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Página Inicial nossas_historias_menu Clemente Ganz Lúcio

Clemente Ganz Lúcio

clemente_ganz_lucioHistória de Vida

Identificação

Meu nome é Clemente Ganz Lúcio e nasci em Curitiba, no Paraná, em 11 de setembro de 1958. Meus pais são Clementino Mendonça Lúcio e Maria Ganz Lúcio. A origem de meu sobrenome Ganz é italiana, do norte da Itália. Também tem origem da Suíça, germânica, mas é italiano. E o sobrenome Lúcio é português. Tive uma irmã, mas já é falecida.

 

 

Infância

 

 

A partir de um ano, morei em Curitiba, no bairro do Cajuru, numa rua sem saída. A rua não tinha pavimentação e havia três casas e umas quatro ou cinco casas ao redor. Essa rua terminava numa rodovia que liga Curitiba a Paranaguá, litoral do Paraná. E depois de uma longa distância tinha o bairro na verdade. Morei lá, até uns 15 anos, mais ou menos. Hoje tem um grande Shopping lá. Mas na época, era uma rua sem saída.

Atravessando a rodovia, a BR, tinha um seminário de padres católicos. Um seminário com um espaço muito grande, um bosque enorme, uma quadra de futebol. Nós brincávamos no seminário. Uma única vez, nós tentamos brincar em frente de casa, mas tinha muita touceira, muito buraco. Continuamos jogando futebol no seminário. Minha infância foi muito mais dentro do espaço do seminário, que tinha um bosque muito grande.

 

 

FormacaoAcademica

 

 

No bairro Cajuru, havia um jardim chamado Jardim das Américas que tinha uma escola municipal de primeiro grau e fiz da primeira à quinta série. Eu não fiz educação infantil, entrei direto no primeiro ano primário nesta escola municipal chamada Escola Municipal Júlio Mesquita.

Era uma caminhada longa que eu fazia de manhã, em geral sozinho. Na época de frio, eu lembro que ia caminhando e ia fincando o pé na geada, deixando as pegadas. Lembro uma vez em que viajei para Portugal, quando tinha dez ou onze anos e, minha mãe trouxe um presente para eu dar para a professora. O nome dela era Ilma. Mas eu tinha a maior vergonha. Todo dia chegava na escola com o presente e acabei não dando para a professora.

Do cotidiano da escola lembro que na hora em que batia o sinal, tinha que formar fila e cantar e Hino Nacional. Quando eu saí do primeiro grau, fui para o chamado ginásio que era estadual, mais ou menos com 11 anos. Meu pai era dono de uma construtora que tinha uma loja de material de construção. A loja da construtora era ao lado do ginásio onde eu fui estudar. Quando eu comecei o primeiro ano do chamado ginásio, eu estudava de manhã e trabalhava à tarde, na loja. Tinha 11, 12 anos. Saía, mais ou menos, às cinco e meia, era o tempo de chegar em casa e poder jogar bola com meus amigos. Jogávamos na rua, mas era rápido, porque logo escurecia.

Quando eu entrei para a Escola Técnica Federal, para fazer o curso de Edificações, passei a ter um trabalho na própria construtora, fazendo projetos de arquitetura e os esboços dos projetos. Com 16 anos, já fazia os projetos de casas. Com 17, assumi a direção da construtora com meu pai, dividia uma área de responsabilidade. Ele viajou, passou um ano fora e eu fiquei sozinho.

Eu me formei em Edificações na Escola Técnica Federal do Paraná. Como tive uma boa aprovação, fui convidado para trabalhar na Petrobras. Eu tinha um professor que era especialista em desenhar pontes de madeira. Ele ficou dois anos tentando me levar para trabalhar com ele. Até fui trabalhar um mês com ele, gostava muito de fazer projetos. Mas meu pai ficou louco da vida. Como eu iria abandonar a construtora e trabalhar de empregado? Eu adorava fazer desenho de pontes, mas vi que não ia dar certo. Voltei para a construtora e fui para a Petrobras. Fiz um primeiro teste e fui aprovado. Ia para uma outra fase que eles chamavam de trainne, que era um treinamento para você entrar na Petrobras. Mas eu desisti e decidi: “Agora vou fazer engenharia civil”.

Era natural que eu fosse fazer engenharia civil, mas eu não estava convicto sobre esse tipo de projeto de vida. Chegou uma época em que eu falei: “Não vou continuar a trabalhar com engenharia civil, vou desistir. Vou dizer para o meu pai que vou deixar a construtora”. Eu disse, ele ficou bravo, chateado e falou: “Então, vou fechar a construtora”. E eu disse: “Eu me proponho a ajudar a fechar”. Durante três anos, ajudei a fechar todas as obras, e nesse tempo eu fiz vestibular. Fiquei uns três anos fazendo vestibular e não passando para Engenharia Civil, porque, na maior parte das vezes, eu não fazia uma das provas. Depois fiz e passei no vestibular para Administração. Cursei seis meses e disse: “Não é isso que eu quero”. Fiz mais seis meses de Economia, tranquei. E no final do ano, fiz vestibular para Ciências Sociais, na Federal. Foi fácil passar. Fiz o curso de Ciências Sociais.

 

Juventude

Eu era um jovem, perto daquele pessoal, que vinha de uma família rica. Meu pai tinha quatro carros, tinha construtora, tinha tudo. Tinha uma casa que era enorme, um terreno enorme. Meus amigos eram todos da favela. Isso era sempre uma contradição, porque eu ia para aquelas reuniões à noite, ia na casa deles, eles vinham para minha casa, mas era sempre aquela discrepância. As casas dos meus amigos eram de chão batido. Isso sempre foi uma coisa complicada.

Lembro que quando meu pai viajou e eu assumi a direção da construtora, um desses meus amigos foi pedir emprego. Ele começou a trabalhar e eu tive que demiti-lo. Ele não dava conta do trabalho, ia bêbado. Eu segurei as pontas por um tempo, mas não deu e tive que demitir. Aquilo me deixou mal. Mal porque a contradição estava muito evidente. Continuei nesse grupo de jovens, fui para a Pastoral da Juventude, começa a discussão da Teologia da Libertação, formação política, discussão política. Eu tinha que atender as pessoas que vinham fazer projetos. Ou seja, construir aquelas casas grandes. Comecei a ficar de “saco cheio” ouvindo aquelas histórias todas, sabendo do mundo que estava em volta. Comecei a ficar cada vez mais irritado, sem paciência. Eu gostava muito de trabalhar com construção civil, gostava de fazer cálculo, projetos. Mas odiava me relacionar com aquelas pessoas. Chegou uma hora em que eu disse: “Não agüento mais”.

Num encontro pela Pastoral da Juventude aqui em São Paulo, que visava dar suporte a Dom Paulo Evaristo Arns, para tentar organizar o que começamos a chamar de Juventude do Meio Popular - que era organizar os jovens das periferias -, conheci uma menina, que fazia Ciências Sociais. Começamos a trocar cartas do que seriam as coisas para frente, a luta, mudanças sociais. Ela, por exemplo, foi uma das pessoas que me ajudou a decidir fazer Ciências Sociais. Eu estava quase indo fazer Filosofia e depois decidi fazer Ciências Sociais. Essa vinda para cá, junto com essa articulação, o trabalho na Pastoral, esses amigos que eu tive e seus destinos - um tinha morrido há pouco tempo com um tiro, a polícia tinha pegado e... -, decidi fazer da minha vida um trabalho para mudar essa situação: “Não vou ficar trabalhando na construtora”. Foi quando decidi largar tudo: engenharia, a construtora, abandonar minha certificação de Técnico em Edificações e fazer outra coisa da vida. Fazendo Ciências Sociais, reorganizamos o Centro Acadêmico, fui presidente do Diretório Acadêmico. Isso tudo junto com o trabalho.

 

 

Militância Política

 

 

Eu fiz a primeira comunhão com oito anos. Quando você é alfabetizado, mais ou menos, a Igreja Católica te encaminhava para primeira comunhão. Em seguida, entrei para uma coisa chamada Cruzada, que era uma reunião de meninos e meninas, com oito ou nove anos, que todo domingo tinha uma reunião. Terminada a missa, um seminarista reunia aquela turminha e conversava das 10 às 10 e meia. Depois íamos jogar bola, queimada, passava a manhã no seminário. Minha vida foi girando em torno do seminário, ou seja, tinha o grupo de jovens. Com 12 anos, mudei de grupo. Porque tinha o grupo dos pequenos, médios e grandes e eu com 12 anos, fui para um chamado grupo dos grandes, não sei até hoje porque. Era um grupo com gente de 16, 17 anos e eu tinha 12, 13 anos. Esse grupo se reunia à noite, ao lado do seminário. Na frente do seminário, tinha uma mega mansão, da Família Camargo, que é um pessoal famoso na política e, ao lado do seminário, uma enorme favela.

Esse grupo de jovens conhecido como “dos grandes” era o das pessoas que moravam na favela. Eu fui para esse grupo e lá tinha um seminarista que é atualmente o chefe de gabinete do Lula [presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva], o Gilberto Carvalho. Convivi dois ou três anos, com esse grupo nos reunindo à noite. Meus amigos eram todos ali da favela. Eram problemas de alcoolismo, drogas. Quase todos eles já morreram, boa parte pela polícia, outros por drogas.

Eu saí desse grupo, fui para um outro chamado NTN, Não Tem Nome. Esse era o nome do grupo. Esse grupo também tinha um trabalho grande naquela paróquia, na verdade, em toda região. Fazia trabalho com jovens, com estudos, retiro espiritual, trabalho de dar cobertor, de ajudar as pessoas. Trabalhavam com a idéia da Teologia da Libertação, na linha do compromisso de lutar contra a pobreza. O Frei Beto, por exemplo, era uma das pessoas que davam suporte para esses seminaristas. Eu estava nesse grupo até que um dia chegou um convite da Arquidiocese para organizar um trabalho com jovens na Diocese. Veio convite no grupo e o pessoal: “Estão convidando para ir lá”. Eu disse: “Eu vou”. Fui para essa reunião. Organizamos a articulação dos grupos de jovens da Diocese, que é na cidade. Na verdade, um conjunto de umas 20 cidades em torno de Curitiba. Planejamos, organizamos e fizemos um processo de trabalho com esse grupo na Diocese de Curitiba. Esse trabalho virou referência, daí nós organizamos o trabalho no Estado do Paraná. Virei coordenador da Pastoral da Juventude de Curitiba, depois Coordenador da Pastoral da Juventude do Paraná e depois na Coordenação da Pastoral da Juventude da Região Sul do Brasil. Fui também, convidado para participar da Comissão de Justiça e Paz, porque fazia esse trabalho. Trabalhei uns oito anos sem parar com grupos e depois entrei nessa história de participação e organização de grupos de jovens em Curitiba, e depois no Estado.

Eu participava de um movimento que se chamava Caminhada, que reunia jovens, adultos e pessoas de terceira idade. Eram encontros, um pouco de formação cristã, onde as pessoas estudavam princípios do cristianismo, Teologia da Libertação e o compromisso da luta contra pobreza. Durante muitos anos eu trabalhei direto nesses encontros. Foi engraçado também porque para participar dessa atividade tinha que ter 18 anos e, eu participava com 16. Eu estava sempre muito antes do tempo das coisas. Essas coisas me levaram a entrar para a história da Pastoral da Juventude.

Era o início da organização no Brasil desse trabalho pastoral com jovens. A Pastoral Operária tinha começado; a Pastoral da Terra tinha um pouco mais de experiência. Era início da abertura da ditadura, isso em 76, 77. Era muito complicado. Os bispos tinham muito receio do que estávamos fazendo, se não estávamos sendo manipulados pela esquerda, pelos comunistas. Era tudo muito difícil de fazer. Eu lembro que um ano, nós fizemos em Curitiba uma caminhada – não se podia fazer manifestação pública – e, nós colocamos quase 20 mil jovens na rua. O pessoal saiu de todos os bairros, se reuniu e fez uma caminhada, saiu até no Fantástico [Programa Dominical da TV Globo]. Na segunda-feira, o Bispo me chamou para saber como eu tinha deixado subir no palco alguns comunistas para falar. Eu sabia lá quem era comunista? Não sabia nada! Mas, eles tinham pavor daquilo. Depois disso, falaram: “Vamos colocar alguns padres para acompanhar a Pastoral da Juventude”. Colocaram uns caras bons que ajudaram a fazer o trabalho. Em Curitiba, tinham quase 300 grupos de jovens. No Paraná, eram mais de 2 mil. Você tinha uma rede, um negócio bem interessante.

 

Trajetória Profissional

Estudava, trabalhava na construtora do meu pai, era o presidente do Diretório Acadêmico, era Coordenador do Estado da Pastoral da Juventude e era membro da Comissão Justiça e Paz do Paraná. No que eu terminei a faculdade, terminamos todas as obras, fechou a construtora. Acho que no último ano fiquei só estudando. Fui convidado para organizar um Centro de Assessoria que é o Centro de Formação Irmã Araújo. Propus-me a organizar o centro em dois anos. A primeira pessoa que trabalhou nesse centro foi o Gilberto Carvalho, que era seminarista e que hoje é chefe do gabinete do Lula. Trabalhei dois anos, organizei esse Centro e disse: “agora, vou fazer outra coisa”.

Como eu tinha um trabalho no Centro de Formação na Pastoral da Juventude, junto com Pastoral Operária, eu conhecia muito de movimento sindical. Trabalhava e apoiava com muitas oposições sindicais em Curitiba. A greve dos metalúrgicos do ABC [1980], por exemplo, nós [Pastoral da Juventude em Curitiba] enchemos duas carretas Scania de alimento para mandar para os grevistas. E fizemos outras campanhas, como a campanha da Nicarágua [1979]. Enchíamos o caminhão de comida para mandar. Você tinha que saber o que estava acontecendo.

Comecei a conhecer o DIEESE, a partir desse apoio à greve dos metalúrgicos, pelo trabalho que o DIEESE fazia. Usávamos os dados que o DIEESE apresentava. Conhecia como uma instituição que trabalhava com o movimento sindical e que produzia dados e estatísticas. Havia o Everlindo [Everlindo Henklein] que começou a trabalhar para organizar o DIEESE no Paraná e que era também um dos fundadores desse Centro de Formação, junto comigo e outros. A gente apoiava e ajudava, ia para as reuniões para tentar viabilizar. Se uma oposição sindical ganhasse o sindicato, tentávamos que eles se filiassem ao DIEESE. Ou seja, era um trabalho de tentar construir, buscar adesões. Eu trabalhei muito para apoiar a oposição na construção civil, nunca me esqueço. Casamento marcado e a eleição na mesma data. Adiei meu casamento para garantir a eleição na construção civil. Minha esposa até hoje diz que não acredita que adiamos o casamento por causa de uma eleição na construção civil. Eles ganharam e se filiaram ao DIEESE.

Fui conhecendo um pouquinho o DIEESE, porque estava nesse espaço com o Centro de Formação que fazia assessoria ao movimento popular, movimento de bairros, e ao movimento sindical. Comecei a trabalhar muito com o movimento popular urbano: movimento de transporte, creche, educação e ocupação de terra. Ajudava a organizar o movimento para ocupação de terra urbana e a partir daí estabelecer um plano de ocupação viabilizada com autoconstrução. Mas, na medida em que eu saí do Centro de Formação e tinha contato com o movimento sindical através do Everlindo, fui chamado para trabalhar e entrei para o DIEESE já sabendo um pouco o que era.

E a minha tarefa era essa: “bom, o que você fez no Centro de Formação, que era organizar o Centro, agora é no DIEESE”. Só que não tinha um centavo, não tinha sócio, não tinha nada, não tinha sindicato filiado. Tinha que começar do zero, que foi um pouco o que aconteceu também no Centro de Formação. Quando eu larguei a construtora, minha decisão foi essa, pessoalmente: “vou trabalhar com organização social, organizar movimento popular, organizar sindicato, organização social. É isso que eu vou fazer”. Aí o convite para trabalhar no Centro veio de encontro ao que eu estava querendo fazer e do DIEESE também. Tanto é que eu estou há 20 e poucos anos no DIEESE.

 

Trajetória no Dieese

Passei num concurso para Secretaria da Agricultura. Um pouco antes de assumir, lembro que me chamaram numa quarta, na quinta eu entreguei os documentos básicos e no sábado teve um aniversário de um amigo. Nesse aniversário estava o Secretário da Agricultura [Claus Magno Germer] que era amigo também. Eu disse: “Passei num concurso e vou trabalhar com você”. E ele: “Não estou sabendo!”; “É, passei num concurso e me chamaram. Agora vou trabalhar com você”; “Ah, que legal, vamos fazer coisas...” Mas eu disse: “Não, a minha proposta é outra. A minha proposta é que você me contrate e me libere para trabalhar no DIEESE, porque o Everlindo está me convidando”.

O Everlindo era uma pessoa que o Barelli tinha contato para começar a organizar o escritório no Paraná. Tinha o Cid [Cid Cordeiro, Economista e técnico do DIEESE no Paraná], que hoje é o supervisor regional, mas ele era um menino. Eu também era jovem, mas ele era mais novo do que eu. Era estudante secundarista e fazia pesquisa para a cesta básica. E o Everlindo que trabalhava duas horas por semana, não conseguiu organizar. Ele disse: “Você não quer trabalhar três, quatro horas por semana e organizar o escritório do DIEESE aqui no Paraná?” Eu disse que estava topando, mas nessa história não tinha o resultado da Secretaria da Agricultura. Quando ele tinha quase acertado com o Barelli para começar, saiu o resultado da Secretaria da Agricultura.

E no aniversário do Everlindo, falei para o Claus [Claus Magno Germer] e já combinamos: “Eu vou começar a trabalhar na segunda-feira, vou fazer os exames e já vamos discutir um projeto para você me liberar para trabalhar no DIEESE.” E o acordo foi que eu ficaria meio período na Secretaria, meio período no DIEESE. Fiquei três meses na Secretaria, toquei um projeto lá. Entrei num projeto que era a análise dos produtos no Estado do Paraná. Três meses depois, entreguei a minha análise. E os outros que estavam trabalhando não tinham terminado a parte deles. Eu peguei trigo, soja, um monte de coisas. Eu entreguei meu relatório e os outros não entregaram. Eu saí da reunião, fui no gabinete do Claus e disse: “Eu fiz meu relatório, entreguei em três meses e os outros não fizeram. Eu não agüento essa história de ficar enrolando. Ou você me libera tempo integral para ir para o DIEESE, ou não vou aparecer mais aqui”. Resultado, me liberou e eu fiquei 10 anos nessa história. Ele saiu do Governo, mudou o Governo e a Prefeitura me liberou para continuar no DIEESE. Sempre tinha alguém que conhecia o DIEESE, me conhecia e continuou me liberando para trabalhar no DIEESE. Ou seja, eu recebia pelo Governo do Estado, disponibilizado para a Prefeitura, que me liberou para trabalhar no DIEESE. Até 1990, eu fiquei nessa situação.

O convite de trabalhar no DIEESE foi uma oportunidade de relacionar a opção por trabalho social, da luta dos trabalhadores com a possibilidade do trabalho profissional. Tinha me formado em Ciências Sociais e o DIEESE é uma oportunidade de eu fazer meu trabalho profissional, ao mesmo tempo em que fazia o trabalho de opção política. Na Secretaria de Agricultura, eu provavelmente teria muito mais uma dimensão técnica do que da opção política. Evidentemente sempre tem, mas no DIEESE era uma oportunidade ótima de poder fazer o meu trabalho, em termos de opção do que eu queria fazer na vida, com a possibilidade do trabalho técnico e profissional. Quer dizer, não precisava trabalhar e militar, porque na verdade eu fazia as duas coisas ao mesmo tempo. Era uma opção por um trabalho que eu queria fazer. Isso foi uma oportunidade ímpar.

De abril de 1984 até março de 1990, fiquei no Paraná. Comecei na subseção de petroleiros, petroquímicos, depois fui uma parte do tempo para o escritório do Paraná. E em 86, saí da subseção e assumi a supervisão do escritório do Paraná. Fui supervisor regional do DIEESE até março de 1990. Em 88, 89, fundamentalmente, o DIEESE entra numa crise pesada e os funcionários fazem um congresso. Não me lembro agora se 88 ou 89, os funcionários fazem um congresso nacional de funcionários aqui em São Paulo e eu vim representando os funcionários do Paraná.

Foi um congresso muito tenso, onde havia um questionamento muito grande da equipe, na época, por conta da crise que o DIEESE estava vivendo. E havia também um questionamento muito grande, por parte do movimento sindical, principalmente no campo “cutista”, sobre o futuro do DIEESE. Havia um questionamento no sentido de perguntar se já não tinha acabado o tempo do DIEESE, porque as Centrais Sindicais tinham surgido, cada uma tinha sua linha de atuação e não cabia mais ter uma entidade intersindical. Foi um congresso de dois ou três dias. Um congresso pesado. Ao final, articulou-se o que se chamou de comissão dos trabalhadores pela reestruturação do DIEESE. Teve o codinome de Perestroika, associada à abertura que a União Soviética fazia com o Gorbatchev, na época. Eu fui um dos membros eleitos pelo congresso a fazer parte dessa comissão. Na prática, eu e mais dois, três técnicos coordenamos o trabalho dessa comissão. Nessa época, final de 89 a 90, temos as eleições presidenciais, o Collor ganha, o [Walter] Barelli sai por um período para trabalhar no chamado governo paralelo do Lula. Ele volta e em seguida, sai definitivamente do DIEESE. Durante esse período, articulamos com o movimento sindical a continuidade do DIEESE. Essa comissão, junto com a direção da época, Barelli e a equipe que ele coordenava, articulamos tanto a continuidade quanto à sucessão na direção técnica. E eu, pela comissão, trabalhei muito nisso. Fui um dos responsáveis por escrever o estatuto do DIEESE que sai dessa articulação.

Também trabalhamos, a saída do Barelli e a indicação do novo diretor. O Sérgio [Sérgio Mendonça] foi indicado novo Diretor Técnico e me convidou para vir para São Paulo, fazer parte da coordenação junto com ele. Em maio de 90, eu estava em São Paulo, assumi a coordenação dos escritórios regionais e subseções do DIEESE. Continuava morando em Curitiba e vinha toda segunda de manhã ou domingo à noite de ônibus para voltar na sexta-feira para Curitiba. Fiquei dois anos nessa ponte rodoviária. Conhecia todos os cantos do Terminal Tietê. Eu ficava a semana aqui e o fim de semana em Curitiba. Minha esposa passou num concurso para Prefeitura de São Paulo e viemos para cá, em definitivo.

Em 92, 93, assumi simultaneamente a coordenação da área de educação e dos escritórios regionais. Em 95, fui só para coordenação de educação e o Reginaldo [Reginaldo Muniz Barreto] assumiu a Coordenação dos Escritórios Regionais do DIEESE. Fiquei na Coordenação da Educação, até 1999, 2000, quando saí da Direção Técnica. Fiquei mais cinco anos na Coordenação de Educação do DIEESE.

Em 97, 98 teve uma segunda crise no DIEESE, pesada, da qual eu participei. As anteriores, não tinha participado. Dediquei boa parte do meu tempo a conceber um projeto de reestruturação para o DIEESE. Depois pedi para sair da coordenação. Fui coordenar um projeto na área de negociação. Um projeto grande, com financiamento do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento]. Coordenei de 1999 até 2003, quando eu assumi a Direção Técnica do DIEESE.

Em 2003, eu tinha tomado a decisão de sair do DIEESE e buscar outra coisa para fazer, porque eu já estava há mais de 20 anos. Veio a terceira crise, pesada, muitos meses de salário atrasado e a direção me convidou para assumir a Direção Técnica do DIEESE. Eu estava morando em Florianópolis, desde 99, e trabalhando em São Paulo. Estava decidido a definitivamente me instalar em Florianópolis. Essa era, em princípio, minha decisão e queria sair do DIEESE para poder viabilizar. Nunca tentei viabilizar minha permanência em Florianópolis, porque não dava tempo. Achava que só podia fazer isso quando saísse do DIEESE. Recebi um convite para trabalhar em Brasília e na mesma semana recebi um convite para vir para São Paulo, para assumir a Direção Técnica do DIEESE numa situação de, talvez, a mais grave de todas as crises.

Acabei decidindo ir para Brasília, fui com família para conhecer, ver casa para alugar e tudo. Voltei e decidi. Duas semanas depois estava com toda mudança em São Paulo, começando a trabalhar aqui no DIEESE. Estou desde 2003, na Direção Técnica.

 

Crises

Na primeira, em 89, acho que teve duas coisas fundamentais: uma primeira foi de reconstruir um acordo sindical em torno do estatuto do DIEESE. Teve muito trabalho de conversa com os dirigentes para tentar construir um acordo de governabilidade para o DIEESE, que mantivesse o DIEESE como entidade unitária, intersindical, cujo comando estivesse sob a responsabilidade da Direção Técnica, de uma pessoa indicada pelo movimento sindical e que houvesse uma unidade administrativa técnica e administrativa. Isso foi difícil, porque a crise na época foi grande e em princípio o movimento sindical dizia: “não, agora a área administrativa vai ficar por nossa conta e vocês tocam a área técnica”. Dizíamos: “Se fizer isso vão matar o DIEESE, porque é impossível separar uma coisa da outra. Ou há confiança ou na há confiança. É melhor que vocês indiquem uma pessoa da confiança de vocês para dirigir técnica e administrativamente o DIEESE e que haja um sistema de gestão, aonde as coisas sejam feitas de forma transparente”.

Isso foi uma construção que demorou um ano para fazer. E nesse momento uma outra questão importante que depois se desdobrou para os próximos anos, entre 90 a 92, que foi concluir se o DIEESE devia ou não continuar existindo, ou se devia fechar, porque daí cada Central criava o seu DIEESE. A CUT tinha criado um DESEP [Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos], que era, na verdade, um DIEESE da CUT. Não era exatamente isso a que se propunha, mas em certa medida era. Nós construímos um arranjo dizendo que as Centrais deveriam ter esses departamentos, mas o DIEESE continuava sendo intersindical. Conseguimos sair da crise de 90, pagamos todos os atrasados de débitos, durante 10 anos, para o INSS, que era uma dívida grande. Quitamos tudo e equilibramos o DIEESE que comemorou os 40 anos bem, financeiramente.

Aí veio a crise dos anos 90, demissões, desemprego crescendo, queda na receita sindical, o DIEESE também cresceu muito e tivemos uma segunda crise em 97, 98. Acho que foi um pouco, uma crise da própria identidade do movimento sindical, do que ia ser o futuro do movimento sindical. Havia muita dúvida para onde o movimento sindical ia, a economia do Brasil estava mudando, ou seja, estava numa estabilização pós-real. Crise sindical pesada, de financiamento, uma crise de financiamento do DIEESE também pesada. E eu fui lá trabalhar, mas o meu diagnóstico, na época, é que nós tínhamos um problema estrutural de gestão. Uma parte da crise era do movimento sindical e outra parte era interna, de gestão.

Havia uma pergunta que o tempo todo aparecia: “O que o movimento sindical espera de nós?” Lembro que fizemos uma rodada, visitamos, mais ou menos, umas cem entidades sindicais pelo Brasil afora. Conversamos com não sei quantos dirigentes e todos eles nos diziam a mesma coisa, do que eles esperavam da gente. Feito tudo isso, ainda havia sempre a mesma pergunta: “Mas o que será mesmo que o movimento sindical espera da gente?” Eu ouvia, mas dizia no fundo: “A pergunta não é essa. Nós é que não sabemos o que nós queremos do movimento sindical”. Só que nós não formulávamos. Nós transferíamos para eles, como se a dúvida fosse deles. Eles, de fato, tinham muitas dúvidas e diziam: “Nós esperamos que vocês nos ajudem a achar o rumo do movimento sindical brasileiro. Precisamos que o DIEESE nos ajude a fazer isso. É só isso que nós queremos de vocês”. No fundo a questão era: “Não sei se eu estou disposto a continuar trabalhando com vocês.”

Daí vem a crise de 97, 98. Saímos um pouco dessa crise, mas essa questão não é resolvida. Nós estamos saindo dessa crise agora. Eu acho que conseguimos agora recuperar essas questões de uma outra ótica. Nós vamos ter quase 10% de crescimento real na receita nesse ano [2006] que era a nossa meta. Em setembro, já atingimos a meta do ano. Mas tem que mudar a postura, começar a dizer que a responsabilidade para fazer o DIEESE de outro jeito é nossa. Acho que essa é uma marca dessa segunda crise.

A terceira crise, eu diria, que é quase o desaguadouro de uma crise não resolvida de 97, 98. Ou seja, ela não foi bem resolvida e continuou presente. Nós até resolvemos o problema financeiro. O DIEESE se reequilibrou, mas como a crise principal não foi resolvida, teve conseqüências na gestão e desandou feio, com quatro, cinco meses de salários atrasados. Por um lado, mostrou que essa equipe segurou novamente a instituição, ou seja, cinco meses de salário atrasado e ninguém parou de trabalhar. Fez empréstimo para tudo quanto é lado, e o pessoal continuou tocando a instituição.

Estamos tentando, há três anos, recolocar a instituição no rumo. Tem um grande caminho pela frente, mas a questão central – e aí não é só do DIEESE, é de todas as organizações – é um problema de gestão. Ou seja, há um descompasso entre os valores que acreditamos de uma sociedade justa, igualitária, libertária e as práticas de gestão que fazemos. Elas não são compatíveis. Por exemplo, não havia um espaço onde nós pudéssemos tratar de questões como essas de dúvidas sobre o futuro, de perspectivas das pessoas, de movimento sindical com dificuldades. As coisas eram sempre vistas como muito estanques. Em vez de projetos, por exemplo, serem oportunidades, onde as pessoas que estão mais desgastadas na relação direta com o movimento sindical, pudessem ter um espaço de recuperar energia fazendo uma outra coisa, ele nunca foi olhado dessa perspectiva. Era olhado como uma forma de financiamento, mas não como uma parte, onde as pessoas pudessem desenvolver um novo trabalho. Nós estamos tentando recuperar nesse espaço. Está claro hoje, o que o movimento sindical quer com o DIEESE e estão demandando o tempo todo. A dificuldade é fazer tudo.

 

Técnico x Sindicalista

Do ponto de vista de legitimidade, nós nunca tivemos problema entre os técnicos e os sindicalistas. O Barelli [Walter Barelli] nunca teve esse problema, o Serginho [Sérgio Mendonça] nunca teve esse problema de legitimidade sindical e técnica. Pelo contrário, acho que houve sempre uma confiança muito grande do movimento sindical. Nunca houve em relação aos dois, que foi com quem eu trabalhei - o Sérgio como companheiro de coordenação e o Barelli -, na verdade era funcionário, não tinha relação direta com a coordenação, sempre vi com muito respeito por parte do movimento sindical.

Já a minha vinda para Direção Técnica foi um misto, não tinha muito outras pessoas. Era eu, ou era eu. Bem ou mal, havia um reconhecimento do trabalho feito anteriormente. Ou seja, tinha 20 anos de DIEESE, já tinha passado pelas várias áreas. E sempre fui uma pessoa muito propositiva, ou seja, muito do que foi feito aí, fui eu que ajudei fazer. Os dirigentes conheciam o que eu tinha feito. Sempre tive um trabalho sindical, fiz um trabalho de formação. Havia um reconhecimento. Não quero dizer que quando eu assumi, havia uma unanimidade da direção sindical para a minha indicação. Provavelmente, o pessoal devia ter muita dúvida se eu teria condições e competência para tocar o DIEESE e, principalmente, para tirá-lo dessa crise. Porque essa crise, eu acho que foi a mais difícil. Eu sempre digo que o DIEESE entrou para UTI e o mais provável era que ele não sairia vivo. O DIEESE estava falido. Você tinha que achar quatro milhões para fechar o orçamento do ano e pagar cinco folhas de salários atrasadas. A situação era muito grave.

Lembro-me de pessoas que eu consultei, meus amigos, ninguém me incentivou a vir para o DIEESE. Todo mundo dizia: “você é louco de ir para lá. Esse negócio não tem futuro. Você vai se quebrar”. Os que estavam aqui internamente, diziam “vamos tocar”. O convite que eu recebi em Brasília, quando eu disse que tinha essa alternativa, me disseram: “esse negócio não vai ter futuro, não vai dar certo, vocês não vão conseguir sair, porque a crise é grave”. E eu decidi vir, porque achava e acho que o DIEESE é uma das instituições que tem uma responsabilidade histórica com a sociedade brasileira. Cumpriu e tem um papel a cumprir para frente e que não era possível que não tivéssemos competência para tirar essa instituição da situação em se encontrava.

Eu acreditava que não era um problema de que o movimento sindical não queria mais o DIEESE, não era isso que eles estavam dizendo. Não havia um descompromisso. Havia problemas de gestão que não consolidava essa aliança com a instituição. Eu nunca fui uma pessoa de fazer trabalho político sindical. Meu trabalho foi muito para dentro do DIEESE, nunca fui uma pessoa de muita exposição para fora, sempre da articulação interna, criar espaço de trabalho para as pessoas. Não tinha muita presença com o movimento sindical de São Paulo, era pouco conhecido. Foi uma surpresa, porque eu achava que, pelo trabalho sindical, as pessoas não me conheciam. Eu também nunca fiz questão de ser conhecido, que é uma das condições para ser diretor, o movimento sindical conhecer.

Mas me convidaram e eu vim. E também havia uma pressão grande da equipe para fazer esse trabalho. Voltei para São Paulo, com a família e tudo. Largamos Florianópolis e voltamos para São Paulo. Ninguém entendia. Todo mundo achou maravilhoso quando eu fui para Florianópolis. Era o sonho de todo mundo ir morar em Florianópolis. Quando eu voltei: “mas você está voltando para quê?” No fundo é porque eu gosto de São Paulo, acho muito melhor de morar do que Florianópolis...dez vezes melhor. Não tem comparação. Lá é bom para passar férias, não para morar.

Eu voltei com esse compromisso de trabalhar para tentar colocar o DIEESE numa perspectiva de futuro. Teve uma mudança importante também quando eu vim. A vinda para cá, eu coloquei algumas condições para assumir. Uma delas, é que o Diretor Técnico passasse a ter mandato, porque não tinha. E eu acho que esse é um dos problemas. Fizemos um acordo de que o Diretor Técnico passasse a ter um mandato de três anos, mesmo tempo de mandato que a diretoria tem. E a cada três anos ele pode ser substituído ou reconduzido. E o papel de conduzir a recondução ou de substituir é da direção executiva. Acho que isso é uma coisa boa, porque dá uma certa estabilidade para a instituição de não fazer das crises que possam surgir daqui para frente, formas de que confundam a crise com a representação institucional da organização.

Tanto a saída do Barelli, quanto à saída do Serginho, que foram pessoas que dedicaram a vida para o DIEESE, foram momentos muito ruins. Depois de décadas de dedicação para a instituição, saem em momentos de crise. As pessoas também perdem toda energia para enfrentar os problemas depois de anos e anos enfrentando problemas. E é muito ruim para instituição ter nos seus quadros esse tipo de caminho. O mais razoável é que as pessoas tenham sua vida profissional e pessoal normal, e que a instituição trate dos seus problemas institucionalmente, não transferindo para as pessoas toda responsabilidade. Como que se a saída do Barelli ou a saída do Serginho fosse a solução para o problema. Não é disso que estamos falando. Essa foi uma mudança de gestão importante que fizemos. Agora em dezembro está vencendo o meu mandato.

 

DIEESE/CNDES

O convite para participar do Conselho [Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], veio num momento em que uma Central Sindical [CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores] se retirou de alguns fóruns em que participava, por uma crise no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho. Ela discordou do encaminhamento que estava sendo feito e tomou a decisão de sair do Fórum e de outros espaços que tinha representação, entre eles o Conselho.

Existindo essa vaga, na época, o Ministro do Trabalho Jacques Wagner me ligou, dizendo - eu já o conhecia, porque ele tinha sido diretor do DIEESE - que ele tinha interesse que o DIEESE tivesse um representante no Conselho. Fez-me o convite e eu ponderei, achava que essa representação deveria ser uma representação sindical. Mas aí houve uma outra ponderação de que se tratava de substituição de uma central e qualquer indicação sindical que viesse, seria de uma outra central sindical, o que talvez desequilibraria as representações internas no conselho. E havia uma preferência da Presidência da República de que eu, como Diretor Técnico, viesse a ocupar essa função. Uma função reconhecida por todas as centrais e, que não seria vista como da corrente A, B ou C. Havia também uma demanda por uma contribuição mais técnica, na presença desse conselheiro, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Em função disso, assumi a representação. E nessa representação venho me pautando pelos eixos que o DIEESE trabalha. Pelos eixos e questões que estão presentes na vida sindical: combate à desigualdade, pela distribuição de renda, política do salário mínimo, política de emprego, a questão da educação, do investimento, do desenvolvimento. Nós construímos uma agenda nacional de desenvolvimento. Num dos grupos de trabalho que eu coordenei, baseado no princípio que toda política pública tem que se pautar pelo critério da equidade, que é um princípio que está sendo assumido cada vez mais por esse governo. E dentro desse princípio foi sugerida a criação de um observatório, que passou a se chamar Observatório da Equidade. E a composição desse observatório é feita pelo DIEESE, pelo IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] e pelo IBGE. E, agora, também estou lá, na coordenação técnica desse observatório, junto com o IPEA e o IBGE, tentando criar essa coisa chamada Observatório da Equidade para verificar em que medida as políticas públicas promovem a diminuição das desigualdades sociais e econômicas.

Eu tenho trabalhado no sentido de tornar presente na agenda do Conselho - e ali predomina como grande ator os empresários - a agenda sindical. Eu posso dizer que, apesar de sermos minoria, nossa presença lá é uma presença forte. Na verdade, a desigualdade é tão grande nesse país, que cada vez mais os atores estão percebendo que ou se trata desse problema, ou afundamos todos juntos. Temos conseguido pautar na agenda governamental, a partir do Conselho, temas que estão na agenda sindical.

 

 

Pesquisa

 

 

Nós temos uma linha de pesquisa que poucas organizações tem, acho que não existe nenhuma organização que seja não governamental que tem a linha de pesquisa que o DIEESE tem. Eu diria que em algumas áreas, estamos na ponta na área de pesquisa. A maior série histórica de custo de vida é do DIEESE, hoje a maior série de emprego é do DIEESE. Temos série de mercado de salários, de greves que ninguém tem, de acordo... Temos linhas de pesquisa que ninguém tem no Brasil. O esforço agora é de revalorizar, porque nem a equipe tem noção da importância que isso tem. Acho que na área de pesquisa, dá para contar “n” projetos fantásticos que o DIEESE fez. Essa coisa da Pesquisa de Emprego e Desemprego [PED], que o DIEESE fez o IBGE mudar de posição. A pesquisa deles [do IBGE], hoje, incorpora conceitos que nós desenvolvemos há muitos anos atrás.

 

Assessoria

 

 

Com o trabalho de assessoria, O DIEESE acompanha em torno de 1000 negociações por ano. Não tem nenhuma organização no Brasil que faça tanta assessoria como o DIEESE faz. Você percebe uma linha de trabalho fantástica, preparação, palestras, rodada. Fazemos faz tanta coisa, com uma equipe pequena. Todo mundo pensa que o DIEESE é uma entidade que tem mais de mil funcionários. Tem lá seus duzentos pesquisadores e cem técnicos.

 

 

Educação

 

 

Na educação, nós fizemos coisas também fantásticas. Acho que nossa concepção metodológica de trabalho, eu diria uma concepção muito, profundamente comprometida com os valores da Instituição. Eu diria que poucas organizações têm uma concepção de educação como o DIEESE tem. De conceber educação como uma dimensão do desenvolvimento da pessoa, não de aprendizado, no sentido de que a pessoa aprende. A educação é um espaço de constituição de pessoas nas relações sociais. Nós desenvolvemos, formatamos agora mais de 400 horas de cursos em negociação, todo ele estruturado, modulado. Talvez no mundo não exista uma coisa como nós fizemos desse jeito no mundo sindical. Fizemos um programa de capacitação e negociação - o PCDA - para dirigentes e assessores sindicais, durante quase 10 anos. Foram mais de 3 mil dirigentes que passaram pelo curso. Muita gente que hoje está no poder público passou pelo curso e relembra como um momento marcante na sua vida. Tanto é que a demanda por essas coisas, colocam agora a idéia de discutir a possibilidade de um projeto de certificação de terceiro grau para dirigente, uma faculdade DIEESE, uma escola DIEESE.

 

 

Pesquisa/Observatório do Trabalho

 

 

O DIEESE é uma instituição que oferece um campo de possibilidades, de coisas fantásticas para fazer, como poucas organizações permitem. E quando você está na direção, você tem a visão de todas essas coisas, da sinergia que essas coisas propiciam. Nós estamos agora implantando uma linha nova de Observatório do Trabalho para prefeituras e secretarias do trabalho. Colocar a questão do trabalho nos órgãos públicos era inimaginável no passado no DIEESE. Está virando uma demanda, um negócio que está crescendo. Não sei onde isso vai dar. Mas a questão é que nós estamos tentando colocar uma forma de ver a questão do trabalho na hora que você elabora a política pública, em nome do movimento sindical que tem todo interesse que a política pública seja a mais adequada possível aos valores, a forma, a visão.

 

 

Assessoria/Negociação

 

 

Mais recentemente, uma ação que foi síntese desse DIEESE que a gente quer fazer para frente, é a questão do salário mínimo. Na qual o DIEESE cumpriu um papel de apoiar o trabalho das Centrais Sindicais, de ajudar na articulação nessa campanha de 2004, 2005 do salário mínimo, da fixação dos novos valores do salário mínimo. Concluir aquela negociação, sair de um salário mínimo de 300 e chegar a um valor de 350 reais é a materialização de um acordo que promove mudanças reais na vida dos trabalhadores e que materializa essa concepção de uma instituição que não é de pesquisa, pesquisa clássica. Mas que podemos chamar de pesquisa aplicada ou de organização que produz conhecimento para mudança social, para transformação social. Que é o que marca o DIEESE, ou seja, somos uma instituição que produz conhecimento, a partir da ótica dos trabalhadores, visando apoiar ações que promovam mudanças que favoreçam melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores.

 

Importância do Dieese

Acho que em termos de contribuição do DIEESE para o movimento sindical, eu diria que há duas ou três. A primeira grande contribuição é a presença do DIEESE junto dos dirigentes sindicais na hora da negociação coletiva. Essa é a mais palpável, porque faz diferença ter um técnico do DIEESE junto na negociação. E essa diferença tem impacto sobre a vida dos trabalhadores. Ou seja, a presença de um técnico do DIEESE pode significar ter um aumento maior, ter maior participação nos lucros, ter um efeito na conquista. A presença de um técnico do DIEESE melhora o resultado do acordo. E isso tem impacto sobre a vida de milhões de trabalhadores. Existe uma eficácia na relação entre custo, benefício, que é extremamente vantajosa para os trabalhadores. O DIEESE custa muito pouco perto do que traz como resultado para a vida dos trabalhadores.

Outra contribuição é que o DIEESE tem um trabalho na educação que ajudou a formar milhares de dirigentes sindicais. E isso tem um valor inestimável, porque são pessoas que aprenderam junto com o DIEESE a ver a questão do trabalho de uma determinada maneira, a desenvolver valores, conceitos, que podem ser levados para o resto da vida. Tanto é que a rede de pessoas que querem colaborar com o DIEESE, que participaram e que estão hoje no mundo afora, em vários partidos, em várias prefeituras, em vários governos, é muito grande. Pessoas que aprenderam a gostar do DIEESE. Esse é um outro valor.

E eu diria que uma outra coisa importante é a produção que o DIEESE faz, tem uma visibilidade na sociedade muito grande. E essa produção possibilita ocupar um espaço de disputa, disputa no bom sentido, sobre visões, sobre diagnósticos, sobre situação do trabalho, que o DIEESE consegue colocar na imprensa e, portanto valorizar a visão sindical sobre os problemas, os desafios que temos, como nenhuma outra organização consegue fazer sistematicamente.

Se pegarmos o clipping do DIEESE, quase todos os dias têm notícias com o nome do DIEESE na imprensa, Brasil afora. O DIEESE é citado diariamente como fonte de informação, o que é um patrimônio para o movimento sindical. Ou seja, quando o DIEESE está falando, na verdade é a opinião do movimento sindical, expressa numa pesquisa. E é um patrimônio, acho que não é de ninguém, fisicamente, não tem um dono. O dono é essa coisa que chamamos de movimento sindical, que são 500 sindicatos sócios ou filiados ao DIEESE. Não tem uma cara, não é minha, não é do presidente do DIEESE, se amanhã eu não estiver aqui vai ser outro Diretor Técnico. O DIEESE é de todo mundo, acho que esse patrimônio renova a fonte sindical que constitui o movimento sindical que é a solidariedade, a cooperação, que é essa visão de classe. Isso é um patrimônio.

Essas três dimensões, são três resultados concretos, visíveis, que justificam o DIEESE como instituição. Não só pelo reconhecimento acadêmico e científico, mas por ser uma coisa que tem impacto. E que objetivamente promove mudanças que para nós tem que representar a melhora da qualidade de vida dos trabalhadores, enfrentar a perda de direitos e resistir. Quer dizer, tem hora que tem que resistir, tem hora que tem que avançar, tem hora que tem que desviar o caminho, mas é o nosso trabalho.

Acho que o DIEESE é uma história de sucesso. Surge a partir do movimento grevista no início dos anos 50, quando o movimento sindical se articula num pacto de unidade intersindical, e decide no âmbito desse pacto criar uma organização técnica e intersindical. No início da década de 60 se dissolve com o golpe militar. Uma das dimensões da ação militar é destruir o movimento sindical que era uma das bases do desenvolvimentismo que vinha de JK para frente. O DIEESE é uma história de sucesso nesse sentido.

O golpe militar foi um dado, quer dizer, esfacelou o movimento sindical e o DIEESE continuou sendo, com dirigentes sindicais interventores designados pela ditadura e com gente que resistiu, uma entidade unitária. Como que consegue? Em princípio, são quase que inimigos de classe, mas nem todos interventores eram inimigos de classe necessariamente. É uma coisa muito mais complexa. E o DIEESE foi se mantendo, foi resistindo foi crescendo.

Ocorreram eventos do tipo da manipulação do índice inflacionário que o DIEESE atua e ocupa uma presença nacional que ninguém planejou fazer aquilo, ganha uma visibilidade para além do que era esperado. Apostas como as feitas pela direção na época do [Walter] Barelli, pela Annez [Andraus Troyano] e do pessoal que estava aqui, de investir, por exemplo, em metalúrgicos de São Bernardo, nos metalúrgicos de São Paulo, em fazer formação, em abrir subseção, em atuar com os bancários, foram apostas acertadíssimas, no sentido de ter uma estratégia de produção técnica colada com o movimento sindical. E tudo isso foi sempre renovando esse compromisso.

Hoje, chegamos com o DIEESE em 2006 com todas as sete centrais sindicais com expressão, filiadas ao DIEESE. Eu diria, se surgir mais alguma com expressão, vai se filiar. Podem existir mais ou menos divergências, “ah, o DIEESE está muito pró-governo”; “ah, o DIEESE está muito contra o governo”, dependendo de quem olha e acha que estamos de um lado ou de outro. Se naquele mês, o índice foi mais favorável ao governo, é porque estamos do lado do governo; se aquele índice cresceu é porque estamos contra o governo. Faz parte da vida, é assim mesmo. Mas no fundo, quando você tem continuidade e as pessoas percebem que independente de quem está no governo, continuamos fazendo o mesmo trabalho, vai dando tranqüilidade e segurança de que o nosso trabalho é feito pelo movimento sindical. E se for preciso dizer que está ruim, nós vamos dizer que está ruim e se o resultado é bom, é bom.

Eu brinco que o Presidente Lula, em seu pronunciamento no conselho, usou o DIEESE como a única instituição quando dizia: “Segundo o DIEESE, os trabalhadores tiveram os melhores resultados...” Bom, quando um presidente usa uma instituição para referenciar o seu discurso é porque se chegou num reconhecimento. Essa pessoa conhece o DIEESE.

Se não tivéssemos continuado com a nossa produção, poderia não ter a credibilidade. Nós usamos e outros usam. Nós fizemos o evento de 50 anos no Senado. Estava o Senador Osmar Dias e fez um pronunciamento a favor do DIEESE. Eu sou do Paraná, conheço o Osmar Dias e nunca imaginaria que ele fosse fazer um pronunciamento elogiando o DIEESE. Não quer dizer que ele concorde com o que estamos fazendo; não quer dizer que concorde com resultado do nosso trabalho. Mas reconheceu que o DIEESE é uma instituição que tem dado uma contribuição e tem de ser reconhecida. Acho que essa credibilidade está assentada na competência técnica sim, mas antes está assentada nessa possibilidade que o movimento sindical tem de ter uma organização intersindical.

 

Desafios

Temos o desafio de consolidarmos uma prática de gestão que seja coerente com os valores e com aquilo que acreditamos. Acho que essa questão da prática de gestão é fundamental. De criar todos os mecanismos capazes de dar forma a essa gestão para tratar das mais diferentes questões.

Como você constrói projetos, faz a gestão, distribui poder, toma decisão, trata de conflito, cria, desenvolve processos criativos, isso tem que ser intencionalmente construído. Não basta dizer que somos democráticos. Você tem que criar forma de praticar a democracia. Não basta dizer que é transparente, tem que criar formas reais para que as pessoas tenham acesso. Não basta afirmar, é necessário que as pessoas sintam que é possível ser transparente, democrático. Isso é um desafio de gestão para todas as organizações. Para o DIEESE que se pauta por esses valores, é uma obrigação.

O que nós estamos fazendo é desenvolver capacidade de gestão, em como fazer as coisas. Isso é um desafio. Eu acho que em grande medida, o sucesso desse desafio é ser responsável pela estabilidade da instituição para frente. Porque a estabilidade está diretamente associada ao nível de compromisso que consigamos criar, dessa equipe, na responsabilidade de conduzir a instituição para frente. E vai ser maior quanto maior esses valores estiverem materializados entre nós. Eu diria que essa é a visão para dentro.

Na nossa relação com o movimento sindical e com o mundo, com a sociedade, os grandes desafios estão em que o DIEESE consiga trabalhar, do ponto de vista técnico, a questão da desigualdade e distribuição de renda. É um assunto para os próximos 20 anos do DIEESE. Trabalhar, numa agenda nacional, das grandes questões da previdência, do salário mínimo, da educação, todos os fatores que são estruturais numa política distributiva. Portanto, de ajudar o movimento sindical a criar uma agenda e negociar esses assuntos; tratar desses temas no nível da negociação coletiva. Ou seja, como a negociação de uma categoria tem relação com uma política distributiva, para que o movimento sindical perceba que aquela negociação tem eficácia no curto e no longo prazo também. O outro desafio é nós mantermos uma política de pesquisa que seja inovadora. Ou seja, nós estamos agora implantando um projeto chamado “Meu Salário”, que é o desenvolvimento de pesquisa através da Internet. Estamos desenvolvendo metodologia para usar um recurso que não tem custo para fazer pesquisa. Um projeto extremamente inovador.

Temos um trabalho na criação desses observatórios, criação de um espaço permanente de diálogo com a política pública de emprego e renda, ou seja, com aqueles governos que quiserem tratar com o DIEESE sobre a política de emprego e renda, o DIEESE terá o que oferecer enquanto produto e serviço. Dizer: “Temos um jeito de ver o mercado de trabalho, o problema do desemprego, o problema da renda”. Ao ver desse jeito você vai formular um determinado tipo de política pública e não outro. É um serviço que temos que fazer, temos que propiciar ao movimento sindical a ocupação desse espaço na gestão das políticas de estado de outra forma.

Outro desafio é na área da educação. Nós estamos discutindo a possibilidade de criação de uma Faculdade do DIEESE. Faculdade é o nome fantasia, pode ser uma escola, ou universidade, ou uma outra coisa. Mas a idéia fundamental é de ter um processo de formação continuada, de formar com certificação de terceiro grau e talvez, no futuro, mestrado e doutorado, sobre as questões do trabalho e políticas públicas. Formar quadros, dirigentes sindicais, militantes, ativistas. Pessoas que queiram se formar para vida profissional a partir da ótica das questões do trabalho. Seja para atuar como gestor, gestor de política pública, como pesquisador, assessor, não importa. Para trabalhar no espaço sindical, no espaço das políticas públicas como um profissional com certificação de terceiro grau. Esse é um outro projeto que estamos estruturando. Se vamos investir na criação e, portanto se tomarmos essa decisão, nós vamos dar uma diretriz para a área de educação do DIEESE muito mais ousada do que as que nós demos até hoje.

Desafios, ainda, na ordem dessa relação é fazer com que o conjunto da receita sindical aumente no padrão de financiamento do DIEESE. Nossa meta é que 70% do custo do DIEESE seja financiado com receita sindical, dando, portanto a máxima autonomia para o DIEESE, dependendo cada vez menos de resultados de projetos. Hoje todos os projetos são de interesse sindical, mas nossa idéia é que diminuamos essa dependência. Que continuemos trabalhando com grande número de projetos, mas o resultado desses projetos sejam usados para aumentar o nível de investimento no próprio DIEESE: seja em melhorar as condições de trabalho; seja em criar novas áreas de pesquisa; em melhorar ao nível de remuneração e de benefícios para a equipe; seja em dar mais estabilidade para o próprio DIEESE, constituindo fundos de financiamento que dêem perspectiva de longo prazo. Para que não tenhamos mais as crises. Acho que estamos nesse caminho.

 

Avaliação/Dieese

Uma das primeiras lições é de a gente conversar sempre. Conversar, conversar, conversar. Porque no fundo, articular o trabalho é o principal. O trabalho de coordenação é articular para estabelecer nexos, conexões que não são feitas automaticamente. Comunicação eletrônica não resolve isso, comunicação escrita não resolve, tem que conversar, porque as pessoas têm dificuldades de relacionar coisas.

Segundo é o aprendizado de que é muito difícil construir projetos. Na minha formação, fiz projetos arquitetônicos e trouxe essa habilidade, tenho essa facilidade, mas as pessoas têm muita dificuldade para construir projetos. Na verdade, quando você não tem projeto, não tem rumo. É como se estivesse construindo uma casa, sem saber onde coloca a parede. Depois de construir não ficou boa, tem que desmanchar. Fazer isso tem um custo muito grande, custo material e custo emocional. Ou seja, quem construiu dificilmente vai querer desmanchar aquela parede. Se você consegue discutir o projeto previamente, talvez chegue num acordo de que a parede fica melhor num determinado lugar e todo mundo pode trabalhar. Seria mais fácil construir junto, não gastar recurso e depois não ter que convencer aquele que construiu a ter que desmanchar a parede. Fazemos isso, o tempo todo, na organização. Construímos paredes e depois ficamos atrás das paredes, defendendo a nossa parede contra a parede do outro, e não percebemos que não estamos construindo casa nenhuma.

Organizações morrem muitas vezes sem descobrir que não construíram muita coisa. Isso é tarefa de direção. O problema de construir projetos e articular é trabalho de direção. Temos que formar gente para isso. De forma democrática, construir em conjunto, fazer o projeto em conjunto. Temos que olhar se aquele processo desenvolvemos permite com que o início de um novo ciclo faça com que as pessoas envolvidas naquele processo já consigam materializá-los intencionalmente e não mais por uma iniciativa externa. Quando você consegue fazer isso é porque está mudando, de fato, o jeito de fazer as coisas. Se num próximo início significar que as pessoas que estão ali, começam a fazer de um modo diferente, porque elas desenvolveram um jeito que elas acham adequado, é porque estamos mudando. O projeto é o resultado de sucessivas iniciativas continuadas desse esforço.

Agora estamos em um processo de avaliação do DIEESE desses últimos três anos. Vamos trabalhar com um problema nesse último ano que é melhorar a receita sindical. Fazia sentido visitar o sindicato, porque queríamos aumentar a receita sindical; fazia sentido fazer palestra. Fazia sentido fazer aquilo bem feito, porque além de ser correto, de fazer para o movimento sindical, o nosso trabalho tinha um motivo que nos unia que era: “vamos melhorar a capacidade do DIEESE de ter autonomia”. Um negócio simples, mas decidimos conjuntamente que esse plano deveria ser atacado. Porque tinha um sentido político que era, para quem estava na equipe tirando o DIEESE da UTI, de que nós estamos fazendo uma aposta ao dizer que quem vai tirar o DIEESE da UTI é o movimento sindical. Ter resposta de que está aumentando é uma resposta positiva que afirma que a aposta estava correta. Dá trabalho chegar nessa coisa simples. E isso é o trabalho de gestão, de coordenação.

O aprendizado é que só fazemos isso se conseguirmos ter o espaço, os meios e a disposição de articular e ouvir muito. Você tem que ouvir, ouvir e ouvir. Esperar as pessoas amadurecerem, porque sabe que uma hora chega lá. Tem que ter paciência, porque a urgência não pode matar esse tipo de coisa. Você tem que tomar decisões, vai ser criticado, porque não devia ter tomado aquela decisão, você sabe que é necessário tomar. Tem que agüentar a crítica, esperando que lá na frente talvez a coisa reverta. Porque você não podia deixar de fazer. Talvez lá na frente, possamos corrigir o jeito como foi feito, mas não dava para fazer agora. Para isso, se você tem um bom nível de articulação e muita conversa, essas questões vão diminuindo.

 

Avaliação/Projeto Memória

Quando eu assumi a direção técnica do DIEESE, coloquei algumas coisas no meu projeto de gestão que achava que era o meu papel iniciar. Uma das coisas que eu achava era que deveríamos sair dos 50 anos com um resgate da história da instituição. Um resgate que não só reposicionasse o máximo de experiências, mas que oferecesse ao DIEESE um material documental para as futuras gerações, que viessem tocar o DIEESE, essa memória. Para não se perder, porque grande parte dela está viva nas pessoas. Que a gente deveria fazer esse esforço e que esse talvez fosse o maior presente que pudéssemos dar para a instituição. Comemoração é legal, fizemos festa, seminário, um monte de coisas, mas tem uma coisa que deve ficar além da minha existência. Daqui a pouco eu morro, o DIEESE continua, tem uma coisa que deixamos. O que dá para deixar é o projeto materializado numa memória que o DIEESE nunca teve.

Poucas instituições têm a experiência que o DIEESE tem e nunca houve essa preocupação em registrar. Temos que materializar um centro de memória que seja um esforço de resgatar, ao máximo, tudo que fizemos. Ter isso de forma organizada, documentada e disponível. Temos que sair disso, com um método de trabalho que permita que a memória passe a ser um processo de documentação permanente, ou seja, tudo que fizermos vai ser documentado e incrementado nesse centro que passa a ser vivo. Uma memória permanente de uma instituição que está viva.

Eu acho que uma das dimensões básicas de estar vivo é a lembrança. Você perde a lembrança, perde a história, perde a noção de estar vivo, de ser. E nosso foco não é ser uma memória saudosista, “o DIEESE foi bom”. O DIEESE foi bom, é bom e será bom de forma diferente.

O que a memória tem que trazer é que existem coisas que permanecem na instituição ao longo do tempo e que não vão mudar, que são os valores. Espero que a solidariedade, a cooperação e igualdade sejam valores que estejam presentes na instituição. A memória deve ser um instrumento para recuperar no depoimento das pessoas, o que elas fizeram, o que criaram. Na medida em que o projeto propiciar isso, vai propiciar também um avanço institucional. Seja por oferecer um acervo em termos de patrimônio, de história, que pode se perder, se não cuidarmos daqui para frente. Mas também de conseguir criar - o que é um outro desafio para esse projeto -, alguns procedimentos regulares de manutenção, do registro de tudo o que continuarmos fazendo. Nós vamos ter criado um espaço de reflexão, de autocrítica, de autoreflexão muito importante. Porque sempre que as pessoas contam a história, elas relembram que é importante suas falhas, as críticas.

Ouvir um relato, uma questão, uma abordagem, que as pessoas possam acessar e que isso seja trabalhado internamente no sentido de relembrar. Naquela roda de histórias que fizemos com os ex-diretores técnicos, tem que pegar dali duas ou três falas sobre o porquê de um técnico do DIEESE ter que manter eqüidistância da vida político-partidário. Isso é de um valor inestimável para a moçada que está chegando agora. Você vai ter tanta coisa sendo dita, registrada que pode ser recuperada para qualquer trabalho que venhamos a fazer. É um patrimônio fantástico para a instituição.

 

 

Avaliação/Trajetória de Vida

 

 

Um sonho para a instituição seria dizer que daqui a um tempo ela estará técnica e administrativamente equilibrada. Quando eu trabalhei no Centro de Formação, eu disse: “Em dois anos espero deixar o Centro com condições administrativas de viver sempre com estabilidade”. O Centro acabou de completar 25 anos. E não tenho dúvida de que o modo de gestão, foi em parte responsável por isso, porque tinha capacidade administrativa, tinha fundo de financiamento sustentado. E tinha um jeito de fazer que acho que as pessoas que ficaram conseguiram dar continuidade. Acho que um sonho com relação ao DIEESE, pelo menos agora que estou como Diretor Técnico, é deixá-lo nessa condição. Ou seja, que a Instituição não tenha novamente que voltar para a UTI. Não tenha crises que coloquem, por questões de financiamento, um patrimônio técnico inestimável. Deve ter muita gente interessada em pagar milhões para ter esse patrimônio. E isso é da classe trabalhadora.

Nós não temos o direito de, por incapacidade - seja política, gerencial, administrativa, técnica, seja por limitações da conjuntura econômica -, de não achar um meio de a instituição continuar o seu caminho. Temos que ter capacidade de resistir o tempo todo, quando for necessário. Tem que criar capacidade, tem que ter reservas. Trabalhar como a formiguinha que se prepara para o inverno. O DIEESE tem que estar preparado para os invernos que poderão vir.

E um sonho pessoal, é poder dizer que toquei minha vida fazendo essas coisas. Outro dia minha filha perguntou: “Pai, o que você faz?” Eu disse: “Está vendo gente na rua, pobre, com problema, favela, eu tento trabalhar para que essas coisas não continuem existindo no Brasil. Eu faço reunião, converso com gente, tento dizer que as coisas estão erradas, tento apresentar sugestão”. E sonho que ela entenda que isso é uma coisa boa de fazer, não porque eu faço, mas que ela possa fazer uma coisa boa. Acho que é difícil mudar as coisas no Brasil, mas um sonho é dizer que eu ao longo da minha vida, consegui dar uma contribuição para que mudanças acontecessem para que pessoas pudessem ter uma vida para frente com mais oportunidades em termos de igualdade, justiça social. É por isso que eu fiz uma opção lá atrás, de vir trabalhar, porque eu achava que se não fizéssemos isso, o mundo não muda, as coisas não mudam. Esse é um sonho.

Eu trabalho o tempo todo acreditando que é sempre possível fazer um pouquinho mais. Se conseguirmos, acho que teremos mudanças para nós e para os nossos filhos. Aprendi que só conseguimos desenhar mudanças que sejam profundamente transformadoras, quando pensamos em projetos que vão além da nossa vida. Quando pensamos que essas coisas vão acontecer depois que morrermos. Só assim você tem coragem de pensar em coisas profundamente transformadoras e que não estejam associadas a benefícios que você vai receber durante a vida. Isso é uma coisa que precisamos reaprender para poder pensar mudanças no Brasil.

Um sonho é poder, ao morrer, dizer o que eu fiz foi nesse sentido e valeu a pena. Que as coisas tiveram alguma mudança estrutural no país, que permitiram melhorar a situação de vida dos trabalhadores. Acho que por isso pretendo continuar trabalhando em organizações, seja no DIEESE, seja fora do DIEESE, onde eu possa fazer do meu trabalho profissional, essa opção. Quando eu penso em sair do DIEESE, penso em continuar trabalhando em alguma organização em que eu continue fazendo do meu dia a dia, do meu trabalho, esse tipo de coisa. Vou trabalhar nessas coisas que ajudem a fazer mudança e espero ter força até o final da minha vida para fazer isso. Fazer esse tipo de coisa o tempo todo.

 

 

 

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