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José Caetano Lavorato Alves

semretratoHistória de Vida

Identificação
 

Meu nome é José Caetano Lavorato Alves. Eu nasci em Belo Horizonte, 1947, no dia primeiro de agosto.

 

 

Família

 

 

Meu pai é José Ribeiro Alves, conhecido como Zezinho. A minha mãe é Francisca Lavorato Alves, conhecida como Fani, desde pequena. A família Lavorato é uma família que veio de Rossano, na Itália, em 1893, 94, mais ou menos. E o meu avô era o Gaetani Lavorato. Ele veio bebê, com três meses para o Brasil. Depois, essa família teve mais dez filhos no Brasil. Então, foram 11 filhos. O único que nasceu realmente na Itália foi o meu avô, que aqui passou a ser chamado de Caetano, depois que desembarcaram do navio. Em vez de Gaetani, virou Caetano, como eles faziam à época. Ele viveu uma boa parte em São Paulo e depois foi para o Norte de Minas. Em Minas Gerais, se casou com a minha avó que também era de uma família de italianos, a família Chiacchio, em Januária. Já a família do meu pai, que é Alves, é uma família de origem portuguesa. Eu não sei exatamente qual foi a história da vinda dos portugueses. São muito mais antigos no Brasil. Eles são aqui do Vale do Paraíba, de Cruzeiro. Meu pai nasceu em Cruzeiro. E a minha mãe nasceu em Januária.

 

 

Infância

 

 

Eu nasci e cresci em Belo Horizonte, quer dizer, eu morei em Belo Horizonte até os seis anos, sete anos, depois nós fomos para Lagoa Santa, que é uma cidade próxima de Belo Horizonte. Porque em Lagoa Santa tinha um parque da Aeronáutica e o meu pai era mecânico de avião. Inicialmente, no aeroclube, ali em Carlos Prates, em Belo Horizonte. Ele conseguiu ir para a Força Aérea, no Governo Federal, como mecânico de avião, mas mecânico civil. Porque na época tinha militares e civis lá. Com seis ou sete anos, mudamos para Lagoa Santa. Lá, eu fiquei até uns 14 anos. Depois, eles ainda permaneceram. Eu fui morar em Belo Horizonte, na casa da minha tia. Foi quando eu tive meu primeiro emprego num cartório. E depois papai mudou com todos para Belo Horizonte. Nós somos seis filhos. São três homens e três mulheres. Eu sou o segundo, a Maria Helena é a primeira. Vem Rafaelina, que a gente chama de Neném, o Marcos, depois Lúcia e Magno. Em Belo Horizonte, foi uma época, até os meus seis anos, um pouco complicada. Acho que papai ganhava pouco no aeroclube e tínhamos muita dificuldade. Lembro que a gente morava no Carlos Prates, numa casa bastante simples, mas tinha um quintal grande, tinha lá um balanço, umas árvores, uma espécie de gangorra. O nosso brinquedo rodava e balançava. No parque tem. Eu não me lembro qual é o nome disso, é igual a uma gangorra. O nosso tinha um eixo que o papai tinha feito e a gente rodava. A gente brincava muito, tinha espaço para isso. Até Magno, que era bebê. A gente teve uma infância lá em Belo Horizonte boa, do ponto de vista das crianças, com muita dificuldade, mas uma infância legal. Depois nós saímos de lá, fomos para Lagoa Santa, que foi um pouco diferente. Papai tinha um emprego mais estável, estava num emprego lá no parque de aeronáutica.

Eu me lembro que a gente chegou a Lagoa Santa num dia bastante chuvoso, chovia muito, e era uma casa de madeira. E foi surpreendente. Moramos muitos anos nessa casa de madeira. Era uma vila. Na época, eles tinham lá duas vilas. Era uma vila militar com casas de alvenaria, para oficiais de aeronáutica; e uma vila onde moravam os sargentos, suboficiais e civis. Geralmente, os sargentos e suboficiais moravam em casas de alvenaria e os civis moravam em casas de madeira.

Nossa casa ficava em frente ao grupo escolar, a Escola Tiradentes, onde eu fiz todo o meu curso primário. Era uma vila pequena. Tinha a escola e um campo de futebol bem na frente. Morávamos numa das ruas em frente a esse campo de futebol. E a casa era sob uns pilares. Era uma casa de madeira em cima de uns pilares, aberta embaixo. Brincávamos muito. A casa fazia muito barulho por causa do assoalho de madeira. Foi uma época muito boa. O grupo é exatamente em frente. Ela ficava um pouco no alto. E ali a gente jogava futebol o dia todo. Fora a escola, o resto era jogar futebol. Depois houve uma época que a gente mudou para uma casa de alvenaria. Houve uma mudança no comportamento dos militares. Porque o parque era dirigido por um coronel, da Força Aérea. Houve uma mudança e alguns civis puderam morar em casas de alvenaria. Mudamos para uma dessas, que ficava na rua do outro lado da escola.

 

 

Estudos

 

 

Minha mãe sempre foi muito enérgica com a gente. E como a casa de madeira, ficava na frente do grupo, quando dava qualquer rolo na sala de aula, com as crianças, a professora tirava a gente da sala, botava a gente na frente do pátio da escola, que dava exatamente para frente da minha casa e me colocava na fila, na frente. Minha mãe ficava me vendo na frente da fila. Eu não era o maior, isso eu era tamanho médio. A sala toda para fora, e me colocava na frente. Mas já colocava de propósito. A minha mãe ficava ali olhando, quando a aula terminava, ia me buscar lá embaixo, já pela orelha. Subia a escada... Ai, ai, esse é um fato que eu me lembro bem de criança. O resto, a vida ali no parque militar foi vida normal de criança. Jogava vôlei, futebol, tinha uma vida legal. Fiz toda a minha escola primária lá. Depois eu fui fazer o ginásio numa cidade do lado que se chama Vespasiano, que fica próximo a Lagoa Santa, mas no sentido Belo Horizonte. De Belo Horizonte para lá. Sentido Lagoa Santa, Belo Horizonte. Vespasiano. Fiz até o terceiro ano de ginásio.

Eu nasci em 47, fui entrar para a escola com seis a sete anos. Nós estamos falando de 54. Fiquei os quatro anos, até 58. Eu devo ter terminado a escola primária em 1958. Tinha admissão ao ginásio. Você fazia um ano de admissão ao ginásio. Eu tentei fazer admissão para uma escola no parque militar, em Belo Horizonte. Mas não consegui a vaga. Era muito disputada a vaga para as escolas públicas. Eu queria ir para a escola municipal, em Belo Horizonte. A Escola Tiradentes, onde eu fiz o primário, não era uma escola muito forte do ponto de vista da base. Eu não passei na admissão e fui estudar em Vespasiano. Lá fiz até o terceiro ano de ginásio, quando fiz um exame para ir para Belo Horizonte, para uma escola municipal ou estadual. Acabei passando numa escola estadual. Fui morar na casa da minha tia.

 

Trajetória Profissional
 

Estudava à noite e queria trabalhar durante o dia. Era muito difícil conseguir emprego. É aquela coisa: você está com 14 anos e pedem experiência, você não tem, não consegue. O meu pai conhecia o dono do cartório, que acabou me admitindo como boy. Esse dono do cartório era um piloto. O meu pai era mecânico na Força Aérea e no parque da Aeronáutica, em Lagoa Santa, tinha o Aeroclube de Lagoa Santa. Papai era mecânico do aeroclube também. Ele dava manutenção nos aviões da Força Aérea, na parte de motores, e no aeroclube, ele fazia tudo. Fazia toda a parte de estrutura, a parte de motores, toda a parte de comandos. Papai fazia tudo. É desses mecânicos da antiga, que sabe mexer com o avião inteiro. Hoje é muito especializado. Naquela época, não. Naquela época, todos faziam tudo. Ele tinha especialização mais em motores, mas ele fazia todas as outras coisas. Eu me lembro até, nessa época em que eu morei em Belo Horizonte, lá no Carlos Prates, a gente tinha um espaço lá atrás e papai levava asa de avião para consertar. Montava as asas, todas aquelas nervuras, todo aquele esqueleto do avião, de formação da asa e telava, passava dope, pintava, tudo lá. A asa saia pronta para o aeroclube. Então, eu via avião o tempo todo. Via montar asa de avião dentro de casa. Eu fui para esse cartório. Eu tinha idéia de fazer Engenharia e tentei achar um emprego que ficasse próximo disso. Não queria ficar no cartório, queria fazer Engenharia. Consegui um emprego - não me lembro muito como é que eu achei esse, acho que eu vi no jornal um engenheiro civil pedindo uma pessoa para ser ajudante, para trabalhar no escritório - me inscrevi e esse cara me admitiu. Nem me lembro o nome dele. Ele era um engenheiro civil que trabalhava em obras. Eu achei ótimo, porque eu trabalhava, fazia tudo. Varria o escritório, fazia tudo. Ele ia lá, fazia as coisas na prancheta, me ensinou a fazer algumas coisas. Eu comecei a trabalhar com nanquim e eu já estava pensado: "Quero fazer vestibular para Engenharia”. E estava ali tentando me adequar àquilo. Ele era um cara muito complicado. Porque eu o via trazer os peões para pagar e ele fazia as pessoas assinarem um monte de coisa em branco, botar dedo e tal. Depois, ele batia tudo ali como se tivesse pagado para as pessoas. Quando dava rolo na justiça, eu via todo aquele movimento. Achei que não era legal. Resolvi não trabalhar mais com esse cara. Procurei um outro emprego e consegui numa empresa de amortecedores. Máquinas Dilton. Essa empresa ficava em Belo Horizonte, na Rua Bonfim. A Rua Bonfim ficava entre o centro da cidade e o conjunto IAPI, onde minha tia morava. Esse conjunto era desses dos institutos de aposentadoria que existiam. Meu tio era marceneiro, tinha um monte de filho. Eu morava lá, eles só tinham dois quartos, dormia todo mundo embolado. Era uma confusão enorme. Muita gente. E eles tinham muita dificuldade. Minha tia trabalhava no Serviço Social da Indústria [Sesi] e ele era marceneiro, ora estava empregado, ora estava desempregado. Mas, dali para a Máquinas Dilton, eu ia a pé. Eu fazia minha marmita, ia embora a pé e dali eu ia para o centro da cidade estudar. Na Máquinas Dilton, também fazia tudo. Eu varria o escritório, era boy. E ali, era interessante, pois era a zona boêmia de Belo Horizonte, do baixo meretrício... Você chegava de manhã, subia aquela rua, tinha aquelas mulheres que trabalhavam de dia e de noite. Eu era garoto, mas era conhecido ali. Não porque participasse, mas era conhecido por chegar toda manhã. Eu descia, subia, era boy.

Eu já estava completando 17 anos e estava aproximando da idade de ir para o serviço militar. Eu queria fazer Engenharia. Estava no final do terceiro ano científico, na época. Era um colégio estadual. Nessa época, o Tostão, jogador de futebol, estava no colégio. Eu me lembro da manchete "O Tostão vale um milhão", quando ele saiu do América e foi vendido para o Cruzeiro, por um milhão de qualquer coisa, o dinheiro na época. Eu comecei a pensar: "Bom, para fazer Engenharia, como vou fazer o serviço militar? Vai atrapalhar”. Aí, o meu pai, que estava ligado ao aeroclube há muitos anos, conversei com ele sobre uma possibilidade de evitar o serviço militar. Para viabilizar a engenharia, era fazer um curso de piloto. Papai estava há muitos anos lidando com isso e a diretoria do aeroclube decidiu me dar o curso de piloto. Deixar que eu fizesse o curso de piloto, desde que eu fosse trabalhar no aeroclube, que depois eu pagasse meu curso trabalhando. Então, foi feito. O presidente do aeroclube era o Passos, que tinha sido amigo de papai desde jovem, desde moço. Depois, ele foi para a carreira militar, papai continuou na carreira civil. E o Passos era suboficial da Força Aérea, era piloto também, mas suboficial. Ele acabou virando presidente do aeroclube e viabilizou esse acordo. Mas, o acordo era para que eu fizesse Engenharia, que essa era a minha demanda. Isso é que eu queria fazer. Eu queria sair do serviço militar para fazer Engenharia, para não atrapalhar o meu estudo. E você fazendo o curso o de piloto, desde que você já começasse o curso, você alegava e o aeroclube te dava uma declaração de que você estava fazendo curso e você evitava o serviço militar. Foi com esse objetivo.

Saí da Máquinas Dilton e fui trabalhar no aeroclube e fazer o curso de piloto. Eu era secretário do aeroclube e, ao mesmo tempo, voava. Nunca tinha voado. Eu via avião dentro de casa, lá na garagem. Meu pai nunca teve um automóvel. Ele faz 90 anos agora, em janeiro [de 2007]. Ele nunca teve um automóvel, mas tinha uma garagem onde ele fazia as coisas dele. Eu comecei a gostar. Gostei de voar. Nunca tinha voado, voei pela primeira vez como aluno. Engraçado, eu aprendi a voar antes de aprender a dirigir! Comecei a voar com 17 anos. Em 1964.

Eu me lembro que tinha dois instrutores. Um era o Luís Antônio, era caixa do Banco Nacional e era piloto, instrutor do aeroclube. Possivelmente ele veio voar na Vasp. Foi comandante da Vasp até se aposentar. O outro era o Orvile Alves Passos, que também virou piloto da Vasp e voou até se aposentar. Como eles trabalhavam em outras atividades, me deram instrução para piloto, terminei o curso e fiz o exame prático, tudo ainda com 17 anos. Na época, só podia pegar a carteira de piloto quando completasse 18. Fiz todo o exame e fiquei esperando passar primeiro de agosto do ano em que eu completei 18 anos, em 65, para poder requerer a minha carteira de piloto. Aí, comecei a dar instrução no aeroclube, sem carteira de instrutor, sem autorização ainda. Mas, como eu estava lá no aeroclube e eles não podiam ir todo dia. Eles me treinaram para dar instrução e eu comecei a dar instrução para os alunos. Isso é irregular, mas foi o que aconteceu. Só que eles registravam as horas no nome deles. Completei o número de horas para fazer o curso de instrutor, virei instrutor do aeroclube. Fiz as provas no DAC, no Departamento de Aviação Civil e virei instrutor regularmente. Quando eu recebi a carteira de instrutor, o aeroclube de Minas Gerais, que era em Belo Horizonte, me convidou para dar instrução lá. Eu saí do aeroclube, conversei com papai, e eu já tinha dado instrução durante todo esse período, então eu achei que eu já tinha pago o aeroclube, o curso que eu tinha feito, o tempo em que eu trabalhei como instrutor sem ganhar, falei: "Pai, eles me convidaram para ir para lá”. Eu ganhava 150 alguma coisa, que eu não sei se era cruzeiro à época; e o aeroclube me convidou para me pagar 400, para ir para Belo Horizonte. Já morávamos em Belo Horizonte. Eu ia todo dia com o papai para o aeroclube. Aí, fui voar no aeroclube de Minas Gerais, em Belo Horizonte, fui dar instrução. Depois, era uma escola que estava nascendo, que voava nuns aviões Cessnas, que eram aviões metálicos. A gente voava em avião de tela, que são os “paulistinhas”. Uns seis meses depois, eles me convidam. Estavam abrindo essa escola em Belo Horizonte, me convidaram para dar instrução na escola. E me ofereceram 800 cruzeiros. Dei um salto rapidamente, de 150 para 400, depois para 800, em um ano e pouco.

Nesse meio tempo, papai construiu uma casa onde eles moram até hoje, em São João Batista, perto de Venda Nova, em Belo Horizonte. E, nessa época, quando eu mudei para dar instrução no aeroclube de Belo Horizonte, eu acabei saindo de casa e fui morar sozinho. Em Belo Horizonte mesmo. Primeiro, eu fui morar com um outro aviador, que morava num apartamento. Aí, volta e meia, dividia com uma outra pessoa. A minha mãe ficou muito chateada e pegava muito no pé. E papai não. Papai era do estilo super tranqüilo. Mamãe criava muito caso que eu chegava muito tarde em casa, levantava cedo, voava o dia todo, mas chegava tarde, tal. Aquilo me incomodou muito, eu falei com eles: "Vou morar sozinho." Quando eu fui para essa escola, que era uma escola de Cessna – eles, em seguida, resolveram abrir filial em Uberlândia e eu fui para lá organizar a escola, morei em Uberlândia, depois eles resolveram abrir escola em Uberaba, morei em Uberaba, um tempo. Uberlândia, Uberaba. Eles estavam abrindo filial no Rio, resolveram abrir em São Paulo. Quando eles resolveram abrir em São Paulo, eles me puxaram para São Paulo, para organizar a escola na cidade de São Paulo. Chamava-se Escola Livre de Aviação (ELA). Organizamos a escola no Campo de Marte e era uma escola modelo. O dono da escola era o representante da Cessna no Brasil. Da fábrica. Eles tinham o modelo das escolas americanas, onde as pessoas compravam o curso, que era um estilo um pouco diferente dos aeroclubes. Custava caro. Era vendido só para a classe média alta e a classe alta. Eles cobravam bastante caro. Mas, a pessoa marcava o seu horário de voar, por telefone, e quando chegava lá, a gente deixava o avião prontinho. Chegava, voava, podia voltar para o seu escritório. Geralmente, eram pessoas que tinham empresa, queriam voar e não queriam enfrentar aquela fila que os aeroclubes, na época, tinham. Era escola com hora marcada. Era uma coisa para executivo. Organizamos isso no interior de Minas: Uberaba, Uberlândia. Depois, viemos organizar em São Paulo. Aqui em São Paulo, a escola funcionou até 71. Em 1971, tivemos um acidente complicado. Dois aviões da escola se chocaram em vôo. Já tínhamos um problema enorme com o Ministério da Aeronáutica. O aeroclube de São Paulo, no Campo de Marte, tinha muito apoio do pessoal da Aeronáutica, porque ali você também tinha a parte a militar e a parte civil. E o aeroclube era um estilo aeroclube padrão, antigo, com aviões de tela, os “paulistinhas”, que eram ótimos para dar instrução, mas estava mudando o estilo, com essa escola, com aviões já metálicos, com rádio, com controle, que o aeroclube não segurava. Quando a escola veio e começou a vender curso para o pessoal de renda mais alta, para executivo, nós começamos a sofrer pressão do aeroclube. E os amigos do aeroclube, o pessoal do Ministério da Aeronáutica - eu me lembro muito bem do Coronel Machado, que era o gestor da parte militar do Campo de Marte – literalmente, perseguiram a escola, em favor do aeroclube. O aeroclube começou a fazer investimentos, trazer outros aviões, não da Cessna, mas da Piper. Estabeleceu-se uma competição de tal ordem que o Ministério da Aeronáutica começou a perseguir essa escola, onde eu era o organizador. Nós chegamos a ter, 11 aviões, tínhamos sete ou oito instrutores. Tudo regular, com vendedores de curso. Funcionava bem a escola. Eles apertaram, chegaram a proibir a gente de pousar aqui no Campo de Marte. Uma briga dos militares em favor do aeroclube, contra a escola. A escola começou a ter problema para vender curso, começamos a ter problema financeiro durante esse período. E tivemos a infelicidade de dois aviões se chocarem no ar e dois morreram: uma pessoa, um piloto... O Luizinho, se salvou. Hoje é piloto agrícola, lá no Rio Grande do Sul. Há anos que eu não vejo o Luizinho. Mas os aviões se chocaram e caíram. Dois morreram no avião. E o aluno dele, do Luizinho, morreu também. Eles eram dois pilotos amigos dos dois gaúchos e eles resolveram voar juntos – ele contando, o Luizinho contou, à época – e um avião pegou a asa do outro e cortou metade da asa. Aí, o avião do outro pegou o avião dele. Eles acabaram caindo. Isso criou uma situação muito complicada em volta da escola. E liguei para o Elcio Paiva, que era o dono da escola, e falei: "Elcio, não dá mais. Não dá para continuar a tocar a escola dessa maneira”. Não tinha condição de operar no Campo de Marte, muita perseguição pelos militares.

 

Família

 

 

Eu me casei em São Paulo em 1970. Quando eu estava trabalhando como cooredenador da instrução de pilotagem aqui na ELA (Escola Livre de Aviação) em São Paulo, eu acabei reencontrando uma pessoa que eu tinha namorado quando eu tinha 15 anos, que eu conhecia desde garoto, tinha estudado comigo. Acabei me casando com ela. Ela era viúva, com dois filhos, Adriano e André, e estava morando aqui há algum tempo. Ela tinha dois filhos. Um de três anos, outro de cinco anos. Eu me casei, com 23 anos. Depois, nós tivemos mais dois filhos, o Sérgio e o Ricardo. E um dos filhos dela, que era o Adriano, faleceu anos depois, se envolveu numa confusão e foi assassinado.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Durante o período em que eu estava na escola, eu sempre vim me preparando como piloto. Eu tinha muitas horas de vôo, dava instrução de acrobacia. Tinha tido um acidente aqui. Tive um acidente ali na Zona Norte. O avião parou o motor por falta de combustível. A tampa do combustível ficou aberta e uma parte do combustível deve ter saído. E eu acabei observando isso tarde. Quando eu observei tarde que o avião estava muito leve na acrobacia, eu retornei para São Paulo e o avião parou o motor, eu acabei batendo perto do Campo de Marte. Eu e o aluno. Bati, entrei numa área que estava sendo terraplenada. Eu tive um corte no rosto e na mão. E o aluno teve uma luxação também. E felizmente não tivemos nada. Posteriormente a isso, um ano depois é que houve esse acidente e a gente parou a escola. Mas, como eu estava preparado, vinha fazendo os meus cursos para voar instrumentos, simulador. Eu fazia, investindo, esse mesmo aluno que teve o acidente comigo que é o Humberto Cerruti Filho, ele era um dos acionistas da Transbrasil, e, posteriormente, me ajudou a entrar lá.

Mas, quando a escola fecha, eu conhecia muita gente da Líder Táxi-Aéreo, porque a Líder tinha origem em Belo Horizonte. Tinha muita gente que me conhecia. Quando eles souberam que a escola estava paralisada, eles me procuraram, eu fiz contato com eles, pois estava precisando de emprego. Estava casado, precisava de emprego. Fui admitido na Líder como co-piloto. Morava aqui, em São Paulo, fui baseado em São Paulo. Na Líder, eu tive instrução para sair comandante de Aerocomander, para tirar a minha carteira como piloto, como comandante desses aviões. São aviões bimotores, para oito pessoas, mais ou menos, que era importante no táxi-aéreo. E voei na Líder um ano e pouco. Em seguida, surgiu a oportunidade da Transbrasil porque o Cerruti acabou fazendo contato com eles: "Vai ter vaga para co-piloto na Transbrasil". E eu me inscrevi e fui para a Transbrasil. Isso foi em 71.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Eu entrei no Sindicato dos Aeronautas como associado. Não me lembro se eu entrei quando eu estava na Líder, mas foi, certamente, depois que eu saí da escola de aviação da ELA. Não tinha noção do DIEESE. Porque eu estava muito ligado ao mundo da aviação. Depois que eu saí do setor de aviação aerodesportiva, escola, instrução e vim voar na Líder, é que eu começo a aproximar do movimento sindical. Do movimento mais organizado. Até lá, era escola de aviação. Não tinha para mim um caráter de profissionalização. Eu estava sempre olhando para a aviação comercial, para ser um piloto de carreira, para voar internacional. Piloto está sempre olhando isso. Possibilidade de voar profissionalmente. E voar profissionalmente é voar numa linha aérea... Ele pretende sempre estar voando internacional, voar para o mundo todo. É uma profissão que as pessoas gostam. Porque se você não se adapta, logo no início, você não fica. Você tem exame médico, você tem checks e rechecks, você é testado o tempo todo. E é uma atividade que depende muito da sua atitude também. Você buscar uma visão mais coletiva um pouco mais à frente. Você tem que pilotar, você tem que decidir, você é treinado para tomar decisões, para seguir regras e tomar decisões. E tomar decisões o tempo todo. Porque o avião está voando, não pode dar uma paradinha para ler o manual, para ver como é que faz, você tem que voar e chegar onde você tem que chegar. Isso acaba formando um pouco a mentalidade das pessoas que pilotam. Tem várias atividades em volta do avião, mas o piloto, geralmente, tende a buscar características individuais que consigam fazer com que ele desenvolva a atividade dele, a desenvolver essas características. E é exigido isso dele. Atitude, etc.

Eu venho me aproximar do movimento sindical depois que eu saio desse setor de aerodesportivo, instrução de vôo e começo uma carreira profissional. Já na Líder Táxi-Aéreo, você tinha uma outra relação. Porque dentro da escola, eu era o chefe, eu organizei a escola de São Paulo. Tinha relação direta com o dono da escola. Era uma visão um pouco diferente. Depois que eu fui para o táxi-aéreo, onde eu fiquei um ano e pouco, você enfrenta um outro tipo de relação. Já era uma empresa maior, com muito mais dificuldade de relacionamento entre os funcionários e o esquema da empresa. Já era um esquema mais profissionalizado. Você começa a perceber a necessidade de se aproximar da organização, de ter uma visão um pouco mais coletiva, de como você lidar com isso. Quando eu vou para a Transbrasil, e saio para a Varig. eu venho a descobrir o DIEESE.

Acho que quando entrei no Sindicato Nacional dos Aeronautas, em 80, o sindicato já era filiado ao DIEESE. Já na direção anterior, o sindicato tinha relação com o DIEESE. O sindicato sofreu intervenção do governo militar durante um período, muita gente foi presa. Alguns foram torturados, outros não, mas... Isso pós-governo, durante o período militar. Depois, o sindicato ficou sob intervenção, os interventores é que tocaram o sindicato. O sindicato volta a ter eleição já na década de 70. Duas ou três eleições. Foi quando a gente tinha na presidência um piloto da Vasp, o Hélio Ruben. E a gente ganha a eleição. O Hélio Ruben como presidente.

 

Trajetória Profissional

 

 

Entro para a Transbrasil em 72, 73, como co-piloto. Fiz treinamento para co-piloto voando Dart Herald, que era o avião que existia na época. Depois, voei o Bandeirante. Fui da primeira turma que voou Bandeirante. Bandeirante era um avião fabricado pela Embraer. No início, tinha muito problema. Dava rachadura na cauda. Entrava água na junção... Com a fuselagem. Tinha problema com a velocidade. Tínhamos dificuldade de discutir com a Embraer os problemas do avião. Eles não aceitavam que o avião tivesse problema. O avião tinha um monte de problemas, no início. Depois resolveram tudo e acabou sendo um avião de muito sucesso.

Aí, eu voei o Dart Herald e o Bandeirantes na Transbrasil e saí piloto de linha aérea, porque tinha muitas horas. Quando eu cheguei junto com os outros co-pilotos que entraram comigo, todos tinham um número menor de horas de vôo. Eu era muito voado. Tinha voado desde os 17 anos. Isso me trazia muita hora de vôo e muita experiência. Não de avião maior. Mas a adaptação para o avião maior foi se dando rapidamente. Aí, eu saio piloto de linha aérea, que é uma categoria de piloto que você pode voar em linha aérea, mas, em seguida, antes de sair comandante na Transbrasil, a Varig abriu a oportunidade, em 73, para admitir pilotos de fora, pela primeira vez. A Varig tinha um escolinha que existia anteriormente. Todos os pilotos da Varig vinham da sua escolinha, lá no Rio Grande do Sul. Pegava os jovens e formava piloto privado, piloto comercial, depois trazia para linha como piloto. Mas chegou um momento em que a aviação estava crescendo muito no Brasil, em 72, 73, 74. Foi uma época de um boom muito grande. Eles precisavam de gente com experiência, com a carteira de comandante, que é o piloto de linha aérea, o PLA. Eu tinha amigos, pessoas conhecidas que voavam na Varig. E vieram: "Você, Caetano..." – eles me chamavam de Caetano, na época. Aí, eu entrei para a Varig. Eu vou para a Varig numa turma de 12 ou 13 pessoas que eram vindos de fora, era o que eles chamavam de legião estrangeira na Varig. Porque era todo mundo vindo da academia, escolinhas de pilotos. E a gente era fora. No início, teve muito preconceito, mas todos que entraram eram pessoas muito experientes no vôo. Não eram pilotos na Varig, não tinham tido toda aquela coisa da academia, que foi muito importante à época, mas entramos. Alguns não se deram bem, acabaram saindo, outros permaneceram. Isso foi em 73.

 

Trajetória Sindical
 

A Varig tinha uma associação de pilotos muito forte. Houve muitos problemas de ordem política interna da empresa e isso acabou com a associação que foi a maior associação de pilotos da América Latina. Chegou a ter quase 100, 97, 98% dos pilotos filiados. E poucos eram filiados aos sindicatos.

Entro na Varig e, em seguida, sai o comandante que estava para voar Electra. E eles me promovem a comandante e a instrutor e checador do avião Electra. Mas, aí eu já estava próximo do movimento. E numa chapa de eleição da Associação de Pilotos da Varig, me convidaram para ir para a chapa. E o Airton Franzoni, que era um piloto da Varig bastante antigo, era o presidente da associação de pilotos e eu fazia parte da diretoria dele. Eu era novo na Varig, mas eles estavam me puxando para o movimento. E a gente começou a acompanhar o movimento do Sindicato Nacional do Aeronautas. Quer dizer, eu entro na Varig em 73 e aí sai comandante, voei de 73 a 76, eu voei o Electra, depois em 76, eu fui voar o 737. E voei o 737 durante 10 anos. Até 86. Mas, de 76 até 80, já estava participando não só da associação de pilotos, como do movimento sindical. Ainda como militante. Eu conhecia dessa época muita gente da Transbrasil. Então, tinha todo o debate do movimento sindical geral. Nós estamos falando aí da década de 70, 73, 76, depois 77, 78, foi quando você tem, lá no ABC, o movimento dos metalúrgicos crescendo. E todo o debate sobre democracia interna, sobre formação de partidos, sobre central sindical.

O Sindicato dos Aeronautas tinha uma dificuldade que foi a razão da nossa participação. O Sindicato Nacional dos Aeronautas é de 1946 e sempre foi um sindicato só, nacional. Em 47, entre 46 e 48, houve um movimento para rachar o sindicato. As empresas promoveram um movimento e criou-se um sindicato de pilotos. Na época, uma liderança importante era Mello Bastos que está vivo até. Ele participava inclusive da Confederação Geral dos Trabalhadores, da antiga CGT, lá na década de 40, 50. Esses caras eram os pilotos que eram do sindicato dos aeronautas, que nasceu de uma associação dos pilotos do Rio de Janeiro e virou Sindicato Nacional dos Aeronautas. Aí, eles criam o Sindicato de Pilotos. Depois esse grupo, tinha desde Santana Machado, que era do Partido Comunista; o Paulo de Santana Machado, o Mello Bastos; várias pessoas da antiga, da história do Partido Comunista Brasileiro... Esses caras entram nesse Sindicato de Pilotos, e juntam, de novo, o sindicato, que não se separa mais. Ele continua como Sindicato Nacional dos Aeronautas. Eles sofrem a intervenção. Claro que essas pessoas... O Mello Bastos fugiu do Brasil, depois de um tempo clandestino. Ele e Paulo de Santana. Quer dizer, teve uma história do movimento, do movimento sindical, toda essa história de democracia, discussão sobre reforma de base, a CGT. O sindicato participava da CGT, do comando geral dos trabalhadores, à época. Então, o sindicato dos aeronautas sempre teve essa participação. Quando veio o golpe militar, ele vem e baixa o pau, como baixou o pau em todo mundo. Nesse período de intervenção, o sindicato foi muito subserviente. Ao governo, de modo geral, e aos militares especificamente. Por quê? Porque o Ministério da Aeronáutica sempre comandou a aviação civil brasileira, até recentemente, quando se criou a Agência Nacional de Aviação Civil. Era o Ministério da Aeronáutica e, recentemente, o Comando da Aeronáutica. Então, a relação do movimento sindical na aviação, era, de modo geral, com o governo. Especificamente, com a parte militar do governo, o que trazia duas grandes dificuldades. Quando se discutia liberdade sindical, no movimento sindical da aviação, eram dois problemas: você discutia liberdade sindical e relação com a parte militar do estado. Daí veio a luta que é muito antiga, de desmilitarizar a aviação. A aviação civil num ministério civil. Que surgiu a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Agência de Aviação Civil. O sindicato num determinado período, se torna um sindicato muito passivo.

Nesse período da ditadura, que ele ficou sob intervenção , na década de 70, todo o movimento sindical no Brasil começa a se mexer. Quer dizer, a base da sociedade discutia democratização, redemocratização do país, portanto liberdade. Quer dizer, a ponta de lança de tudo isso foi o ABC, com os metalúrgicos. E no sindicato, claro, nós sofríamos esta influência à época.

A gente estava exatamente nessa época. Então, fizemos uma chapa de oposição à direção do sindicato. Foi interessante porque eu era diretor da Associação de Pilotos, cujo presidente era o Franzoni, que era comandante da Varig. Nós fizemos uma chapa de oposição, onde o Franzoni era o vice-presidente da chapa da situação, que ele era vice-presidente do sindicato à época. Mas, nós éramos uma geração que estava debatendo por dentro do sindicato a democratização interna do sindicato. O sindicato tinha uma visão muito de pilotos. Os comissários e comissárias, que já eram a maioria do sindicato, eram sempre relegados ao segundo plano. A visão do comandante dentro da aeronave, praticamente, se refletia dentro do próprio sindicato. Vinha a discussão com a base – que eram os mecânicos de vôo, que eram em número bem menor – e os comissários e comissárias – que eram um número muito maior – de haver necessidade de democratizar internamente o sindicato, por um lado. Por outro lado, que o sindicato tivesse uma postura de maior liberdade, de independência para fazer o enfrentamento com os patrões, do ponto de vista do movimento sindical, e , na sua face militar, com o governo. O enfrentamento nosso era muito grande. A visão da gestão à época, que era do Hélio Ruben, comandante da Vasp, não era de pelegos. Na época, o movimento sindical vinha derrubando os pelegos. Os tradicionais pelegos: Ari Campista, Joaquinzão. E a gente não podia chamá-los de pelegos porque eles não tinham essa característica. No movimento sindical, principalmente dos aeronautas, as pessoas não saem da atividade profissional para ser diretor do sindicato, elas permanecem na atividade. Até porque você precisa de proficiência técnica. E isso não se faz no gabinete. Você tem que estar voando. Por um lado. Por outro lado, você não tem porta de fábrica na aviação. Você tem que estar voando porque você encontra as pessoas nos hotéis, você encontra as pessoas no DO, que a gente chama, que é o local onde você vai para assinar quando chega e quando sai. O aeronauta chega ao aeroporto, assina sua chegada e vai preparar o seu vôo. Ele volta do aeroporto, assina o retorno dele ou recebe uma diária de saída e vai embora para casa. Ele não trabalha todo dia com a mesma pessoa. Cada hora ele está numa tripulação com outras pessoas. Muitas vezes, você voa com uma pessoa uma vez e vai voar com ela três, quatro meses depois. Nem vê mais a pessoa, está todo mundo rodando para um lado, para o outro. A formação de opinião é complicada. Você precisa estar na atividade para estar com as pessoas, não tem todo mundo chegando e você fazendo discurso na porta de fábrica. Não existe isso. Então, é no movimento. Isso aí facilitou para que o movimento não tivesse o pelego tradicional. Aquele cara que quer ir para o sindicato e fica quieto lá , fica afastado, ganhando pelo sindicato e não voa. Essa não era a nossa prática. Nunca foi.

Era muito difícil isso. Mas a gente fazia, conseguia formar opinião. Distribuía panfletos, boletins nos DOs, as pessoas chegando e saindo muito rapidamente. Então, isso era muito importante no nosso movimento. O que a gente estava querendo? Democratizar o sindicato, fazer o sindicato com maior liberdade para fazer enfrentamento com o governo. Com o governo militar e com as empresas. E trabalhar o sindicato com uma visão menos da cúpula do sindicato e mais da base do sindicato. Trabalhar o sindicato nacionalmente, porque o sindicato era nacional. Você tinha piloto agrícola, você tinha piloto de táxi-aéreo. Você não tinha só aviação comercial, você tinha o piloto de helicóptero, você tinha que trabalhar. Esse era o nosso alvo à época.

O Partido Comunista sempre teve uma presença importante no movimento sindical da aviação. No movimento sindical da aviação, ele estava lá também. O crescimento daquele debate de formação de central, opunha um pouco a visão que a gente vinha trazendo, ainda um pouco desorganizada do ponto de vista da sua estratégia, mas ideologicamente muito semelhante. Nós tínhamos muita proximidade com o pessoal do Partido Comunista e tínhamos oposição a eles quanto à forma. O Partido Comunista, principalmente naquela situação, era muito conciliador. Ele tinha tomado muita porrada nos movimentos anteriores e ficava com medo, principalmente do enfrentamento com os militares. Com a visão dos militares.

 

Conclat
 

Houve aquelas discussões das Conferências das Classes Trabalhadoras para formação de Central. A gente participou de tudo isso, à época. Na Praia Grande. Eles tentaram aproximar da gente, controlar um pouco esse movimento que a gente estava fazendo. O Partido Comunista. Depois viram que não tinha condições, eles começaram a participar um pouco mais junto conosco. Aí, o pessoal que estava no sindicato, tentou fazer uma chapa conjunta com a gente. E nós fomos para discussões etc. Tinha uma oposição ao sindicato que não era a gente. Todos eles nos procuraram. Acabamos reunindo e falando: "Vamos nós, fazer a chapa para o sindicato, sem um e sem o outro. Vamos fazer uma chapa nossa". Começamos a debater, trazer gente de diversos lugares e conseguimos fazer a chapa. Ganhamos a eleição por 16 votos. 16 ou 17 votos. Foi uma eleição muito rachada. Quem estava na situação, nos acusava de comunistas. Nós éramos comunistas, embora a gente tivesse divergência com pessoal do Partido Comunista, mas essa era a pecha que eles colocavam. Nós éramos malucos, comunistas etc. A categoria de um modo geral muito conservadora. Enfrentamos essa discussão.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Nós tivemos muito contato com o pessoal da Oboré. O Serjão da Oboré. É uma editora. A Oboré fazia jornais para o movimento, de um modo geral. Eu fiquei conhecendo o Serjão por causa disso. Nós já conhecíamos o DIEESE. Depois que a gente ganhou a eleição é que viemos participar de algumas coisas com o DIEESE, aproximar mais do DIEESE. Aí é que se criou uma vinculação. DIEESE, DIESAT [Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho], DIAP [Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar].

O DIEESE era muito mais antigo, mas o Departamento de Información Económica y Social y Análisis de Políticas (Dieesap) já vinha sendo criado e a gente participava de tudo. Começamos a participar de tudo. Já usava o DIEESE como referência. É claro, já se usava o índice do DIEESE no movimento, mesmo na época do Hélio Ruben.

 

 

Trajetória Sindical

 

 

Ganhamos a eleição. Isso foi em 80. Ganhamos a primeira eleição em 80. Depois, fomos reeleitos em 83. Eu já saí candidato na primeira, em 80. Eu saí como candidato a presidente da chapa em 80. Depois nós fomos 83, 86, 89, 92. Em 92, a gente muda o estatuto. Mudamos o estatuto do sindicato em dois períodos. Em 92, nós mudamos o estatuto do sindicato, a eleição já foi com o estatuto novo, onde a gente fazia uma plenária, o que é um pleno do sindicato, e a executiva é escolhida pelo pleno, depois de eleito, e ao sistema parlamentarista que vige até hoje. E, se o pleno, se a executiva perde a maioria no pleno, você muda a executiva. O pleno muda a executiva. Então, a executiva tem que manter uma maioria do pleno, senão ela cai e muda o presidente, muda todo mundo. E aí em 92 - eu já estava há quatro mandatos como presidente já estava fora da produção, porque eles me demitiram – eu falei: "Não quero mais ser presidente do sindicato”. Participei da eleição. Discutimos, discutimos politicamente e colocamos o Cirtoli, Nélson Cirtoli. Que era um mecânico de vôo, à época. Aí, um ano e meio, o pleno do sindicato - eu estava já terminando o meu curso de Administração, já pensando em mudar de atividade, porque já estava desde 88 sem voar, já tinha quatro anos, cinco anos - eles me chamaram para organizar e mudar a direção do sindicato. Voltei à presidência do sindicato, por causa do sistema parlamentarista. Voltei à presidência do sindicato em 93. O Cirtoli ficou como presidente do sindicato de 92 até meados de 93, aí eu assumo de novo a presidência do sindicato. Nós temos isso gravado em vídeo, foi um debate principalmente com o pessoal do Partido Comunista, sério. Eu tenho umas oito horas de vídeo gravado da reunião inteirinha, onde a gente, no pleno, mudou a direção. Eu retorno para a presidência do sindicato. Foi um “desgaste” enorme, debate político sério, com pessoas como o Marcos Maravilha, o Lúcio, o Daniel Bonfim, o Paulo de Santana Machado, todos que eram pessoas pesadas do Partido Comunista, na categoria; que se aliaram a esse pessoal que... O Moraesinho, que era uma pessoa também importante. Todos os militantes importantes do ponto de vista político.

Mas aí, já havia um enfrentamento. Nós estávamos num período diferente. Era o Partido Comunista enfrentando os petistas. O PT já existia. A gente não se filiou. Eu venho me filiar ao PT em 88, mais ou menos. Depois fui candidato a Deputado Federal no Rio de Janeiro, em 90. Fiquei numa suplência. Lá em 90. Mas aí havia um outro tipo de debate interno político. Porque na época, o PT nasceu, havia toda uma discussão do pessoal do Partido Comunista que era um, era um partido traidor da classe trabalhadora. Os mais sectários. Outros não. Então, tinha um debate com a gente. A maioria do nosso pessoal era mais próxima do PT, e tinha alguns que eram próximos do Partido Comunista, mas a maioria, em seu conjunto, é uma categoria muito conservadora. E na verdade, nessa discussão, quando a gente faz o sistema parlamentarista, os conservadores, os comunistas se aliaram aos conservadores contra os petistas, dentro do sindicato. Mas nós ganhamos. E eu retorno para a presidência do sindicato, fico um ano e meio, fazemos a outra eleição, na qual não sou candidato. Entrou o Collares como presidente do sindicato. Ficou um período e pede renúncia. A Graziela Baggio assume a presidência do sindicato e permanece no cargo. É hoje a presidente do sindicato. Como a primeira mulher presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Um dos problemas é que você não tinha dirigentes do sindicato comissários ou comissárias. Tinha tido uma experiência, que era uma menina da Vasp. E poucos, poucos comissários na direção do sindicato. E a gente entra colocando metade de comissários e metade pilotos. Na primeira direção nossa, em 80, quando nós disputamos a eleição, o vice-presidente do sindicato, pela primeira vez, era um comissário. Eu era candidato a presidente e o Marson era um comissário da Varig, candidato a vice. Montamos uma chapa para discutir exatamente a democracia interna. E de lá para cá, a gente puxou o movimento para unificar a categoria com maior participação de mulheres. Então, esse era o caldo, da discussão da democracia interna do sindicato e tal.,

 

Centrais Sindicais
 

O sindicato vem se filiar à Central Única dos Trabalhadores (CUT) provavelmente em 1989 ou 90. Foi muito dura a participação. Por quê? Porque a parte conservadora do sindicato e o Partido Comunista, os militantes do Partido Comunista no sindicato, eles eram contra a filiação do sindicato a qualquer central sindical. Queriam que o sindicato permanecesse independente. E isso esgarçou muito a discussão. A gente tentava puxar politicamente a importância de você ter o sindicato filiado a uma central sindical e eles achavam que isso racharia o sindicato. Eles tinham uma discussão que tinha certa racionalidade política. Que a categoria era muito conservadora, que ela iria rachar e tal. Então, o processo de filiação à CUT foi um processo muito duro. Na época, estava nascendo a Força Sindical, e alguns começaram a defender a filiação à Força Sindical. Agora eu estou em dúvida se, quando a gente se filiou, já tinha a Força Sindical. Estou em dúvida, ou era só, era a CGT. CGT, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), estou em dúvida. Mas houve, posteriormente, uma discussão, tem que verificar as datas. Nós fizemos um debate com a categoria, fizemos um plebiscito e filiamos o sindicato à CUT a partir de um plebiscito com a base. Existia a discussão "Vamos filiar via direção” “Filiar via direção não dá!". Fizemos vários debates, no final fizemos plebiscito, depois de vários debates. E filiamos à CUT.

Nós já éramos filiados. Quando nós entramos, a direção anterior já tinha filiação ao DIEESE. E uma outra coisa interessante é que, quando a gente entra em 80, nós tínhamos o sindicato do Rio de Janeiro com uma direção pelega. Trajano, Sílvio Minto etc. O sindicato de São Paulo, com o Godoy que era uma direção pelega. O sindicato de Recife com o Ayrton era uma direção pelega. E o nosso movimento, o movimento que parte dessa discussão nossa no Sindicato dos Aeronautas, a gente passa a apoiar todos os movimentos para a tirada dos pelegos. Conseguimos tirar todo mundo. Nós ganhamos a eleição no Rio de Janeiro, ganhamos a eleição lá em Recife. Ganhamos a eleição aqui em São Paulo, tiramos o Godoy. Nós conseguimos tirar todos os pelegos. E posteriormente o movimento filiou todos os sindicatos à CUT. Todos os sindicatos foram filiados à CUT, setor da aviação. Todos eles. Mais tarde, o sindicato de São Paulo, os Aeroviários de São Paulo, Movimento Sindical dos Aeroviários de São Paulo, perdeu o pé, eu acho, e acabaram trazendo o sindicato para a Força Sindical. Houve um racha entre eles, surgiu o sindicato de Porto Alegre. Um nacional, à época. Isso já logo no início da década de 80. Mas não foi um racha que prejudicou. Foi um sindicato que, ao longo da história, se mostrou muito importante no movimento dos aeroviários. Filiado à CUT, com um movimento de base, dentro da Varig, excepcional, um debate interno muito grande em Porto Alegre etc. Muito bom, o Sindicato dos Aeroviários de Porto Alegre. E, o sindicato de Guarulhos que inicia com uma coisa muito complicada, mas que se transforma num sindicato, também filiado à CUT, importante. Porque o aeroporto, ele acaba surgindo, o aeroporto de Guarulhos e o movimento sindical passa a ter muita importância em Guarulhos. Então, você tem em São Paulo, o sindicato do Estado de São Paulo, que era da CUT, e agora é um sindicato controlado pela Força Sindical. Mas o de Guarulhos é um sindicato filiado à CUT. Você tem, em geral, os sindicatos filiados à CUT, menos o de São Paulo que é filiado à Força.

 

Avaliação/Movimento Sindical

 

 

Os movimentos conjuntos com os aeroviários surgem a partir dessa discussão. Influímos na discussão da base aeroviária para tirar os pelegos existentes e isso possibilitou uma discussão de movimentos conjunto de aeronautas e aeroviários. A gente tinha muita dificuldade de fazer movimento conjunto. Passamos a ter condição de fazer. Porque o Sindicato dos Aeronautas representa os trabalhadores que estão dentro do avião, os que voam. Os Aeroviários representa o pessoal que trabalha em terra. Tinha muita dificuldade numa convenção coletiva, juntar os dois. E, principalmente, juntar ao movimento. Claro que as empresas, que tem o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, o Sindicato Nacional das Empresas de Táxi-Aéreo. Isso foi um racha entre eles, elas se aproveitavam disso. E, em determinados momentos da história, conseguimos juntar todo mundo e fazer movimentos, greves conjuntas. O pessoal de vôo e o pessoal de terra. E dentro do Sindicato dos Aeronautas, a gente sempre lidou com uma diversidade. Nós tínhamos a Associação dos Pilotos da Varig, Associação dos Tripulantes da Vasp - que depois rachou e virou Associação de Pilotos e Associação de Comissários da Vasp -, Associação de Pilotos da Transbrasil, Associação de Comissários da Transbrasil, Associação de Tripulantes da TAM, Associação de Tripulantes da Rio-Sul. Então, várias associações que, em determinado momento, ajudaram o movimento quando as lideranças se juntaram ao movimento sindical e enfraqueceram. Quando as lideranças se afastavam do movimento e tentavam resolver dentro de casa os seus próprios problemas. Lidamos com essa diversidade muito grande.

 

 

Greves

 

 

Mesmo assim, nós fizemos movimentos a partir de 1980, porque tinha que fazer para fazer os enfrentamentos. Claro, que a gente tinha que abrir democracia interna e fazer movimento de massa. Você tinha que trabalhar muito próximo da base, tinha que juntar as pessoas, acabar com a discriminação interna, não refletir dentro do avião para fora do movimento. Isso criou condições de fazermos operações-padrão, que já existiam no momento anterior, mas um pouco mais evoluídas. Greve em 85, que foi a primeira greve do período moderno, pós-64, foi a greve de 85. Foi muito importante para o movimento, a Greve dos Aeronautas de 85. Depois os aeroviários começaram a fazer suas greves também. Greve, primeira greve de pilotos de helicóptero. Parou Macaé, parou toda a operação na base da off-shore. Vários movimentos conjuntos foram feitos a partir daí. Em 88, tivemos uma greve importante. Paramos no Carnaval, os quatro dias do Carnaval. Foi um transtorno do ponto de vista do transporte, gente com hotéis no Nordeste do Brasil e a aviação ficou parada os quatro dias de Carnaval. Isso, claro, criou uma ira contra a gente, juntou, os militares que representavam o governo, Rede Globo, tudo contra o movimento. É claro, a gente segurou a greve os quatro dias.

Era convenção coletiva. Era o debate. Nós fizemos uma greve em 87, final de 87, e depois Carnaval de 88 que as empresas não queriam cumprir a negociação. No final, a gente sabia qual o dia mais vulnerável. Era exatamente o Carnaval. Porque a idéia não era fazer a greve pela greve. A ameaça de greve, a possibilidade de greve era você forçar uma negociação. As empresas não acreditavam na greve em 88. Aliás, em 85 eles foram surpreendidos, foi a primeira greve nesse período que nós fizemos. Eles foram muito surpreendidos, porque eles não acreditavam que a aviação pudesse parar. Foi interessante que quando a gente entrou no sindicato, a palavra: "companheiro" não podia ser dita. Greve, então! Falar em greve em 80, era uma loucura. Você não podia falar em greve. As pessoas reagiam contra. Até você conseguir ganhar a confiança da categoria para começar a discutir a estratégia do movimento de massa, levou tempo. Com isso, a Varig rompeu o acordo com os pilotos, nós conseguimos, fazendo reuniões na casa das pessoas, em churrascos, conversando etc. Nós conseguimos fazer passeatas de mulheres de pilotos, passeatas de pilotos uniformizados em aeroportos, que os caras nem imaginavam que era possível fazer. Conseguimos que o movimento surgisse. Discutindo tudo com o movimento. Coisas que eram inusitadas, você botar os caras uniformizados dentro do aeroporto, com faixa, isso era impensável em 1980. O mais interessante é que as assembléias dos Aeronautas nunca foram muito grandes. Quando a assembléia é grande, você tem cento e poucas pessoas em São Paulo. Cento e poucas pessoas, duzentas pessoas em São Paulo, duzentas pessoas no Rio, no máximo. Você decidir uma greve e parar a aviação, não é simples. Porque você não consegue parar o cara lá. O cara está voando. O cara se apresenta no aeroporto e vai voar. Você tem que ter opinião formada. Sabíamos que havia condições de fazer a greve, porque estava na cabeça das pessoas. Todo mundo dizia: "Tem que parar. Tem que parar. Tem que parar". Essa greve em 85, foi muito importante para dar confiança para a categoria, na sua capacidade de parar a atividade econômica. Que a gente debatia muito isso. O direito do trabalhador se recusar ao trabalho em virtude de não aceitar as condições de seu contrato. E aí, a gente discutia uma outra questão que era diferença do contrato individual para o contrato coletivo. A importância de você ter o contrato coletivo de trabalho, portanto uma convenção coletiva. Você buscar condições de trabalho melhor para a categoria. Mas, isso era novo. Em paralelo, discutíamos com o Ministério da Aeronáutica - não era com o Ministério do Trabalho. Você enfrenta uma visão militar com todas as características militares, independente da posição ideológica. Se for um país socialista, ou comunista, ou capitalista, é uma visão militar. Ela tem uma característica em si própria. Claro que a questão ideológica da sociedade influi muito. Mas existe uma coisa de hierarquia, de obediência, que forma a visão militarizada. E durante esse período, claro que os militares se alinhavam às empresas contra os trabalhadores. Eles eram o braço militar do Estado lidando com uma relação de trabalho.

 

Assessoria/Negociação
 

Queríamos o seguinte: a nossa relação não tem a ver com os militares, a nossa relação é relação de trabalho. Portanto, nós temos que ter uma liberdade sindical, sim! E sair do controle dos militares. Com isso, a discussão sobre segurança de vôo, segurança do trabalho, toda discussão que o DIESAT veio trazer depois, que foi muito importante para gente, para fazer análises sobre as condições de trabalho da mulher aeronauta, do piloto etc, muito importante para gente. As nossas convenções coletivas... A estratégia foi muito diferenciada. Nós tínhamos, quando entramos no sindicato, em 80, uma convenção coletiva que tinha seis ou sete itens. Três itens econômicos e uns três ou quatro itens sociais. Nós procuramos o DIEESE. Conversamos isso com o Barelli, porque que queríamos preparar o nosso grupo para fazer discussão com convenção coletiva etc. O próprio Barelli discutiu comigo e com o pessoal da diretoria e nos orientou para ter um treinamento de negociação, conversa sobre negociação. Porque nós entramos de cara, ganhamos a eleição, que era outubro e novembro, tínhamos que discutir a convenção coletiva, que a data-base é primeiro de dezembro. Ganhamos a eleição, tinha a primeira convenção coletiva para discutir. Viemos direto ao DIEESE: "E aí, como a gente organiza? E a pauta? Como é que faz ?" A gente estava participando do movimento, sabia do conjunto. Mas, ali, nós é que tínhamos que negociar. E a gente ganha a eleição com a pecha de comunistas.

Nós tivemos uma discussão no DIEESE com o Barelli. Ele certamente trouxe outras pessoas, provavelmente tenha sido Dirceuzinho ou o próprio Sérgio. Ele sugeriu e organizou que a gente fosse ao Sindicato dos Bancários, conversar com o Gushiken sobre negociação coletiva, formação de pauta que era o primeiro embate. Ao longo do tempo, a gente foi formando. Porque a negociação é muito interessante. A compreensão do movimento, do processo da negociação, e da categoria também é fundamental. Ao longo do tempo, você vai discutindo, vai tendo a experiência, vai buscando a experiência. E aí, o DIEESE é muito importante, nessa experiência de negociação. Não só o índice, mas a negociação em si. A negociação do ponto de vista completo.

Você tem várias fases da negociação. O momento da negociação é a mesa. Mas a negociação se dá com a cabeça das pessoas. Porque a lógica – e aí a gente foi aprendendo ao longo do tempo – é que a pauta é formada a partir da realidade, da necessidade. A pauta se forma a partir da realidade. Toda a vez que você forma uma pauta de negociação que não tenha aderência com a realidade, você não consegue a adesão da categoria, não consegue fazer a negociação. Isso é fundamental. Você aprende com a prática. Porque você, às vezes, chega ao movimento e tem idéia: "Não, acho que tem que ter isso tem que ter aquilo". E toda a assembléia, evidentemente, é legítima por si só, do ponto de vista formal. Mas do ponto de vista do conjunto da categoria, é preciso que ela reflita o que a categoria está querendo mesmo. Se ela não refletir, ela é formalmente correta, importante ou legítima mas não tem aderência da categoria.

A primeira coisa da negociação é você entender essa realidade. Formar uma pauta a partir da necessidade da categoria. Em seguida, você tem que analisar o cenário da negociação. O cenário inteiro. O cenário são as condições da categoria, atuais, como você pode movimentar a categoria para atingir um nível de conhecimento da pauta, adesão da pauta e ela se sentir dona daquela pauta. Individualmente e como categoria. Aí, você tem o outro lado. Você vai buscar as condições do outro lado, analisar a sua situação de força, do ponto de vista dessa correlação. Aí, governo, movimento, economia geral, situação das empresas, tudo faz parte, uma negociação tem várias fases. Uma delas é o próprio movimento, são as manifestações para criar essa adesão e criar a coesão interna da categoria. Porque a categoria sem coesão interna dificilmente se movimenta. E preparar um grupo para negociação de mesa com toda a sua estratégia e estar sempre equilibrando isso com a realidade da categoria. No final, o cenário completo da negociação se dá entre, se você quiser resumir, as empresas e o movimento tentam ganhar a cabeça da categoria, das pessoas. Quem consegue ganhar a cabeça das pessoas. Um dizendo: "Isso pode". Outro dizendo: "Isso não pode". "Isso dá". Outro dizendo: "Isso não dá". As empresas fizeram isso. Porque à medida que a gente começou a avançar na convenção coletiva, eles começaram a aprender a dialogar com a categoria. Aí, as empresas passavam a fazer boletins.

Alguns anos depois já estavam fazendo boletins com a nossa linguagem. Chamando de companheiros. Disputando essa proximidade com a categoria. Dizendo: "Não dá isso. Estão radicalizando, não é possível assim. A empresa pode fazer isso, não pode fazer aquilo.” Então, a categoria se torna frágil em relação à sua pauta de reivindicação. E aí, você perde a negociação. Não há solução em mesa de negociação. É o conjunto. A mesa de negociação tem que ter: você adquirir um nível de competência na forma de você lidar com a negociação. E você não faz isso sozinho. Porque você precisa de suporte.

Por exemplo, suporte do DIEESE, não só do ponto de vista da compreensão da negociação como análise de número, da estratégia, e o DIEESE tinha essa competência instalada dentro dele, trazida pela própria ação do movimento. Eu acho que isso ajudava muito e nos ajudou muito durante o movimento. Você tem outra parte que é a parte jurídica, precisa de um suporte jurídico. Você tem um nível de discussão jurídica. Você pode resumir em mobilização da categoria, que não se faz sob coisas abstratas, se faz em cima de coisas concretas. Que é essa coisa de você ter a categoria com adesão à sua pauta, ela sendo uma pauta legítima. Esse é o conjunto que forma o cenário de uma negociação. Se você tem isso de forma legítima. Primeiro, de forma independente. Se você não tem um movimento com lideranças que não tenham legitimidade com a base, ou que sejam pelegas, ou que têm pautas ocultas, que discutem com a empresa outras pautas do ponto de vista individual, ou do seu agrupamento político, ou de seu. Você tem uma negociação mais limpa. Isso não é fácil de fazer. Isso é uma coisa que você vai com o movimento . A gente começa o movimento lá atrás. O ano de 85 foi importante.

 

 

Greves
 

A greve é importante porque é o exercício político da categoria. Depois, em 86, a greve dos comissários da Vasp. Parou a Vasp por 20 dias. Pela primeira vez, fizeram uma greve só de comissários. A greve dos pilotos, em Macaé, foi uma greve nacional dos pilotos, só de helicóptero. O que era impensável, os pilotos só de helicóptero fazerem uma greve. A gente conseguiu em cima da mesma estratégia que é a estratégia de você discutir. A gente discutia muito claramente com a categoria o quê a gente achava que era possível com todas as informações e para a categoria ter confiança. Tem uma coisa sobre a greve que é muito interessante. Aliás, duas coisas. Primeiro era a formação da greve. Já há algum tempo, eu li uma comparação do dilema de um prisioneiro com a confiabilidade entre as pessoas na greve. Porque tanto quanto o dilema de prisioneiro, o grevista vive um dilema de prisioneiro. Porque é ele e a massa. Ele sempre acredita que é capaz de fazer a greve. Mas ele fica com medo: "Mas, será que o outro vai fazer a greve?” E esse outro é o conjunto. "Eu não vou fazer a greve sozinho. Será que o outro vai fazer a greve?" E se você consegue, exatamente, fazer um fluxo de informação para reduzir essa diferença de opinião, portanto você quebrar o que se chamaria classicamente de dilema de prisioneiro. Porque você não tem confiabilidade ou não sabe exatamente o que o outro vai fazer. Quando você consegue romper essa dinâmica do dilema do prisioneiro, você cria a confiança de grupo. Confiança de massa. Aí, você faz o movimento, qualquer movimento. Tem uma parte muito racional e tem uma parte que você vai quebrar o dilema de prisioneiro, no emocional. Mas, essa confiança criada, logo depois da greve, estabelecida a greve, surge um outro cenário. Porque você parou de trabalhar. Segundo, você cria um ambiente de que vai gerando confiabilidade, reduzindo essa coisa, essa lógica do dilema do prisioneiro. As pessoas confiam: "Eu vou parar e todos vão parar. Eu tenho certeza que todos vão parar". E aí, você tem a greve estabelecida. Em seguida, as pessoas não ficam na greve num lugar junto, elas estão nas suas casas. Aí, existem as conversas dentro de casa. E os medos começam a aparecer. Você tem um outro tipo de dinâmica na cabeça das pessoas. Elas precisam de elementos para que aquela confiança permaneça. Elas são bombardeadas. Não só internamente, em casa, pelos seus medos legítimos, de perder o emprego etc, como elas são bombardeadas pela sociedade, pela empresa. O grevista vive uma situação muito complicada. Muita pressão.

Nós tivemos essa experiência muito clara na época da greve dos comissários da Vasp. A gente começou a pensar, porque discutiu o comando da greve essa lógica, o que faz uma greve acabar. Depois que você construiu a greve, que construiu confiabilidade, a pauta é legítima, as pessoas têm adesão, sabem que tem possibilidade, acabou a dúvida do dilema do prisioneiro, confia no grupo e você foi à greve. Depois você tem a possibilidade de enfraquecimento. Como você mantém isso? Tivemos uma experiência muito interessante porque começamos a fazer reuniões e assembléia com as famílias dos grevistas. Chamávamos e eles traziam pai, mãe, namorado, noivo, marido, mulher, para conversar sobre o movimento. Fizemos várias. Para eles entenderem porque a categoria estava em greve, que aquele movimento era legítimo e tudo. Isso foi muito importante, de tal ordem que nós tivemos uma dificuldade muito grande para terminar a greve, depois.

As pessoas não queriam porque a Vasp... Na época, era o governo Montoro, em São Paulo, e a gente tinha o Plano Cruzado. O governo não queria negociar. Ulisses Guimarães era vivo. A Graziela, que é a atual presidente do sindicato, era presidente da Associação de Comissários, que já havia tido racha na Associação dos Tripulantes da Vasp. Então, eram o sindicato e a associação no comando da greve. E aí, ela chegou, a gente a colocou num vôo da Transbrasil, sentada do lado do Ulysses Guimarães e a mulher dele. Nós pegamos uma ida do Ulisses, foi tudo organizado. Pum! Quando ele viu, estava sentado do lado dela. E ela foi para Brasília conversando com ele. Depois, ele entrou em contato com a gente e disse: "O governo não vai negociar. Não tem jeito. Tem uma percepção por dentro do governo, junto com os militares, de que isso não pode. Tem que quebrar a greve de qualquer maneira. Se a Vasp negociar, isso vai se espalhar por todo o movimento dos funcionários públicos e acaba o Plano Cruzado. Então, não vejo possibilidade de negociação." Quando chegou a esse a limite... Vínhamos de quase 20 dias de greve. A greve era só dos comissários, portanto começou a enfrentar a oposição da Associação da Pilotos da Vasp, que achavam que os comissários iam quebrar a empresa, mantendo-a parada. No início, a Associação de Pilotos apoiou, mas achou que a greve ia demorar pouco tempo. Quando passaram dois dias, três, quatro dias, lá pelo quinto dia de greve, a Associação de Pilotos da Vasp me chamou. Eu era presidente do sindicato. Não tinha sido demitido ainda, porque essa greve foi em 86, eu fui demitido na greve de 88. Eles me chamaram para uma reunião e queriam que eu acabasse a greve, me acusando de que eu era piloto da Varig e que eu tinha interesse em que a Vasp quebrasse. Falei: "A greve não é minha. A greve é dos comissários. Vai para a assembléia dos comissários”. Tinha assembléia todo dia. "Vai para a assembléia dos comissários e propõe que parem a greve. Vocês são da Vasp, são pilotos, vão lá e propõem que pare a greve. A greve tem uma dinâmica, tem um comando. Vocês vão lá e propõem que a greve pare”. Eles queriam de qualquer maneira. Depois soltaram o boato de que eu estava ganhando não sei quantos mil dólares por mês para manter a Vasp parada. Essas bobagens que saem no movimento sindical. Mas, de qualquer maneira, a Vasp começou a demitir. O Angarita é que era o presidente da Vasp - professor da Fundação Getúlio Vargas, do grupo do PSDB, do grupo político do Montoro – começou a demitir e as pessoas não se importavam com a demissão. E o grupo fechado: "É o seguinte: enquanto tiver demitido, a gente não volta a trabalhar”. Chegou um ponto que toda a análise do comando da greve, quando o Ulysses falou que não iriam negociar e quando a situação ficou mais complicada, achamos que eles deveriam voltar ao trabalho, depois de 20 dias, porque o desgaste era muito grande. Tínhamos concluído isso com 15 dias de greve. Nunca tínhamos feito uma greve tão longa. Com reuniões com família. Levamos uns cinco dias para terminar a greve, discutindo com o grupo, discutindo racionalmente, analisando os riscos. Foi uma experiência fantástica. Depois, em 87, a gente fez uma outra greve. No final do ano de 87, início do ano de 88. No Carnaval, fizemos a greve de 88, que parou as empresas por quatro dias. Eu fui demitido, um monte de gente foi demitida. Depois, nós conseguimos readmitir quase todo mundo, fomos para a Constituinte, em 88, ajudamos na discussão sobre anistia. Em 88, tínhamos três pautas. Nós tínhamos uma pauta do movimento sindical, de um modo geral. O sindicato estava ligado a todo movimento, portanto a pauta dos trabalhadores, para defender os direitos dos trabalhadores, em 88. Independente disso, nós tínhamos uma proposta do “pássaro civil”. Aviação civil, ministério civil, chamava-se o “pássaro civil”, que era defender a desvinculação da aviação civil do Ministério da Aeronáutica. Quase levamos. Fizemos uma campanha dentro do Congresso, os sindicatos dos aeronautas mais aeroviários. Nós tínhamos uma outra pauta sobre a defesa, contra a comercialização do sangue no Brasil.

 

 

Família

 

 

Eu me separei da Áurea e fui viver com a Ana Maria que era uma comissária da Varig. Nós tivemos dois filhos, a Luisa e o José. A Ana Maria era presidente da Associação de Comissários da Varig. O José nasceu prematuro. Fez várias transfusões de sangue depois que nasceu. E o José acabou morrendo de AIDS. Em 88, o José morreu. Morreu logo depois da greve de 88. Morreu uns quatro meses depois da greve. Foi uma coisa muito complicada para a gente, porque o movimento era muito duro, estávamos numa discussão muito grande. A Ana participando, eu também. A gente acabou descobrindo que o José começou a ter infecções, teve um problema neurológico, ele estava quase andando, passou a uma regressão neurológica pesada. Descobrimos que era possível que fosse o HIV. Nós estávamos em 88, se conhecia muito pouco sobre AIDS, principalmente em criança. O pessoal da categoria reuniu um dinheiro, cotizaram, porque a gente não tinha dinheiro na época, e nós conseguimos levar o José para o Hospital da Criança, em Los Angeles. Lá, eles confirmaram o diagnóstico. Ele passou uma semana no Hospital da Criança, depois voltou. Eles liberaram o AZT nos Estados Unidos. Mandaram para a gente começamos a aplicar o AZT nele aqui. Mas, ele tinha problema de sangue. Numa das crises, ele não foi atendido no hospital, no Rio de Janeiro. O médico não quis atendê-lo e ele morreu por falta de atendimento. Isso foi em 88 e trouxe uma discussão muito grande na categoria porque, evidente, éramos conhecidos. Tanto eu como a Ana, porque éramos do movimento. E alguns meses após a morte do José nós separamos. Posteriormente, após 1990, vivi aproximadamente 12 anos com Marina, que era comissária e ja tinha como filho o Rafael. Nesse período de convivência nós tivemos o Denis que é o meu mais novo e último filho.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Fui morar no Rio em 83, onde fiquei até 91, mais ou menos. Lá, eu participei da direção do DIEESE. Depois vim para o DIEESE nacional. Participei da direção nacional por vários mandatos, indicado pelo Sindicato dos Aeronautas e eleito na plenária do DIEESE. Fui também presidente do DIEESE. Tinha uma época em que a gente decidiu, aqui numa plenária no final da década de 80, o revezamento entre os presidentes. Por centrais. Aí, uma vez era um presidente da CUT, outro da Força.

 

 

Importância do Dieese

 

 

Na verdade, a história do DIEESE mostra a importância da compreensão do que se chama ser “dieesiano”. Da compreensão do que é isso. Eu acho que isso foi uma grande competência do movimento sindical, conseguir essa forma de convivência na instituição. No departamento. Acho que desde a sua origem, teve clareza de que se tinha que ter um instituto que era um departamento para análise técnico-política, sem dúvida. Mas, do ponto de vista do seu controle, é o controle político do interesse do trabalhador. E do ponto de vista técnico, o seu afastamento das razões que compõem, de certa forma, que poderiam compor um determinado interesse de grupo, dentro do DIEESE.

Com isso, você conseguiu que o DIEESE tivesse, em nível público, um reconhecimento muito grande. A tal ponto que eu digo: o povo mesmo as instituições brasileiras, não têm essa compreensão de que o DIEESE pertence, do ponto de vista do seu controle, ao movimento dos trabalhadores.

O reconhecimento do DIEESE se dá pela competência. Essa capacidade de ser plural. Esse é o reconhecimento do DIEESE ao longo do tempo. Perdeu o valor para a análise, o fato de ele ser controlado ou não pelo conjunto da classe trabalhadora. Isso não é o importante. O importante é que é esse departamento consegue, na sua análise, ter isenção suficiente para ser reconhecido pela sociedade civil. Não só o governo, como patrões. A sociedade civil de um modo geral. Eu acho que isso é de uma competência impressionante. Eu durante esse tempo que estive aqui no DIEESE, lidava com isso o tempo todo. Houve momentos de muita tensão entre a direção política e o corpo técnico do DIEESE. Isso não se faz sob tensão. Existiam divergências, tensões, até porque esse equilíbrio é feito a partir da experiência prática. Existem tensões em determinados momentos. Nós passamos por várias. A própria saída do Barelli é parte de uma dessas tensões muito grande.

 

Técnico X Sindicalista

 

 

Havia um debate, quando o Barelli voltou para a academia, um debate muito grande. Porque quando você aparece publicamente num instituto, se ele aparece numa figura que ganha muita projeção, é natural que isso gere uma discussão a respeito de que projeção é essa. Quando ela está espraiada numa instituição, essa competição que acaba sendo natural do comportamento político do ser humano, ela fica mais retida. Quando é uma instituição, ganha força. E essa força, essa notoriedade é transferida para uma personalidade. Você gera, naturalmente, o debate. De quem vai catalisar isso, quem está catalisando e que direção que está catalisando. Personaliza-se. Eu acho que o Barelli teve uma importância fundamental para o DIEESE. Durante o período que nós participamos. Pelo estilo dele, pelo comportamento, pela projeção, pela forma como ele atuou, ganhou notoriedade. E ao ganhar notoriedade, naturalmente começa-se a: "Quem é que representa o DIEESE? Afinal quem é que tem influencia?" Apesar de o Barelli ser uma pessoa extremamente cuidadosa do ponto de vista das suas relações, do seu envolvimento. Sei disso porque lidei com ele aqui o tempo todo e sei que é assim. E ele busca a isenção. É claro que você não pode esperar que as pessoas sejam isentas o tempo todo. Isso é uma busca. Você busca uma isenção. Mas, acho que isso é que é importante. Que você busca o equilíbrio, a isenção. Nem sempre é possível. Em determinados momentos, algumas figuras do movimento sindical se aproximam do DIEESE. Principalmente num momento onde você tem uma notoriedade, transferida da instituição, uma parte dela, para uma determinada figura, você gera um embate de comportamento político das pessoas. Isso ocorreu na época do Barelli. Eu acho que isso tem que ser reconhecido. E isso causa um desgaste.

Eu fiquei muito tempo aqui, então, em determinado período, a gente teve uma tensão muito grande. E houve uma negociação... Sempre, no DIEESE, se estabelece uma negociação quando há essa tensão. Independente das forças políticas, que equilibram no movimento sindical. Que as centrais têm embates muito grandes na sua base e na sua fala com a sociedade, no seu diálogo com a sociedade, porque existem diferenças ideológicas, é natural. Mas, dentro do DIEESE há uma busca de você não transferir isso para a luta política, que resulta em busca de espaços. Para isso acontecer, você tem que trazer o capital que o DIEESE forma com a sociedade para dentro do departamento. Quando isso se transfere para uma figura, você começa a ter problemas. Então, esse equilíbrio é fundamental. E é essa prática que teve no DIEESE. Eu acho que num determinado momento, no caso do Barelli, nós tivemos uma tensão muito grande. E que acabou se juntando ao fato que o Barelli já tinha um tempo aqui, o suficiente para ele achar que havia se esgotado o período dele, que ele precisava mexer um pouco nisso. Acho que ele foi um dos grandes responsáveis por esta solução. Ele mesmo tinha essa concepção. Teve uma ressaca. Não do ponto de vista concreto do DIEESE. Quem substituiu o Barelli foi o Sérgio Mendonça. O Sérgio era uma pessoa do DIEESE há muitos anos. Então, fora a figura do Barelli, que era uma figura que saltou em virtude do embate com a sociedade, que construiu e ajudou a construir até com a sua personalidade esse diálogo com o movimento e diálogo com a sociedade. Mas que num determinado momento isso extrapolou para a figura dele. E aí, este equilíbrio começou a ficar em jogo. Eu me lembro de um debate muito duro, interno, do DIEESE: quem manda no DIEESE? Porque no final, era isso. É o movimento sindical ou são os técnicos? Quem fala pelo DIEESE? É o movimento sindical. Esse diálogo teve um momento de tensão muito grande, que é natural, são as contradições. É isso mesmo. Tudo às mil maravilhas. Não, não, é a construção concreta de como é que as coisas funcionam. E isso fez com que o próprio Barelli chegasse à conclusão que aquilo tinha ultrapassado certo limite. E a saída do Barelli, re-equilibrou de novo essa tensão. Ela tinha perdido um pouco o equilíbrio e ela equilibrou de novo. Ele e o Sérgio são evidentemente pessoas bastante diferentes, mas com muita percepção. Ele também é uma pessoa muito cuidadosa no seu trato, e muita competência no seu relacionamento. Existiu uma polarização pelo lado do movimento sindical, muito centrada na figura do Vaccari, que era um dirigente do Sindicato dos Bancários, então tinha tensão muito grande entre o Barelli e o Vaccari. Eu participei dessa discussão. Era muito difícil achar uma solução que equilibrasse. Eu sempre, participei do grupo que defendia a importância de você estabelecer o equilíbrio, porque o sucesso do DIEESE, vinha desse equilíbrio. Portanto, era importante ser mantido. A fala para fora é a fala técnica; a fala política, determina os rumos do DIEESE. Mas, quem fala para fora é a fala técnica, que é a fala que criou a legitimidade do diálogo com a sociedade. Não é a fala política. Porque a fala política vai trazer um viés que não vai ser aceito do ponto de vista da discussão política. E isso você consegue na fala técnica reduzir. Evidentemente, que não é apolítica, ela vem de uma discussão de rumos, mas essa fala tem que ficar por dentro do movimento. A fala para fora tem que ser a fala técnica, porque é onde você tem a legitimidade do instituto. Quando você quebra esse equilíbrio, começa a misturar uma coisa com a outra, você tem que achar uma forma de eliminar isso.

 

 

Educação/Formação Sindical

 

 

Eu me lembro que a gente fez opção muito grande sobre os programas de qualidade total, agenda das novas formas de gestão. O DIEESE tinha uma agenda anterior que era agenda das novas tecnologias. Depois, o Paulo Paixão teve a oportunidade de ir numa viagem ao Japão, numa agenda levada pelo DIEESE, para olhar os programas de qualidade total do Japão. Depois, eu também fui, e quando voltei consegui dialogar um pouco aqui dentro. Discutíamos que talvez fosse importante o movimento sindical entender um pouco mais isso. Isso tem um poder muito grande. Então, acabei ajudando muito nessa discussão, de formação dessa nova agenda do movimento, que é: chama as centrais, vamos conversar, percebam isso. Se a gente colocar gente para aprender o que é isso, para julgar na base, criar uma outra forma de dialogar para as convenções coletivas, olhando para a lógica da estratégia da qualidade total dentro das empresas, que está afastando o movimento de dentro das empresas. Porque ela cria formas de cooptação das pessoas internamente na empresa. Não adianta ficar batendo como os movimentos de quebrar máquinas. Então, nós tínhamos que entender o movimento de qualidade total e fazer uma agenda de negociação em cima desse movimento. Isso impregnou um pouco a discussão do DIEESE. E com isso, a discussão das centrais sindicais e se conseguiu fazer uma agenda que foi o programa de capacitação de movimento sindical e dos gestores. Que foi uma agenda criada a partir de uma discussão que veio por dentro do DIEESE, que alertou o movimento, que o movimento percebeu a agenda, que apostou na possibilidade da agenda. E isso teve uma importância.

 

Importância do Dieese

 

 

O DIEESE tem uma prática muito interessante de discutir a agenda. A agenda do DIEESE está colada na agenda do movimento. Como uma referência muito grande, a agenda do movimento social, de um modo geral. Mas, com uma referência estratégica no movimento sindical que é o seu pilar fundamental. Quando o movimento não consegue estabelecer uma agenda, o DIEESE também não tem agenda. Quando o movimento diverge da sua agenda, o DIEESE fica perdido na sua agenda. Então, a construção da agenda do DIEESE depende disso. Porque como o DIEESE tem coisas muito básicas que ele faz - e faz com muita competência -, ele vai buscando a sua agenda a partir do movimento. Agora, o DIEESE não faz isso de forma passiva. O DIEESE é muito ativo nisso. Porque como ele está colado no movimento sindical, ele interfere, ele dialoga o tempo todo. O corpo técnico, dos funcionários, com o próprio movimento. Porque ele está na base da sociedade, ele está no movimento. A construção da agenda do DIEESE tem uma referência, esse pilar dela é o movimento sindical. Perde-se o pé nisso, perde a agenda o DIEESE também. Não é uma coisa estanque, que o DIEESE é passivo aqui, aguardando que o movimento crie a sua própria agenda e ele é só receptivo. Não. Ele dialoga com eles. Mas, não tem como ele impor uma agenda ao movimento. Embora ele já tenha feito o movimento de sacar muitas agendas importantes. Porque ele é um observador de um outro ponto de vista. Ele é um observador do ponto de vista dos funcionários, corpo técnico. Ele é um observador que está próximo e está distante em determinadas situações. Ele pode enxergar com uma visão um pouco diferente do movimento em si, que está no front da discussão. Ao mesmo tempo apontar: “Dá uma olhada para cá. Perceba isso. Olha como isso aqui está ocorrendo lá”. E a partir daí, ele ser o incentivador ou a ponta que vai dizer: “Presta atenção, que isso pode indicar uma determinada direção”. A forma de construção da agenda é dinâmica. Em determinados períodos, como por exemplo esse período que nós estamos vivendo, 2006, eleição para a presidência da República, eleições gerais. O Lula tem origem no movimento sindical, mas ao mesmo tempo, tem a Força Sindical que apóia o Alckmin. Este é um momento de muita complicação para você formar uma agenda conjunta para um departamento como o DIEESE. Não é fácil, porque as pessoas estão polarizadas numa determinada direção. É um desafio muito grande. Talvez a gente vá perdendo velocidade nesse período. Do ponto de vista de suas estratégias. Como você tem novas agendas, de sustentabilidade, por exemplo, como do ponto de vista do ambiente do trabalho, do meio ambiente,– que é uma agenda antiga – do trabalho da mulher, do trabalho. Toda essa agenda já é uma agenda bastante antiga, mas que ela vem se mexendo. Eu acho que a questão das desigualdades do movimento sindical precisa estar mais no DIEESE Existe essa discussão sobre sustentabilidade, muito interessante, porque tem um grupo que está discutindo isso em nível internacional e tudo, nível global. A FGV tem uma discussão muito importante, inclusive o discurso de sustentabilidade. Mas discurso de sustentabilidade do ponto de vista econômico, social e ambiental, com um tripé. Que chama de Three Bottom Line que é o tripé da sustentabilidade. Que é a sustentabilidade social, a econômica e a sustentabilidade ambiental. Como essa é uma agenda geral do conjunto da sociedade, o DIEESE, respira com agenda também. Portanto, ele se movimenta com ela também. Mas ele faz isso em cima da estratégia do movimento.

 

 

Crises

 

 

O DIEESE é muito importante para o movimento sindical, ele é fundamental. Ao mesmo tempo, o movimento sindical parece que acha que o DIEESE sobrevive sozinho. Então, se você fala em sustentação desse departamento. Você vê muita fragilidade na percepção do movimento. Os anos em que eu passei aqui vi que as crises do DIEESE são cíclicas, mas elas vêm. Elas sempre aparecem. A crise, crise, crise. E a percepção do corpo funcional do DIEESE, em todos os níveis. Desde as pessoas que trabalham com as atividades mais simples, até as pessoas de um nível técnico mais elaborado. Ela é muito importante. Essa é uma percepção de uma profundidade, do ponto de vista ideológico. Porque é isso que sustenta. Que é a visão de mundo. E isso tem mantido o DIEESE. Porque o movimento, ele não dá ao DIEESE a prioridade, que deveria dar. Pela importância que ele não sabe que o DIEESE tem. É uma contradição, é uma coisa interessante. E o DIEESE só consegue sustentar porque ele tem em si mesmo uma cultura ideológica muito firme para se manter. Se não ele já teria ruído. Que não foi construída só pelo movimento. Foi construída internamente. Isso é muito importante.

 

 

Futuro do Dieese

 

 

A percepção é que se um dia o movimento sindical disser assim: "Bom, eu não quero o DIEESE”. Ele não tem como acabar com o DIEESE, na minha percepção. Porque o DIEESE vai conseguir ter vida própria. É verdade. Eu acho. O DIEESE consegue ter vida própria. E com o seu posicionamento ideológico já construído no movimento. Eu acho que isso não vai acontecer, que o movimento não fará isso. Mas, se isso ocorresse, o DIEESE sobreviveria. Porque ele tem força suficiente para isso. Tem internamente e tem muito aliado externo . Um conjunto de alianças históricas. Então, na verdade, ele, pode-se dizer, o pessoal do movimento sindical pode achar que não, mas para ser o que é hoje, ele não precisa do movimento sindical. Agora, claro que do ponto de vista da luta política com a sociedade, essa junção é uma junção de uma felicidade enorme,.Mas, é uma coisa que está muito imbricada. Porque se por um lado confunde com o movimento, internamente. Por outro lado, ele dialoga com a sociedade sem a percepção da existência dessa junção. Então, é uma construção de que historicamente é importante ser analisado.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Tenho o prazer de ter participado desse. A minha experiência no DIEESE foi muito importante. Até para compreensão de como é que essa coisa funciona, e como é que é você lidar com outras percepções de ordem política, ideológica e discussão dentro da sociedade com você. E ao mesmo tempo, aprender que é possível você equilibrar. É possível ter equilíbrio nisso. Então, foi muito importante durante esse período.

Achei que foi uma oportunidade. Foi ótimo . Depois, não sei, talvez isso aí vá virar alguma coisa que possa ter um resumo. Muita gente, participou dessa construção. Tem participado. Então eu acho que a história vai ser contada em muitos momentos. E o movimento precisa disso. Precisa refletir sobre as coisas que deram certo, as coisas que funcionam e como... Porque o DIEESE mostra o seguinte: quando funciona e quando não funciona direito. Embora você mantenha o eixo, tem hora que você está funcionando bem, tem hora que perde velocidade. Tem hora que a agenda está muito colada e tem hora que você tem que dizer: "Preciso transformar". É aquela coisa que a gente falou lá no DIEESE, ele não é um ente passivo, do ponto de vista de lidar com a sociedade, ele é muito ativo. Mas, ele tem uma dependência. Então, você tem esse equilíbrio. Acho que é ótimo, estão de parabéns, super iniciativa.

 

 

 

 

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