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Artur Henrique da Silva Santos

artur_henrique_da_silva_santosHistória de Vida

Identificação

Artur Henrique da Silva Santos, 26 de junho de 1961, São Paulo. Meu pai é Artur dos Santos e minha mãe é Maria Isabel Nobreza da Silva. Meu pai trabalhava no comércio, vendas em uma papelaria, e a minha mãe em casa, do lar, trabalhadora doméstica. Sou filho único.

 

 

Infância

 

 

Eu nasci em São Paulo, na Rua Caraíbas, onde morei durante toda a minha infância. Essa rua fica em frente ao campo do Palmeiras e talvez venha daí a minha ligação com o time. Eu sou palmeirense. Uma rua na Vila Pompéia, em 1961, uma rua tranqüila, sossegada. Não tinha tanto prédio como tem hoje, eram mais casas. Tive uma infância relativamente boa, sossegada, apesar de muito difícil. Meu pai trabalhava numa papelaria na mesma rua onde a gente morava. Minha mãe trabalhava como empregada doméstica e nós morávamos no fundo da casa onde ela trabalhava.

 

 

Estudos

 

 

Tive oportunidade de estudar em colégios públicos na própria Vila Pompéia. Depois, fui fazer curso técnico em Osasco, na Fundação Instituto Tecnológico de Osasco. Na dúvida se fazia eletrônica ou eletro-técnica, acabei fazendo eletro-técnica, mas nunca atuei nessa área.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Meu primeiro emprego, com 18 anos, foi nessa papelaria do meu pai. Ela fazia acordo com o MEC, na época, e vendia material escolar do MEC em algumas peruas Kombi espalhadas pela cidade. Eu era um dos vendedores. Ia com a Kombi, parava na avenida Paulista, abria as portas e vendia material escolar, Atlas, papel, livro. Depois, fechava a Kombi, botava tudo dentro e levava a perua de volta. Tinha 18 anos. Essa foi a primeira experiência profissional.

 

 

Estudos

 

 

Comecei a estudar já com sete, oito anos, no bairro mesmo. A escola se chamava Colégio Miss Brown. Era uma escola primária. O ginásio também foi na escola estadual, pública, na rua Cayowa, no mesmo bairro, Pompéia. Muita brincadeira, não tinha muita preocupação, era uma situação de jovem ou de pré-adolescente. Quebrava muito osso, quebrei duas vezes o braço, quase cortei o pulso numa garrafa de guaraná quebrada no colégio, coisas de acidentes físicos que nos lembram mais pela dor. Uma infância normal.

Trajetória Profissional

Quando comecei a trabalhar sempre vinha uma questão: se mantinha o trabalho, se estudava, se dava continuidade aos estudos. Como é que faz para compatibilizar o trabalho e, ao mesmo tempo, os estudos. A situação financeira de casa não permitia só estudar e tinha que sair para trabalhar e ajudar em casa, no orçamento doméstico. Tive que começar a trabalhar com a perspectiva de estudar à noite, em Osasco. Durante o dia era o trabalho na papelaria. Depois acabou a fase de trabalhar vendendo material do MEC e então fui trabalhar na papelaria, internamente.

Depois acabei entrando numa empresa para ser comprador de material elétrico. Foi quando pude começar a estudar de noite e a trabalhar durante o dia. No começo era uma situação complicada porque tinha que me acostumar com os horários, estudar em Osasco à noite. Saía de lá 11 e meia da noite. Mas me acostumei e trabalhava durante o dia e estudava à noite em Osasco. Na verdade, eu comecei como auxiliar de compras. Era uma empresa que fazia coletores, turbinas de ignição, materiais elétricos e para veículos automotores, autopeças. Comecei a pegar a manha e conhecer um pouco mais do trabalho de auxiliar de compras. O comprador acabou saindo da empresa, se aposentou e eu assumi o departamento de compras. Foi muito desgastante porque tinha 19 anos, 20 anos, assumindo um departamento onde a pressão era muito forte. Era uma empresa que produzia coletores e me lembro bem que era uma situação de pressão muito forte. Tinha uma reunião mensal dos gerentes da empresa e, como era um local pequeno, o dono da empresa participava também. Com o relatório de produção na mão, o gerente vinha fazendo cobrança de quem é que não tinha cumprido com a sua parte. Invariavelmente, como eu era novinho, começando naquele momento, sentia que todo mundo encontrava uma desculpa para fazer uma apresentação para o presidente da empresa da razão de não ter cumprido determinada meta. Lembro-me de reuniões em que o pessoal dizia: “Não fizemos porque o departamento de compras não comprou determinado fio, determinada peça que precisava” e as coisas sempre vinham para o meu lado... Comecei a ficar um pouco mais esperto e a me preparar para essas reuniões. Ia com uma outra visão: “Foi comprado, está desde o dia tal no almoxarifado”. Ou seja, ia me preparando para uma disputa que estava colocada ali na empresa e para quem estava começando a trabalhar e não estava acostumado com isso, foi uma experiência muito importante, do ponto de vista pessoal, apesar de ser desgastante, pressão em cima, mas foi uma experiência muito interessante.

Esta função de comprador me obrigava a andar na empresa toda e ela tinha uma parte de produção. Ficava olhando aquele pessoal o dia inteiro fazendo, principalmente na estamparia, peças – porque uma coisa é você comprar peças, comprar matéria-prima para fazer determinada peça, outra coisa é ver o trabalho que se desenvolve na área de produção. Eu cheguei a ver uma pessoa perder um dedo em uma das prensas quando estava andando na produção. São coisas que vão te marcando, quer dizer, a pressão sobre os trabalhadores. Tinha lá o controlador de produção, que era a pessoa que ficava com a prancheta na mão controlando em quantos minutos o outro realizava determinada tarefa, com uma meta para cumprir. Toda empresa metalúrgica era assim. Hoje, evidentemente, deve ter controle por computador, mas naquela época o pessoal ficava lá: o controlador de produção com a pranchetinha na mão. Eu era muito jovem naquele momento e talvez não tivesse, não fizesse uma ligação disso com luta de classe, com movimento social, movimento sindical, nada disso, mas sentia uma situação bastante complicada do ponto de vista da pressão sobre as pessoas que trabalhavam ali. Era interessante porque na hora do almoço eu procurava conversar com os funcionários da produção e não com o pessoal de escritório. Eu era comprador, eu era da área de escritório e não da área de produção. Na hora do almoço, gostava de almoçar e comia com o pessoal da produção. Eu via que não era uma coisa muito natural porque o pessoal do escritório comia separado do pessoal da produção. Mas acho que ali começou uma base de ligação, vamos dizer assim, mesmo sem saber, mas talvez tenha sido o início da preocupação de conhecer melhor aquelas pessoas, saber o que elas faziam, saber por que a pressão era tão grande sobre elas, sobre mim lá em cima. Porque a pressão não é a mesma, evidentemente, mas eu estou chamando a atenção para o fato de que do mesmo jeito que lá no escritório tinha a pressão dos gerentes das outras áreas para culpar alguém pelo não cumprimento de algumas metas, ali embaixo também era uma pressão para cumprir as metas. Acho que essas coisas foram marcando a minha vida... Mas não diria que começou ali, começa com a mudança para Campinas.

Família

Em 79, meu pai arrumou emprego no Shopping Center Iguatemi, de Campinas, que era um grande shopping que ia ter na cidade. Estavam precisando de um gerente para montar a papelaria numa grande loja de departamentos chamada Sandiz, na época. Eu, meu pai e minha mãe, família grande, enorme, fizemos uma reunião para decidir se a gente mudava para Campinas ou não. Decidimos que íamos tentar a vida em Campinas. Minha mãe também já estava cansada de trabalhar como empregada doméstica e resolvemos tentar a nova vida. Era um salário bom. Meu pai fez 50 anos na época, conversou com o gerente dessa empresa, dizendo que mudaria com a família toda para Campinas, que seria uma vida nova e ele queria ter o mínimo garantido, queria continuar trabalhando ali e tal. Ele deu todas as garantias: “Não, você pode vir, mudar com a sua família”. Meu pai montou a área de papelaria da loja do shopping e, dois anos depois, com tudo montadinho, tudo funcionando, com 52 anos de idade, recebeu um pé no traseiro, foi demitido. Crise em casa... Quando mudamos para Campinas, o salário que ele ganhava e o que eu recebia nessa empresa onde trabalhava como comprador – era uma empresa de alarmes industriais e residenciais – dava para pagar o apartamento que a gente tinha alugado na cidade. Compramos um apartamento em construção e dois anos depois meu pai foi demitido. Crise na família. Minha mãe voltou a trabalhar como empregada doméstica e meu pai queria se matar para poder quitar o apartamento. Aquela coisa de desempregado, não arruma mais emprego, 52 anos de idade, se achando o pior dos seres humanos, achava que se ele matasse iria zerar a dívida do apartamento que a gente tinha comprado. Eu, desesperado, falava para minha mãe: “Meu pai tem que tomar cuidado.” E ela: “Pode parar, esse aí quanto mais fala que vai se matar, não se mata não, pode ficar tranqüilo!” Minha mãe sempre foi uma pessoa muito mais ousada, mas pé no chão. Voltou a trabalhar de empregada doméstica e a gente tocando a vida para poder pagar o apartamento que tinha acabado de comprar. Pagar em 180 meses, 18 anos de financiamento.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Depois eu saí dessa empresa de alarmes, como comprador, e fiz um concurso para entrar na CPFL, que é a Companhia Paulista de Força e Luz. Era uma empresa, na época, estatal do setor de energia elétrica. E aí a vida mudou da água para o vinho porque, para você ter uma idéia, era a época do Cruzado Novo e eu ganhava, como comprador, 53 mil cruzados novos. Na CPFL fui ganhar 260 mil cruzados novos, cinco vezes mais do que o que eu ganhava como comprador. Então era um emprego maravilhoso. A gente conseguiu estabilizar um pouco a situação da família, pagar o apartamento - tinha duas ou três prestações atrasadas. Conseguimos botar as coisas mais ou menos em ordem.

 

 

Família

 

 

Meu pai não arrumava emprego, minha mãe trabalhava como emprega doméstica e nessa empresa mesmo alguns amigos falaram: “Por que você não abre uma banca de jornal?” Foi interessante porque essa era uma área em que a gente nunca tinha pensado em fazer alguma coisa. Sei que começamos a pesquisar essa história e meu pai e minha mãe diziam: “Essa idéia é boa, vamos ver como vai ser!” E montamos a banca de jornal. E ficou mais ou menos 18 anos com a banca de jornal crescendo. Voltaram duas vezes para Portugal, para visitar a família, com o dinheiro da banca, um negócio que, evidentemente, não tem sábado, domingo, não tem nada, só que acordar todo dia às 5 horas da manhã, estar lá com o jornalzinho pronto às 6 horas para o primeiro freguês, mas como os dois tomavam conta do negócio, acabou sendo uma forma de estabilização para eles. Até amizade. Os dois constituíram uma amizade muito grande em Campinas. Ficamos lá 18 anos com a banca de jornal da Dona Isa, que é o nome da minha mãe, ficando famosa no bairro.

Trajetória Profissional

Foi praticamente durante esse período que eu, entrando na CPFL, na Companhia Paulista de Força e Luz, me dei conta de que quando entrei ali tinha uma coisa interessante. Era a época do Montoro, aquele negócio de gestão participativa. Estava no auge o debate sobre gestão participativa por objetivos, por projetos e tal, e existia nas empresas estatais do Estado de São Paulo o chamado Conselho de Representantes dos Empregados. Toda empresa estatal tinha um Conselho e quando eu entrei na CPFL, o pessoal veio fazer o que eles chamam de primeira reunião com os novos funcionários, explicando o que era a empresa, e me apresentaram isso. No segundo dia aconteceu uma reunião desse tal Conselho de Representante dos Empregados e o pessoal me explicou o que era o Conselho: era para discutir a gestão da empresa, para os trabalhadores fazerem críticas e sugestões... Eu achava aquilo o máximo! Tinha vindo de um setor privado, onde um cara tinha perdido o dedo, com pressão sobre os trabalhadores para cumprir meta, não sei o que e tal e entrei numa empresa que tinha um negócio que chamava participação dos trabalhadores na decisão da empresa. Ali eu acho que começou a mosca verde ou o bichinho dos movimentos sociais: “Acho que aqui é interessante atuar. Esse espaço é de fácil participação” e isso foi quando entrei na CPFL.

Em 81 eu tinha 20, 19 pra 20. Entrei na CPFL em 13 de outubro de 81. Companhia Paulista de Força e Luz. É uma empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Na época tinha 7.500 trabalhadores, atuando em todo o interior do estado de São Paulo: Campinas, Bauru, Americana, São José do Rio Preto, todo o interior. Entrei nessa empresa em 81, como técnico eletrotécnico, a formação que eu tinha feito no Instituto Tecnológico de Osasco. Pela primeira vez, eu estava atuando na minha área de estudo, porque como comprador eu não atuava como técnico, mas precisava trabalhar... Entrei como técnico eletrotécnico nessa empresa. Comecei a aprender sobre energia elétrica, medidores de energia elétrica, mas também a participar desses movimentos internos que a empresa propiciava por meio do Conselho de Representantes.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Em 1982, um companheiro nosso chamado Kjeld, que foi da Direção Nacional da CUT, Secretário de Relações Internacionais, e que trabalhou nessa empresa durante muito tempo junto comigo, falou: “Você parece que leva jeito para representar os trabalhadores. O que você acha de nos representar?” “Não, acabei de entrar na empresa em 81, um ano, nós estamos em 82, eu quero crescer na empresa”. Eu gostava de discutir, de conversar com as pessoas, mas não estava colocado em meus planos naquela época, em 82, participar desse processo. Em 83 nós tivemos muita discussão interna na empresa sobre plano de cargos e salários e uma disputa muito forte entre as áreas, entre os vários níveis gerenciais. Tinha uma briga entre os gerentes porque só podia ser gerente ou coordenador de área quem fosse engenheiro. Eu dizia: “Tem muito técnico aqui com muito mais experiência que engenheiro recém-formado e eu acho que tem que dar também oportunidade para os técnicos”. E foi uma luta nessa questão específica naquele momento que a gente acabou ganhando. Conseguimos criar o cargo de técnico especializado, que era um trabalhador que não tinha condição de fazer engenharia, mas que tinha experiência maior até do que um próprio engenheiro e poderia ocupar um cargo de gerência – quem é que disse que só engenheiro pode ocupar cargo de gerência numa empresa? E eu acho que foi aí que comecei a ganhar as pessoas. Elas começaram a me olhar e diziam que eu falava bem. E eu gostava de conversar, me dava bem com todo mundo. Eu sempre tive uma característica interessante, conhecia todo mundo da minha área. O meu setor tinha 68 funcionários e eu sabia o nome completo de todos, conhecia as pessoas todas, muita conversa.

Em 83, fui eleito como representante do meu setor, o setor do Departamento de Consumidores, no Conselho de Representantes dos Empregados. Acho que naquele momento começou, na verdade, uma preocupação de participar mesmo ali no microcosmo, no meu mundinho da CPFL, no mundinho do meu departamento, da defesa dos trabalhadores, dos interesses dos trabalhadores, das disputas que existiam dentro da empresa com gerentes e, como dizem, classe gerencial, os coordenadores de área. Foi ali que eu comecei a ver que tinha uma escolha para fazer: ou eu ficava na empresa e tentava passar 20 anos ali como técnico em eletrotécnica, talvez fazendo carreira como técnico especializado, que eu tinha brigado há um tempo para garantir, ou eu tentava me aprimorar e atuar cada vez mais nessa área, com os trabalhadores da minha área. No ano seguinte, 1984, fui eleito para representar os trabalhadores do departamento e aí era o departamento inteiro, envolvia 500 pessoas. Fui eleito com 70, 80% dos votos. Começou a ter uma representatividade na minha área de trabalho, mas até aí pouca ligação com o sindicato. Era uma coisa muito interna da empresa. Na verdade, você tinha pessoas nesse Conselho que participavam de uma oposição sindical ao sindicato. Já tinham participado de uma eleição anterior e foi aí que eu conheci o pessoal do sindicato que queria montar uma chapa de oposição. Em 1984, montaram uma chapa, me convidaram para participar, mas eu achei que tinha que ficar no CRE – Conselho de Representantes dos Empregados – e apoiei a chapa de oposição criada em 1984. Até hoje todos nós achamos que ganhamos aquela eleição, mas não levamos porque foi uma eleição fraudada no correio – naquela época, no nosso sindicato, tinha voto por correspondência. O pessoal votava em uma chapa e, segundo consta, um dia a história vai contar, os votos foram trocados no correio, numa caixa postal que recebia os votos de fora. Ganhamos a eleição, mas nós não levamos, ou seja, continuamos na oposição sindical. Isso foi em 1984. Eu já estava totalmente envolvido com o CRE - Conselho de Representantes dos Empregados-, fui eleito para a chapa na empresa como um todo, fui secretário geral do CRE, já discutia num nível gerencial, discutia tudo: desde trabalhadores com dificuldade financeira e tinha muito agiota dentro da empresa que cobrava juros e a gente tinha o papel de tentar minimizar os problemas que isso causava dentro das empresas até cuidar de problemas familiares, problemas pessoais - parecia um escritório de psicologia – além de discutir questões como gestão da empresa, prioridade de investimento. Era um espaço importante de participação dos trabalhadores. Até hoje a gente tem esse espaço, mesmo depois de a empresa ter sido privatizada. De 84 até 87, nós construímos uma oposição sindical e em 87 ganhamos o sindicato. Dessa vez eu fiz parte da chapa. Na época, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Energia Elétrica de Campinas se chamava Sindicato dos Eletricitários de Campinas, mas, na verdade, eram 435 municípios, envolvia todo o interior do Estado. Vencemos a eleição em 1987. Eu era diretor suplente, meu primeiro cargo de dirigente sindical. Meu papel era arrumar novos sócios. Eu vivia com reserva para colônia de férias na gaveta do meu local de trabalho. Reserva para a colônia de férias e ficha de filiação sindical, que era o papel de um dirigente sem pasta, suplente e tal. Foi aí que começou a minha vida sindical, em 1987.

Família

Tem uma característica da educação que meus pais me deram e que os pais deles, meus avós, sempre os ensinaram, que fazia parte da tradição, da cultura européia que é: mesmo em situações difíceis, temos que trabalhar questões como honestidade e a preocupação com a situação das pessoas. Talvez não com essa visão de justiça social, de ter clareza daquilo que se colocava nas disputas da sociedade, a luta de classe, mas de ter uma visão de ajudar as pessoas. Mais isso, mais por esse caminho, sem cair no assistencialismo, mais pelo caminho de ajudar as pessoas e construir alguma coisa junto e tal. A preocupação era essa, mesmo sendo uma época – 79, 80 e 81 – em que já não era tão forte aquela repressão da ditadura. Era o início do processo de democratização, com grandes debates sobre carestia, sobre democratização, sobre liberdade democrática, então era um momento de muita mobilização social. Minha mãe tinha muita preocupação: “Cuidado!”, sempre com aquelas histórias de polícia, de violência, de prisão, mais uma preocupação dessa linha, mas também uma preocupação de viver ajudando as pessoas, achando que eu estava fazendo uma coisa que ajudava a construir, a transformar.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Efervescência do movimento sindical, a CUT tinha sido recentemente construída em 83. Ela já nasceu como oposição. Foi aprovada na nossa chapa a filiação à CUT e aí a primeira reunião da direção do Sindicato – eu me lembro até hoje, eram 24 pessoas, naquela época não podia ter mais do que 24. Eram 24 dirigentes e a primeira reunião - foi uma reunião de dois dias, numa sexta e num sábado - foi para decidir que a gente ia acabar com o jetton.

No sindicato tinha o jetton. O presidente do sindicato ganhava 10 salários mínimos, o secretário geral ganhava oito, o tesoureiro, sete, e os demais diretores, pelo menos um salário mínimo cada um. O pessoal falou: “Para que é esse jetton?” “É pra você cumprir com os gastos que você tem com a sua atividade sindical”. Só que todo mundo tirava nota. Eu ia almoçar, ia pegar o carro e fazer algum trabalho, tirava nota de combustível e ainda assim ganhava o jetton. Era, na verdade, uma forma de manter as pessoas acomodadas naquela estrutura. Na primeira reunião, me lembro até hoje, alguns que entravam na chapa de direção do sindicato achando que iam continuar ganhando o jetton, ou seja, transformar aquela atividade sindical quase numa profissão, mas a primeira reunião aprovou por unanimidade o fim do jetton na direção do sindicato.

E começou uma experiência muito interessante de discutir, naquela época, as tendências dentro do sindicato: articulação sindical, articulação de esquerda, corrente sindical – nem era Corrente Sindical Classista, mas era o pessoal ligado aos partidos políticos e eu, para falar a verdade, quando entrei no Sindicato não tinha nenhuma corrente política. Você entra no sindicato muito mais por uma vinculação pessoal ou de alguém que você acha que tem uma postura correta em defesa dos interesses, não tive uma, por exemplo, formação nem na universidade – fiz universidade depois –, mas não tive uma formação política como com a JUC, com igreja que muita gente teve antes de entrar para o movimento sindical. Eu entrei nessa linha do Conselho de Representantes dos Empregados, e o pessoal falava muito em tendência dentro da direção do sindicato e eu não entendia absolutamente nada do que estavam falando de articulação, de corrente. Comecei a estudar, ler, li muito, me interessei pelo assunto para ver se conseguia pelo menos entender o que estava acontecendo ali nas reuniões. Eram reuniões que davam votações do tipo 12 a 12 por conta dessa disputa interna de tendências, quando tinha alguma coisa para decidir dava 12 a 12, porque tinha um lado que defendia determinadas posturas, o outro defendia outras e eu falava: “O que é isso? Não está todo mundo junto no mesmo sindicato? Não é pra brigar!”

Formação Acadêmica

Resolvi que tinha que fazer faculdade e acabei entrando em Sociologia, na PUC, em Campinas. Isso foi em 88. Começo de 88, final de 87. Ganhamos a eleição do sindicato e eu entrei na PUC. Tinha 24 para 25 anos. Bom, eu entrei na faculdade, na verdade, eu já estava no sindicato, mas eu não estava liberado ainda. Era 1988, eu estava trabalhando na CPFL durante o dia, tinha um tempo com uma determinada quantidade de horas semanais para a atividade sindical. Isso estava estabelecido no acordo coletivo e comecei a estudar à noite lá na faculdade em Campinas e dava para compatibilizar tudo, na verdade. O único problema é que eu estava atuando numa empresa de energia elétrica, no cargo de técnico em eletrotécnica e, se fosse pensar do ponto de vista profissional, deveria estar fazendo engenharia ou engenharia elétrica para tentar ficar na empresa e subir profissionalmente. Mas eu quis fazer Sociologia porque eu queria entender um pouco mais sobre essas coisas das relações sociais, da disputa política. Resolvi fazer Sociologia já sabendo que aquela linha, nessa altura do campeonato, já estava indicando que o meu futuro na empresa não ia ser de um gerente, de coordenador de área. Apesar de ter crescido dentro da empresa e de ter subido degraus, sabia que não ia ser esse o meu caminho. E fui pra faculdade, fiz faculdade de Ciências Sociais. Penso em voltar a dar aula e voltar a estudar quando der um tempo nessa vida maluca.

Eu tinha muita relação no Sindicato e, na faculdade, porque era um curso de Ciências Sociais à noite, com pessoas muito sofridas de diferentes áreas, mas que tinham objetivos de atuar em movimento social ou em movimento sindical ou estudar para dar aula. Tinha pouca gente na minha classe, por exemplo, que tinha alguma outra idéia de fazer Sociologia para atuar em uma empresa na área de Recursos Humanos. Então eu fui criando uma relação de amizade. Inclusive conheci minha ex-esposa na sala de aula. Ela trabalhava na CPFL e eu não sabia. “Onde você trabalha?” “Trabalho na CPFL” “Mas onde? Eu também trabalho na CPFL”, como tinha várias áreas espalhadas na cidade, falava: “Trabalho aqui, trabalho ali”, quando a gente casou, estava estudando na faculdade. Foi uma relação de construção de conhecimento um pouco mais sobre o movimento estudantil que também eu não conhecia. Na época do curso técnico, estudava de noite, não tinha tempo, então a faculdade trouxe essa questão nova ajudando a mostrar o caminho e, ao mesmo tempo, uma situação em que eu estudava, via a teoria, lia a teoria, e atuava no movimento sindical. Tinha a possibilidade de ver que a prática nem sempre combinava com aquilo que eu estava estudando na faculdade. Tem uma coisa meio dissociada, a vida não é assim tão determinada como está nos livros, então a gente foi construindo essa relação.

 

 

Greves

 

 

Em 87, eu entrei no sindicato. Em 1989, nós fizemos uma grande greve. Quando a gente fala grande greve no setor elétrico, é preciso explicar que a gente ocupou as usinas de produção de energia elétrica e como as usinas são áreas de segurança nacional, foi chamado o Exército para retomar as usinas. O pessoal tinha muito medo que a gente ocupasse as usinas e fizesse alguma bobagem com a energia elétrica e acabasse criando um apagão, mas a gente sempre teve uma responsabilidade muito grande em manter a energia elétrica como um bem, mas foi uma grande greve. Na verdade, foi meu primeiro movimento como dirigente sindical responsável por uma área. Como estava na greve, nós dividimos todos os nossos dirigentes sindicais e cada um foi para um lugar para organizar a greve. Em 1989, dois anos de sindicato, eu nunca tinha feito uma greve na vida, fui tomar um setor que até hoje é bastante estratégico no setor de energia elétrica e fui ser o coordenador da greve do estado, em Bauru. Foi uma experiência extremamente rica porque na greve você expõe com muita clareza essas várias situações que a gente às vezes fala durante o dia, durante a nossa jornada, nossa luta e que não aparecem tão claramente como em uma greve. Sentimentos como solidariedade, unidade, decisão coletiva, coisas que a gente defende, mas que nunca aparecem concretamente. Na greve isso tem que aparecer porque se não tiver condição de transformar isso em movimento, simbolizar essas palavras, esses valores, esses conceitos em ações práticas, eu acho que a greve não tem sentido. Mesmo em assembléias, posições difíceis, mesmo quando você aprova a greve, quando acaba com a greve, são momentos muito ricos porque são demonstrações de posições: gente que defende acabar com a greve, gente que defende continuar, então é sempre uma tensão constante. E foi minha primeira experiência, uma grande experiência de coordenar a greve. Aí chega batalhão de choque, tem que conversar com o comandante. No nosso setor, a gente sempre teve um papel, uma posição de atender às preocupações da população, então quando tinha chamado da população com problema de energia elétrica, você tinha que atender, porque não podemos ter a população contra os trabalhadores. A gente também sempre atuou no sentido de obter o apoio da população à greve. Muito interessante quando você tinha, por exemplo, um problema para atender durante a greve, o gerente tinha que nos chamar para poder discutir se a gente ia atender ou não e a decisão se vai atender, não vai atender, se era uma emergência ou não, era uma decisão dos próprios trabalhadores. O que mais me marcou na greve é esse poder dos trabalhadores de decidir coisas que até então era só a empresa que decidia por meio dos gerentes. Ou seja, tudo aquilo que o gerente sempre fez, tomou decisão de mandar um caminhão arrumar o poste na rua tal, o transformador que estava quebrado, agora quem tomava a decisão éramos nós, numa assembléia: se era emergência, se não era, se iríamos atender ou se não iríamos. Essas coisas são muito ricas em termos de formação das pessoas. São melhores até, na minha opinião, do que você fazer um curso de formação muito bom. A greve, eu acho, é uma das mais ricas experiências de luta, de vida, do movimento sindical. E foi a primeira grande greve em 1989. Em 1990, nós fizemos várias.

Centrais Sindicais

De 87 até 90 foi o primeiro mandato do sindicato. Nós mudamos o estatuto, filiamos o sindicato à CUT, acabamos com o imposto sindical que é, na nossa opinião, uma forma do movimento sindical se acomodar na estrutura sindical oficial. Entramos com ação na justiça e até hoje os trabalhadores não pagam imposto sindical no nosso sindicato. Foi o primeiro sindicato do Brasil a fazer isso. Na verdade, fomos o primeiro sindicato no Brasil a cumprir uma determinação da CUT porque a CUT disse em seu Congresso que tinha que acabar com o imposto e nós acreditamos. Fomos lá e acabamos com o imposto no sindicato. Hoje, a CUT tem uns 20 sindicatos que devolvem o imposto, mas tem muita entidade que ainda sobrevive do imposto sindical. Além de acabar com o imposto sindical, acabamos com o jetton, como falei, mudamos a estrutura do sindicato, criamos representantes sindicais de base, elegemos uma diretoria com 70 membros do Estado todo, teve uma transformação muito grande do ponto de vista sindical, daquilo que era o sindicato com 17 subsedes espalhadas pelo Estado. Foi uma vida muito ativa durante esse período.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Em 1990, nós fizemos uma mobilização grande contra as demissões que ocorreram na CPFL. Eu fui mandado embora da empresa. O gerente achava que eu era uma pessoa não muito agradável para ser mantida. Eu dizia: “Você não pode me mandar embora porque eu sou dirigente sindical”. E ele falava assim: “Procure seus direitos na Justiça”. A esperança era que em uns 15 anos, provavelmente, eu ganhasse o processo na Justiça. Isso foi em 1990. Foram demitidos três dirigentes do sindicato: eu, o Vicente e o Delboni. Nós demoramos quase um ano e meio para retornar. Ganhamos a ação em primeira instância, de reintegração. Não ganhamos a liminar de reintegração, o que causou um problema sério porque eu já estava casado, casamento novo, tinha contas para pagar e aí, demitido, sem salário e o sindicato não tinha condição de cobrir as despesas. Ficou uma situação de todo mês ter que pegar um dinheirinho ali, um dinheirinho aqui para pagar as contas. Foi um ano e meio difícil de tocar o sindicato, mas, se por um lado isso foi complicado, por outro, criou a seguinte situação: permitiu que mais três dirigentes em tempo integral pudessem lutar no sindicato contra os interesses do capital. Ao invés de a gente procurar outra coisa para fazer, procurar outro emprego, a gente entrou para dentro do movimento sindical de vez! Até então não era liberado, trabalhava na empresa, portanto, cumpria com as minhas funções na empresa e era diretor do sindicato, liberado apenas para as reuniões uma vez por mês. A partir daí fiquei oito horas: “E agora? Estou aqui, vou para qualquer lugar”. Comecei a visitar o Estado de São Paulo inteiro atuando como dirigente do sindicato. Eu fui da outra chapa, em 1990, fui da executiva; em 91 e 92, tiveram mudanças internas: eu fui vice-presidente e tesoureiro; em 93, secretário-geral do sindicato; em 96, presidente, até 99, e, em 99, eleito novamente presidente até 2002.

Fui presidente do sindicato por dois mandatos. Neste período mudamos o estatuto, só permitindo ficar por dois mandatos consecutivos. Se ficar mais que dois, o pessoal começa a gostar da cadeira, fica mais difícil de tirar e então, mudamos o estatuto. Quer dizer, só pode ficar dois mandatos como presidente, ocupar outro cargo no terceiro mandato e no quarto, pode voltar a ser presidente. Ele não pode ocupar o mesmo cargo durante três mandatos seguidos, porque isso acaba tendo, na nossa opinião, uma acomodação muito forte naquele cargo. Tive dois mandatos como presidente.

CUT

Na metade do último mandato como presidente do sindicato já era diretor de informação da CUT São Paulo. Fui diretor de informação da CUT São Paulo de 2000 a 2003 e depois, em 2003, eu vim para a CUT Nacional, onde fui secretário nacional de organização da CUT, depois secretário geral e agora presidente.

 

 

Avaliação/Movimento Sindical

 

 

Acho que nós temos uma situação no Brasil em que é mais fácil montar um sindicato do que uma microempresa, e às vezes dá mais dinheiro, infelizmente. Hoje no Brasil, por exemplo, são criados dois sindicatos em média por dia. Dois por dia. Você poderia olhar isso e dizer: “Os trabalhadores estão se organizando mais, estão criando novos sindicatos”. Mas não é isso. A grande maioria dos sindicatos que estão sendo criados é divisão dos atuais, ou seja, você tem lá o sindicato dos metalúrgicos de duas rodas porque alguém foi lá, achou uma brecha na lei e criou o sindicato dos metalúrgicos de duas rodas. Sindicato das costureiras de roupa vermelha parece ridículo, mas é verdade, tem um sindicato de costureiras de roupa, de uniforme. O que você tem no Brasil, na verdade, é uma fragmentação sindical muito forte, muito grande, uma situação em que é difícil unificar a luta e as estruturas sindicais porque a estrutura sindical foi feita para acomodar os dirigentes sindicais. Por quê? Porque você tem um negócio chamado imposto sindical. Todo ano desconta um dia do salário do mês de março de todos os trabalhadores do Brasil. Você sendo sócio ou não do seu sindicato, você paga esse dinheiro, todo ano. Então, quanto menos sócio o sindicato tem, para quem quer ficar acomodado, melhor, porque o sócio cobra, participa de assembléia, participa de eleição, vota. O sócio é, portanto, quem dá vida ao sindicato. Quando você quer manter o controle do sindicato, o que você faz? Você mantém os sócios em número pequeno porque pode controlar esse número e recebe o dinheiro do imposto sindical de todos os trabalhadores da base, sejam eles sócios ou não. Então o imposto sindical para nós é um simbolismo muito forte de quem não faz trabalho sindical, de quem não precisa fazer trabalho sindical: você não precisa organizar os trabalhadores no local de trabalho, não precisa sindicalizar, não precisa prestar serviço para os trabalhadores, quer dizer, não só na época da campanha salarial, mas outras atividades, atividades culturais. O sindicato não existe só com o interesse imediato de lutar pelos trabalhadores, mas tem também um papel na sociedade. Defendemos que tem que ter reforma, porque a estrutura sindical brasileira não tem liberdade e autonomia sindical, não tem uma unicidade que, na verdade, é manter o sindicato único para não permitir que se crie outro e o imposto sindical. No Brasil hoje você cria o estatuto da sua entidade sindical. Se as pessoas presentes nesta sala, estamos em cinco, quiserem montar um sindicato, montam: um é o presidente, o outro, tesoureiro, o outro, o secretário geral... a gente escreve uma ata, vai até o cartório, registra e começa a cobrar imposto sindical dos trabalhadores em museus, qualquer que sejam eles. Então montamos um sindicato: sindicato dos trabalhadores de museu. Aí a gente sai por aqui cobrando imposto sindical. Então o sindicato que não tem representatividade, não tem patrão para poder negociar – negocia com quem? Com o dono do museu, com o Estado, com a entidade... Estou dando um exemplo para mostrar que criar um sindicato virou um negócio. A estrutura sindical brasileira está necessitando urgentemente de uma transformação brutal. na nossa opinião. Tentamos fazer isso no primeiro mandato do governo Lula, junto com as demais centrais sindicais. Acho que avançamos bastante em algumas áreas importantes, como organização do local de trabalho, financiamento e outras áreas, mas não tivemos força política pra aprovar no Congresso Nacional porque quando ficou pronto o projeto de reforma, estávamos no auge da crise política do ano passado, quando o Congresso não estava votando nada, nem reforma sindical, nem reforma tributária, nada! Só estava discutindo CPI. E a gente, infelizmente, não teve a mudança na estrutura sindical, mas continuamos acreditando que é preciso mudá-la para tornar os sindicatos mais representativos, mais fortes, mais atuantes e com condição, na verdade, de superar o corporativismo que ainda existe muito forte nas nossas entidades e começar a ter uma visão de classe, de classe trabalhadora. Talvez nessa última eleição, nesse processo eleitoral, isso ficou um pouco mais claro e apareceu de novo, como que do nada, a frase da luta de classe. O papel da mídia de ser instrumento de Estado, papel de tribunais nessa disputa, que é uma disputa de classe. Então é isso, nós continuamos defendendo que tem que fazer reforma sindical, alguma liberdade e autonomia, são os próprios trabalhadores quem devem decidir a forma de organização e a forma de sustentação do seu sindicato. Isso é um sonho, é a nossa bandeira desde o nascimento da CUT. Agora esperamos poder avançar nisso no próximo período.

Centrais Sindicais

Quando estamos no sindicato, não temos a dimensão correta do quanto somos importante para outras organizações. E conhecer o que se faz fora do sindicato é muito positivo. A gente, às vezes, fica muito voltado para os problemas internos, para sua categoria específica – não que não seja necessário priorizar, mas, às vezes, não se consegue perceber que há uma necessidade da luta ser mais articulada, de uma forma mais geral. Acho que a gente acaba se perdendo quando está no sindicato, principalmente. Acho que, em parte, por medo. Tem muita gente que ainda não quer se arriscar: “Eu vou para uma CUT estadual. Lá tem um pessoal que é muito mais experiente do que eu”, alguma coisa do gênero. Isso é pura bobagem porque, na minha opinião, as pessoas têm experiências independentes da sua base sindical. Se é grande ou pequena, se é de um órgão do setor público ou do setor privado, se é rural ou se é urbano, independe muito daquilo que você faz e muito mais daquilo que você acredita que você pode empreender. Uma outra coisa: a sua visão se amplia de uma forma assustadora. Uma coisa é o seu trabalho sindical, no seu sindicato, o conhecimento que você tem na sua base de organização. Outra é você começar a viajar. Por exemplo, mesmo no estado de São Paulo, quando eu assumi a secretaria de informação da CUT do Estado de São Paulo, andava pelo estado todo. Uma coisa é fazer movimento sindical em Recife, em São Bernardo. Outra é fazer movimento sindical em Presidente Prudente, com o prefeito colocando na mesa de negociação o revólver em cima da mesa e dizendo: “Vamos começar a conversar. Não estou ameaçando ninguém, isso é só para...”. Ou seja, você tem situações... Uma coisa são os rurais do interior do Estado; outra coisa é a organização de grandes categorias, de grandes ramos que têm na estrutura poderosa e em condição de fazer o enfrentamento, como foi recentemente o caso da Volkswagen. Mas eu acho que amplia a sua visão, para conhecer outras realidades, outras categorias, o sentimento de classe, de unidade, de solidariedade, que são necessários para manter essa vida sindical ativa e que, às vezes, são perdidos ao longo do tempo. A gente fala muito em solidariedade, mas na hora de botar a solidariedade na prática, a coisa não é simples de fazer. E quando você vem para CUT Nacional, a mudança é 27 vezes maior do que a mudança no estado. Então você vai, por exemplo, para uma reunião de pescadores no Pará. Porque é fácil fazer movimento sindical em São Paulo, onde você tem grande concentração de trabalhadores – não que seja fácil. Se você quiser fazer uma grande mobilização vai para a porta de uma indústria metalúrgica ou de um grande banco, por exemplo, aqui na Rua Boa Vista você pega todos os bancos, ou mesmo do setor elétrico, da educação. A outra coisa é fazer reunião com pescadores no Pará: pegar o avião daqui até lá, depois um barco e quatro horas depois se reunir com 12 pescadores. Para fazer um negócio desses, a central sindical tem estrutura e acredita que aquilo é importante. Ou não vale a pena fazer a reunião com 12 pescadores porque o custo disso é inviável. Se você for pensar no custo, não faz, você tem que pensar em outra coisa: o que representa aquela reunião com pescadores no interior do Pará para o movimento sindical, popular, social, para a vida daquela comunidade. Acho que amplia, portanto, a sua visão e isso é totalmente diferente. Além disso, você começa a discutir assuntos que não estão ligados aos interesses imediatos dos trabalhadores e sim aos interesses históricos da classe trabalhadora. Você começa a discutir coisas que eu estudei na faculdade: a luta dos trabalhadores, a necessidade de não sei o quê dos trabalhadores, a organização dos trabalhadores. Como é que isso se dá na prática? Você faz uma marcha do salário mínimo e tem gente que ganha desde cinco mil reais até quem ganha um salário mínimo marchando em Brasília pela elevação do salário mínimo. Isso é transformar na prática uma ação social-política-sindical, que tem ação concreta. Você também discute os números do país, discute projetos para o país.

 

 

Avaliação/Movimento Sindical

 

 

Quando você está no sindicato, a sua visão de mundo evidentemente fica muito mais restrita em relação a atuar em uma central sindical. Acho que tem essa diferença, claro, de conhecer outras pessoas e atuar com outras pessoas, outras culturas bastante diferentes. Imagina lá no Norte, Nordeste, interior do Amapá, do Acre, a realidade é outra. É a mesma coisa que comparar o Brasil com o movimento sindical europeu. Em determinado período da história tinha cesta básica que continha entrada de cinema e jornal diário porque isso é importante para cultura. Nós nem chegamos perto disso. Aqui nós estamos discutindo como não impedir a morte de trabalhador rural no interior do Acre. Porque matam. São realidades diferentes que abrem a tua cabeça.

 

Centrais Sindicais

Já visitei15 estados desde que assumi a presidência da CUT (de julho a novembro). Quero visitar os outros 12 até março, abril do ano que vem, para depois começar a visitar de novo. Por quê? Porque essa diminuição da distância entre a direção de uma central e os trabalhadores ou os dirigentes dos sindicatos ou mesmo da central sindical no estado, que é muito forte, muito grande, tem que diminuir. Você cria relações conversando com as pessoas, olhando no olho, conversando, debatendo, batendo papo, tomando cerveja ou guaraná, coca-cola, mas também fazendo ações. Então você vai criando relações políticas, relações sindicais que vão se consolidando, construindo uma teia de solidariedade, de unidade. Isso vai ajudando o debate. Acho que falta muito disso no Brasil e no movimento sindical.

Na central você tem evidentemente um olhar mais geral que é de ter o entendimento de quem é o inimigo de classe, de quem é o adversário político, de quem são os projetos de que nós estamos falando - da indústria, do movimento sindical ou do movimento social. Tem um lado dessa história que precisa ficar muito claro. As pessoas têm que ter clareza do seu papel. A outra é para dentro dos próprios movimentos e aí tem todo o debate de concepção. Você tem hoje no Brasil sete centrais sindicais e pelo menos umas 15 já pediram registro no Ministério de Trabalho. Do mesmo jeito que é fácil montar um sindicato, também é fácil montar uma central sindical. Tem diferença de concepção dentro do próprio movimento e você vai tendo que construir relações e você só constrói relações conversando. Uma coisa que eu aprendi e que eu acho interessante é que, até na eleição do Lula, as centrais sindicais tinham uma disputa extremamente fratricida até, do ponto de vista das eleições, quando uma pessoa da CUT não conversava com outra da Força. Era raro ter encontros de todas as centrais para discutir um tema comum. Acho que a eleição do Lula trouxe um pouco essa possibilidade do espaço de discussão. Isso é verdade. Abriu um espaço democrático para as centrais sindicais discutirem salário mínimo, por exemplo. A CUT tem sua concepção, sua forma de enxergar como se faz a ação sindical, a mobilização e a transformação social. A Força tem a dela, a CGT também. Cada central tem a sua, mas na hora em que você olha o salário mínimo, a gente tem que se unir para brigar por um salário mínimo maior. Essa é uma luta de todos os trabalhadores, não é só da CUT, não é só da Força. O que não quer dizer que a gente deixou de ter divergências, de disputar. As eleições sindicais são uma coisa. Por conta daquele debate da estrutura sindical que a gente estava falando, eu posso escrever o estatuto do sindicato do jeito que eu quiser. Eu posso, por exemplo, ter um mandato de oito anos. O pai deixa o sindicato com o filho, que deixa o sindicato com o neto. Você tem sindicato hoje que é familiar. Está desde o avô, o presidente do sindicato, que passa para os filhos e você não consegue disputar a eleição. Tem um sindicato aqui em São Paulo que o pessoal diz que se alguém entrar com processo judicial, a atual direção permanecerá no poder até a decisão final em última instância. O cara está lá há 30 anos e vai continuar pelos próximos tantos. Essa disputa sindical continuará, enquanto você não tiver liberdade e autonomia ou enquanto você não tiver regras democráticas, com a participação na eleição. Eu estou convencido de que estamos construindo isso. É um processo e você vai construindo mais unidades, mais solidariedade, mais espírito de classe, com muita conversa, debate ou ação conjunta em temas que são possíveis de construir unidade, porque é assim que você vai chegar realmente na prática.

 

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