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Fausto Augusto Júnior

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Identificação

Meu nome é Fausto Augusto Junior, nasci em São Paulo, no dia 19 de dezembro de 1974.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Estudei Ciências Sociais na USP, na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, FFLCH. Pouco antes de ingressar no DIEESE, fiz uma pesquisa de memória e de reconstrução do processo de imigração japonesa no Brasil pelo CERU [Centro de Estudos Rurais e Urbanos] na Universidade de São Paulo.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Meu primeiro trabalho foi na área técnica, antes de ser sociólogo, eu fui eletrotécnico. Fui desenhista copista de projetos. Trabalhei para a Eletropaulo, depois fui para a TVA, quando ela surgiu. Fazia trabalho técnico em TV por assinatura até entrar na universidade. Da universidade, fui dar aula no Estado e depois vim para o DIEESE.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Eu tinha vindo no DIEESE, aqui no Parque da Água Branca, quando estudava no ensino médio, acho que por indicação dos professores. Para mim, o DIEESE era um fornecedor de dados, muito parecido com o IBGE. Geralmente, pesquisávamos no IBGE e no DIEESE. Fiz uma pesquisa sobre demografia, características da população brasileira. Acho que era de geografia ou alguma coisa nessa linha, porque na época tinha também OSPB [Organização Social e Política Brasileira]

A biblioteca do DIEESE era uma coisa importante porque, sem Internet, você tinha as bibliotecas das universidades, a Biblioteca Mário de Andrade, e depois você tinha algumas bibliotecas específicas.

O DIEESE tinha uma biblioteca aberta, facilitava o acesso. Lembro de ter pesquisado coisas do IBGE, na biblioteca do DIEESE. Aqui você chegava como estudante e tinha pessoas para te atender. O que, inclusive, é uma das coisas que fazemos até hoje. Talvez isso tenha se perdido um pouco por conta da Internet.

Tinha uma equipe de pessoas que faziam o que chamamos de atendimento técnico, que atendia a todos, não só o dirigente sindical. Atendia o sujeito que queria ajuda no cálculo da mensalidade do pagamento da casa própria ou o fulano que queria fazer o reajuste do aluguel e queria confirmar se o valor que o senhorio pedia estava certo. Muito tempo depois, na universidade, vou conhecer um outro DIEESE.

Quando eu entrei no DIEESE aconteceu uma coisa muito engraçada: o DIEESE abriu uma vaga para auxiliar técnico, que é um cargo quase em extinção, hoje. Mas era o patamar inicial do quadro técnico do DIEESE. Geralmente, eles pegavam as pessoas no começo do curso, do segundo ano. Acho que eu estava na metade do terceiro ano, quando abriu a seleção para uma vaga e eu vim concorrer. Na época, era professor ACT [Admitidos em Caráter Temporário], atual OFA [Ocupantes de Função-Atividade] que era professor sem concurso. Quando, em dezembro, houve a reestruturação da Secretaria de Educação [do Estado de São Paulo], não consegui pegar aula e fiquei desempregado. Isso foi em janeiro. O DIEESE abre a seleção em março. O edital foi colocado nas universidades e divulgado. Como eu tinha um amigo que trabalhava aqui, ele me avisou. Avisou-me e toda a universidade. Tinha gente pra “dedéu”.

No processo da seleção, fiz uma prova que falava sobre salário mínimo, questões de cesta básica e relação entre salário e custo. Depois, fui entrevistado pela Vera [Vera Gebrim], Ana Claudia e pela Kátia, três técnicas que ainda hoje estão no DIEESE. E na entrevista, fui selecionado.

Quando você vem como estudante, você parava naquela salinha lateral e alguém te atendia, agora, quando você entra para trabalhar, a sensação é que existe um mundo por trás daquela porta que você não conhecia. Eu tinha vindo de situações muito diferentes: de empresa pública, empresa privada e do Estado como professor. Eu imaginava que estava entrando numa empresa como qualquer outra. Como eu digo, a relação ideológica é uma construção e ela não acontece antes, ela acontece no processo. São raros, os casos de pessoas que entram sabendo exatamente o que é o DIEESE. O DIEESE vai se configurando com o passar do tempo. Ainda mais, eu que entrei no Banco de Dados que é um setor de retaguarda da instituição, que tem uma cara muito mais operacional.

Eu entrei para fazer checagem de digitação, pegar aquelas listas de papel contínuo e ficar checando. Isso não era muito diferente do trabalho que eu fiz quando fui estagiário na Eletropaulo, que era checar planta: eu ficava checando se o sujeito tinha feito a planta certa, enfim, o trabalho para mim não era muito diferente. Você chega desse jeito e as coisas vão se alterando no processo, no seu cotidiano. É muito comum você vir trabalhar de terno, não foi o meu caso, mas eu vinha bonitinho: de camisa, tudo certinho, de sapato, depois você relaxa, você vai mudando, mas isso é uma outra conversa.

 

Banco de Dados

Eu cheguei na reestruturação do Banco de Dados que era uma coisa muito incipiente. O Banco de Dados surge, do ponto de vista mais estrutural, na montagem do que se chamava SACC (Sistema de Acompanhamento de Contratação Coletiva). Ele começa a acompanhar as convenções coletivas em 1993, o que na verdade, vai se efetivar em 1994. Eu faço parte da segunda geração do Banco de Dados. A primeira geração era a Vera e Ana Cláudia, depois entram Cátia e Eliana. Saem a Ana Cláudia e Eliana e eu entro numa dessas vagas.

Entrei no processo em que se estava reorganizando o Banco e era muito difícil para você olhar para um Banco de Dados que tem uns dois, dois anos e meio, porque tem muito pouco material de análise. Era uma aposta. Pegávamos as convenções coletivas, uma por uma, cláusula por cláusula e codificávamos. Codificar é colocar um bocado de números em relação a um padrão que tinha sido construído, uma metodologia. Pegava cláusula por cláusula e ficava lá: um zero cento e um, um zero cento e dois, palavra chave A, B, C... Quem fazia a codificação eram os técnicos mais velhos, e nesse caso era a Vera e a Cátia. Cabia a mim e ao Jorge, que era o outro auxiliar técnico, fazer a checagem desse processo.

Naquele momento,também, no DIEESE, começa uma discussão de, em vez de se fazer só a divulgação mensal dos reajustes salariais das negociações também se deveria fazer o acúmulo desta informação. Até então, se divulgava as informações que tinham chegado, referente a um mês, e depois se descartava. Nós passamos a acumular as informações desse mês, do mês que vem e, em vez de fazer aquela divulgação mensal, passamos a semestral que é o que se faz hoje. Nós fomos reorganizando e transformando isso para o banco de dados, que chamamos, hoje, de Banco de Dados Salariais. E a mesma coisa foi sendo feita com as greves. O Banco das Greves ficou por conta do Jorge.

Isso foi uma das coisas que nos surpreendeu, enquanto auxiliares técnicos, de repente, você passa a ser responsável por uma área, por um trabalho muito específico. Você vai migrando aos poucos de um trabalho meramente braçal para um trabalho que vai agregando. E, o que eu acho que foi um grande diferencial, foi poder propor: “Isso aqui não é legal, vamos fazer diferente.” E apostar nisso. As pessoas permitiram que se apostasse nisso.

O Banco de Salários e o Banco de Greves surgem desse jeito, surgem na mão de dois estagiários, eu e o Jorge. Surge a partir de um conhecimento que adquirimos com a Vera, que era o banco de dados das contratações coletivas.

 

 

Educação/PDCA

 

 

Em 98, eu saio do Banco de Dados e nesse período, o DIEESE estava promovendo um curso chamado PCDA que era o Programa de Capacitação para Dirigentes e Assessores Sindicais. O PCDA talvez tenha sido a minha porta de entrada para o mundo técnico e a relação mais intensa com o movimento sindical até então.. O PCDA é muito intenso. São 45 dias que você fica internado num lugar. São três módulos de 15 dias com intervalo de 15 dias. Em três meses, você passa metade do mês no curso e metade do mês fora. Você entra dentro de um universo maior. Raramente as pessoas vão entender o que a gente fala, se não passou pela experiência. Você fica mergulhado, estudando. Eu aprendi muito do ponto de vista teórico. A discussão sobre reestruturação produtiva e outros temas, eram muito interessantes. Agora, o grande aprendizado lá é com as relações que vão se tecendo. E o PCDA fez uma coisa que está na espinha dorsal da instituição, que é colocar dirigentes de tendências sindicais diferentes juntos, estudando juntos e produzindo juntos. Esse é o grande aprendizado do PCDA. Quer dizer, aquele mundo que lá fora é absolutamente impossível de acontecer, lá dentro você vê acontecer efetivamente. Você tem dirigentes opostos, de posições políticas divergentes trabalhando em conjunto, se percebendo enquanto semelhantes. Isso desconstrói um conjunto de pré-informações, de preconceitos que geralmente quem está de fora - e mesmo quem está dentro da política sindical - não consegue perceber. E esse é o mote de sobrevivência do DIEESE. Conseguir perceber que os diversos podem conviver porque tem algo acima deles, o interesse da classe trabalhadora.

O PCDA me possibilitou fazer essa percepção. Esse contato com dirigente desmistifica o dirigente para o técnico, o que também é absolutamente importante. Porque a visão que você tem de dirigente é a mesma visão que temos de político, no sentido de ser alguém que está lá, você tem medo de pegar na mão. O mesmo com os artistas. Essa coisa que a sociedade midiática acaba fazendo com a gente. E o dirigente, para quem está na retaguarda, dentro do DIEESE, acaba virando um pouco isso: “O dirigente vem visitar a instituição” “Ah imagine, o dirigente!” Quando você passa a conhecer o dirigente, entende que ele é como qualquer outro ser humano. Você olha para o dirigente como um igual. Essa relação de igualdade que o PCDA possibilitou, para mim, talvez tenha sido a principal conquista. Mais do que o conhecimento técnico – porque o conhecimento técnico você pode se apropriar em livro, você senta com aquele monte de apostilas e aprende – mas, essas relações não são aprendidas em livros, não são lidas.

 

Assessoria

Faço o PCDA e quando volto, sou promovido para técnico. Vou para uma subseção. Saio do escritório e vou para a assessoria propriamente dita, dentro do movimento sindical. Vou trabalhar com a Construção Civil, com a Federação Estadual dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo. A Federação não é um sindicato, ela é uma aglutinação de sindicatos do estado. Você não vive a vida cotidiana sindical tradicional. A Federação está sempre olhando as questões por cima. As relações são relações mediadas por cima. A vantagem disso é que você tem tempo para se formar. Você tem tempo para criar maturidade antes de ir para o embate muito mais direto. Todas as negociações do Estado eram centralizadas pela Federação. A Federação fazia a negociação com o sindicato patronal que era o Sinduscon-SP [Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo]. Não só, mas esse era o maior, , o mais importante. Entro discutindo as grandes questões da construção civil e fazendo a negociação coletiva. Isso me possibilita estudar o setor e me apropriar de um conhecimento tácito da instituição - que talvez seja o principal dela - que é a competência de negociar. Que é uma coisa que o dirigente se forma no seu cotidiano. O DIEESE teorizou sobre isso e dá seminários sobre isso, mas você só aprende fazendo. Negociar se aprende negociando. Você acaba aprendendo a transformar tudo aquilo que você produz em algo que tem significado para o dirigente. Você vai aprendendo que a linguagem do mundo real não é a linguagem do mundo acadêmico. Não adianta você escrever 20 páginas para o dirigente, usando “economês” mais “sociologês”. Ele quer uma coisa muito prática, três ou quatro páginas que resolvam a vida dele. Isso você aprende com muita tranqüilidade. Numa Federação, você tem tempo de fazer esse processo, porque você aprende com a direção.

Já a experiência de assessoria na subseção no Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo trouxe outras possibilidades diferentes. A novidade dessa subseção é que era sob uma gestão nova no governo, a gestão da Marta [Marta Suplicy – ex-prefeita de São Paulo pelo PT]. A Marta faz uma proposta de negociação, de criar um fórum de negociação com o movimento sindical no setor público. Isso foi muito novo, porque a negociação coletiva no setor público não é regulamentada.

Não que os sindicatos do setor público não negociassem, eles sempre negociaram, mas é novo, você formalizar um processo de negociação no setor público. É novo, sentar cotidianamente para discutir os problemas, escrever acordos, regimentos, normas, fazer o diálogo cotidiano com a instituição, com o governo.

Essa era uma oportunidade muito especial para o DIEESE, porque a instituição tinha uma entrada menor no setor público e avaliávamos que esta experiência tenderia a se disseminar em outras esferas do setor público. Fui participar dessa subseção no final de 2002. Fico até maio de 2006. O trabalho na subseção no sindicato é muito focado. A sua relação com o dirigente é cotidiana, diária e, em muitos casos, pessoal. Porque afinal de contas o sujeito confia em você, cotidianamente ele pergunta coisas, você responde. Você almoça com o sujeito, você vai negociar com ele, sai da negociação às duas horas da manhã, pega um táxi junto com ele. A sua vida é muito colada a dele. Isso é muito forte, porque você vive a dinâmica da política sindical mais do que na Federação.

E no caso dessa subseção, você vive a dinâmica de uma contradição. Que na minha visão foi muito forte: a contradição entre um governo petista e um sindicato cutista. Uma contradição difícil de lidar, com dificuldades. E apostando em um pressuposto novo que era de podermos negociar, de podermos criar um espaço democrático dentro da administração pública. Isso é fortalecer, o nosso marco da democracia construído em 88. Construir um espaço democrático de relação do trabalhador governo, dentro da administração pública, para nós era um desafio muito grande.

No setor público a tendência é o sujeito - prefeito, governador ou presidente - se ver como o grande pai: “Eu dou o reajuste” “Eu dou o vale-alimentação.” Nunca é uma relação em que os trabalhadores conquistaram isso, algo mais comum no setor privado. No setor público, tudo é pelo princípio da legalidade, nenhum ato dentro Estado pode ser feito sem um anteparo legal, sem uma lei, um decreto, uma portaria e tudo sai com a assinatura do governante. Há, necessariamente, essa relação. Era um desafio porque tinha uma idéia de que só o sujeito que detém o poder abre mão dele.

E o que modificava nessa história? O setor público tinha - não bem uma tradição, mas é comum - uma lógica de trabalho com o movimento sindical, de que o apoiador, o sujeito próximo ao poder é beneficiado por ele. A linha sindical que estivesse mais próxima do prefeito, por exemplo, tinha as benesses por prestar apoio, conquistas maiores. Quando o sindicato, neste caso o Sindsep opta por entrar nesse projeto, ele opta por um projeto ambicioso, que é abrir mão da relação preferencial que eu tenho com a administração petista. Afinal de contas, você conhece o prefeito, o secretário, todo mundo na administração. Você abre mão disso para formalizar o processo. Formalizar o processo significa abrir uma mesa de negociação com um outro lado que é indicado pela prefeitura, com o qual você vai negociar e com o qual você vai ter que sentar com outros pares. A mesa de negociação no setor público e na prefeitura de São Paulo era uma mesa de oito sindicatos diferentes e de tendências diferentes, dos quais só dois eram cutistas.

Tinha dois sindicatos cutistas, um sindicato próximo ao PSDB, outro sindicato próximo ao PFL, do ponto de vista partidário. E só o ato destes sindicatos cutistas abrirem mão dessa lógica preferencial que historicamente construiu o setor público, possibilitava abrir a mesa de negociação. Eles optam por fazer isso por acreditar que amanhã não seremos mais poder, o prefeito que será o novo prefeito, pode não ser próximo e nós queremos um instrumento para negociar com ele, independente de quem esteja lá na cadeira. E é nesse processo que o DIEESE entra sob duas pontas: na assessoria direta ao Sindsep e na ajuda ao processo de negociação e ter também um papel que, era de uma instância mediadora.

A assessoria significa ajudá-los desde as informações técnicas, que é tradicional da assessoria, até o processo de negociação propriamente dito, que para eles era algo muito novo. Para os sindicatos do setor público, a negociação formal não existia, ele sentava com o prefeito, despachava ali e um abraço. Ficava no fio do bigode.. Esse foi o nosso desafio, de levar a experiência que o DIEESE tinha em negociação no setor privado para o setor público. No ouro lado, o DIEESE como instância mediadora, ou seja, qiuando em alguns momentos, os dois lados não chegavam a termo, o DIEESE era chamado e nesse caso quem fazia parte era o diretor técnico, Sérgio Mendonça. Cada lado indicava um conjunto de organizações que podiam fazer a mediação e essa consulta. E o DIEESE participa nessas duas pontas, na assessoria e, ao mesmo tempo ajudando, na mediação, através do Sérgio Mendonça.

Nós produzimos, a partir disso, um curso para gestores da administração pública e para dirigentes sindicais, sobre o que é negociar e o que é o processo de negociação em um estado democrático de direito. Passamos esse curso para uns cem dirigentes sindicais e gestores ligados à Prefeitura de São Paulo, que continuaram quando a administração mudou, já que uma boa parte era funcionário de carreira Por outro lado, nós nos apropriamos de um conhecimento que não detínhamos que é o conhecimento da negociação no setor público e da própria dinâmica do setor público.

 

Pesquisa/PED

De trabalhos significativos, enquanto assessorava a Federação, fizemos um estudo setorial sobre a Construção Civil em que utilizamos, de maneira mais concreta e com um viés sindical muito forte, a base de dados da PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego]. O lidar com a pesquisa de emprego me possibilitou conhece-la melhor e, suas potencialidades me possibilitaram investigar o setor nas suas especificidades. Construí teoricamente algumas discussões. Ao mesmo tempo, fazendo exercício de, em vez de escrever 200 páginas, você escrever 50. O que também pode parecer, para a média das pessoas, absurdo dizer: ser mais fácil você escrever 200 do que escrever 50. Mas é mais fácil você escrever 200, páginas porque você vai colocando tudo o que você acha pelo caminho. Para escrever 50, 30, 25, você é obrigado a aprender a olhar e achar o que tem de mais interessante, mais importante nesse processo.

 

 

Supervisão

 

 

A Lavínia [Lavínia Moura], que era supervisora da Bahia, havia tirado licença maternidade e umas férias acumuladas. Precisavam de um técnico para lá, que se dispusesse a ficar pouco tempo na Bahia. A direção me consultou se havia interesse de eu ir, falei que sim. Profissionalmente, valeria a pena. Eu seria promovido para Técnico II, que é o técnico pleno na instituição; e isto para mim também era algo importante do ponto de vista profissional e financeiro. Ser supervisor muda a forma que você vê a instituição. Uma coisa é você vê-la de dentro do staff do Banco de Dados; outra coisa é você vê-la do meio e uma outra é você ver a instituição como supervisor. O supervisor é um cargo de confiança da direção, você tem acesso a informações que um técnico comum não tem. Você tem uma responsabilidade diferente e tem que fazer um serviço que é muito difícil. Eu, particularmente, acho que é o serviço mais difícil no DIEESE. Levar a instituição para onde ela não está e mantê-la onde está.

Na supervisão, tem que aprender a fazer o link entre a direção técnica e a direção sindical., mesmo porque nem sempre os interesses da direção técnica são exatamente iguais aos interesses da direção sindical, e você tem que fazer essa mediação. Em especial, quando a direção sindical é regional. Porque a direção sindical nacional ou a direção de São Paulo tem um contato mais direto: o Ortiz [Carlos Andreu Ortiz, presidente do DIEESE] tem um contato cotidiano com o Clemente [Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do DIEESE]. Agora, o dirigente da Bahia não necessariamente tem esse contato cotidiano, então você tem que fazer essa ponte. Você tem que administrar o caixa do escritório. Controlar quem pagou, quem não pagou; quem não pagou você tem que ir lá, renegociar a dívida; tem que controlar o gasto do escritório, pagar conta de luz, telefone, fazer toda essa relação com o escritório nacional, com a parte da tesouraria e do administrativo daqui; tem que gerir pessoas.

Além do supervisor do escritório, havia dois técnicos no estado. Um na pesquisa de emprego e desemprego e outro em uma subseção. Além deles, um pesquisador do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], um auxiliar técnico e uma secretária. Você tem que aprender a lidar com as pessoas no ambiente de trabalho e fazer todo o trabalho que o técnico faz: assessorar o movimento sindical, fazer negociação, dar curso, não é fácil, mas é gratificante.

 

Educação

Eu fazia formação sindical já há algum tempo, desde a época da Federação da Construção Civil. Por conta do perfil de federação - um dos trabalhos fortes da Federação era dar formação sindical para os diversos dirigentes no estado - eu fui encaminhado a fazer formação pela instituição. Quando estava dando assessoria na construção civil, havia terminado o bacharelado e ingressado na licenciatura, além disso, eu havia sido indicado pelo sindicato para representá-lo na discussão de alfabetização solidária. Por tudo isso, havia construído um envolvimento com a área de educação, tanto teórico quanto prático. Quando eu volto da supervisão da Bahia para o escritório, aqui em São Paulo, volto para a equipe de educação do DIEESE que estava se reestruturando.

Lidamos com adultos que têm níveis de formação muito diferentes. Você pega desde dirigentes que cursaram o primeiro grau até aqueles que terminaram a universidade. Às vezes, no mesmo grupo. É o caso de alguns cursos que a gente já deu, com uma diversidade de conhecimento formal muito vasta.

Você tem que aprender a lidar com isso. Você aprende que não pode dar necessariamente um texto para ler num curso. Se quiser dar um texto, vai ter que explicar. Já trabalhei com dirigentes dos trabalhadores rurais e da construção civil que não estavam alfabetizados, e isso era muito comum. Algo que num primeiro momento apavora, mas depois se mostra fabuloso.

Além disso, tudo feito em um espaço de tempo muito curto, três dias, no máximo cinco. Nos cursos você encontra de tudo, desde pessoas que que te vêem como o dono do conhecimento que veio derramar saber, porque afinal de contas, elas vieram de uma educação formal tradicional que pregava isso, ao dirigente que é crítico a isso e não somente a isso, afinal ele é um dirigente sindical que tem na lógica crítica, a essência do seu trabalho, da sua atividade. É crítico a tudo, é crítico, inclusive, ao conhecimento sistematizado e acumulado , e você tem que dizer para ele: “Tudo bem, você pode ser contra, mas esse conhecimento é o que está sistematizado e é bom que você o conheça para poder criticá-lo”. Aos poucos, você vai aprendendo a lidar com essa situação. Aprendi muito com a lógica da solidariedade, em que as pessoas se ajudam muito nesse processo.

Nessa apropriação de conhecimento que o sujeito faz naquele curto espaço de tempo, naquelas dificuldades que ele é obrigado a superar; que você começa a entender o seu real papel aqui dentro. Até então, você é um assessor, você tem a fala técnica e você sabe que essa fala tem poder, você usa o poder que lhe é dado porque faz parte do processo da assessoria. O sujeito pergunta, porque precisa daquela informação. É uma relação quase que individual que você tem com o dirigente. Quando você vai para a mesa de negociação na assessoria, você usa e abusa dessa autoridade que o conhecimento lhe dá. O poder do técnico se sobrepõe, até o momento que você fala: “Daqui para frente o dirigente decide”. Já, na educação, você tem que aprender a se despojar desse conhecimento, dessa arrogância que você possa vir a ter. E, normalmente, é o que acaba acontecendo, porque você olha para a necessidade do outro para possibilitá-lo construir o conhecimento que ele vai se apropriar.

Você trabalhar a possibilidade dele se perceber além do que ele é – talvez essa seja a parte mais interessante – é o fascínante. Você tem um sujeito que acha que não sabe absolutamente nada; ele chegou para o seminário porque ele precisa de conhecimento, e porque se ele não tem conhecimento ele não é grande coisa; e você vai num processo lento e dinâmico, mostrando para ele que isso não é verdade, que todo o conhecimento que você sistematizou aqui pelo DIEESE, tem ele como origem.

O pesado do conhecimento que a gente produz tem como origem a experiência do dirigente sindical, é um processo muito rico e que o sujeito sai de lá diferente, sai o formador e, o participante do curso.

 

Fato Marcante

A história que mais me emociona e eu tenho sempre que tomar muito cuidado quando conto, porque eu não consigo não chorar... Eu estava num processo de educação de adultos de formação profissional. Na época, eu estava no conselho de formação da SERT [Secretaria do Emprego e das Relações do Trabalho] pelo sindicato, pelo DIEESE. Eu era conselheiro de um dos programas. Eu acompanhei a formação de uma turma de pedreiros desempregados. Esta não é uma história tradicional do DIEESE, mas eu acho que vale a pena, essa foi a que mais me marcou na vida. Eu me lembro de uma professora muito mal preparada de habilidades básicas (eles dividiam os cursos entre habilidades básicas e habilidades específicas). Habilidade básica (para eles-quem fez o curso) era português e matemática e habilidade específica era fazer a casa, aprender a construir. Então tinha um professor do SENAI e uma professora. Enfim... Na aula de matemática, , nós formulamos um conjunto de exercícios para os alunos fazerem e em uma aula fomos corrigir o bendito dos exercícios. Eu digo que ela cometeu um dos maiores crimes, mas que era comum o professor fazer isso até pouco tempo atrás, que era pôr as continhas na lousa e mandar os alunos irem lá e resolverem. Isso é um problema muito sério com as crianças. Agora imagina fazer isso com um adulto que não sabe fazer a conta, na frente de uma sala de vinte e tantos alunos.

E eu me lembro do sujeito parado na lousa, devia ter seus dezenove, dezoito anos. Parado, na frente de uma conta de multiplicação e não conseguia fazer a conta. Ele ficou lá, uns cinco minutos, parado. O que mais me marcou foi ver um sujeito saindo do fundo da sala. Ele levantou e ensinou o menino na lousa. Isso me marcou muito, porque ele era um dirigente sindical de motoristas, desempregado. O ato era de uma grandeza que é difícil você não ficar marcado. E, só isso mudou a minha visão de educação. Eu não estava na equipe de educação do DIEESE, eu estava na construção civil, lidando com trabalhadores da construção civil. E, nessa hora eu percebi um monte de coisas que outros técnicos, mais velhos que lidavam com educação, muitas vezes falavam. O cuidado que você tem que ter em dar um texto para as pessoas lerem, porque você não sabe se o outro sabe ler ou não. Isso marca a forma de ver o outro e o respeito que você tem que ter com o outro. E aprendi isso ali, com um dirigente sindical.

 

 

Educação/Kits Educativos

 

 

OOs kits são uma tentativa de você criar um material produzido pela própria instituição para fazer a atividade de formação. O DIEESE teve a escola sindical, talvez tenha sido uma das primeiras do chamado Novo Sindicalismo, que vai de meados de 80 até a década de 90. Eu não estava no DIEESE. Entre esse momento e os kits você tem um hiato do ponto de vista da produção intelectual e teórica do DIEESE sobre educação. Os kits foram uma oportunidade do DIEESE de discutir isso.

Os kits têm grande importância de sistematizar conhecimento sobre temas muito específicos: produtividade, terceirização, tributação, previdência, participação nos lucros, banco de horas, jornada de trabalho.

Agora, o grande barato foi de possibilitar que a instituição começasse novamente a refletir sobre o que é educar, sobre o que é educação, que educação que nós queremos fazer. As oficinas de formação de formadores e a montagem da oficina de formação de multiplicadores ou de formadores que o DIEESE faz, o chamado FM [Formação de Multiplicadores], possibilitou novamente que a instituição se debruce sobre uma área de atuação importante e discutisse isso do ponto de vista teórico.

A equipe, em especial, a equipe de educação que o DIEESE tinha, na época, que fazer essa discussão mais pesada da elaboração dos kits, para transforma-los em material didático. Porque os kits eram acima de tudo materiais didáticos e nem todos que estavam envolvidos no material teórico se envolveram no material didático. Ou até se envolveu, mas não do ponto de vista mais conceitual. Então os kits proporcionaram pensar sobre muitos assuntos e sistematizar, organizar, escrever. Você vai ter muita produção técnica do DIEESE guardada e produzida hoje, graças aos kits. Produção de pessoas que não estão mais na instituição. Os kits possibilitaram que aquele conhecimento que ela tinha fosse sistematizado. Eu participei muito forte da montagem do curso de formação de formadores, que era uma “perna” do projeto que produzia os kits, e que tinha intenção de trabalhar com formadores do movimento sindical a concepção que nós tínhamos de educação, discutir com eles essa concepção, e ao mesmo tempo apresentar um material pedagógico, do qual tínhamos grandes controvérsias começando pelo nome.

O nome kit não é consensual da instituição, em especial da equipe, porque o kit vinha de uma outra idéia de educação; o kit não é uma criação. Na verdade, o conjunto de técnicos no DIEESE que fazia cursos já tinha o seu material básico e dava sempre o mesmo kit, dava, pegava. Na instituição era conhecido mesmo como kit: “Ah, pega o kit de negociação e vai dar o curso lá para o fulano.” “Ah, quem fez?” “Foi o Japa que fez” “Então, conversa lá com o Japa, pega o kit com ele e leva.” Então, o kit vai virando um pouco isso, era um monte de tabelas, transparências, grades e cursos que a gente vai e aplica. Quando a gente foi fazer a discussão, percebemos que isso é um mero instrumento de um curso que você organiza, monta, propõe e que, no limite, constrói com o sujeito que está ali fazendo a formação com você.

A idéia era apresentar esse material para o conjunto de formadores que já fazem parte do movimento sindical hoje, que não são do DIEESE. Então, o DIEESE não necessariamente faria só a formação, ele estaria fazendo esta ponte desse produto para quem faz formação.

Eu, particularmente, coordenei o kit de terceirização. A gente faz a etapa toda do kit e a participação nos demais são diversas: desde produzir um texto, corrigir um texto a se arrumar uma grade, fazer um seminário piloto, e aí enfim, uma série de coisas.

 

Importância do Dieese

Existe um lado instrumental do DIEESE para a sociedade que é enquanto um grande gerador de informações e dados. Esse seria o mais simples, o mais visível. Um viés que é de produção de conhecimento que possibilite governos, sociedade, sindicatos tomar decisões, esse lado de produção de dados é muito forte. Você precisa de bons indicadores, você precisa de boas avaliações para poder fazer propostas de mudança, para direcionar caminhos, para avaliar programas. Isso que o DIEESE faz, é o que você vai ver pelas mídias da imprensa.

O outro papel, na minha opinião, é que o DIEESE possibilita trazer à sociedade uma outra visão que normalmente é solapada do processo. Boa parte do conhecimento gerado, boa parte das informações mobilizadas são produzidas pelo lado empresarial, são produzidas pelo capital, ou seja, estão sob a égide do capital. O DIEESE possibilita produzir um conhecimento sob um outro ponto de vista, isso modifica o objeto – a forma com a qual você olha o seu objeto modifica muito o objeto, pelo menos eu acredito muito nisso – então essa talvez seja a maior contribuição: é ser o contraponto nessa disputa por uma hegemonia ideológica. Da qual eu diria que nós historicamente perdemos e o nosso papel é continuar não sendo soterrados, então a gente continua ali.

Eu acho que o DIEESE tem um papel, aí numa discussão bem teórica, que é a concepção de intelectual orgânico do Gramsci, não intelectual enquanto um intelectual tradicional, o cara da academia, mas do intelectual que homogeneíza um conhecimento de classe. Ele consegue trazer da produção da própria classe, da produção do próprio dirigente, que está lá na ponta, um conhecimento e torná-lo acessível a um outro dirigente que está na outra ponta, que não tem condições de gerá-lo porque a circunstância histórica não lhe permite. Um exemplo clássico: você tem grandes sindicatos que avançaram na sua organização, avançaram na sua interferência na sociedade, e produzem conhecimento absolutamente a partir dessa realidade concreta deles. Essa realidade que está aqui em cima não necessariamente chega ao sindicato do interior, no sindicato de uma categoria menor, numa categoria nova e o DIEESE possibilita fazer essa ponte.

Além disso, em alguns momentos consegue mais em outros consegue menos, criar uma ponte entre o conhecimento sistematizado socialmente e o dirigente sindical que também em muitos casos é renegado. Aquele conhecimento que está na academia não lhe é acessível. Apesar de uma parte dos dirigentes ter caminhado para a universidade, eu diria que para uma boa parte dos dirigentes isso não é uma realidade; então o esse conhecimento que está na academia acaba ficando lá. Quanto aos sindicatos, com todas as críticas, defeitos e vantagens, eles ainda são o único braço organizado da classe trabalhadora e o DIEESE ajuda isso.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Eu acho que quando a instituição começa a olhar para si, começa olhar para a sua História, ela começa a perceber a razão pela qual ela existe. E o DIEESE vive ciclos, como qualquer empresa, ou como qualquer instituição. O ciclo que nós estamos vivendo hoje é um ciclo de grande renovação da própria instituição. Muitos técnicos antigos saíram, outros técnicos estão entrando e estão entrando muitos novos técnicos. Você ter a oportunidade de ter esse material guardado é extremamente importante para a instituição. Em vários momentos é necessário se olhar de novo e se marcar até que ponto a instituição faz parte do processo de transformação, se ela tem que mudar. E se tem que mudar, mudar sem deixar de ser o que é.

Acho importante para a própria classe trabalhadora enquanto fenômeno que ela criou, essa instituição chamada DIEESE. Porque esse é um grande problema também. Tem muito poucos registros, a história é a história dos vencedores, nunca é a história dos vencidos, ela soterra sempre os perdedores no processo. Não que eu ache que os trabalhadores já tenham perdido, mas historicamente a História do movimento sindical e a História da luta dos trabalhadores é uma história sempre soterrada que, quem quer estudar, vai ter muita dificuldade em acessar dados e informações. Vai ter, mas é sempre uma luta de diversas instituições, tem vários centros de memória, dos próprios movimentos sindicais e, etc, que é uma tradição que vem lá da década de 10, 20, de você poder estar o tempo todo registrando essa história. Mas, ela não está na história comum, ela não está nos livros didáticos. E essa é uma oportunidade de a gente poder ter isso guardado. Não sei o que faremos com isso depois, quem fará, o quê fará, mas eu acho que essa é a intenção.

 

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