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Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça

sergio_eduardo_arbulu_mendoncaHistória de Vida

Identificação
 

Meu nome é Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça; nascido em São Paulo, Capital, no dia 16 de Novembro de 1958. Meu pai é Pedro Novaes Mendonça e minha mãe é Eolora Arbulu Mendonça. Arbulu é basco, é espanhol do país basco. Mendonça diziam que tinha alguma coisa de francês, na herança do meu pai, mas deve ter misturado de tudo, português, inclusive, talvez até espanhol. Mas tem uma história de um tio do meu pai, tio do bisavô, do tataravô dele que esteve com Napoleão Bonaparte na França, mas essa é uma história que eu não sei se é verdade ou se pode ser provada. É uma espécie de lenda. Agora, o Arbulu não. É da família da minha mãe, espanhol, e é basco. Todos esses nomes que terminam com “u” são bascos, quase todos.

 

 

Infância

 

 

A minha infância foi muito simples. O Jânio Quadros era governador de São Paulo e construiu umas casas populares lá para o lado do Butantã, chamado Jardim Previdência. Hoje é no começo da Raposo Tavares. Meus pais foram morar lá. Isso hoje é muito perto do Butantã, do Caxingui, da Universidade de São Paulo, da USP, no comecinho da Raposo Tavares. Eu vivi lá minha infância. Era um conjunto onde foram morar muitos casais novos, todos eram da mesma idade, todos tinham filhos da mesma idade. Eu tenho um irmão e tínhamos um grupo muito grande de amigos. Era gente simples, classe média para baixa, ou média média. Sei lá o que seria hoje.

Naquela época, não tinha ônibus para lá. A Raposo Tavares não era nem de longe o que é hoje. Foi uma infância de jogar bola, de estudar, essas coisas, mas nós tínhamos um grupo muito grande, tinha todo tipo de brincadeira nesse grupo. Estudávamos juntos, tinha um colégio pertinho, íamos a pé.

Estudei primeiro em colégio municipal, depois colégio estadual, tudo perto da minha casa, fazia tudo a pé nesse lugar que hoje é um lugar grande. Naquela época, minha mãe ainda conta, que quando os filhos iam nascer era um horror, buscar táxi para sair correndo, ninguém tinha carro.

 

Estudos
 

Estudei num colégio ali perto, eu não me lembro bem do nome, mas é Escola Municipal do Caxingui. Íamos a pé, é um pouco mais abaixo, o Caxingui é próximo do Jardim Previdência. Eu fiz o primário, depois o ginásio eu fiz bem perto da minha casa num colégio que se chama Virgília Rodrigues Alves Carvalho Pinto, que é a mãe do Carvalho Pinto, que foi governador de São Paulo. Eu entrei na escola com seis anos e nos primeiros três meses eu fiquei sendo testado para ver se eu podia cumprir o primeiro ano porque, na época, já estava começando a ser obrigatório entrar com sete anos na escola. Fiquei dois meses sendo testado e consegui permanecer no primeiro ano. A minha professora morava em frente à minha casa, a “tia”, que era professora do primeiro ano. Foi uma infância comum, não teve nenhuma grande lembrança especial.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Formalmente, comecei a trabalhar com 17 anos, mas antes cheguei a dar aula de inglês. Coisa boba, bem passageira. Como trabalho regular foi quando eu entrei na faculdade. Logo que eu entrei, comecei a trabalhar, com 17 anos, na própria faculdade em que eu estudava. Mexia com computador. Eu era programador, depois analista de sistemas, embora fizesse faculdade de Economia. Todo o tempo que eu fiquei na faculdade eu trabalhei lá. Fiz pós-graduação, na própria faculdade. Fiquei seis anos lá.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Comecei a fazer um “bico” no DIEESE, em 1978. Eu estava na faculdade e mexia com computação. Não essa computação que está aí hoje. Eu não aprendi essa nova tecnologia, mas, na época, eram os grandes computadores, cartão de computador, enfim. E foi aí que eu vim parar no DIEESE. Tinha um cara que trabalhava comigo que trabalhou muitos anos aqui no DIEESE, já morreu, o Jorge Uehara, ele não queria mais, ele estava na função fazia tempo e ele passou para mim esse bico que fazia para o DIEESE. Tinha um outro amigo nosso que também trabalhava conosco lá no Centro de Processamento de Dados da Faculdade de Economia da USP, ele passou para ele e esse japonês, o Jorge, passou para mim. E foi aí que eu conheci o DIEESE, conheci o Barelli, o Dirceu também, e daí nunca mais eu me desliguei do DIEESE, até recentemente.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Tive sorte pelo seguinte, o trabalho lá tinha muito a ver com a faculdade, embora fosse na área de Processamento de Dados, eu lidava com os professores, lidava com pesquisas na área econômica então foi um aprendizado. O trabalho puxava, seis horas por dia, mais a faculdade, mais estudar, mais um monte de coisa, mas era um trabalho que me ajudava no estudo, então várias matérias foram facilitadas, até. Conhecia os professores e tinha uma oportunidade boa de estar em um ambiente muito favorável. Eu trabalhava muito, era muito comum naquela época, virarmos a madrugada trabalhando. Quem trabalhou com processamento de dados, grandes computadores, sabe que a madrugada é um período de trabalho, quando dá pau nos programas, você tem que resolver. Até, tem um caso muito engraçado quando eu estava com o Jorge, uma madrugada lá no Centro de Computação da USP, na Poli, na Escola Politécnica, e tinham os caras, sempre os mesmos que ficavam de madrugada trabalhando. Um deles era um físico que estava fazendo a tese de doutorado e, às vezes, dava uns paus no programa e não conseguíamos resolver. Estávamos cansados e falávamos: “Vamos embora para casa que a hora que a gente acordar descobre o erro”. Isso também era muito comum. Aí esse cara saiu e ao fazer a curva que tem no final da Cidade Universitária, ele começou a pensar no erro e na solução do problema dele. Ele ficou tão concentrado no problema que enfiou o carro no poste. É uma história que eu me lembro até hoje. Mas, como eu disse, essa coisa me ajudou com todas as matérias ligadas à Estatística, Estatística Econômica, Econometria, Processamento de Dados, ficaram muito fáceis para mim pelo meu trabalho. O trabalho me ajudava na faculdade.

Quando eu entrei no DIEESE, larguei essa área de computação e fui ser economista, que era o que eu gostava. O Barelli era um economista famoso, já começando a ficar famoso, tudo isso é final dos anos 70, é o período de redemocratização do Brasil, o período das lutas sindicais, da anistia em 79, é esse período.

 

Militância Política
 

Eu estudei na faculdade de 76 a 79, e depois fiz pós-graduação, de 80 a 81. Não é o período duro da ditadura militar, já é o período da redemocratização, embora ainda quando eu estava na faculdade tenha morrido o Fiel Filho. Manoel Fiel Filho que morreu em 76, no DOI-CODI, e, em 75, o Herzog. É um período bem interessante, o movimento estudantil também renasceu naquela época. Eu não fui um militante estudantil assíduo até porque não tinha tempo para ser. Trabalhar, estudar e ser militante, não dá. Mas, eu participei, tive muitos amigos. Por exemplo, o Aloísio Mercadante que hoje é candidato a senador, eu fui calouro do Aloísio na faculdade. O Aloísio estava no quarto ano, tinha gente famosa lá, mas eu acho que ele é hoje o mais famoso de todos da minha geração.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Eu fiz escola técnica, de eletrônica, eu queria ser engenheiro, mas no meio da escola técnica eu percebi que não era bem minha vocação. Não tinha vontade, não tinha habilidade e conhecimento para aquilo. Tinha um cara que morou na frente da minha casa, também estudou, era mais velho do que eu, que fazia Economia, aí eu conversando com ele sentado na guia da minha casa, na rua, perguntando e ele era um cara bem bacana, ele foi me explicando e eu me interessei. Quando eu estava no terceiro ano da escola técnica, eram quatro anos, mas o terceiro já te dava equivalência do antigo colegial, eu resolvi fazer a faculdade sem grandes pretensões. Eu fui fazer esse vestibular, eu era muito novo e não tinha pretensão, e eu já ia trabalhar no ano seguinte na Telesp porque eu tinha feito escola técnica, ia fazer o estágio, ia morar na casa da minha tia, no Cambuci, essa Telesp era do lado do Cambuci e eu ia fazer cursinho. Era isso que eu ia fazer, mas entrei na faculdade, dei sorte e entrei, então larguei tudo isso e fui estudar. A USP era do lado da minha casa, para mim era uma beleza, eu ia a pé para a USP.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Nós brincamos que éramos bóias-frias no DIEESE porque éramos todos contratados sem carteira, sem nada. Desde 78, eu fazia bico para o DIEESE, a primeira carteira que eu tinha assinado foi em março de 81 quando o DIEESE estava fazendo uma grande pesquisa chamada pesquisa padrão de vida e emprego. Eu estava no final da minha pós-graduação e eu fui contratado para trabalhar ainda com computação para essa grande pesquisa. No meio do caminho, o que eu queria mesmo era virar técnico do DIEESE e surgiu a oportunidade já em meados em 81. Eu fui sair dessa pesquisa, que eu trabalhei muito pouco, para a área de Economia, de Estudos Técnicos do DIEESE. Mesmo assim eu esperei um ano e virei técnico do DIEESE na área de Assessoria dos Sindicatos, junto ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, em 82. Em junho de 82. Nunca teve dinheiro, não quiseram contratar, Era um período em que você vinha para o DIEESE como militância. Era uma militância profissional porque você recebia, mas era uma militância política. Ninguém veio para o DIEESE, naquela época, como um mero emprego. Pelo menos, não os técnicos. Todos tinham, a seu modo, um engajamento político.

 

Militância Política
 

O DIEESE já estava ficando reconhecido porque em 77, apareceu a denúncia da manipulação da inflação em 73. Quando eu estava no segundo ano da faculdade, o DIEESE já começou a ser uma instituição importante. O Barelli, um economista reconhecido e nós estávamos estudando economia. As lutas sindicais, a greve de 78 de São Bernardo, da Scania, acho que foi a primeira, depois a da Mercedes, tudo isso formava um clima. Para quem já tinha uma inclinação política, vontade de militar... Eu lembro que discutíamos muito, os meus amigos gostavam, falavam: “Que oportunidade você está tendo de trabalhar com uma coisa engajada politicamente!”. O DIEESE já era uma referência. Foi exatamente nessa época, 77, 78 que o DIEESE passou a ser muito conhecido. E o Barelli, depois o Maurício, o César que eram outros economistas respeitados.

Tinha um movimento de renovação dos economistas para ganhar as eleições das entidades dos economistas, essa posição de economistas mais à esquerda também estava crescendo e o fato de na época eu também dispor desse conhecimento de computação que foi o que me permitiu entrar no DIEESE. Então foi uma sucessão de coincidências, de sorte, de vontade de também trabalhar, de militar politicamente, um trabalho profissional, porém engajado politicamente.

Tínhamos a impressão de que os sindicatos iam crescer e o DIEESE ia crescer junto porque a luta política, a luta sindical estava crescendo. Foi um período muito efervescente, surgiu o Lula como grande liderança sindical no país. A ditadura militar, os vôos dos helicópteros no estádio de Vila Euclides, aquelas assembléias com 60 mil operários. A impressão que eu tinha, embora todos nós fôssemos muito jovens, era que o DIEESE ia crescer e os sindicatos iam crescer. Também não tinha muita reflexão porque no engajamento político você vai embora.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

O DIEESE era do Sindicato dos Marceneiros, na Rua das Carmelitas, pertinho da Rua do Carmo onde fica o Sindicato dos Metalúrgicos, ali perto do Brás, Centro. Na verdade, Praça da Sé, e era sempre com dificuldade, pouco espaço físico para trabalhar, trabalhava amontoado. É que eu, de fato, comecei diariamente, regularmente a trabalhar como técnico no Sindicato dos Bancários. Trabalhei muito com o Gushiken na época. Mas sempre foi isso, o DIEESE sempre teve dificuldades, sempre pouco dinheiro, sempre atrasava salário. Eu me lembro que quando entramos, eu comecei a ganhar o meu primeiro salário de técnico no DIEESE em 81, 82, não era um salário ruim, não. Não lembro exatamente quanto era, mas era um salário que você vivia razoavelmente bem para quem não tinha grandes ambições. Eu não ia para o mercado financeiro. Eu tenho muitos amigos que entraram no mercado financeiro, essa minha geração de economistas, hoje, está toda espalhada pelos bancos.

Aí aconteceu o seguinte: de 82 a 83 eu fiquei nos Bancários; era o técnico de subseção. Subseção era um instrumento criado pelo DIEESE em 78, 79. A primeira subseção, contrato assinado formalmente, foi em 1980. Em 82 veio a dos Bancários, que era um grande sindicato, a oposição já tinha ganhado, a oposição sindical era mais engajada politicamente, e eu fui trabalhar lá.

 

 

Greves

 

 

Em 21 de julho de 83 teve uma greve geral. Na verdade, não foi bem uma greve geral, foi uma greve em São Paulo onde pararam algumas áreas. Parou o Metrô, pararam os metalúrgicos; São Bernardo parou, os petroleiros. Na época, governo Figueiredo, houve intervenção nos sindicatos, alguns dirigentes foram afastados, outros foram presos. Presos por pouco tempo, não ficaram na cadeia, mas houve intervenção. O Sindicato dos Bancários sofreu intervenção de um ano e meio.

 

Trajetória no Dieese
 

Nesse período, eu vim para o DIEESE. Saí porque não tinha sentido ficar na subseção trabalhando porque havia o interventor, uma junta interventora, e eu fui puxado para o escritório nacional do DIEESE. Em 84, o DIEESE estava crescendo, houve uma mudança, e eu fui convidado para assumir a coordenação de Escritórios Regionais e Subseções.

Foi um ano em que eu fiquei no escritório nacional ainda como técnico. Fiquei dois anos como técnico, de 80 a 82, na pesquisa; de 82 a 84, como técnico; e de 84 em diante, eu entrei na Coordenação Técnica. Coordenava todos os escritórios regionais e as subseções, onde nós tínhamos técnicos. Na época, eram poucos técnicos de subseções e poucos escritórios. Está um pouco relatado nessa história: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas. Foi aí que o DIEESE deu uma deslanchada, deu uma explodida. No final da primeira metade dos anos 80 até o final dessa década, o DIEESE cresceu mesmo e aí fazia sentido ter essa coordenação. Isso foi de 84 a 90, eu fiz parte dessa Coordenação e o Diretor Técnico era o Barelli.

 

 

Avaliação/Dieese

 

 

O DIEESE era fantástico, sempre trabalhamos coletivamente, a equipe era super engajada, trabalhava em mutirão. Foi a época dos planos [econômicos]. Nós enfrentamos a discussão do Plano Cruzado, do Plano Bresser, do Plano Verão, do Plano Collor. Tudo isso engajava a equipe. A equipe vinha para cá, passava madrugadas trabalhando, escrevendo texto. Sempre tivemos isso e continuamos até hoje: o espírito de trabalho em equipe.

O DIEESE tem pouca assinatura pessoal, a assinatura dos trabalhos no DIEESE é coletiva, é institucional, então é um ambiente de trabalho fantástico. As pessoas são muito amigas. É, realmente, um lugar bacana. E sempre com poucos recursos, mas com muito engajamento, muita vontade de trabalhar e foi crescendo. Virou uma equipe nacional, não era só mais uma equipe de São Paulo, então fazíamos reuniões nacionais uma, duas vezes por ano, juntavam todos os técnicos. Uma espécie de família, do ponto de vista de trabalho. Tanto é verdade que você vai ver que ocorreram muitos casamentos no DIEESE. As pessoas casaram mesmo, tamanho era o envolvimento. Você vivia no trabalho, era um lugar bacana. Dava para casar com o salário que se ganhava, por isso que eu digo, não era um salário muito ruim, nunca foi um salário muito alto, mas um salário razoável.

Eu depois até parei de estudar. Tive possibilidade de ir para a carreira acadêmica, mas não fui; fiquei inteiramente dedicado ao DIEESE. Em alguns cargos, o meu era o caso, viajava muito pelo Brasil, você tinha que viajar. Como eu coordenava escritórios regionais, subseções, eu viajei muito pelos escritórios do DIEESE no Brasil e isso também dificultava fazer outras atividades que não fossem ligadas ao DIEESE. No meu caso, era por opção, também, de gostar, ficar. Eu não tinha muito essa vocação acadêmica.

 

Trajetória Dieese/Diretoria Técnica
 

Foi um período em que os jovens estavam em alta. O que eu quero dizer com isso? Frase do Prado, nem é minha. Quando eu me tornei diretor técnico, o Collor tinha virado presidente do Brasil e o Collor tinha 39 anos, aquela coisa do homem fazer exercício... Havia uma benevolência com gente jovem. O Brasil vai mudar e vai mudar inclusive com gente jovem, e o Collor era a cara disso – não que a gente se iludisse com o Collor, não era isso, mas era o fato – e nós aqui também, a direção técnica que assumiu comigo tinha em torno de 30, 31 anos: eu, o Prado, o Clemente, o Dirceu era um pouco mais velho, mas não era muito mais velho. Se a gente olhar para trás, a responsabilidade era enorme, mas não tínhamos noção dessa responsabilidade. Nós éramos meninos, não tão meninos, evidentemente, meninos para assumir uma responsabilidade com os sindicatos, com os trabalhadores, uma coisa que estava assumindo um protagonismo, uma importância política no Brasil muito grande. O Barelli, por exemplo, na segunda metade dos anos 80, o Barelli talvez tenha sido um dos economistas mais influentes do Brasil no sentido de que ele era chamado para conversar com o presidente da República, com ministros, às vezes, para dar palpite sobre política, sobre os planos econômicos, sobre a política de salário mínimo. Então, eu não tinha muita noção, aos 31 anos, foi em 90 que eu assumi, do que era isso, mas íamos fazendo as coisas. Também não tinha medo, já estava numa democracia, você não estava correndo o risco de ser preso. A gente imaginava que tínhamos nossos arquivos na Polícia Federal, mas isso todo mundo tinha; no SNI; e nós nunca fomos ameaçados. A minha geração nunca foi. Você ia fazendo, mas foi legal, a gente era jovem. Implantamos, de fato, uma metodologia de Direção Colegiada. O Diretor Técnico é a figura, entre aspas, que aparece, mas não era bem assim. Dividíamos as decisões. Sempre o trabalho coletivo como método de decisão. O Colegiado tinha, sempre, uma relação com a direção sindical, que era muito forte. A forma de lidar faz parte do nosso estatuto. É um trabalho que envolve muita gente. Obviamente, isso te dá mais tranqüilidade porque você sabe que a sua decisão não é uma decisão única e que vai mudar o curso da história você fazer isso ou fazer aquilo porque você está ouvindo um monte de pessoas.

Quando eu cheguei, implantamos uma nova direção colegiada, já era assim na direção do Barelli, mas o Barelli era uma figura muito relevante, famosa, tinha todo o lado pessoal. Quando eu virei Diretor Técnico, muitos diziam: “O DIEESE vai acabar! O Barelli vai sair, o DIEESE vai acabar”. E nós investimos muito na visão institucional do DIEESE. Acho que o DIEESE sobreviveu também por causa disso, porque era uma equipe, um movimento sindical apoiando. O DIEESE já tinha construído as raízes, já tinha 35 anos de vida quando eu fui Diretor Técnico. Isso tudo e mais um trabalho coletivo muito grande, no fundo não te dá a noção da responsabilidade individual, ainda que ela exista; mas não é uma coisa “o Sérgio, Diretor Técnico”. Então o DIEESE permaneceu tão presente em termos institucionais na mídia, na opinião pública quanto era antes, mas aí não era mais o Barelli, era o DIEESE. O pessoal confunde muito. Tanto é que eu já estava com cinco, dez anos como Diretor e o pessoal: “Não é o Barelli, o Diretor Técnico?” E a gente ria, não tinha nada demais. Foi tão forte esse período dos anos 70, começo dos anos 80 a figura do DIEESE e do Barelli, mas conosco não foi, não. Conosco, que eu digo, é essa direção que entrou comigo. Fiquei como Diretor Técnico durante 13 anos. Isso é uma coisa que eu me orgulho pessoalmente, o DIEESE ter sobrevivido, no fundo não dependeu de mim, teve uma contribuição pessoal, claro, todos tiveram e, sobretudo, ter sobrevivido bem institucionalmente. Eu acho isso uma coisa bacana.

 

Pesquisa/PED
 

Outra coisa foi um período de baixa do movimento sindical. A maioria dos sindicatos já tinha chegado ao auge do seu poder político, no final dos anos 80. Os anos 80 são um período de baixa dos sindicatos no mundo. Eu lembro que falávamos muito na África do Sul, que estava também se redemocratizando, os sindicatos ainda estavam crescendo, enquanto na Europa, eles já estavam perdendo a importância. Nos Estados Unidos também. Aqui no Brasil, também estavam subindo a ladeira ainda. Nos anos 90, com o ataque da abertura de mercados, da globalização, neoliberalismo, do Collor, os sindicatos começaram a cair. O desemprego cresceu muito, dobrou de tamanho entre 89 e 92. Foi uma porrada na espinha dorsal dos sindicatos e nós tivemos muitas dificuldades no DIEESE porque ele sempre foi financiado pelos sindicatos. Nós partimos para uma outra agenda que já vinha também dos anos 80 que foi o crescimento do DIEESE pela participação institucional, financiamento com recursos públicos, com projetos. O DIEESE sempre teve muita credibilidade, e isso também foi bacana. Basicamente, eu diria o seguinte: o tema central do período em que eu estive na Direção Técnica foi a questão do emprego, do mercado de trabalho. Nós tínhamos uma pesquisa, a PED, Pesquisa sobre Emprego e Desemprego que apoiou o trabalho técnico. Enquanto nos anos 70 e 80, o custo de vida foi muito forte, a inflação era muito pesada no Brasil. Nos anos 90, ainda tinha importância o custo de vida, mas passaram a ter mais importância as pesquisas de emprego e desemprego. E nós tínhamos uma pesquisa, aqui em São Paulo e em outras regiões, e nós tivemos capacidade de intervir num debate politicamente importante, relevante que propiciava até recursos do ponto de vista de financiamento de projetos. Nós tínhamos instrumentos técnicos e científicos para apoiar. Vamos dizer assim: se fosse isolar de forma bem macro, nós lidamos, no meu tempo como Diretor Técnico, com o tema do emprego, do desemprego e do mercado de trabalho e da participação institucional.

 

 

Centrais Sindicais

 

 

Os sindicatos conquistaram muito poder até o final dos anos 80 e o processo da Constituinte que culmina na nova Constituição de 88 abriu o Estado à participação da sociedade. Os sindicatos e as centrais sindicais entram no CODEFAT, Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador,... Já tinha a CUT em 83, depois a Força Sindical em 91, a CGT já nos anos 80 também, então começa a ter uma participação institucional das Centrais, dos sindicatos nos espaços institucionais. Programas de governo como o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria contam com a representação dos sindicatos e o DIEESE foi junto como órgão de assessoria técnica. Nós tivemos também um período de forte participação institucional que alguns chamavam até de cooptação: “Os sindicatos estão sendo cooptados pelos governos, pelo Governo Federal”, mas entramos com muita autonomia nesses espaços e também foi um espaço de novo aprendizado técnico para o DIEESE. Não quero dizer que foi uma novidade dos anos 90, pois isso já acontecia antes, mas cresceu muito e foi uma espécie de inércia da conquista da democratização pela sociedade e pelo espaço que o movimento sindical tinha, que ele ocupa nos anos 90. Apesar de estar mais fraco é como se ele arrastasse inercialmente esse poder político conquistado nos anos 80. O DIEESE, como era um pólo de unidade das centrais sindicais, começou a ser chamado pelas próprias centrais para representá-las nos fóruns, sempre tecnicamente, então foi um período de muito avanço na participação institucional.

 

 

Trajetória no Dieese/Balanço de sua gestão

 

 

Tematicamente, a questão de emprego e desemprego foi a mais importante na década de 90 e do ponto de vista político, a abertura de espaços de controle social, de controle democrático do Estado. O DIEESE foi junto com as centrais e com os grandes sindicatos. Em 92, a Câmara Setorial foi uma experiência importante de renovação do parque automobilístico no Brasil, o sindicato de São Bernardo teve um papel importante, na época o Vicentinho era Presidente do sindicato, depois o Luís Marinho, que se tornou mais tarde Ministro do Trabalho. O Medeiros da Força Sindical também tinha uma visão de participar politicamente desses fóruns. E o DIEESE conseguiu se equilibrar nas centrais e começou a ocupar um espaço. No meu período de Diretor Técnico isso foi muito forte: a participação institucional e o tema do emprego e do desemprego, eu acho que são os dois pontos que eu destacaria mais fortemente. Eu realmente me orgulho muito de ter participado destes fóruns como representante do DIEESE, porque o DIEESE é uma instituição e não uma pessoa. Teve momentos em que pessoas se destacaram, mas a força da instituição DIEESE se revela nesses métodos que falei: decisão colegiada, trabalho coletivo. A gente brincava que nenhum texto podia sair do DIEESE sem que duas pessoas lessem. Não tem autoria individual.

 

Pesquisa/Situação do Trabalho no Brasil
 

A participação do DIEESE nessa discussão de automação industrial, depois bancária, em comércio e dos serviços, foi no começo dos anos 80, quando tinha a Secretaria Especial de Informática, que era ligada aos militares inclusive, ainda no governo Figueiredo. O DIEESE é chamado para participar, o Barelli era o Diretor Técnico e algumas pessoas entram nessa equipe. O Mário Salerno foi uma pessoa importante na área de automação industrial, o Prado. Eu entrei para a discussão de automação bancária. Eu estava trabalhando com os bancários e foi um período de forte automação, os bancos começaram a se automatizar. Temos um estudo sobre automação bancária interessante, era meio inédito na época. Eu e o Mário Salermo, escrevemos juntos porque o Mário era engenheiro; ele tinha uma formação forte nessa área. Esse conhecimento acumulado que começa nos anos 80, começo dos anos 80, depois vai dar um acúmulo de conhecimento para a instituição operar no Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade, que envolve de novo a questão tecnológica. Contribuiu também nas pesquisas que nós fizemos com o CNPq ainda no final dos anos 80 e depois muitas nos anos 90, uma delas chamada “Emprego e desenvolvimento tecnológico”. O conhecimento começou a se acumular nos anos 80, mas ele, de fato... Essa temática nos anos 90 já não é mais só automação, mas envolve as questões da tecnologia, da qualidade e da produtividade. A origem é anterior e faz parte desses espaços que conquistamos e desses projetos que ajudaram a financiar o DIEESE.

 

 

Sustentabilidade Financeira

 

 

Até os anos 90, até 89, 88, o financiamento do DIEESE era composto por 90% de recursos sindicais, das entidades filiadas sempre voluntárias – o DIEESE nunca foi uma filiação compulsória, ele sempre existiu pelos seus próprios méritos – e 10% vinha de projetos, inclusive internacionais. Nos anos 80 o DIEESE tinha cooperação internacional com os alemães, suecos, depois mais para frente ampliou. Em 89, fizemos uma grande pesquisa com o Procon, de São Paulo. Existe até hoje a pesquisa da cesta básica diária; tem 17 anos. Essa pesquisa deu um bom retorno financeiro para o DIEESE e entramos nos anos 90, com 30% dos recursos vindos de fora e 70% dos sindicatos. E lá para 93, 94, já estávamos 50 a 50. Acho que é assim até hoje, nos últimos 12 anos. Hoje o DIEESE é financiado 50% com verba sindical e 50% por projetos, em geral recursos públicos: federais, estaduais e municipais. Isso também é outra coisa boa do DIEESE: o DIEESE trabalha com a pluralidade política, temos projetos com o PT, com o PSDB, até com o PFL, na Bahia. Porque faz parte da pluralidade que são os sindicatos, as forças políticas que estão nos sindicatos. Então mudou o padrão de financiamento na minha época. Tivemos uma mudança grande que começou no final dos anos 80.

 

Crises
 

Tivemos três grandes crises financeiras no final dos anos 80. Eu entrei, quatro meses depois nós tivemos que fazer muitas demissões, foi uma crise interna grande. Depois, em 97, nós tivemos uma outra crise e em 2003 outra. Crise, que eu digo, é de demissões, e no DIEESE é muito complicado porque as relações pessoais também são muito fortes então demitir alguém é praticamente demitir um amigo. Era muito doloroso fazer isso, mas nós tivemos que fazer.

O DIEESE crescia, não tinha capacidade de se financiar com esse crescimento, tinha muita demanda, precisava de gente, às vezes o salário crescia até pelas leis do país, lei da política salarial e o financiamento não ia junto, então tinha descompasso. Por exemplo, nós passamos dez anos pagando uma dívida com o INSS que foi acumulada entre 87 e 90, nós ficamos de 91, 92 até 2000 pagando uma dívida. Sempre foi muito difícil a gestão financeira do DIEESE e com uma forte mudança no padrão de financiamento a partir do final dos anos 80, começo dos anos 90. E até hoje isso é um problema, eu creio que esteja presente a necessidade de se financiar com recursos extra-sindicais. Mas continua sendo uma instituição sindical apesar dos sindicatos colocarem apenas 50% dos recursos, são eles que mandam no DIEESE politicamente. Quando eu digo sindicatos estou me referindo ao movimento sindical como um todo, estou simplificando.

 

 

Representatividade Sindical

 

 

O DIEESE sempre foi 40% paulista, ou mais, mas nunca menos que 40% porque os grandes sindicatos estão aqui, as centrais sindicais estão aqui, a sede nacional do DIEESE é em São Paulo embora estejamos em mais de 16 estados. Durante todos os anos do DIEESE sempre houveram alguns grandes sindicatos que não vieram se filiar ao DIEESE por razões políticas principalmente. Alguns acham que o DIEESE é muito à esquerda e sindicato mais conservador não quer se filiar ao DIEESE; outro, por sua vez, acha que o DIEESE é muito à direita porque trabalha para o Joaquinzão, trabalhava para o sindicato da Força Sindical, então alguns mais à esquerda não queriam. Sempre achamos bom. Enquanto tiver gente dos dois lados falando mal é sinal que estamos em um ponto de equilíbrio. É evidente que seria muito bom que o DIEESE tivesse o dobro de sócios que tem agora. Isso não traria o dobro de recursos porque os grandes sindicatos estão filiados ao DIEESE, mas traria, evidentemente, uma representatividade maior. Os sindicatos de maior peso político, econômico, dos setores econômicos sempre estiveram no DIEESE: bancários, metalúrgicos, químicos, servidores públicos, têxteis, gráficos, sempre estiveram. Alguns depois foram saindo por crises no setor, os gráficos acho que nós perdemos, têxteis que sofreram crises fortes no setor, abertura econômica; mas os metalúrgicos, os bancários, os químicos nunca saíram do DIEESE. Petroquímicos, petroleiros, esses sempre grandes sindicatos, importantes, às vezes nem tão grandes, mas importantes do ponto de vista político no cenário sindical, sempre estiveram aqui no DIEESE.

 

Fato Marcante
 

Por exemplo, a dona Maria, a dona Maria morreu, a funcionária mais velha do DIEESE. Na crise de 90, logo que eu virei Diretor Técnico – a dona Maria era muito religiosa, espírita e ela dizia: “Vocês precisam de muita força, meninos”. Tratava a gente de menino, na época não tão menino, mas bem mais menino, saudade – a dona Maria não sabia o que fazer, então ela teve que sair do DIEESE, mas ficamos pagando, até ela morrer, o plano de saúde dela, que era o mais importante, e um salário simbólico. Ela nunca foi desvinculada do DIEESE, mas ela precisava ser, não tinha mais trabalho para ela, nem ela tinha mais condições físicas para trabalhar.

 

 

Crises

 

 

Teve demissões de funcionários importantes que sempre ficaram magoados, mas isso não foi generalizado. Teve o caso de uma equipe inteira, que era da área de informática, que até hoje é uma empresa de informática que atua no movimento sindical, a Pandora, são amigos nossos. Saíram do DIEESE, mas ficaram amigos apesar de ter desmontado todo o setor deles na época – agosto, setembro de 90 quando houve essa crise. Como eu disse, as relações interpessoais dentro do DIEESE são muito fortes, as demissões marcam muito a gente. Nós trabalhamos a vida inteira para lutar contra o desemprego, o emprego, os trabalhadores, então para nós é óbvio, era o máximo da contradição mandar as pessoas embora, mas tínhamos que fazer pelas razões institucionais, senão a instituição poderia sucumbir inteira. Sempre teve essas razões definitivas: se não fizer, alguém vai fazer. E a instituição corre o risco de afundar. Teve esses casos, lembro da dona Maria, do Fernando que era da Contabilidade, um contador que ficou mais de 20 anos no DIEESE, são os casos mais emblemáticos, mas teve muito mais. E tem uma coisa, não sei se é para se orgulhar, mas eu acho que também permite que a gente durma mais tranqüilo: no tempo em que eu e a minha equipe estivemos aqui dirigindo tecnicamente o DIEESE, nós fizemos todas as demissões chamando as pessoas. Nós nunca colocamos uma lista na sexta-feira à tarde como as empresas fazem: “Olha, não precisa aparecer aqui porque você está demitido”. Mas falar pessoalmente com cada um era terrível do ponto de vista psicológico e humano, mas era bacana porque a gente tinha um respeito grande pelas pessoas, e boa parte das pessoas compreendeu o processo. Obviamente que algumas não aceitaram; nem era para aceitar. Ninguém aceita que vai ser demitido. Mas, tinham uma compreensão de que a instituição... E a gente arrastava até o fim. A crise aparecia e nós levávamos um ano para demitir, sempre com planos de proteção de demissão diferenciados, pagando alguma indenização adicional, então isso amortecia a crise. Os piores momentos da vida do DIEESE foram os das crises, com certeza. Atrasamos salários, fizemos corte de salários, fizemos de tudo aqui, tudo que as empresas fazem, nós fizemos, para sobreviver. De um jeito diferente, mas nós tivemos que fazer. Esses são os piores momentos e os mais marcantes, eu diria, pelo lado pessoal.

 

Planos Econômicos
 

Em 94 teve o Plano Real, foi um impacto grande porque também foi a queda da inflação, a inflação era a pauta central da luta dos trabalhadores e dos sindicatos. Mais tarde migrou para o tema do emprego, tema que já vinha desde o começo dos anos 90, mas a inflação era alta até o Plano Real. O Plano Real foi importante no sentido de mudar a agenda econômica, sobretudo no sentido de ter diminuído a inflação, e colocar a temática do emprego, do desemprego na pauta. O DIEESE fez uma aposta grande na discussão do Plano Real e tivemos sorte em algumas apostas que fizemos. Primeiro, dissemos que o Plano Real ia ser duradouro, o que a maioria duvidava, pois já havia fracassado o Plano Cruzado, o Bresser, o Verão e o Collor I e Collor II, foram cinco planos antes do Real, pesados, mas apesar disso achamos que nas condições que estavam dadas o Plano Real ia ser um plano duradouro, ia ter um impacto grande, inclusive político, na eleição de 94, com a vitória do Fernando Henrique, que era o Ministro da Fazenda que fez o plano junto com a equipe, então isso nós acertamos. E na crise de 99, quando teve a desvalorização do câmbio, US$ 1.00 virou R$ 3,00, havia uma visão bem “catastrofista” de que o país ia explodir e nós também falamos para os sindicatos que não ia acontecer, que a situação ia dar um solavanco e depois ia andar, e nós acertamos também nessa aposta . Muito por conta disso, com o trabalho coletivo é mais fácil acertar. Você ouve muita gente, você trabalha, você não é um gênio que pensou. Alguns fazem apostas, outros dão contribuições maiores ou menores. Ouvimos muito os sindicatos, então nós fizemos algumas apostas em momentos importantes do Real. Na crise de 99, no segundo mandato do Fernando Henrique, na desvalorização do câmbio, que na verdade é o fim do Plano Real, passa para uma outra agenda, nós acertamos nessas apostas. A principal função do DIEESE é a de fazer uma análise técnica, o que é o melhor papel que o DIEESE pode ter: é poder assessorar tecnicamente os sindicalistas, eles que tomam a decisão política e nós, com essa análise técnica, permitimos que eles tomem uma decisão, digamos, adequada, acertada para o futuro. Eu acho que isso foi um momento importante para construir uma ponte de confiança com alguns setores que sempre tiveram muita desconfiança. Achavam que o DIEESE era CUT, que o DIEESE era do PT, sempre teve isso, e também o outro lado, o pessoal da CUT, do PT, achava que o DIEESE era da direita.

 

 

Avaliação Dieese

 

 

Sempre se conseguiu manter na direção do DIEESE as grandes entidades sindicais, que são a base política das grandes centrais brasileiras. O DIEESE nos anos 50 foi criado pelos sindicatos da área urbana: da área da luz, do gás, da energia e esses sindicatos sempre foram importantes, o Sindicato dos Eletricitários, das indústrias urbanas... Não sei se vocês já ouviram o Peres, que foi Presidente Sindical do DIEESE. Na época ele era o Presidente da Federação dos Trabalhadores das Indústrias Urbanas, que é o pessoal da eletricidade, basicamente os eletricitários, depois veio a ser dirigido pelo Magri, Ministro do Trabalho. Mas sempre assim, os grandes sindicatos de peso político, econômico, nunca saíram do DIEESE. Isso que permitiu ao DIEESE também crescer, não tenho a mínima dúvida. Se o DIEESE tivesse perdido esses grandes sindicatos, teria perdido a credibilidade e a força política porque o DIEESE não fala politicamente, mas fala, é óbvio que fala, intervém num debate econômico, socioeconômico a partir de uma visão dos trabalhadores, mas todo mundo sabe que estamos dialogando com as forças que representam, de fato, os sindicatos organizados.

Um enorme desafio que não conseguimos superar, é o de trazer mais gente para o DIEESE, sobretudo dos anos 90 para cá. A filiação do DIEESE deve estar em torno de 500 sócios, um pouco mais, um pouco menos nesses 15 anos. Agora subiu um pouquinho, que eu fiquei sabendo, mas nunca voltamos a ter mil sócios como tivemos nos anos 80. Chegamos a ter mais de mil entidades filiadas ao DIEESE e de 90 para cá ficou por volta de 500, 450; mas nesses 450 estão os 40 ou 50 que têm peso, não só em São Paulo, sobretudo em São Paulo, mas também no Rio, no Rio Grande do Sul, em Brasília, Minas, na Bahia. São estados que têm peso, estados importantes.

 

Técnico X Sindicalista
 

A crise de 90 foi uma crise de um fortíssimo conflito entre o papel dos técnicos e o papel dos sindicalistas que foi resolvida por um novo estatuto. O DIEESE também teve esse lado que eu não comentei, nos anos 90 nós fizemos um novo estatuto que mais ou menos re-equilibrou o poder dos sindicatos, das entidades sindicais, dos sindicalistas e dos técnicos dentro do DIEESE. A tese na época era a seguinte, como tinha uma crise financeira no DIEESE, os sindicalistas diziam: “A direção administrativa e financeira do DIEESE tem que passar a ser indicada pelos sindicalistas”, e sempre foi indicada pelo Diretor Técnico. Os sindicalistas indicavam o Diretor Técnico, como se fosse uma espécie, digamos assim, de um Presidente de uma empresa que o Conselho de Administração, o Presidente escolhe quem ele quer, e a briga foi isso. No final manteve o poder, o Diretor Técnico indicava, mas foi uma transição de poder negociado. No DIEESE tudo é muito conversado, às vezes fica um pouco lento porque tudo tem que ser muito negociado, não é uma empresa. E aí eu acho que a minha equipe, quando eu virei Diretor Técnico, que teve essa Direção Técnica Colegiada, acho que agora esse nome foi sepultado, mas nós trabalhamos com um negócio que chamava DTG, você pode perguntar para as pessoas: “O que é DTG?”. O pessoal sabe. É Direção Técnica Geral. Éramos cinco que dirigíamos o DIEESE e sempre tivemos habilidade de conversar com a Direção Sindical. Formalmente, o poder era nosso porque o estatuto consagrou que quem indicava os membros da área administrativa era a direção técnica, mas na prática partilhamos durante uns três, quatro anos, até que os dirigentes recuperaram inteira confiança na gente, nos técnicos. Nós partilhamos o poder em termos de dar bastante transparência, informação para que eles tivessem acesso aos dados. Foi no período que começamos a pagar essa dívida com o INSS, que levou oito anos para ser paga. Nós mudamos o estatuto. Ele preservou o poder dos sindicalistas em cima e dos técnicos dirigindo, inclusive, a área administrativo-financeira, mas foi uma crise grande que consagrou o novo estatuto. De lá para cá não teve outras grandes crises, que eu me lembre, nesses 16 anos. Eu acho que essa foi a pior crise.

 

 

Avaliação Dieese

 

 

O Barelli era uma figura muito importante, muito conhecida nos anos 89, 90, e ele se afastou do DIEESE em 89, no último mês do segundo turno para trabalhar na campanha do Lula e o Lula perdeu por pouco para o Collor, bem pouquinho, em 89. Aí o Collor entrou rachando e o Barelli sabia que aquilo era meio o fim da carreira dele no DIEESE porque nunca ninguém fazia apostas tão claras partidárias. O Barelli embora não fosse do PT, foi para a campanha do Lula. Ele voltou, a diretoria pediu para ele ficar e ele ficou mais uns três meses depois que o Collor ganhou. O Collor ganhou em dezembro de 89, naquela época o segundo turno era em dezembro – e tomou posse em março. O Barelli ficou até maio, quando eu assumi. Mas já era um momento mais complicado porque o Barelli bateu boca com o Cláudio Humberto, que era o porta-voz do Collor, e quando teve o negócio da inflação zero, em abril, que foi uma manipulação da informação, o Barelli falou: “Não foi, essa inflação não foi zero”. O Cláudio Humberto falou: “Essas são as viúvas da eleição, perderam e agora estão falando”. Carimbou no Barelli porque ele era um dos assessores principais do Lula. Aí ficou mal. O DIEESE não podia, o Barelli já estava se preparando para sair e saiu. Como nós éramos jovens, não éramos vistos como engajados com ninguém politicamente, partidariamente. Foi fácil, nesse aspecto, assumirmos a direção do DIEESE. Não houve uma ruptura, mas foi um momento tenso na história do DIEESE, de 89 para 90. Tinha essa coisa do Barelli, tinha dirigente sindical mais ligado ao PT, mais contra o Collor ou mais a favor do Collor. O Medeiros, na época, o pessoal da Força Sindical apoiou o Collor. O Magri virou Ministro do Trabalho do Collor e eles eram filiados ao DIEESE. Então, a situação ficou um pouco tensa. Inevitavelmente, o Barelli saiu, a equipe do Barelli saiu, e nós entramos. Nós não éramos mesmo conhecidos, as pessoas não sabiam se nós estávamos de um lado ou do outro.

 

Militância Política
 

Quem está no DIEESE, muitas vezes, tem filiação partidária. Eu, pessoalmente, nunca tive. Eu sempre militei aqui no DIEESE, nunca fui de partido nenhum. Mas, durante certo tempo, fomos muito identificados com a CUT e, por extensão, com o PT. Porque a CUT era mais forte, tem mais filiados no DIEESE. A CUT e o PT tinham certa ligação, mas eu, pessoalmente, não.

 

 

Trajetória Dieese

 

 

O Prado era da técnica também, já tinha falado dele, o Prado; o Dirceu; o Clemente que hoje é o Diretor Técnico e a Adelaide, que cuidava da parte administrativa e financeira. Logo depois, dois anos depois, veio o Reginaldo que também estava naquele debate que nós fizemos. Inicialmente foram esses: o Prado, eu, o Clemente, o Dirceu e a Adelaide na área administrativa e financeira. Adelaide ainda mantém contato aqui com o povo, ela está trabalhando em outro instituto, ela foi uma figura importante aqui. Ela pegou toda essa briga do estatuto, da parte administrativa e financeira.

 

 

Importância do Dieese

 

 

É uma instituição, claro que qualquer um que sentar aqui para falar é suspeito, mas é uma instituição importante. Por que uma instituição é importante? Para tentar ser um pouco mais isento. São poucas as instituições no Brasil que têm 50 anos. O Brasil é um país jovem, o Brasil se urbanizou, na verdade, se você pensar o Brasil, pelo menos São Paulo: em 1900 acho que São Paulo tinha 300 mil habitantes. Hoje a cidade tem 11 milhões, então o Brasil é um país novo, o Brasil tem um século e um pouquinho, a rigor, apesar de ter 500 anos de história, mas nesses cento e tantos anos, nesses 130, 40 anos que teve um processo de crescimento e urbanização, uma instituição que tem 50 anos é uma coisa de renome. Isso mostra o que foi uma sacada lá atrás, nos anos 50, ter construído essa instituição que mistura essa coisa técnica com a pluralidade política, de intervir com os trabalhadores, com a classe trabalhadora num período que o Brasil estava se urbanizando e a classe trabalhadora estava crescendo... Tudo isso juntou e criou-se o DIEESE. Quem criou o DIEESE acho que não sabia de nada disso, pelo menos não tinha idéia de que isso ia durar 50 anos, mas criou uma instituição que tinha capacidade de sobreviver. Eu acho que foi uma boa idéia, o DIEESE é uma instituição relevante na sociedade brasileira, tem credibilidade, é ouvida, tem respeito, respeito inclusive pelo cidadão simples. Quem conhece, não são todos, é claro que a massa não conhece, lá no interior do Nordeste ninguém nunca ouviu falar no DIEESE, mas fazendo um parênteses: ri demais outro dia o próprio Alckmin dizendo dele – estou pensando aqui, lá no interior do Brasil falar DIEESE, nem sei como eles falam – mas ele já está feliz da vida porque no Piauí, andando na rua o pessoal já o chama de Geraldo Alves (RISOS), ele está feliz da vida porque pelo menos Geraldo Alckmin é Geraldo Alves! Imagina o DIEESE no interior da Paraíba, os caras não têm idéia, pode ser um negócio desses, mas é uma instituição reconhecida na rua. Sobretudo pelos metalúrgicos, pelos bancários, os trabalhadores organizados. Não estou falando do dirigente, estou falando do trabalhador, acho que isso é uma riqueza. Intervindo em debates relevantes na história política, econômica e social, posso citar a questão do salário mínimo, a questão do custo de vida, cesta básica e agora, mais recentemente, o emprego e desemprego. São temas chaves de qualquer discussão sobre desigualdade, distribuição de renda, desenvolvimento no Brasil, enfim, é uma instituição marcante, embora eu seja suspeito. É claro que eu tenho dificuldade em me distanciar porque passei uma parte da minha vida aqui, mas acho que hoje, estou há três anos fora, sigo prestando atenção no que o DIEESE faz. Vejo que segue tendo relevância, importância, as coisas que o DIEESE fala são ouvidas. A questão salarial, outro dia mesmo foi a primeira capa de vários jornais. O Lula adorou porque os salários subiram. A gente dizia, às vezes, que a inflação era mais baixa quando os sindicatos queriam que ela fosse mais alta e que era mais alta quando o Governo queria que fosse mais baixa. Essa é a grande força do DIEESE, trabalhar com os dados técnicos. Não que as pesquisas socioeconômicas sejam como a matemática. Elas não são! Elas exigiam demanda de interpretação e interpretação passa pelo crivo ideológico e político das pessoas, mas tem base científica nessas pesquisas e o DIEESE sempre foi uma instituição de pesquisa. Essa é a grande força dele ter ser mantido. É uma instituição fortemente influenciada pelo viés político dos sindicatos, das centrais sindicais, mas nunca perdeu o rumo porque está amparado pelo conhecimento técnico, pelo conhecimento das pesquisas, pelo conhecimento científico no que diz respeito às pesquisas que o DIEESE faz, com metodologias respeitadas. Eu acho que é uma instituição que demonstrou um valor importante em temas altamente relevantes para a sociedade brasileira. Claro que mais voltados para a economia e a área social, vamos dizer, mas não a social no sentido amplo da Educação, da Saúde, mas as questões de impacto dessas políticas públicas de salário mínimo, inflação, custo de vida, na vida das pessoas.

 

Avaliação Dieese
 

Acho que os economistas aprendem um pouco de Sociologia e os sociólogos aprendem um pouco de Economia aqui. Nunca há uma abordagem econômica strictu senso e nunca há uma abordagem sociológica strictu senso. Eu acho que tem uma interação grande entre as duas áreas, e outras também. A área de Pedagogia, de Educação também têm uma contribuição interna, mas principalmente essas duas. Se você ler os textos que o DIEESE produz, sempre tem um pouquinho da cara social. Não é um texto denso, tecnicamente, economicamente; às vezes é, e vice-versa. Também não tem em outras áreas abordagens puramente sociológicas, só com o instrumental da Sociologia de análise nos assuntos, embora nos anos 90 a inclinação para o econômico tenha sido ainda maior porque a agenda mundial foi a agenda econômica. Meio chata, na verdade, porque ela é puramente econômica. Globalização. Você abre os jornais só vê dinheiro, juros. E aqui não. Aqui você teve essa chance de as duas escolas, vamos dizer assim, trabalharem juntas. Não sei, a Lenina, a Heloísa, até a geração do Barelli, eles têm mais fortemente demarcada a sua formação anterior. O Barelli já menos, a minha geração menos ainda, nós somos técnicos do DIEESE. Claro que eu me inclino por Economia porque é onde eu me sinto mais seguro, é onde eu conheço mais, e outros pela Sociologia. Alguns economistas fizeram mestrado em Sociologia, ou sociólogos foram estudar Economia. Eu acho que isso é mais forte talvez na abordagem da Lenina lá atrás, mas no meu tempo já é menos importante, eu diria. Está no nome do DIEESE: socioeconômico, o “S” e o ”E” do DIEESE, mas nunca foi uma questão problemática do ponto de vista da gestão do conhecimento, da produção técnica do DIEESE a combinação desses saberes do lado dos economistas e dos sociólogos.

 

Futuro do Dieese
 

O DIEESE fez uma aposta interessante, difícil, que é a discussão da distribuição de renda e da desigualdade. Eu acho que está correta a aposta para além do debate que nós estávamos lembrando nos anos 70, 80: inflação, custo de vida; anos 90: emprego e desemprego. Vamos dizer, essa primeira década do século XXI acho que a aposta na desigualdade é uma aposta importante, difícil, muito difícil porque parece que esse é um assunto que o Brasil não consegue resolver. Dados mais estáveis de séries socioeconômicas são os dados de distribuição de renda, eles não mudam. Agora, talvez, tenha uma pequena mudança, nada dramática, mas essas políticas que vêm sendo praticadas de fato devem produzir algum efeito na distribuição de renda, mas não é um efeito estrutural, em minha opinião. Então é um ingresso num desafio, numa temática cujas respostas são muito difíceis porque a distribuição de renda, a desigualdade é uma síntese de todas as dimensões do Brasil: da educação, da economia, da luta política, da luta dos trabalhadores, enfim, das políticas públicas, do papel do Estado, quer dizer, tudo isso no fundo sintetiza na distribuição de renda e que não muda! Esse país que vai sendo reproduzido desigualmente apesar de ser um país muito importante, ter uma economia forte. Mas eu acho que é a aposta certa. Achei até, e acho, de certa forma, pode ser que eu esteja com a visão turva, que nessa crise mais recente das instituições, a crise do mensalão, essa crise que afetou o PT, afetou algumas instituições, partidos, mas afetou o lado de cá, vamos dizer assim, o PT, partidos que até então estavam... Instituições com a credibilidade do DIEESE ou que estão ao largo dessa crise, elas poderiam reforçar o seu papel. Não é uma boa análise no sentido até pelo enfraquecimento das outras, “Bom, vamos nos agarrar onde tem instituições com muita credibilidade”. A Igreja, por exemplo, não a Igreja Católica , mas as outras Igrejas, estão cheias de pastores envolvidos com mensalão, com crise e tal. Quais instituições passam ao largo da crise? Eu tenho a impressão que o DIEESE pode continuar sendo um espelho, uma instituição de referência, de credibilidade, mas o DIEESE é pequeno, ele faz muito barulho, mas é pequeno. É isso que vocês estão vendo aqui, não é muito maior do que isso. Eu acho que a aposta está correta, a aposta na temática, no desafio, eu vejo como correta o que a atual direção técnica e sindical se propôs pela frente. Eles estão com esse desafio pelo que eu estou sabendo agora recentemente. Vai ser duro ter equipe para isso tudo, preparar não só a equipe, trazer gente jovem que se prepare para essa discussão porque é uma discussão muito difícil. Sempre tentamos fazer. Nos anos 70, teve esse debate da distribuição de renda e depois foi deslocado para essa questão da hiperinflação, da inflação muito alta, para a questão do desemprego, nos anos 90, e está voltando agora com a inflação estável, o mercado de trabalho nessa situação, a globalização já com 15 anos de vida depois dos anos 90. Qual o projeto do Brasil para frente? E essa questão da distribuição de renda e da desigualdade também está ligada à idéia de um projeto que nós não temos. Basta olhar que a eleição presidencial não sinaliza o grande projeto para frente. As forças que estão dadas aí, seja a reeleição do Lula, seja o Alckmin ou a própria Heloísa Helena, o Cristóvam, são os quatro candidatos à presidente fortes, nenhuma coloca um projeto articulado. A não ser a continuidade, a idéia de fazer mais e melhor o que vem fazendo, mas não chega a ser um projeto de desenvolvimento articulado. Não é uma questão de ter cientistas escrevendo o projeto, as forças sociais e políticas estão engajadas nas questões do projeto de desenvolvimento? Tem início? Tem coesão? Tem uma ligação entre os trabalhadores e os empresários? Tem alguma coisa acontecendo dramaticamente na área da Educação que vai revolucionar o Brasil daqui a dez, 15 anos? Não tem, então é uma aposta, enfim, talvez a mais difícil que o DIEESE tenha que fazer nessa sua longa trajetória dos 50 anos, bem complexa. Mas não tem saída, o DIEESE tem que fazer isso, ele é uma instituição complexa, é uma instituição com credibilidade, bem ou mal ainda fortemente, umbilicalmente ligada à classe trabalhadora, com toda a perda de poder relativo que a classe trabalhadora e os sindicatos estão tendo nesses anos 90 e nessa década, mas ele ainda preserva um capital de credibilidade que lhe dá condição. Ele precisa ter capacidade, inclusive financeira, de ter gente bem formada, técnicos e direção política que esteja próxima do DIEESE com força de dialogar, não só dentro do movimento sindical, como para fora, para a sociedade, o que é mais difícil. O movimento sindical está perdendo quadros, está difícil renovar quadros porque também nós temos uma questão, eu não sou nem sociólogo nem filósofo, mas tem uma questão dramática que é o problema do protagonismo, da predominância do individualismo nesses últimos anos. Hoje é um pouco "salve-se quem puder". Sindicato é uma instituição mal vista, quando você vai ver o sindicato é porque fez greve do metrô, aí rola porrada no sindicato! A boa vontade que a sociedade tinha com organizações coletivas, não tem mais, por quê? Porque na base desses jovens, posso dar um exemplo do que eu estou vendo lá em Brasília: nós estamos fazendo, no atual governo, e é na minha área no governo, abrimos 80 mil vagas para concursos públicos no Brasil inteiro, para o serviço público federal. Lá em Brasília você tem não só os concursos do Executivo como os do Legislativo e do Judiciário, que pagam salários mais altos, os jovens entram, esses jovens que saem bem formados da universidade, fazem concurso, passam num lugar e logo depois querem passar no outro. Eles não estão interessados em ser servidor público, eles estão interessados na vaga do serviço público que lhes dá o maior salário. Essa coisa individual também está impregnando todas as dimensões, inclusive quem vai trabalhar no setor público que quer ser servidor público. Eu não sei se o cara quer ser mesmo um servidor público, quando no passado ser servidor público era um significado enorme. “Quero ser servidor público” “Quero ser bancário do Banco do Brasil para sempre!”. Quero servir o público no sentido... Estou falando só para dar um exemplo de algo que eu estou vendo agora. Essa coisa do individualismo é fatal para o sindicato porque o sindicato é uma organização coletiva que dependia também do quê? De grandes unidades homogêneas de trabalho com tecnologia estável. A hora que você fez todo esse processo de automação, especialização flexível e também dentro da fábrica é o seguinte: “Vamos lá”, que quase como individualizar o trabalho do operário, mesmo numa fábrica, esse operário também não olha mais o sindicato, a não ser em grandes aglomerações. Você tem um problema estrutural da forma de organização da sociedade que vai contra as organizações coletivas e vai contra os sindicatos. Estou falando do ponto de vista do mundo do trabalho. Isso é um problema para o DIEESE.

 

Eventos Históricos/Análise
 

Tem muitas mudanças no sistema de trabalho. Uma delas é o problema tecnológico. Mudou a feição, não tem mais fábricas... Por exemplo, a Volkswagen, em São Bernardo, tinha 40 mil trabalhadores, no final dos anos 70. Hoje você tem 14 mil na fábrica, menos da metade, tem muita gente terceirizada, mas trabalhador contratado. Você tem de um lado uma diminuição do emprego industrial que era a força da classe trabalhadora nos sindicatos, você tem o problema da dominação das idéias liberais. Com a vitória da Margareth Thatcher lá em 79, o fracasso dos anos pós-guerra, dos anos dourados no final dos anos 70 início dos anos 80, o Reagan em 1980 e agora esse Bush, você tem uma dominância de idéias do individualismo, de competição. Isso eu estou falando dos governos; no plano das empresas, uma competição absurdamente feroz, mercados abertos, globalizados que levam ao processo de competição e de desemprego que faz com que as empresas peguem para elas o que elas querem de melhor: os trabalhadores e podem ser tragados. E essa competição não leva os trabalhadores a pensarem na solidariedade, no trabalho coletivo que é o que dá a base da estruturação dos sindicatos. Historicamente é um momento muito desfavorável, já está sendo há muito tempo, mas não está claro o horizonte de mudança. Ainda que as políticas que esse consenso de Washington propôs, essa discussão no final dos anos 80, começo dos anos 90, tenham dominado e os resultados dessa política nós estamos vendo aí, não são bons: desigualdade no mundo, está aprofundando zonas de conflito, você tem toda uma crise no mundo inteiro, apesar disso segue dominando a hegemonia do pensamento liberal muito forte desde o final dos anos 70. É uma geração inteira e, mais particularmente, nos anos 90 no Brasil com a abertura econômica, é muito difícil a luta dos trabalhadores daqui para frente e dos sindicatos em particular e, obviamente, para o DIEESE, mas como o pessoal daqui nunca desiste o DIEESE vai estar nessa briga com muita garra.

 

 

Avaliação/Movimento Sindical

 

 

Tem hora que você sente que não vai dar, mas não vai dar até porque as pessoas se cansam depois de uma longa militância, mas o mais grave é não ter renovação. Se você pegar a direção dos sindicatos hoje, você não consegue mais trazer jovens para dirigir os sindicatos, os jovens não estão nem aí com os sindicatos. E isso é grave para a organização sindical que não renova. A minha geração já é, talvez, a que foi mais jovem, dos dirigentes sindicais. Se você pegar os atuais dirigentes sindicais, eles são da minha idade, uns 47, o Paulinho, o Arthur, o Marinho – que está no Ministério do Trabalho, que foi Presidente da CUT, Presidente da Força Sindical – e não vem gente mais jovem. Tem, não dá para generalizar, mas está difícil a renovação e, sobretudo, a renovação na sindicalização, o jovem se sindicalizar. O jovem olha a sociedade e diz: “Eu tenho que ver como eu me viro”, e é verdade porque tem desemprego, tem que se virar, mas ele não está olhando: “Será que através da organização sindical, através do sindicato eu posso?”, ele não está pensando assim. Como dizem os astronautas da Apollo 13, temos um problema, temos um problema estrutural. Existe um cenário que eu diria que não é talvez um cenário que nós aqui que trabalhamos muito tempo nessa geração no DIEESE consigamos apostar, que é o cenário do DIEESE descolar do movimento sindical. O DIEESE tem uma credibilidade que ele pode ser uma instituição financiada por recursos públicos, mas aí ele perde muito do que ele foi, da história dele. Uma vez quando gravamos um vídeo institucional, foi no DIEESE 2000, eu lembro que eu fiz uma fala que depois cortamos, assim: “O DIEESE tem as qualidades e os defeitos do movimento sindical. Quando o movimento sindical é muito bom, nós também vamos juntos, somos bons; quando ele é ruim nós também não somos muito bons, também somos ruins”. Eu queria usar isso para dizer que nós refletimos essa visão política dos dirigentes, mas nesse momento que o sindicato está perdendo força haveria um risco de um descolamento dessa instituição que bem ou mal é uma grife e que poderia, mas seria outra coisa, seria outro DIEESE. A minha geração acho que tem dificuldade de pensar nisso, no DIEESE descolado dos sindicatos e do movimento dos trabalhadores.

 

Família
 

Eu tenho três filhos. São grandes, têm 22, 21 e 14. Outro dia nós saímos para almoçar. Estou há três anos trabalhando no governo do Lula, apesar de ter dito que não sou do PT, nunca fui mesmo, pela minha militância no DIEESE eu conheci os sindicalistas, os sindicatos e o Lula, e fui trabalhar lá. O Lula conhece muito o DIEESE e eu fui parar lá não no começo do governo, foi em dezembro de 2003. E, obviamente, com todas as dificuldades que estão aí, não vou entrar nisso porque não faz parte da nossa discussão, estamos aí diante da reeleição e obviamente que eu vou votar no Lula, senão, já teria ido embora do governo. Se eu estou lá até agora, eu acredito que tem um monte de coisa errada, mas um monte de coisa certa no governo, mais certa do que errada, por isso que entre outras coisas eu estou lá, em minha opinião, claro. Mas lá em casa, um filho vai votar no PSOL, a outra vai votar nulo, então nem em casa eu estou... Mas eu estou brincando para dizer o seguinte: os meus filhos, bem ou mal, tem influência da nossa vida. Da minha, da Rosana, que criou comigo os filhos, da mãe deles – os dois mais velhos que eu estou falando, são os que votam, o pequeno ainda não vota – então eles têm uma formação acho, também, social, mais à esquerda e fruto da própria idade, no aspecto político. Um está na Faculdade de Direito lá na São Francisco e advogado é tudo conservador, mas ele está no fórum de esquerda, acho que esse vai votar no PSOL porque o Plínio Sampaio que é candidato a governador pelo PSOL tem influência nos advogados, acho que é mais por aí que entra o voto do PSOL. E a minha filha está fazendo arquitetura, também está numa política que nem sei qual é. Também não quero saber muito. Eu brinco com ela para não aderir demais a esses grupos políticos porque eles não te deixam pensar. É bom ter militância política... Ela me disse que se a eleição fosse hoje, votava nulo. Nem no PSOL. Acho que meus filhos também estão interessados nessa formação política. Um pouco diferente do que eu vinha falando, claro que a gente pensa que não influencia os filhos, eu nunca fiz um movimento nessa direção, mas eles estão vendo o que a gente faz na vida. Tenho um pouco de orgulho sobre essas coisas. Agora, é da idade essa militância, como eu vivi 20 e tantos anos no DIEESE, eles me ouviram falar do DIEESE, dos trabalhadores, dos sindicatos; estou há três anos no governo Lula, então não tem jeito. Podiam ser radicalmente contrários, mas não são, eles foram para a esse lado. Também não sei se tem algum arquiteto que não seja ligado a movimentos mais sociais, fruto da profissão, da escolha da profissão. Já o advogado não, ao contrário, advogado vai pelo caminho mais... Estou estereotipando a análise, estou falando por causa dos dois. Já o Pedro, acho que esse sim vai ser o meu filho capitalista. Ele fica com raiva porque eu moro em Brasília, ele tem raiva do Lula, mas porque eu moro em Brasília, mais por isso: o Lula roubou o pai dele.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

Minha carreira é muito fortemente influenciada pelo DIEESE. Eu acho que o mais legal, é aprender a trabalhar democraticamente, ouvindo os outros, montando equipes, tendo visão plural das coisas. Acho que isso é, claro é difícil falar de si mesmo, mas eu acho que é o meu grande aprendizado. E lá em Brasília, eu consegui também fazer isso, montar uma equipe, trabalhar com os servidores públicos, a minha Secretaria, nós levamos muito pouca gente de fora, trabalhamos com gente da casa, servidor público. Acho que é uma equipe mais ou menos coesa, também não tenho ilusões. São três anos de trabalho. Mas acho que esse foi o grande aprendizado e ele é fortemente influenciado pelo trabalho no DIEESE. O DIEESE é um órgão que te obriga a estar o tempo todo atento no olhar do outro, além da formação técnica, mas sobretudo isso. A formação técnica cada um tem a sua, um economista melhor ou pior, um sociólogo melhor ou pior, mas a formação de gestão com um olhar democrático. E estamos implantando no Governo um processo bem inédito de gestão democrática nas relações de trabalho, com muita dificuldade, que é também fruto da formação de pessoas como eu. Não só eu, não fui eu que comecei a implantar, mas estamos dando continuidade à equipe que está lá. Eu acho que essa é a maior marca aqui, eu acho que isso é fundamentalmente por conta do DIEESE, estou convencido disso, desse trabalho coletivo e essa visão institucional das coisas, para mim é importante.

Eu sou filho de servidor público federal, embora eu nunca tenha sido servidor público. Meu pai era. Eu também fui parar num lugar... É muito gozado, a história dá voltas. De vez em quando, eu me lembro que eu sou filho de servidor público federal. Quando estou falando lá, porque eu não sou servidor, às vezes tem essas questões: os que vieram de fora, nomeados, mas eu me lembro que meu pai era. E muitas vezes não quer dizer nada ser servidor concursado, o que você vê de defeito ali, de interesses muito particulares mesmo sendo servidor. E quem vem de fora com um interesse mais geral, mais público. Mas essa foi a marca principal.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Eu acho que o DIEESE precisava de um projeto de memória. É um projeto bem bacana. Sorte que o DIEESE teve condição de fazer, inclusive financeira, de contratar uma equipe competente que conhece esse tipo de trabalho, como vocês, porque precisava resgatar essa história. O DIEESE tem muito pouco resgatado da sua história. A gente brinca que mesmo nos momentos, aqui dentro, de felicidade, quando ganhávamos uma parada, o sindicato ganhava uma parada, o DIEESE fazia uma coisa bacana, já no dia seguinte estávamos enfrentando um problema. Nós não temos nem tempo de ser felizes aqui dentro porque já vem outra pauleira. Essa parada que o DIEESE está aprontando para resgatar a sua história, acho importante para a instituição. A instituição nunca conseguiu fazer isso. Acho um projeto bem bacana. Espero que dê para fazer uma síntese porque é muita coisa, nunca fez. A gente teve, mais recentemente, há dez anos atrás uns vídeos, mas coisas muito pontuais. Agora não, acho que é uma coisa mais abrangente, pegando até o Rubens Ramacciato. Esse cara, nunca o vi! Eu soube que o Rubens está aí e eu tive vontade de sair para ver o cara, porque ele existe. É uma pessoa real. Imagina, eu passei 20 e tantos anos aqui no DIEESE e não conheço esse cara. O DIEESE nunca resgatou, embora eu tenha conhecido o Albertino, o filho do Albertino – o Albertino faleceu – nós tivemos alguns momentos aí. Mas acho um projeto fundamental porque o Brasil, como todo mundo sabe, tem pouca tradição de resgatar sua memória. E o DIEESE, aí já é uma coisa muito particular, foi muito injustiçado na história. O DIEESE teve muito mais importância do que na verdade aparece. As disputas políticas que vieram no final dos anos 70, começo dos anos 80, levaram as análises permeadas por essas disputas políticas e uma instituição plural, unitária como o DIEESE ficou de fora, não estava. Tem muita coisa que você lê de história recente do movimento sindical dos anos 80 e você fala: “Isso aqui nosso está aí e ninguém fala”. E ninguém fala. O DIEESE... institucionalmente, não estou falando pessoalmente, institucionalmente foi injustiçado. Não vou citar casos porque nem vou lembrar, mas têm livros, coisas que foram escritas que passaram ao largo do DIEESE e o DIEESE estava lá. E teve importância, a sua importância não foi a principal, mas teve importância. Eu acho que em geral foi reconhecido. Os sindicatos mais importantes sempre reconheceram o papel do DIEESE.

 

 

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