa história. A gente costuma dizer que o DIEESE é uma cachacinha. Viciou e não larga mais. Portanto, manter esta memória é muito importante.

 

Ações do documento