História de Vida
Identificação
Meu nome José Maria de Almeida. Eu nasci em Santa Albertina, que
fica no extremo norte do Estado de São Paulo, divisa com Minas Gerais
no dia 2 de outubro de 1957.
Família
Meu pai chamava-se Clemente Alves de Almeida e minha mãe Sebastiana
Pessopani Rodrigues. Eu nasci num sítio arrendado pelo meu pai.
Trabalhávamos na roça, naquele regime de arrendamento que existia.
Lembro da minha avó materna que se chamava Alzira e morreu quando eu
era ainda muito criança.
Tenho dez irmãos no total. Tinha cinco por parte de pai, três por parte
de mãe. Meu pai casou duas vezes e minha mãe também casou duas vezes, e
do segundo casamento deles nasceram eu e o meu irmão mais velho, que
mora em Santo André.
Infância
Uma parte do meu período de infância pude viver em Santa Albertina.
Lá havia mais convivência. Como toda cidade pequena, a convivência
entre as pessoas é maior. Quando mudamos do sítio para a cidade eu
tinha sete anos. Ajudava muito pouco na roça, mas os meus irmãos mais
velhos trabalhavam. Naquela época, trabalho de pequena propriedade era
uma coisa dura. Todo mundo ia de madrugada para a roça, no escuro
ainda, para aproveitar o clima, porque a região lá é muito quente. As
pessoas saíam de casa, no escuro ainda, para trabalhar e ficavam até
umas três, quatro horas da tarde. Plantávamos, principalmente arroz. Um
pouco de milho, mas era mais arroz.
Eu já trabalhava, quando mudamos para a cidade grande. Trabalhava de
engraxar sapato porque eu gostava de ganhar meu dinheiro. Saía para
brincar com meus amigos, voltava e engraxava de novo. Era uma coisa que
eu controlava mais a minha vida. Havia uma possibilidade maior, apesar
do trabalho e das condições difíceis da vida, de se divertir um pouco,
de brincar.
Em Santo André, viemos morar em um bairro periférico da cidade. Como
todo bairro periférico aqui da Grande São Paulo, era uma região
dormitório, não tinha indústria. Para nós era uma coisa enorme,
monumental, porque a gente veio de uma cidade, Santa Albertina, que
deve ter hoje uns 5 mil habitantes. Naquela época, tinha um pouquinho
mais, juntando a zona rural dava uns 15 mil habitantes, mas era muito
pequeno. A diferença de lá para Santo André, apesar de ser periferia e
não ter muita coisa, para nós era muito grande. Era um bairro desses de
periferia como qualquer um daqui da região da Grande São Paulo hoje.
Assim que mudamos, todo mundo tinha que trabalhar, porque nós não
tínhamos grana. Meu pai abriu uma verduraria, uma espécie de sacolão,
só que bem pequenininho. Eu vinha com ele de madrugada no mercado,
Mercadão Municipal de São Paulo, e comprávamos fruta, verdura, essas
coisas e voltava para vender. Quando estava clareando o dia, a gente
estava voltando.
Em Santo André, não dava tempo para conviver com a molecada, a
convivência que a gente tinha era na escola, no ginásio, à noite,
depois no colégio. Era muito pequena porque uma parte trabalhava. Mas
uma parte não trabalhava e acabou se envolvendo, como acontece em todo
lugar, com tráfico, essas coisas. Tinha as festinhas, eu não gostava
muito de festa, eu gostava de jogar. Eu sempre tive uma tendência a ser
muito responsável com as minhas coisas: se eu trabalhava, eu
trabalhava. Eu levava muito a sério as coisas que eu fazia. Tanto no
trabalho quanto no estudo.
Trajetória Profissional
Quando eu tinha 13 anos, arrumei um emprego de ajudante de
sapateiro, Senhor Manoel que era o sapateiro do bairro. Eu trabalhei
oito meses com ele. Eu ficava o dia inteiro trabalhando, voltava e ia
para escola à noite. Depois, saí e arrumei emprego numa fábrica de
elásticos. Meu primeiro emprego registrado foi esse. Isso foi no
comecinho de 71, na fábrica de elástico Paris, onde trabalhei por quase
um ano.
Em 74, comecei a trabalhar na Laminação Nacional de Metais, que foi
a primeira fábrica metalúrgica onde trabalhei. A Laminação era uma
fábrica grande do setor metalúrgico de Santo André, mas eu fazia SENAI,
então eu ficava cinco meses no SENAI, dois meses na fábrica, cinco
meses no SENAI, dois meses na fábrica, era assim. E em 76, eu terminei
o segundo grau. Fiz o curso do SENAI de fresador. Trabalhei dois anos.
Saí da Laminação para ir para a Cofap, em 78. Comecinho de 78. Nesse
período, praticamente todo, eu trabalhava de dia e estudava à noite.
A minha diversão era jogar, eu comecei a me acostumar a jogar
baralho. A casa que a gente alugou - a segunda casa em que eu morei em
Camilópolis - lá em Santo André era uma casa maior, e minha mãe alugou
alguns quartos como uma espécie de pensão. As pessoas vinham do
interior para ficar lá e uma parte desse povo jogava, e eu comecei a
jogar com eles. Meu irmão também jogava baralho, meu pai também
gostava, e eu me acostumei com aquilo. Era a diversão que tinha. Às
vezes, passávamos a noite inteira jogando, fim de semana. Depois eu
comecei a jogar bilhar com meu irmão. Um pouco a minha diversão era
essa, o jogo. Depois começamos a jogar a dinheiro. Todo fim de semana,
eu saía de casa na sexta-feira de noite e voltava só domingo de noite.
Passava o final de semana no bar, jogando. Eu e meu irmão, Jaime. Não
gostava de ir aos bailinhos, nas festas que o povo da escola
organizava. Não era muito o meu jeito.
Formação Acadêmica
Eu comecei a estudar em Santa Albertina. Lá era uma escola muito
provinciana, havia uma convivência melhor até com os próprios
professores, porque todo mundo conhecia todo mundo, mas o nível era
mais baixo do que aqui. Nós viemos para São Paulo porque a escola
pública que tinha lá era só até o ginásio. Para fazer o correspondente
ao segundo grau de hoje, o colegial, tinha que vir para cá. Saímos de
lá também pelo problema de emprego. Era uma cidade pequena e não havia
emprego. Nós mudamos para Santo André em 70.
Eu lembro que 70 foi o ano da Copa do Mundo e foi o primeiro ano em
que eu estudei aqui em Santo André. Eu tinha essa coisa comigo de não
fazer mal o que estava fazendo. Eu passava aquele período todo,
enquanto o pessoal se divertia vendo o jogo, eu ficava estudando porque
para mim foi muito difícil me adaptar ao nível de ensino. Estudei
demais, particularmente 70, 71. Nossa! Foi muito pesado. E também a
forma de ser das pessoas, das pessoas com quem eu convivia, dos alunos,
dos meninos que estudavam na escola comigo. Porque era um modo de vida
bastante diferente em relação ao que eu estava acostumado. Acho que por
isso nunca consegui me enturmar direito. Acabei me localizando de uma
outra forma na convivência social, digamos assim, daquele período lá.
Mas não era fácil. A lembrança que eu tenho desse período é isso. Que
eu tinha que estudar muito, que eu ficava com muito medo de não fazer
as coisas direito, era um problema. E trabalhava o dia inteiro, então
não tinha muito tempo. O tempo que tinha, tinha que estudar.
Um fato que marcou na escola foi quando mataram o Herzog [Wladimir
Herzog] aqui em São Paulo. Tinha um professor que eu não gostava. Era o
professor de matemática, chamava Pedro. Eu o achava muito bravo; muito
mal-humorado. Mas quando mataram o Herzog, ele fez um comentário na
sala de aula sobre isso. Pelo jeito, ele tinha consciência política, e
fez um comentário sobre o absurdo que era aquilo que tinha acontecido e
aquilo me marcou. Porque era uma dimensão do mundo do qual eu não
conhecia, não tinha contato, não tinha noção de que existia uma coisa
dessas. Quando ele falou, me chamou a atenção para isso. Mas eu não
passei a ter um contato com a militância política nesse momento. Eu vim
a ter contato com a atividade política mais tarde, por uma outra via.
Depois do colégio eu queria fazer engenharia na USP. Engenharia
mecânica. O único curso de engenharia mecânica que tinha de graça era
na Politécnica da USP e eu não podia porque era o dia inteiro. Tinha
que parar de trabalhar e eu não podia. E tinha o curso de engenharia, à
noite, na FEI, em São Bernardo, mas era muito caro e eu não tinha grana
para pagar. Acabei fazendo o vestibular para o curso de Matemática, na
Fundação Santo André, que era uma faculdade pública da região.
Militância Política
Nos primeiros dias da faculdade, na Fundação Santo André, teve a
calourada e tinha dois tipos diferentes. Tinha o povo das Ciências
Sociais, da parte de Humanas, que fazia debates, uma coisa mais
politizada; e tinha o povo da minha área, matemática, que era aquela
coisa, cortar o cabelo, pintar a cara, cortar a barba. Eu tinha barba
nessa época. Fui na atividade da calourada. Participei do debate,
conversei com as pessoas que falavam aquela coisa da classe operária.
Me lembro que ainda fiz uma intervenção. Falei: “Olha, lá na fábrica,
os operários não pensam nada disso que vocês estão falando aí, não. Lá
o pessoal tem medo de tudo, lá não acontece nada, não”. Saí do debate e
veio o pessoal da matemática que queria cortar minha barba. Deu um
“barraco” dos infernos porque eu queria brigar com os caras. Bom, virou
uma confusão até chegar a turma do “deixa disso” e separar. Não
cortaram a minha barba, mas eu acabei conhecendo o povo das Ciências
Sociais que tinha militância política. Lembro do Félix, o outro menino,
eu acho que era Martin, e a gente começou a conversar. Eles disseram
que conheciam gente que trabalhava em fábrica e que se reuniam na
Igreja do Taboão, em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo.
Perguntaram se eu queria participar e eu comecei a participar da
atividade política a partir desse processo. Participei de algumas
reuniões com eles em São Mateus, final de fevereiro, comecinho de
março.
Em abril, resolvemos fazer um boletim sobre o Primeiro de Maio. Era
um boletim que falava dos mártires de Chicago, o que deu início à
comemoração do Primeiro de Maio. Fomos distribuir no dia 28 de abril e
fomos presos. Eu e mais dois meninos, o Celso Brambilla e a Marcinha,
que é lá da região de Campinas. Os dois eram militantes da Liga
Operária, uma organização clandestina que havia naquele momento. Vim
conhecer a Liga Operária na cadeia.
Nós tínhamos todo um esquema de segurança que, por erro de um
companheiro, não funcionou. Contamos para a polícia uma historinha, uma
bobagem, que nós tínhamos inventado entre nós para dizer, se nós
fossemos presos. Era uma coisa boba, mas como nenhum de nós tinha ficha
na polícia, ficamos três dias presos sem acontecer nada, até que
descobriram na casa de um menino, do Celso, um monte de material
político. Então, eles tinham uma prova de que pelo menos um de nós era
militante de uma organização clandestina. Nós ficamos três dias
apanhando para saber que diabo de Liga Operária era essa. O Celso,
inclusive, ficou com muitas seqüelas, ele perdeu um ouvido, coitado.
Deram um “telefone” nele, ele perdeu o tímpano todo, não teve como
recuperar. A Marcinha, maltrataram muito. Nós apanhamos três dias. Até
o governo do Estado [de São Paulo] reconhecer que a gente estava preso.
Quando isso aconteceu pararam de bater. Já estava naquele período de
transição, de crise da ditadura, e eles tinham que apresentar o preso
ao advogado até oito dias depois da prisão. Quando reconheceram que
estávamos presos, tinham uma semana para nos apresentar para o
advogado. Aí começaram a passar pomada, particularmente nas mãos, no
pé, a palma da mão da gente estava preta de tanto tomar palmatória.
Eles passavam pomada para sumir as marcas. Ao fim, nós ficamos uns 40
dias presos no DOPS por conta desse panfleto. Foi uma experiência muito
ruim nesse sentido, muito ruim. Em mim, pelo menos, gerou uma revolta.
Eu acho que o compromisso que eu tenho até hoje com a militância tem
muito a ver com isso. Tem muito a ver com esse processo.
O meu primeiro contato com uma organização política foi porque eu ia
nas reuniões do Sindicato (dos Metalúrgicos de Santo André) em 76, 77.
Eu participava das assembléias do Sindicato, mas não tinha relação com
ninguém. Era muito pouca atividade sindical que havia. Eu fiquei
conhecendo a Liga Operária na cadeia. Depois que eu saí da cadeia, eu
comecei a militar na Liga Operária, corrente política em que eu milito
até hoje. Mas a minha militância política mesmo começou aí.
Sindicalmente, comecei a militar quando eu estava na Laminação Nacional
de Metais, no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Começou a ter
mais atividade mesmo no Sindicato depois de 76, na campanha salarial de
77. Nesse período, foi uma campanha um pouquinho mais animada, já teve
assembléias. Mas mobilização mesmo, greve, só teve em 78.
Em 78, eu tinha saído da Laminação e estava na Cofap, também em
Santo André. Comecei a militar por essa via. Foi dessa forma. A
primeira experiência marcante foi na própria Laminação. Porque como eu
não tinha uma militância organizada, eu também não discutia de forma
sistemática com as pessoas que trabalhavam comigo. E ninguém sabia das
coisas que a gente fazia. Nessa época, quando começamos a fazer essas
reuniões no Taboão, havia todo um cuidado com a segurança. Você não
comentava das reuniões que se faziam. Eu fiquei preso em final de
abril, o mês de maio todo e voltei para a Laminação em junho. O velho
Pignatari havia morrido e tinha deixado a fábrica de herança para
aquele Pignatari que era um artista plástico, que não quis se meter na
fábrica. Largou para a gerência controlar. E a gerência da
ferramentaria, onde eu trabalhava, tinha um engenheiro que acabara de
chegar da Itália. Ele falou: “Eu não quero me meter nessas coisas aqui;
não entendo como funciona esse negócio no Brasil. Na Itália não é
assim, mas se você quiser continuar trabalhando, pode continuar.”
Então, não me mandaram embora. Chegando em junho, no dia dez que era o
dia do pagamento, eu não recebi pagamento porque eu fiquei mais de um
mês todinho preso. O pessoal da seção fez uma listinha e me pagou um
salário. A minha primeira experiência sindical com as pessoas foi essa.
As pessoas não sabiam o que eu estava fazendo, mas achavam que era a
favor delas e de alguma forma elas queriam ajudar também.
Trajetória Sindical
Depois que eu saí da cadeia em 77, eu segui militando no Sindicato
em Santo André. Na verdade, eu comecei a militar quase um ano depois,
porque depois que eu saí da cadeia, eu fui numa reunião que era com a
militância da Liga Operária. Isso foi um mês depois que eu saí da
cadeia, final de junho. Só que eu fui à reunião durante o dia. À noite
minha irmã trabalhava em uma fábrica no Ipiranga. Ela chegou em casa
chorando falando que a polícia tinha ligado para ela dizendo que eu
estava em reunião e que iam me matar. Nós chegamos à conclusão óbvia de
que eu estava sendo seguido e não dava para ir à reunião nenhuma porque
poderia comprometer todo mundo. Assim, por opção minha e dos
companheiros, me desvinculei até o julgamento na Justiça Militar, em
São Paulo, que foi no final de 77. A partir daí comecei a militar mesmo
na Liga Operária que depois se transformou na Convergência Socialista,
em 78.
Em 77, a gente acabou não fazendo greve, não houve condição. Em 78,
também não houve uma greve geral da categoria. Mas, depois do acordo
assinado, começaram as greves, por empresa, para tentar recuperar uma
parte da perda que nós tivemos. Nesse momento, eu trabalhava na Cofap e
ajudei a organizar a greve da Cofap junto com um grupo de companheiros.
Nós tínhamos três ou quatro companheiros dentro da fábrica, não era
fácil organizar, porque a gente não tinha um grupo grande organizado.
Alguns diretores do Sindicato ajudavam, outros eram muito
complicados, e a gente não tinha como falar com as pessoas abertamente.
A nossa greve de 78, foi feita da seguinte forma: pedimos para os
diretores do Sindicato que toparam ajudar a gente e eles imprimiram um
“mosquitinho”, onde estava escrita uma provocação. Dizia que a fábrica
de cobertores Parahyba, que era de São José dos Campos, tinha comprado
a Cofap para pegar os carneiros para fazer cobertor, porque só tinha
carneiro na fábrica. Pegamos isso, entramos cinco horas, o horário do
pessoal era cinco e meia da manhã, colocamos no armário das pessoas e
às dez horas da manhã, a fábrica estava parada porque ficou todo mundo
revoltado. E parou. Parou a fermentaria, depois parou a fábrica toda,
mantivemos a fábrica parada uns quatro dias e conseguimos 10% de
aumento. Na realidade essas greves foram desencadeadas pela greve da
Scania, em maio de 78.
Depois fizemos a primeira campanha salarial unificada do Estado de
São Paulo, que gerou uma greve unificada do setor metalúrgico, com base
na bandeira dos 34,1% que nós tínhamos perdido pela manipulação dos
índices por parte do governo. Nós estávamos começando naquele momento.
Havia uma parte dos dirigentes do Sindicato que militavam há mais
tempo, o caso do Lula [Luiz Inácio da Silva], que estava desde 69 no
Sindicato; o Marcílio [Benedito Marcílio], em Santo André, que estava
no Sindicato há um certo tempo, mas o pessoal que começou a militar
naquele momento começou a militar em torno de uma bandeira que tinha a
ver com o trabalho do DIEESE, de buscar fazer um levantamento de
informações que pudesse dar base para a luta. Dar consistência, digamos
assim, para aquilo que a gente reivindicava.
No Sindicato, a coisa foi evoluindo, particularmente a partir das
greves que nós fizemos em 78, e essas coisas foram se combinando: a
militância sindical com a militância política.
A análise que fazíamos era de que tinha greve de metalúrgico, tinha
greve de professores, tinha greve de coveiro. Em 78, teve até greve de
coveiro aqui em São Paulo, mais no final do ano. Teve greve de tudo
quanto é categoria e a reivindicação era basicamente a mesma: aumento
de salário. Quando muito, alguma outra coisa que tinha a ver com
condição de trabalho. As greves acabavam se politizando rapidamente
porque a ditadura, o regime intervinha a favor do empresário, então a
greve se politizava, mas o mote dela era aumento de salário, era melhor
condição de trabalho. E um processo que começou no setor metalúrgico,
mas se estendeu para tudo quanto é categoria e para tudo que é região
do país. E o que a gente dizia? “Está todo mundo lutando pela mesma
coisa, mas ‘cada um por si e Deus por todos.” Então era preciso ver uma
forma de unir. Daí que surgiu a idéia de construir uma Central
Sindical.
Em 83, eu já procurei trabalho fora do ABC, já não conseguia mais
emprego na região. Eu nunca fui diretor de Sindicato neste período. Eu
era sempre eleito pela Assembléia para a Comissão de Salários, depois
para Comando de Greve, quando tinha a greve, eu participava dessa
forma, como militante. Então, não tinha estabilidade no emprego, era
uma confusão dos infernos a cada emprego que você perdia. A vantagem,
naquela época, era que tinha muito emprego. Mas tinha o problema da
lista que eles faziam. Eles telefonavam para o emprego anterior para
perguntar por que você tinha saído de lá. O que a gente fazia? Quando
eu perdia o emprego em uma fábrica, tirava outra carteira no Ministério
do Trabalho e mandava fazer um carimbo. A gente via uma fábrica
pequena, normalmente que tivesse fechado recentemente, fazia o carimbo
com o nome da fábrica. Eu mesmo carimbava, fazia os registros, os
cálculos e colocava lá três anos de serviço na fábrica e ia com essa
carteira procurar “trampo”. Daí, os caras não conseguiam ligar porque a
fábrica não existia mais. Era assim, registrava e depois jogava aquela
carteira fora. Era uma confusão. Se eu tiver que entrar com documento
para me aposentar, eu tenho seis ou sete carteiras que eu não posso
apresentar em lugar nenhum porque uma parte delas é falsificada. E a
gente fazia para todo mundo. Eu mesmo fazia para o pessoal que era
ativista com a gente, a gente arrumava “trampo” assim. Mas vai chegando
um ponto que não tem mais jeito. Por exemplo, você chega na porta da
fábrica e o guarda já te conhece, aí não tem mais jeito. Foi aí que eu
vim para São Paulo, para a TRW e depois fui para Minas Gerais. Militei,
na região do ABC, entre os anos 75, 76 até 83; depois, vim para São
Paulo. Participei do Congresso de fundação da CUT, em 83, e depois fui
para Minas Gerais.
Eu fui para ficar uns 15 dias e estou lá até hoje. Eu fui para
ajudar os companheiros dos sindicatos metalúrgicos e da oposição a se
organizarem para a disputa na eleição do Sindicato, em 84. Teve eleição
lá, aqui no Sindicato de São Paulo e no Sindicato de Campinas. Todas em
84.
Nós perdemos em Campinas, perdemos em São Paulo, mas lá nós
ganhamos. E como ganhamos! Os companheiros pediram para ficar um pouco
mais para ajudar a organizar as coisas. Fui ficando um pouco mais, um
pouco mais, acabei ficando lá. Arrumei um “trampo”, depois entrei na
diretoria do Sindicato, em 87 ou 89, já não me lembro. Fiquei na
direção do Sindicato até 91, depois eu vim para a executiva da CUT. Saí
da direção do Sindicato para não ficar acumulando as coisas e comecei a
ficar mais tempo em São Paulo, de novo, porque a CUT funcionava aqui.
Mas eu militei no Sindicato dos Metalúrgicos (de Belo Horizonte e
Contagem) em Minas, desde que eu fui para lá. Teve umas coisas muito
legais nesse período. Foi um processo muito legal. Uma das primeiras
coisas que a gente fez lá no Sindicato foi reestruturar o Sindicato
para voltar a sua atuação para uma atividade de mobilização, de
organização da categoria, de formação. Depois montamos a subseção do
DIEESE lá também.
Quando a gente ganhou o Sindicato, houve lutas muito importantes.
Teve uma greve geral em 85, que foi muito grande na categoria. Durou
quase 40 dias e tivemos enfrentamentos muito duros com a polícia. A
relação com a polícia lá é muito diferente daqui de São Paulo. Isso tem
a ver com o período que vivemos na época da decadência da ditadura e as
mobilizações no ABC, em 79 e 80, principalmente. Se conquistou certo
espaço e o direito de se exercer uma ação sindical. Em Minas é a
barbárie. É pancadaria. A polícia vai e espalha você na pancada, e se
você quiser ficar na porta na fábrica, tem que ser embaixo de pancada.
Senão não tem jeito. É muito dura a repressão, mais dura do que aqui.
Em todos os setores, é muito diferente. A pessoa que está acostumada
com isso aqui, vai lá e se assusta, a coisa é feia.
Fundação da CUT e do PT
Começou a ser discutida a necessidade de construção de uma Central
Única dos Trabalhadores desde essa época. Desde 78, os sindicatos já
aprovavam a necessidade disso, nas assembléias e nos congressos. Foi aí
que se começou a trabalhar a construção de um encontro nacional que
acabou acontecendo em 80.
Outra coisa que acabou caminhando pari passu com isso foi a questão
do PT. Nessa época era um período de decadência do regime militar e uma
das conseqüências dessa decadência, da perda de controle do regime, é
que dentro da própria burguesia havia questionamento ao sistema de
representação política. Só dois partidos eram permitidos: a ARENA
[Aliança Renovadora Nacional] e o MDB [Movimento Democrático
Brasileiro]. Particularmente, a grande burguesia que havia se
desenvolvido em São Paulo, uma parte da burguesia industrial e bancos
não se sentiam bem representados, nem pelo MDB, nem pela ARENA.
E isso acabou desencadeando por cima um debate sobre a necessidade
de uma reestruturação do quadro partidário do país, de liberdade
partidária. Isso não surgiu como uma reivindicação de baixo. Havia uma
reivindicação de baixo, particularmente dos partidos comunistas que
eram ilegais naquele momento. Havia um ou outro segmento da classe
trabalhadora que colocava a necessidade de liberdade para construírem
novos partidos. Mas a dimensão que ganhou essa discussão naquele
momento tem a ver com o problema de cima.
No bojo desse debate, o que nós levantamos naquele momento? Que, se
todo mundo iria ter o seu partido, nós queríamos ter o nosso. Porque
não tinha sentido a gente trabalhar quatro anos, lutar quatro anos
contra o patrão para chegar na eleição e votar nele para que ele
continuasse esfolando a gente. Essa idéia foi crescendo, ganhou alguns
sindicatos, particularmente os sindicatos de Santo André, nós
convencemos toda a diretoria do Sindicato de que nós tínhamos que
trabalhar para construir um Partido. Também uma parte da diretoria dos
sindicatos de São Bernardo. O Lula brigou muito com a gente nesse
período, ele era contra. Ele só passou a ser a favor de fundar o PT no
Congresso de 79, dos Metalúrgicos daqui de São Paulo. Ele era muito
influenciado pelo irmão dele, o Frei Chico, que era do PC. Todos os
dois, naquele momento, defendiam a manutenção da unidade democrática
dentro do MDB. Eles eram contra essa coisa de construir outro partido,
eles eram contra construir Central Sindical, pois achavam que dividia.
Eles defendiam que os trabalhadores permanecessem no MDB, na Frente
Democrática, que eles chamavam, e nas Confederações. Então havia toda
essa polêmica.
Mas essa idéia foi crescendo, esteve presente nas discussões do
Congresso do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, que apresentou
uma tese para o Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, que
aconteceu em 79, aqui na cidade de Lins. Era um texto de uma, duas
páginas, de conjuntura que tinha duas conclusões fundamentais: uma, que
era preciso organizar uma campanha salarial unificada de todo o setor
metalúrgico do Estado de São Paulo para 79; nós estávamos em fevereiro,
a data-base era no dia primeiro de abril; e a outra falava que era
necessário que o Congresso chamasse a construir um partido de
trabalhadores porque nós não podíamos ficar assistindo aos patrões se
organizarem e ficarmos sem um partido político.
Por mais que nós não esperássemos, o Congresso aprovou as duas
propostas, aprovou essa idéia de unificar as campanhas salariais. Daí
que surgiu aquela primeira greve geral do setor metalúrgico, aqui em
São Paulo, em 79. E aprovou também a idéia do PT, por um conjunto de
fatores, porque apresentamos a tese como plano de conjuntura. O
Joaquinzão [Joaquim dos Santos Andrade], depois que eu apresentei a
tese... Eu fui apresentar porque o povo da diretoria do Sindicato
estava a favor, mas eles não queriam se meter na discussão, então eu
apresentei... Mas, o Joaquinzão pediu a palavra, eu achei que ele ia
defender contra, porque eles tinham apresentado uma moção para o
Congresso aprovar a refundação do PTB, Partido Trabalhista Brasileiro -
eles eram ligados ao PTB antes do golpe -, mas não! Como ele apresentou
a proposta como moção, que é o último ponto do Congresso, ele falou que
tinha gostado dessa proposta “dos meninos” de Santo André e que ele
retirava a proposta dele e apoiava a nossa.
Praticamente todo mundo no Congresso apoiou. Só a delegação de
Santos - que era a delegação ligada ao Partidão [Partido Comunista
Brasileiro] e que estava entendendo o que estava acontecendo ali - não
apoiou. Porque o resto que apoiou não estava entendendo direito. Era o
Cid Ferreira, de Campinas, que era um pelego que Nossa Senhora!
O Congresso era controlado pelo Argeu [Argeu Egydio] que era o
presidente da Federação naquela época aqui em São Paulo. Mas aquilo deu
um salto, foi o primeiro momento em que o Lula fez um discurso a favor
do PT. Todo mundo estava a favor, ele foi lá e fez um discurso falando
que era a favor também. Mas foi muito importante porque o peso dele foi
fundamental para que o PT se desenvolvesse como se desenvolveu naquele
momento. Então as duas coisas foram meio que caminhando juntas. Então,
eu militei no ABC até 82, fundamentalmente, construindo esse processo.
Greves
A melhor greve que nós fizemos da categoria, foi na Mannesman, em
88, fábrica que eu acompanhava. Ela ocorreu por um erro da direção da
empresa. Nós estávamos no meio de uma campanha salarial. Eu fui para a
porta da fábrica com um outro diretor do Sindicato; estávamos
distribuindo boletim normalmente, na entrada do turno, e a fábrica
chamou a polícia para tirar a gente de lá. A polícia foi. Nós dissemos
que estávamos apenas distribuindo boletins como sempre fazíamos e que
não iríamos sair. A polícia prendeu a gente e levou para a delegacia.
Nós voltamos à tarde com carro de som para fazer Assembléia na porta da
fábrica e explicar o que estava acontecendo. A gente parava o carro de
som na frente dos ônibus e fazia a Assembléia, depois terminava a
Assembléia e tirava o carro para o ônibus ir embora. No meio da
Assembléia chegou a polícia de novo. Pediu para descermos. Nós não
descemos e falamos: “A hora que acabar a Assembléia, a gente conversa.”
A hora que acabou a Assembléia, nós descemos e fomos tirar o caminhão.
O policial disse: “Não pode tirar o caminhão, ele está preso, tem que
esperar o guincho.” Aí nós subimos de novo e falamos: “Olha, gente,
vocês vão ter que esperar aí, não pode tirar o caminhão, ele está
preso.” Nós ficamos ali conversando, tentando convencer o cara, mas nós
não tínhamos percebido que eles tinham chamado o COI, que é uma tropa
de elite da Polícia Militar de Minas, e os caras não perceberam que
tinham uns 2 mil trabalhadores daquele turno que saía. É uma
siderúrgica grande e estava todo mundo em volta. Era aquela confusão, a
gente conversando com a polícia, o pessoal do COI chegou, entrou, mas
entrou batendo em todo mundo. Eles abriram espaço para chegar até a
gente, batendo em todo mundo que estava na frente. Eu acho que nunca
apanhei tanto na vida como apanhei naquele dia. Nós apanhamos demais. A
hora em que eles entraram batendo em todo mundo, os trabalhadores se
afastaram e começaram a jogar pedra, os caras puxaram o revólver... Por
sorte, não foi uma tragédia. Fomos todos presos de novo, fomos para a
delegacia. À noite soltaram a gente. No outro dia de manhã, o pessoal
que apanhou na saída do trabalho entrou e parou a fábrica. Pararam sem
a gente ter convocado e a fábrica também não esperava. E a siderúrgica
tinha um problema, ela tinha dois alto-fornos que estavam cheios,
estavam carregados. Os engenheiros abafaram o forno. É um procedimento
padrão que eles usam em uma situação dessas, porque, se esfria o
material que está dentro do forno, “tchau e benção.” Tem que, na
verdade, jogar aquilo fora e fazer outro forno. E aí a fábrica fica
parada seis meses sem produzir nada. Então deu um desespero na direção
da empresa, porque eles queriam resolver o problema. Porque o forno
abafado segurava aquilo quatro, cinco dias, no máximo, e depois ia
começar a esfriar o aço lá dentro e acabou. Foi o melhor acordo que nós
fizemos até hoje. Deram tudo que a gente pediu. Tudo! Dois dias de
greve resolveram.
Já em 89, foi mais difícil. Nós fizemos ocupação em 89, mas a
fábrica já estava esperando, já tinha esvaziado o forno. Nós tínhamos
pouca experiência de trabalhar com esse tipo de fábrica, fizemos muita
bobagem. A resistência dos trabalhadores foi um negócio muito bonito.
Porque a gente ocupou a fábrica, ocupou a região do alto-forno, mas
estava abafado.
Nesse momento, conseguimos fazer o acordo com a Belgo Mineira, porque a
gente ocupou muitas fábricas. Com a Belgo Mineira saiu acordo no
segundo dia da greve porque ela entrou com pedido de reintegração de
posse na Justiça, que concedeu. O comando da Polícia Militar da área de
Contagem, onde fica a fábrica, chamou a direção do Sindicato lá no
quartel. Eu estava na Mannesman, saí e fui para a reunião. Chegamos lá,
a direção da fábrica também estava. O cara colocou a gente em uma sala
e falou: “Olha, resolve esse problema aí. Esse problema é de vocês.” Aí
a empresa falou: “Meu amigo, eu tenho uma reintegração de posse.“ O
policial respondeu: ”Tá bom, mas resolve aí que esse problema não é
meu. Eu vou botar policial lá dentro da fábrica do jeito que está e
como é que faz? Eu vou ter que matar trabalhador, vai morrer soldado,
como é que vai ser? Então vocês resolvam aí.” E falou que não ia
cumprir a reintegração de posse. Aí ficou o dia inteiro reunido e saiu
o acordo, a empresa chegou naquilo que a gente estava pedindo. E eu
achei que na Mannesman ia sair da mesma forma. Eram os alemães que
dirigiam a empresa. Hoje ela é de propriedade francesa, mas naquela
época eram os alemães. Eles não aceitaram negociar. Insistiram no
cumprimento, conseguiram a reintegração de posse também. Em Belo
Horizonte, era outro batalhão, era o batalhão de choque. O cara do
batalhão de choque foi lá, tentou falar com a gente, mas nós não
quisemos falar com ele. Ele foi ao Sindicato, mas o pessoal do
Sindicato também não quis falar com ele: “Olha, nem nós conseguimos
falar com quem está dentro da fábrica, vocês resolvam aí.” Aí ele
procurou a advogada do Sindicato, procurou a direção da empresa, a
empresa exigiu o cumprimento do mandato.
O problema foi o seguinte: estávamos em março de 89; em novembro de
88, os operários da CSN tinham ocupado a siderúrgica, o exército
invadiu e mataram três operários, foi uma comoção nacional. O Newton
Cardoso, governador de Minas Gerais, ficou com medo de que ocorresse o
mesmo aqui. Acho que ele raciocinou: “Eu vou mandar a minha polícia
entrar lá na fábrica e vai morrer gente. Depois, eu é que vou pagar o
pato?” Com certeza ia morrer gente, o pessoal estava todo armado dentro
da fábrica. Não tinha como não acontecer uma desgraça. Aí ele deu ordem
para a polícia não cumprir a reintegração de posse. Criou um impasse,
porque a Justiça mandava reintegrar, a polícia falava: “Eu não cumpro a
ordem.” E ficou assim durante dez dias, até que o comando da polícia
fez um contato com o Governo Federal. A ministra do trabalho [Dorothea
Werneck] ligou para o Sindicato e falou para a gente sair que ela
garantia que a empresa ia dar a mesma coisa que a Belgo Mineira. Aí
foram falar comigo na fábrica e eu disse: ”Olha, eu não vou falar isso
aqui, porque depois se ela não cumprir? Como é que ficamos? Não podemos
confiar numa promessa desse jeito. ‘A ministra mandou falar que vai
fazer”. Então o Ministério se comprometeu a mandar um representante
para fazer a proposta aos trabalhadores. Eu falei que tudo bem: “Se os
caras vierem aqui e o pessoal aprovar.” Foi um representante do
Ministério do Trabalho dentro da fábrica e garantiu para o pessoal que
cumpriria o mesmo acordo da Belgo se a gente saísse. Saímos da fábrica
e ela cumpriu o acordo. A Mannesman nunca assinou nada com a gente, mas
sempre cumpriu tudo. Não sei que ameaça o governo fez para eles, mas
resolveu assim.
Centrais Sindicais
Na década de 80, vivemos um processo de mobilização de forma mais
generalizada no país e construímos, nesse processo, um instrumento que
ajudou muito a impulsionar essas mobilizações, essas lutas, a dar um
sentido comum a essas lutas que aconteciam no país inteiro, que era a
CUT. Na década de 90 nós vivemos dois processos combinados que
dificultaram muito a continuidade desse processo de mobilização.
O primeiro tem a ver com a coisa mais objetiva mesmo, a mudança da
nossa realidade porque a implantação das políticas econômicas adotadas
pelo governo Collor geraram uma retração na economia muito grande no
começo da década de 90. Isso se combinou com a intensificação da
reestruturação das empresas, o que tem a ver com um dos aspectos do
neoliberalismo. A busca das empresas por melhoria na produtividade, na
qualidade do produto e diminuir custos, levando à automatização em
alguns setores, à reorganização dos processos de produção em outros,
mas que necessariamente tinham como conclusão uma diminuição grande do
número de trabalhadores.
No nosso Sindicato, em Minas Gerais, houve uma redução brutal do
número de postos de trabalho, nós perdemos 40% da categoria. Na
Mannesman, quando a gente fez a ocupação de 89, trabalhavam quase 11
mil operários; hoje, ela deve ter 4 mil e produz mais do que produzia
naquela época. Esse processo foi vivido, de certa forma, em quase todas
as empresas da categoria. Então isso significou um processo de demissão
continuado por muito tempo, que vai abatendo a moral dos trabalhadores.
As pessoas ficam com medo.
Na Mannesman, em 91, vivemos um episódio complicadíssimo. Foi quando
as empresas do país inteiro começaram a pressionar os trabalhadores
para reduzir o salário a fim de evitar um maior número de demissões. E
a empresa apresentou uma proposta de reduzir 15% do salário dos
trabalhadores para não demitir 700 empregados. Naquela época, já eram 8
mil empregados. O Sindicato defendeu contra, a empresa propôs um
plebiscito, um processo de consulta aos empregados e nós,
equivocadamente, concordamos. Qual foi o resultado? Prevaleceu a
pressão que a empresa estava fazendo dentro da fábrica. A maioria dos
trabalhadores votou a favor da redução de salários. Nós acabamos de
apurar o plebiscito lá pela uma hora da manhã, a troca de turno era às
11 da noite. Terminamos a apuração e fomos para o Sindicato, reunimos a
diretoria e avaliamos o quadro, afinal era a maior empresa da
categoria, e nós tomamos a decisão de desrespeitar o plebiscito.
Falamos: “Nós não vamos assinar o acordo.” Porque se assinássemos um
acordo numa fábrica daquelas, ficávamos obrigados a reduzir o salário
da categoria inteira. Outras empresas iriam propor o mesmo acordo.
Então, nós preferimos desrespeitar a votação do pessoal. Fizemos um
boletim, ainda de madrugada, fomos para a porta da fábrica, no dia
seguinte, e falamos: “Olha moçada, vocês vão nos desculpar aí, mas não
vamos respeitar a votação, o Sindicato não vai assinar o acordo, não
foi para isso que vocês colocaram a gente no Sindicato. Se vocês querem
alguém que faça isso, na próxima eleição vocês coloquem outro pessoal,
nós não vamos fazer.” Foi um negócio legal, porque o pessoal da fábrica
acabou achando bom o que o Sindicato fez, porque o raciocínio deles foi
o seguinte: “Eu aqui estou pressionado, eu tenho que fazer o que a
empresa quer, quem tem que defender a gente são vocês que estão lá.”
Então eles acabaram achando que o raciocínio do Sindicato estava certo,
apesar de desrespeitar a votação deles.
Vivemos esse processo durante anos nesse período, porque as pessoas
ficavam com muito medo, por conta da ameaça de demissão. Isso, por si
só, é um elemento que dificulta muito o cara a lutar, porque vem aquele
raciocínio: “O salário está pouco, mas sem emprego é pior ainda.” A
disposição de se mobilizar para melhorar o salário era sempre mediada
por isso, esse processo de reestruturação, essas mudanças na economia.
Por outro lado, o instrumento que nós tínhamos construído há alguns
anos para tentar enfrentar politicamente não tinha solução para esses
problemas no universo de uma empresa. A reestruturação que a Mannesman
estava fazendo era a mesma que a Belgo Mineira e outras empresas
faziam. Tinha a ver com um ordenamento econômico mais geral, que você
só enfrenta se consegue produzir também um processo de mobilização mais
geral para tentar mudar as regras em que se organiza a economia do
país. Não seria possível, no universo daquela empresa, garantir
emprego, melhorar o salário, garantir as condições de trabalho e o
resto do mundo cair. Isso não existe! Só que, dentro da nossa
avaliação, os instrumentos que nós tínhamos construído antes para fazer
essa luta geral estavam também se modificando, sofrendo um processo de
mudança muito grande, que é o processo que a CUT viveu. Em 1988, depois
do Congresso da CUT em Minas Gerais, começou a se operar um conjunto de
mudanças na orientação política da Central, que levou a que ela cada
vez mais deixasse de cumprir esse papel. A combinação desses fatores,
os problemas objetivos, as demissões, o medo das pessoas e o problema
subjetivo, com o papel que a direção do movimento cumpriu, acabou
diminuindo muito o processo de mobilização, de luta, em toda a década
de 90.
Isso começa a se recuperar no final da década, agora no começo dos
anos 2000, mesmo assim de forma muito mediada. Em certo sentido, nós
começamos a viver de novo um processo de reorganização dos
trabalhadores no país. Estamos no início dele, mas ainda vivemos uma
situação muito complicada nesse ponto de vista.
A CUT nasceu em um processo semelhante no começo dos anos 80. Na
época, havia a necessidade de juntar todos os trabalhadores, porque os
interesses eram comuns, essa função seria das Confederações e
Federações. Todas as categorias eram ligadas a Confederações nacionais.
Então, as Confederações poderiam ter unido as nossas lutas naquele
momento, mas elas se negaram a fazer isso, porque tinham relações
políticas e de dependência com o governo. Por isso, nós rompemos com as
Confederações e fundamos a CUT.
Hoje esse processo está se repetindo. Novamente, os interesses de quem
controla as organizações nacionais estão mais vinculados ao governo do
que aos interesses dos trabalhadores. Então isso gera uma crise, um
distanciamento que leva à ruptura de sindicatos, leva à ruptura de
federações como está acontecendo agora. Há todo um processo de
rearranjo do movimento que ainda vai durar anos. A situação hoje é mais
difícil do que era naquela época. Antes tinha mais luta, hoje tem menos
luta, então é mais difícil organizar o trabalhador, mas, estamos
vivendo esse processo hoje.
A Conlutas [Coordenação Nacional das Lutas] surge como uma resposta
quase que instintiva de um conjunto de sindicatos, na sua grande
maioria da CUT, à proposta de Reforma Sindical apresentada pelo governo
no começo de 2004. No interior da CUT havia avaliações bastante
diversificadas sobre a natureza do governo Lula. As expectativas em
relação ao governo eram também diversas. O problema é que, na medida em
que o governo começou a implementar suas políticas, houve um
alinhamento da CUT, ou do setor majoritário na Central, com as
políticas do governo.
Isso explodiu numa crise já em 2003, quando o governo implementou a
Reforma da Previdência, que naquele momento atingiu mais o setor
público. Houve uma greve nacional dos servidores públicos contra a
Reforma. A enorme maioria das organizações que fizeram essa greve era
filiada à CUT, mas a CUT ficou do lado do governo. Ela dizia que era a
favor dos trabalhadores, mas não apoiou a greve e defendia que deveria
haver duas mudanças: botar um teto para a aposentadoria, acabar com a
aposentadoria com salário integral que os servidores tinham, e
regulamentar os fundos de aposentadoria complementar, que tem a ver com
a privatização da Previdência. Essa era a essência da proposta de
Reforma da Previdência, do governo. Foi o primeiro cisma que surgiu,
digamos assim, entre a CUT e os sindicatos que ela representava. Porque
entre a defesa dos interesses dos trabalhadores e daquilo que era a
política do governo, naquele momento, a CUT preferiu ficar com a defesa
da política do governo. Abriu-se uma crise, contida naquele momento
porque atingiu fundamentalmente o setor público e o grosso dos
sindicatos da CUT estão no setor privado.
Essa coisa explodiu em 2004, quando o governo apresentou, junto com
a CUT e a Força Sindical, uma proposta de Reforma Sindical que foi
elaborada dentro do Fórum Nacional do Trabalho. O DIEESE, em certo
sentido participou disso também. Se eu não me engano ele era o relator
do Fórum. Essa proposta de Reforma, na nossa avaliação, era um desastre
total. Pelo menos em dois sentidos: ela restabelecia o controle do
Estado sobre os sindicatos, a ponto de que nós recuávamos para antes da
Constituição de 88. Quando nós fizemos nossa greve geral em 79, em
Santo André e em São Bernardo, o governo interveio nos sindicatos,
afastou a diretoria, nomeou uma junta governativa; depois em 80 também.
Na Constituição de 88, o governo perdeu essa prerrogativa, ou seja, o
Ministério do Trabalho perdeu o direito de intervir na entidade
sindical. Ela passou a ser mais livre do que era. Com a Reforma
Sindical se devolvia esse poder para o Ministério do Trabalho, que
teria direito não só de intervir no sindicato, mas de caçar a
representação sindical. Ele deixa de representar os trabalhadores se a
entidade deixar de cumprir determinadas regras estabelecidas pelo
Ministério. Então, do ponto de vista da liberdade de organização
sindical, a Reforma era um desastre. Além disso, ela transfere o centro
de poder para a cúpula da estrutura sindical.
Quando nós fundamos a CUT, tínhamos o objetivo de deslocar para a
base o centro de poder dos sindicatos. O centro de poder da estrutura
sindical hoje são os sindicatos porque eles têm o poder de arrecadação.
É o Governo e o Sindicato que podem arrecadar nesse país aqui. E tem o
poder de contratação. Ele pode assinar o acordo estabelecendo leis,
regras que a empresa e os trabalhadores são obrigados a cumprir.
Federação e Confederação não têm esse poder, a não ser que o Sindicato
autorize expressamente. Na época da fundação da CUT dizíamos que esse
poder que está na mão da direção do Sindicato deveria ser deslocado
para a base. Nosso objetivo era organizar o trabalhador em cada
empresa, fazer com que eles controlassem esse processo porque era muito
poder nas mãos dos sindicatos. A gente nunca conseguiu fazer isso na
CUT.
O que a Reforma Sindical fazia? Ela estendia esse poder de
negociação, de contratação e arrecadação para a Central Sindical, então
jogava este poder para mais longe do controle dos trabalhadores. Quer
dizer, se já havia problemas com esse excesso de poder na direção dos
sindicatos, se a Central Sindical passa a ter esse poder, os
trabalhadores ficam mais distantes ainda. Outro problema era que, junto
com isso, a Reforma disponibilizava para a negociação os direitos
trabalhistas que nós temos hoje. Então hoje prevalece um princípio na
lei que é que o legislado vale mais que o negociado. Ou seja, nenhum
sindicato pode negociar um acordo reduzindo o direito trabalhista do
empregado. Se o sindicato assina um acordo acabando com o seu
décimo-terceiro, você vai à Justiça e segue tendo o seu décimo-terceiro
porque prevalece aquilo que está na lei e não aquilo que foi negociado
no que diz respeito aos direitos. Esse critério é invertido com aquela
proposta de Reforma Sindica,l de forma que o que foi negociado
prevaleceria sobre aquilo que está na lei. Juntando as coisas, a
Central Sindical poderia negociar em nome dos trabalhadores, sem fazer
assembléias e assinar uma coisa que passaria a ser uma regra para o
trabalhador. Ao mesmo tempo, o direito trabalhista que eu tenho está
disponibilizado para negociação. É só fazer conta de um mais um para
saber o que iria acontecer.
Mas é uma Central bastante diferente dessas que existem hoje.
Queremos resgatar aquilo que era um princípio da nossa luta na década
de 80: a independência de classes, a democracia, a luta como forma e
caminho para mudar o país, e não da parceria com os patrões, que acabou
sendo adotado de novo pelas Centrais. Mas a gente quer ver se avança em
relação às limitações que as Centrais têm hoje. A Conlutas não organiza
apenas sindicatos. Organiza movimentos populares, movimentos sociais,
estudantes, organização de desempregados e todo mundo que queira lutar
para mudar o país. Porque partimos de um pressuposto que é a nossa
realidade: mais da metade da classe trabalhadora, hoje, está fora dos
sindicatos, porque ela não está no mercado de trabalho formal - ou ela
está desempregada, ou ela trabalha por conta própria, ou ainda é
camelô. Mas todos fazem parte da classe trabalhadora. Nós queremos
incentivar a luta de classes. Essa organização que a gente está
construindo, pretende agrupar todo mundo.
O nosso Congresso tinha aproximadamente 215 sindicatos, 110
federações nacionais, cerca de 115 oposições sindicais e 87
organizações de movimentos sociais: movimento de luta por moradia,
movimento hip hop, movimento de luta contra a discriminação racial,
contra a opressão da mulher. É um negócio muito legal. Temos um grande
desafio no que diz respeito à estrutura da direção da Conlutas
A partir do começo do ano que vem [2007] vamos realizar seminários
para estudar esse problema da estrutura sindical, os problemas que os
sindicatos no Brasil têm. Estou preparando um texto e para isso estou
lendo um livro da companheira que foi diretora técnica do DIEESE, a
Heloísa Helena [Heloísa Helena de Souza Martins]. O texto dela é muito
bom. O texto está sendo muito útil para mim. Porque nós queremos
discutir o problema da relação do Sindicato com o Estado, que é uma
característica do capitalismo, uma coisa quase que inevitável, mas é
muito importante estudar a particularidade desse processo de construção
na estrutura sindical no Brasil, porque não há consciência por parte
dos dirigentes sindicais sobre isso. Particularmente dessa geração mais
nova que entrou agora, que não viveu aquele período da ditadura, que
começou a militar agora nos últimos dez, quinze anos.
As pessoas que entram nessa estrutura [no sindicato] sem compreender
o que significa, de fato, se corrompem muito facilmente. Porque o
Sindicato foi construído no Brasil neste modelo: controlar a luta do
trabalhador, não para impulsionar a sua luta. Então é um espaço que nós
temos que ocupar. O Sindicato é referência para a luta dos
trabalhadores, mas a natureza de sua organização é outra. O dirigente
entra, se adapta e vira mais um burocrata. É triste, mas é preciso
reconhecer.
Então a gente quer ver se na Conlutas construímos uma estrutura
distinta. Nós não temos direção eleita na Conlutas. É uma entidade
nacional que funciona com coordenações. Tem a Coordenação Nacional,
Estadual, Regional e Municipal na medida em que vai se organizando, mas
não tem ninguém com mandato fixo. A cada reunião da Coordenação, a
entidade ou o movimento que participa da Conlutas manda o seu
representante para lá com as suas posições. A Coordenação Nacional, por
exemplo, se reúne a cada 60 dias. Trinta dias antes, a Secretaria manda
a convocação da reunião com uma pauta prévia, as entidades discutem e
mandam a sua representação. E aí, coletivamente, você delibera o que a
organização vai fazer. Na próxima reunião, se a entidade quiser trocar
o seu representante, pode trocar. É uma coisa que reúne a representação
dos movimentos e sindicatos que participam, mas não tem ninguém com o
poder de, permanentemente, deliberar pela entidade. Não é uma garantia,
em última instância não há garantia para essas coisas de que a entidade
não se degenere, mas são mecanismos que ajudam a manter um controle
mais permanente pela base. São desafios novos, são coisas novas que nós
estamos tentando implantar para ver se ajuda a enfrentar essa coisa. As
pessoas me perguntam muito isso: “Vocês ajudaram a fundar a CUT,
demorou 20 anos, deu no que deu. Agora vocês estão construindo a
Conlutas. Quanto tempo vai demorar para ela ficar igual a CUT?” Este é
o sentimento natural das pessoas, a desconfiança natural das pessoas,
particularmente depois da decepção com o PT e a CUT. Esse é um grande
problema para a Conlutas. Mas nós temos a obrigação de aprender um
pouco com o passado e tentar ver se aquilo que a gente faz daqui para
adiante pode ser melhor, mais seguro.
Fatos Marcantes
O começo da minha militância teve uma coisa muito legal que me
marcou. Eu fui preso em 77 e nós “comemos o pão que o diabo amassou” na
cadeia. Eu tinha um problema grande com a minha mãe, a minha mãe entrou
num desespero. Como eu jogava muito, eu saía muito de casa para jogar,
a minha mãe queria morrer, achava que eu ia para reunião. Foi um ano
insuportável. Eu até pensei em sair de casa porque eu não agüentava
mais brigar com ela, porque mãe é mãe, não é? “Ah, meu filho, toma
juízo porque vão te matar.” Aí, em 78, eu fui preso de novo. Em agosto,
eu já estava na Cofap. Nós fizemos um encontro nacional que foi quando
a gente construiu a Convergência Socialista. Fizemos um encontro aqui
em São Paulo e nós erramos na avaliação de conjuntura e fizemos um
encontro público, saiu até uma notinha no Estadão. No dia seguinte a
polícia prendeu toda a direção [da nossa organização], prenderam quase
30 pessoas. Eu fui preso porque no dia em que ocorreram as prisões, eu
tinha ido à casa de um militante da direção e a polícia estava
prendendo ele.
Dom Cláudio Hummes, que agora é arcebispo de São Paulo, era bispo lá
de Santo André, e o pessoal do Sindicato dos Metalúrgicos [convocou uma
Assembléia na igreja para ver o que fazer sobre as prisões. Tinha sido
preso um monte de gente, quase umas 30 pessoas. Lá na discussão da
igreja, resolveram fazer uma greve de fome. Minha mãe foi quem propôs
na Assembléia fazer a greve de fome para ver se tirava o pessoal. Ela
veio aqui para a PUC, no Tuquinha [salão Beta da PUC], mais umas
senhoras da igreja e alguns estudantes e começaram a fazer greve de
fome.
E foi muito legal porque eu saí da cadeia com 13 dias, 14 dias. Nós
estávamos em greve de fome dentro da cadeia e eles fora. Eu saí e
discutimos entre nós a idéia de que eu voltasse para o ABC para tentar
ver se retomava as coisas lá e minha mãe continuou em greve de fome.
Eles ficaram um mês em greve de fome, porque ainda tinha gente presa.
Foi a partir daí que ela começou a participar das reuniões da
Convergência Socialista, deixou de brigar comigo e passou a participar
das atividades políticas. Ela ajudou em todos aqueles processos, ajudou
a fundar o PT, militou até morrer. Ela morreu há dois anos, já
velhinha, mas sempre que podia participava das atividades. Isso foi
muito gratificante para mim. Eu acho que ela nunca entendeu muito bem o
que a gente queria fazer, mas ela se identificou com a coisa e foi
muito bom.
Outro fato foi quando a gente teve que romper com o PT e fundar um
outro partido. Porque nós fundamos o PT, mas nós nunca tivemos muita
expectativa sobre o que o PT poderia ser, além de um partido de classe
que pudesse organizar os trabalhadores de uma forma mais geral. Mas não
tem como construir um projeto daqueles, com o esforço e a dificuldade
que era naquela época, sem se identificar com ele.
Em 92, a nossa corrente foi expulsa do PT. Isso se deu por causa de
uma campanha pela derrubada do presidente Collor de Melo, o chamado,
“Fora Collor”. Quando começaram a surgir as denúncias de corrupção no
governo Collor, nós começamos, através de alguns sindicatos, a fazer a
campanha pelo impeachment do Collor, o que ficou conhecido como o “Fora
Collor”, e a avaliação da direção do PT, naquele momento, era que o
Collor iria se desgastar até 94 e neste ano o PT ganharia as eleições.
Nós achávamos que tinha que fazer um processo de mobilização para isso.
Houve um atrito grande, numa reunião com o José Dirceu, que na época
era o Secretário Geral do PT. Ele disse: “Olha, ou vocês param de
publicar o jornalzinho de vocês...” - nós tínhamos um jornalzinho
nosso, naquela época - “e param de defender publicamente qualquer
posição diferente do partido, ou botamos vocês para fora.” Nós fizemos
uma avaliação e achamos que não valia a pena aceitar as exigências da
direção do partido e falamos para eles que podiam fazer o que
quisessem, que nós íamos continuar fazendo o que a gente estava
fazendo. Aí o encontro do PT expulsou a gente. Lançamos um chamado para
construir um outro partido [PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado]. Sabíamos que a condição era muito difícil, o espectro
político, digamos assim, a esquerda do país estava completamente
ocupada pelo PT, o espaço fora do PT era uma coisa muito pequena e que
íamos começar a construir um outro partido numa condição que era muito
difícil. Podia transformar a gente numa seita, como tem muita seita por
aí hoje. Mas a gente resolveu fundar um novo partido.
No final da década de 90, chegamos a lançar uma candidatura à
presidência contra o Lula. Nós ajudamos com a nossa atividade política
a construir a figura dele desde o final da década de 70, a fortalecer a
idéia de que Lula era uma liderança operária que poderia ajudar a mudar
o país. Mas nós tivemos que mudar porque a gente chegou à conclusão de
que o governo dele, pelos acordos e pelos compromissos que havia
estabelecido, não ia mais mudar as coisas, que já se tratava de uma
ilusão. Então foi um processo que também marcou muito.
A avaliação que temos hoje é de que, no geral, fizemos as coisas
certas. É claro que cometemos muitos erros, mas em geral as coisas mais
importantes estavam certas e nós achamos que o período mais difícil
passou. Hoje, evidentemente é mais fácil olhar para trás e ver o que
foi certo e o que foi errado, mas se tem uma coisa que nos alivia
bastante é poder tirar as conclusões em relação ao que foi o primeiro
mandato do governo Lula e ver que confirmamos muita coisa do que
falamos sobre o governo dele. Acreditamos que ainda está muito
distante, no Brasil, a construção de uma organização política capaz de
representar efetivamente os problemas dos trabalhadores no sentido de
ter condições de construir um processo de mobilização que possa mudar a
estrutura econômica do país. Somos muito pequenos, muito fracos ainda
perante o tamanho do desafio que temos. Mas estamos construindo um
ponto de apoio importante para poder construir essa direção, um acúmulo
de quadros grande com uma inserção bastante significativa dos
movimentos sociais que se construiu numa situação muito adversa, muito
difícil. Esses dois processos foram marcantes para mim. Eu vivo muito
em função disso, da militância. Sobra muito pouca coisa para o que não
seja isso.
Manipulação de Índices
Em 77, a gente começou a fazer uma campanha salarial no ABC ainda de
forma dispersa, que tinha a ver com a recuperação das perdas que nós
tínhamos tido no começo da década de 70. O Delfim Neto era o Ministro
da Fazenda naquela época e ele falsificou os índices de inflação do
país e, dessa forma, foi arrochando o salário, porque havia uma lei que
reajustava o salário de acordo com a variação da inflação. E o DIEESE
dizia que a nossa perda era 34,1%.
A gente não sabia direito o que era DIEESE, mas sabíamos que o
“DIEESE dizia que tínhamos direito a 34,1% de aumento”. Essa era a
bandeira fundamental em torno da qual a gente organizou aquelas
mobilizações todas que houve lá em 1977, principalmente 78 e 79, que
era a reposição das perdas salariais de acordo com os cálculos que o
DIEESE fazia. Ajudou a mobilizar o pessoal por que era um dado
concreto, era um número que não se podia negar. Tinha sido tirado da
gente.
Então o DIEESE era uma coisa que todo mundo sabia que tinha, o tal
do DIEESE, que dizia que a gente tinha 34% de reajuste que havia sido
roubado da gente. Mas o que era exatamente, na medida em que você vai
participando mais, você vai sabendo, mas foi o primeiro contato que eu
tive com o DIEESE. Depois, nas negociações, a partir da campanha
salarial de 79, eu fui eleito para comissão de salários do Sindicato de
Santo André, então participava das negociações e o DIEESE acompanhava a
gente lá. Era o Barelli [Walter Barelli], naquela época, que fazia
negociação com a gente aqui na FIESP [Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo]. Foi a partir daí que eu tive um contato mais
direto com o DIEESE, antes era uma coisa mais de ouvir falar.
Importância do Dieese
O DIEESE cumpre um papel essencial para o movimento sindical
brasileiro e acho que o sindicalismo brasileiro entende muito pouco
isso. Grosso modo, todos nós - e eu não estou falando dos outros
setores apenas, mas da corrente na qual milito também - deveríamos
buscar dar consistência para aquilo o que a gente faz. O papel
fundamental do Sindicato é intervir na realidade do país, tentando
defender os direitos das pessoas. Buscar melhorar as condições de
trabalho, condição salarial, mas a gente faz isso de uma forma muito
grosseira nos sindicatos.
Eu me lembro que em 88, o Sindicato dos Metalúrgicos de Araxá se
vinculou à Federação [Democrática] dos Metalúrgicos de Minas Gerais. O
presidente do Sindicato chamava-se Marcão, um sujeito muito simpático.
Antes eles tinham uma Associação, que transformaram em Sindicato e se
filiaram à nossa Federação. Na primeira negociação com a CBMN
[Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração], empresa que explora
uma mina de níquel, de nióbio na região, houve uma crise. Ele pegou a
pauta de reivindicações que a Federação tinha feito no Congresso e
apresentou para a empresa. A empresa, na primeira negociação perguntou:
“por que vocês estão reivindicando esse índice?” Ele pensou um pouco e
disse: “porque eu não sei não, mas nóis quer”. Ele não tinha
experiência nenhuma, não tinha nem como argumentar sobre o índice. Eu
lembro que a empresa ligou para Belo Horizonte, falou com o pessoal da
Federação, alugou um avião para pegar a advogada da Federação para
levar lá e ver se conseguia fazer a negociação. Porque era impossível
negociar com ele, ele não entendia o que estava reivindicando.
E como ele tinha insegurança em relação às coisas, não aceitava
mudar nada, a empresa tinha que atender à pauta de reivindicações que
ele entregou. Isso evidentemente é um exemplo extremo. Mas também
aconteceu algo com a gente. Quando ocupamos a Mannesman, em 89, não
demos conta que o forno já estava abafado, mas não sabíamos o que
fazer. O pessoal que trabalha no alto-forno queria ir embora para casa;
quem estava lá era gente que não entendia de alto-forno. Então nós
resolvemos fechar a água, porque tinha uma espécie de um chuveiro que
jogava água de forma permanente em torno do forno, para pressionar a
empresa. Mas isso foi melhor para ela, por que quando a gente fechou a
água o calor dentro do forno permaneceu por mais tempo, então a gente
estava fazendo uma coisa que ajudava a empresa ao invés de pressionar.
É necessário estimular as direções sindicais a estudarem para
compreender melhor o que está acontecendo no mundo em que as pessoas
vivem, particularmente no processo de produção das empresas cujos
trabalhadores ela representa, senão acaba promovendo um tipo de ação
sindical que tem muito pouca consistência. A pessoa reivindica um
determinado índice e às vezes não consegue nem explicar o porquê. Ou no
caso da Mannesman, que não sabíamos lidar com o alto-forno. Precisamos
ter informações sobre o processo de produção, a situação da produção da
empresa, as condições econômicas da empresa, qual é a relação que ela
tem com as suas terceirizadas, qual a importância que isso tem para o
processo de produção dela. Isso pode potencializar muito ou enfraquecer
muito a ação sindical que se desenvolve.
Um bom exemplo é a única vez que nós conseguimos parar a Fiat, em
Minas Gerais. A Fiat é do Sindicato (dos Metalúrgicos) de Betim [MG],
dirigido pelos companheiros da CSC [Corrente Sindical Classista], e é
uma empresa que tem uma política muito dura em relação aos sindicatos.
Para que se tenha uma idéia, ela deve ter 13 mil empregados hoje, dos
quais apenas 130 são filiados ao Sindicato. É um processo muito duro de
repressão. Um Sindicato da cidade de Lavras – interior do Estado de MG
- filiado à Federação, conseguiu parar 120 trabalhadores de uma empresa
fornecedora de autopeças que fornecia para Fiat no processo de just in
time. Como essa peça era fundamental para a produção do carro, a Fiat
parou por dois dias.
Então essas coisas têm a ver com o conhecimento da rede de
fornecedores, da produção da empresa e é um problema fundamental para a
ação sindical nos dias de hoje. Assim, a produção do DIEESE, os bancos
de dados, de informações, as pesquisas que o DIEESE faz, as informações
que ele consegue reunir, são muito úteis e muito necessárias para
qualificar melhor, para potencializar melhor a luta sindical dos nossos
sindicatos e dos movimentos sociais no país. Então, isso eu acho uma
coisa muito importante, não há alternativas a isso hoje.
Nós acabamos de fundar a Conlutas agora e decidimos que vamos nos
filiar ao DIEESE, já fizemos inclusive um pedido formal de filiação, só
falta mandar a ata de fundação. Há muitos sindicatos que não se filiam
ao DIEESE por falta de compreensão política, outros por falta de
dinheiro, há uma crise financeira grande nos sindicatos também, mas, em
última instância, eu acho que o problema fundamental é a falta de
compreensão política mesmo.
Há um outro aspecto da atividade do DIEESE que é o trabalho de
articulação política que ele faz. Eu, particularmente, tenho reparos
com relação a isso. Acho que o DIEESE deveria ter se distanciado mais
desse processo da Reforma Sindical, acredito que ele se comprometeu
demais com isso. Como foi a pedido das Centrais Sindicais, em última
instância, ele teria que fazer o que elas pediram. Mas aí há uma
mistura entre o que é o papel do Departamento, de levantamento de
informações, de orientação em termos de buscar qualificar a ação
sindical, e o que são iniciativas que tenham um caráter mais político.
E aí não existe política neutra, esse é o problema. Então há
evidentemente uma influência política forte das Centrais Sindicais
maiores, dos sindicatos maiores, que fazem parte da diretoria do DIEESE
e essas direções sindicais têm uma posição política. Particularmente,
acho que não é a melhor posição política hoje. É a diferença que nós
temos com a CUT, com a Força Sindical, e isso evidentemente interfere
na opinião que nós temos sobre as avaliações políticas que o DIEESE
faz, as conclusões políticas que eles tiram dos dados que estudam.
Agora os estudos, os dados são muito importantes. Nós temos outras
formas de interpretar os dados, outras conclusões acerca do estudo
desses dados. Mas isso não diminui a importância que tem o DIEESE.
Estamos fazendo um esforço na Conlutas para qualificar a atividade
dos sindicatos e estamos construindo todo um processo, um projeto para
formação política sindical. Mas em relação ao problema da análise
econômica e social da categoria e das empresas, nós orientamos os
sindicatos a buscarem o DIEESE. Nós não vamos nos dispor a construir
uma outra estrutura para fazer essas coisas porque nós não teríamos
condições para isso. Não vamos “reinventar roda”. Essa é a orientação
que damos aos sindicatos na Conlutas.
Recentemente, tive contato com um estudo muito bom do DIEESE sobre a
dívida externa, as implicações da dívida externa na situação social do
país, um levantamento das conseqüências do processo de endividamento,
principalmente sobre como é feito o pagamento da dívida, no que diz
respeito a questões como geração de emprego, moradia, salário mínimo,
um estudo muito legal. Parte fundamental da atividade de todo o
Sindicato deveria ser discutir o orçamento do país. Agora o governo
acabou de mandar uma proposta de orçamento para o Congresso Nacional,
para o orçamento 2007. A alocação das verbas que constam naquela
proposta de orçamento atinge a vida de todo mundo. Então, estudar isso,
compreender e discutir o que poderia ser feito de diferente com esse
orçamento é muito importante para quem está brigando pelo emprego, para
quem discute o problema da moradia. E toda a classe trabalhadora tem
problema com moradia. A questão da reforma agrária, a questão do
próprio salário, da valorização do salário mínimo e, a partir daí, do
resto dos salários, então essas coisas são importantes, acho que esse
estudo do DIEESE dá uma boa base. Nós divulgamos para os sindicatos,
pedimos ao pessoal para estudar, para acompanhar essa discussão, nós
estamos divulgando agora a proposta de orçamento, que o governo
apresentou no Congresso para 2007. Desse orçamento, 165 bilhões de
reais estão destinados para pagar juros da dívida. É muito mais do que
tudo o que é aplicado em saúde, educação, moradia, agricultura e
reforma agrária durante o ano todo. Isso é preciso discutir, se você
não discutir, não tem como ter solução para essas coisas. Outro tipo de
trabalho muito importante é o estudo da situação econômica das
empresas, a análise dos juros empresariais, da cadeia de produção e os
vários grupos econômicos que são estudados. Gosto muito do anuário
[Anuário dos Trabalhadores] que mostra de forma condensada, de forma
concentrada aqueles dados sobre a situação social do país. São muitas
informações que podem ser usadas no dia-a-dia para você educar as
pessoas, criar opinião acerca da necessidade de mudança da situação
econômica do país. Então tem muito material que o DIEESE produz que é
importante para gente.
E na sociedade em que a gente vive há uma luta permanente entre
interesses antagônicos. As formas como isso se apresenta são
diferenciadas, depende da circunstância política, depende do momento.
Mas é uma luta permanente entre os interesses da classe trabalhadora e
do setor que controla a economia, do capitalista, do capitalismo de
forma geral.
O DIEESE pode ser um instrumento muito importante para favorecer a
luta em defesa dos interesses do ponto de vista de um segmento da
sociedade, que é a classe trabalhadora. Portanto ele tem um papel muito
importante. Eu não acho que a luta em defesa das idéias, dos interesses
dos trabalhadores, se resuma a um problema de organizar e mobilizar as
pessoas. Isso é a parte que te permite reunir forças. Mas há toda uma
outra dimensão dessa atuação que é tão fundamental quanto esta, ainda
mais na forma como se organiza a sociedade hoje, que é disputar a
consciência, formar opinião. Por exemplo, há uma discussão se no
próximo governo vem uma outra reforma da Previdência ou ainda, outra
reforma trabalhista. A Conlutas vai fazer um seminário de 23 a 25 de
outubro [de 2006] para estudar a fundo as propostas que estão sendo
formuladas pelo Ministério do Planejamento. Vamos escrever uma cartilha
e iniciar um processo de debate nos sindicatos e em todos os segmentos
da sociedade que a gente puder. Porque se perdermos a discussão na
sociedade sobre a justiça das nossas opiniões, se passar para a
sociedade a idéia de que aquilo que o governo está falando, ou seja,
que a Previdência está quebrada, que não tem jeito, acabou para nós.
Podemos até fazer uma mobilização grande, mas a gente não consegue, com
essa mobilização, influenciar o Congresso e impedir a aprovação disso.
A base de argumentação para a defesa das idéias da classe trabalhadora
não é uma coisa secundária. Não basta dizer como dizia meu amigo
Marcão: “Eu quero porque eu quero.” Desse ponto de vista, a produção
feita pelo DIEESE, no sentido de buscar dar mais clareza, mais
conhecimento sobre a realidade em que a gente atua, buscar explicar as
conseqüências para a vida da gente dos mecanismos de produção que
existem no país hoje, dá argumento consistente para que possamos
defender as nossas idéias. Desse ponto de vista, eu acho que o DIEESE é
um dos patrimônios que nós conseguimos construir nos últimos 50 anos,
ele é muito importante.
O esforço do DIEESE em separar uma coisa da outra tem que ser
permanente. Não significa dizer que os técnicos do DIEESE não tenham
que ter opinião, todo mundo tem opinião, aliás, eu acho que todo mundo
tem que ter, mas tem que saber separar uma coisa da outra. A direção do
DIEESE tem uma posição política, são dirigentes sindicais, todos têm
posição política, mas se não separar uma coisa da outra, ele perde
eficácia. O problema da Reforma Sindical gerou um estremecimento. Mas
eu acho que isso é uma coisa que foi superada por conta dessa
importância, dessa contribuição que o DIEESE dá nessa outra dimensão.
Da construção de consistência, de base para que a gente possa defender
nossas idéias de forma concreta.
Avaliação/Dieese
Há duas questões que gostaria de apontar acerca das diferenças que
temos com o DIEESE. Primeiro, o DIEESE tira conclusões a partir da
análise dos dados, que são muito influenciadas por aquilo que o PT vem
defendendo nos últimos anos como programa econômico do partido. O
chamado “Programa por desenvolvimento, distribuição de renda e geração
de emprego.” Este é o nome genérico que se dá para algo que
essencialmente não muda nada da situação atual. Isso leva a que se
subvalorize as conclusões em relação ao problema da dívida.
O programa econômico que o PT construiu não pode questionar nenhum
dos fundamentos do modelo econômico implantado no país, o Lula fez essa
adaptação para poder ganhar as eleições, para poder ter apoio de um
setor fundamental do empresariado nacional. Como não se pode questionar
a dívida, buscam outras formas de tratar o problema causado por ela. O
programa econômico é reduzido à questão da taxa de juros, que tem que
abaixar, a investir na economia solidária, na pequena e micro empresa,
porque é a que mais gera emprego, mas não se discute um problema
fundamental que é de onde vai sair recurso para resolver os problemas
do país. De onde vai sair o recurso para investir na pequena empresa?
Para investir na pequena propriedade rural, na reforma agrária ou no
investimento ao pequeno agricultor rural? De onde é que vai sair o
recurso para valorizar o salário mínimo de forma decente? O DIEESE tem
o cálculo do salário mínimo de acordo com os preceitos constitucionais
que deve estar em 1540, 1580 reais. De onde viria o recurso para isso?
É possível ter um salário mínimo com esse patamar no nosso país? Nós
achamos que é possível desde que pare a sangria de recursos que existe
no país. Então isso tudo é secundarizado nas conclusões do DIEESE. Ele
aponta a necessidade de investir na pequena empresa, baratear o crédito
e diminuir os juros. Nada disso muda a situação do país.
A economia do Brasil muda de forma significativa em função dos
interesses dos trabalhadores, se houver uma ruptura com o cerne das
políticas do Fundo Monetário Internacional [FMI] que são aplicadas até
hoje no Brasil e que têm a ver fundamentalmente com a dívida. Toda a
economia brasileira é organizada para garantir um superávit, um volume
de recursos cada vez maior para seguir alimentando o pagamento da
dívida. E este pagamento não diminui a dívida, ao contrário, ela vai
aumentando. A cada ano que passa se paga mais de juros e de amortização
e, a cada ano que passa você está devendo mais. Se você pega os quatro
anos de governo Lula, foram 490 bilhões de reais, de acordo com o Banco
Central para pagar juros da dívida. Isso é mais do que o FHC [Fernando
Henrique Cardoso] gastou nos oito anos de governo dele. Não há nenhuma
hipótese de solução para qualquer problema que aflige a vida do
trabalhador, no que diz respeito à economia, sem que se resolva a
questão da dívida. Isso não está presente nas conclusões que o DIEESE
tira da análise que ele mesmo faz. Ele fez o estudo sobre a questão do
endividamento. Por que isso não está presente? Porque acaba recebendo
uma influência política da direção das Centrais Sindicais que têm uma
outra visão.
A CUT defendia o não pagamento da dívida externa e interna até o
começo da década de 90. Quando ela começou a se construir de forma mais
sólida dentro do PT a perspectiva de fazer um acordo com setores
fundamentais da burguesia para chegar ao governo, ela começou a deixar
de defender isso, até que, no Congresso passado, tirou esta questão do
programa. Por que a CUT tirou isso do seu programa? Porque o problema
da dívida hoje é menos grave do que em 83 quando ela foi fundada? O
problema da dívida hoje é muito mais grave do que foi naquela época.
Ela tirou por um problema de conveniência política. Pela relação com o
partido e com o governo. Porque o governo que ela apóia quer continuar
pagando dívida, não parar de pagar a dívida. Essas coisas acabam
limitando, às vezes, as conclusões políticas que se tira dos dados da
análise da realidade que a gente vive. O outro problema é a Reforma
Sindical. Eu acho que o DIEESE conhece muito a estrutura sindical
brasileira, conhece por dentro, e era perfeitamente possível chegar a
uma conclusão de que as mudanças que se propunham naquela reforma,
particularmente no que se diz respeito à estrutura sindical, estou até
tirando aqui o problema trabalhista, significariam um retrocesso. Se
levou em conta a lógica da cúpula das Centrais Sindicais. A cúpula das
Centrais Sindicais, todas elas, ganhariam muito com esse reforma.
Ganhariam poder, finanças, o direito de tributar, de arrecadar
recursos, muito mais recursos do que elas recebem hoje e um poder
enorme, na medida em que ela passa a assinar contrato. Então você
imagina o poder que uma Central Sindical tem se ela pode sentar com uma
Confederação de trabalhadores, de empresários, com a CNI, por exemplo,
e negociar o décimo -terceiro da turma. É muito poder. Agora isso é
contra tudo o que o chamado Novo Sindicalismo brigou nos últimos 20
anos. Quando a gente fundou a CUT, era contra isso.
O DIEESE não tem a obrigação de ser a favor das posições políticas
que nós tínhamos quando fundamos a CUT, nem dessas, porque o DIEESE é
justamente um Departamento de todas as Centrais e, portanto, não
deveria se meter nisso. Ao defender a proposta de Reforma Sindical, ele
se compromete com essas conclusões políticas. Acho que isso não tem a
ver com a sua função. Acho que nesse sentido ele peca. A defesa que o
DIEESE fez da Reforma Sindical, ela não tinha razão de ser. Por que
razão o DIEESE defendeu a Reforma Sindical? Essas mudanças trariam uma
melhora para estrutura sindical? Não tem ninguém que me convença disso.
E não é possível convencer ninguém. A própria CUT está numa crise
desgraçada por isso. Não havia base que permitisse uma conclusão de que
se fazia o melhor para o trabalhador. É o melhor para a cúpula
sindical, para o trabalhador, não. São coisas que têm a ver com essas
relações políticas, com a influência política que acaba contaminando as
conclusões. Obviamente, essa é a opinião de um setor do movimento
sindical, é a minha opinião, não é a opinião da CUT, nem a opinião da
Força Sindical, pelo contrário, acham que a Reforma era o melhor que
tinha. Nessas coisas, se estabelecem as diferenças. Por exemplo,
estamos discutindo na Conlutas uma estrutura de formação. O DIEESE
também faz formação, mas nós achamos que é mais difícil trabalhar a
formação em política sindical com o DIEESE. Nós vamos construir a nossa
própria estrutura de formação. Agora, no que diz respeito à outra
parte, não. Eu acho que é um trabalho muito importante que é feito e é
importante preservar a autonomia política do DIEESE em relação ao
governo, ao Estado, isso é fundamental. Porque se ele perde a
autonomia, perde a capacidade de ser crítico em relação àquilo que, de
fato, tem a ver com o seu papel. O seu papel não é apoiar esse ou
aquele projeto, e sim defender o interesse de um segmento da sociedade
que é a classe trabalhadora. Se você perde autonomia, você perde essa
capacidade de fazer isso.
Futuro do Dieese
Sobre as perspectivas para o trabalho do DIEESE eu acho que a tarefa
de construir conhecimento, levantar dados, sistematizar informações
acerca do processo em que se encontra a economia na sociedade
capitalista segue sendo uma necessidade fundamental. Então eu acho que
em termos de tarefas, de razão de ser, o DIEESE tem um desafio muito
grande pela frente ainda. O capitalismo vai organizando o processo de
produção a cada momento, da forma que lhe permita um retorno maior. Nós
vivemos uma crise continuada do capitalismo. Essa crise faz com que ele
busque organizar a sua forma de dominação e de espoliação para buscar
manter a taxa de lucro em patamares aceitáveis para o capital e isso
faz com que vivamos um processo continuado de aprofundamento da
exploração dos trabalhadores. Então o que a gente vive é uma agudização
cada vez maior da desigualdade na sociedade, da espoliação que se faz
contra as pessoas, da exclusão de uma parcela cada vez maior dos
trabalhadores do mercado formal de trabalho e de qualquer possibilidade
de vivência digna na sociedade. O desemprego, que é essa coisa
monumental que nós vivemos no Brasil, não ocorre só aqui, e não há
perspectiva de mudar isso para melhor enquanto prevalecer essa forma de
organização do capital. Agora isso traz implicações do ponto de vista
econômico e traz implicações do ponto de vista da organização do
processo de produção das empresas. Então isso que eu descrevi para
vocês da Mannesman, que tinha, sei lá, 11 mil empregados e tem 4 mil
hoje, é o que se vê na Volkswagem, que acabou de fazer uma discussão e
conseguiu aprovar um acordo que prevê a demissão de 3 mil e 600
companheiros até 2008. E você veja que a Volkswagem é uma das
montadoras de veículos que tem mais lucros no mundo, particularmente
nas unidades que ela possui no hemisfério sul, sendo que a do Brasil e
da África do Sul são as mais lucrativas. As unidades que ela tem aqui
no Brasil são as que dão mais lucro em todo o grupo no mundo todo.
Então, por que é preciso demitir 3 mil e 600 pessoas? Isso leva a uma
discussão que é política, ideológica, que tem a ver com os interesses
vigentes na sociedade. Tem uma outra dimensão que é demonstrar que não
é necessário esse ajuste que a empresa está fazendo para que ela possa
obter lucro.
Você pode até, dentro dos marcos de uma sociedade capitalista,
convencionar a idéia de que: “Bom, o lucro é necessário, senão a
empresa não pode sobreviver e demite todo mundo.” Essa é a idéia da
qual eles partem. Demonstrar que deste ponto de vista, de que o lucro é
necessário senão a empresa fecha, a empresa pode perfeitamente manter
os trabalhadores que tem sem demiti-los, sem causar o problema social
que vai causar, não é uma coisa secundária para o debate em toda a
sociedade. Então essa coisa é uma coisa que nós vamos ter que fazer,
essa discussão é uma discussão que está colocada hoje.
Então estudar como que é o processo, como se dá hoje a organização
do processo de trabalho, como há essa relação das cadeias produtivas, a
relação entre os diversos grupos econômicos. Por exemplo, se você pega
o setor de autopeças aqui no Brasil, tínhamos duas mil empresas até
pouco tempo atrás, hoje deve existir um pouco mais de duzentas e
concentradas na mão de multinacionais, na sua maioria. Então estudar
esses processos para que a gente tenha argumentos não só para a luta no
cotidiano, para discutir com a categoria, mas, fundamentalmente, para
discutir com a sociedade. Porque aqui há um problema que tem a ver com
a característica da sociedade. Você não tem uma solução para um
problema especifico que você enfrenta no seu local de trabalho sem
enfrentar o problema geral. Para você enfrentar o problema geral, você
tem que criar opinião. Não é só a mobilização da categoria. Você tem
que fazer a mobilização da sociedade. E os sindicatos têm que aprender
a combinar essas duas coisas, porque o Sindicato não pode limitar a sua
atuação só na sua esfera específica ali da empresa, da categoria.
Porque a capacidade de solucionar os problemas é muito limitada. Agora
ele não pode só fazer a luta ideológica ou a luta política geral na
sociedade. Ele tem que fazer a luta concreta dele ali na categoria, no
local de trabalho. Para isso ele precisa de informação, ele precisa de
dados, de conhecimento. E é muito difícil cada sindicato sozinho
produzir esse conhecimento. Esse é o papel que eu acho fundamental do
DIEESE, enquanto um Departamento que atua para todos os sindicatos.
Eu acho que é muito importante o DIEESE conseguir combinar essa
coisa do levantamento de informações na dimensão mais concreta do
processo de produção, a relação entre os grupos empresariais e também
avançar no estudo das condições econômicas do país, das conseqüências
que tem para o país o processo de subordinação que a gente vive em
relação aos interesses do capital internacional. Não há nenhuma
política econômica que se aplica no país sem passar pelo crivo do FMI.
E as políticas econômicas têm conseqüências concretas na nossa vida.
Então, essa dimensão mais geral da luta política, que sempre foi
importante na época em que nós vivemos é mais importante ainda, ela
também acaba cobrando resposta dos institutos que ajudam na formulação
da política dos trabalhadores.
Por isso que eu gostei desse estudo do DIEESE sobre a dívida, mas eu
acho que era importante ter uma coisa mais densa, que tomasse de forma
mais completa a análise disso. Mas deve ser muito difícil de fazer isso
porque não vai haver acordo com as Centrais Sindicais. Qualquer estudo
mais sério que seja feito da questão do endividamento, por exemplo, ou
da subordinação das políticas econômicas, das reformas que se aplica
aqui, com os acordos internacionais que são feitos é barrado pelas
Centrais. A Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista, Reforma
Sindical estão todas previstas nos acordos que o governo assina com o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Uma análise mais
precisa disso, acho difícil que o DIEESE possa fazer por causa das
implicações políticas. Não acho que haveria acordo, por exemplo, na
direção da CUT de formular um trabalho sério nesta área. Um trabalho
sério nesta área vai levar, necessariamente, a retomar aquela bandeira
histórica no movimento sindical brasileiro, que é parar de pagar a
dívida externa e interna, isso leva a um choque com aquilo que o
governo está fazendo.
Avaliação/Trajetória de Vida
A militância é fundamental na minha vida. Eu não consigo enxergar
minha vida por fora disso mais. Pode ter sido pela forma que eu entrei
nisso ou a forma pela qual eu me relaciono com as coisas, mas isso
acaba tomando quase tudo. Fora dessa atividade sindical, da atividade
política, houve muito pouca coisa na minha vida. Mesmo minha vida
pessoal, minha vida afetiva, a minha vida é muito cruzada por isso.
Evidentemente eu vivi muita coisa legal, muito bonita. Tem gente de
quem eu gosto muito, adoro muito, mas a minha vida é muito cruzada por
isso, tumultuada por isso.
Eu não consigo me enxergar como uma liderança política, liderança
sindical, essas coisas. Tem pelo menos uma parte de nós que viveu este
processo todo, que faz um esforço consciente para tentar manter o pé no
chão. Porque uma boa parte da geração nossa se perdeu nesse negócio. Eu
conheci muita gente que começou a militar comigo e depois se perdeu.
Subiu à cabeça o negócio e... Sei lá, tem n exemplos que eu poderia
citar aqui, de gente ultra-esforçada, trabalhadora, gente séria e que
se perdeu de uma forma que você olha e não acredita.
Agora, fora isso, essa vida nossa, se a gente entende ela com esse
ponto de vista, é uma vida que é muito sacrificada. Você trabalha muito
mais do que as outras pessoas, ganha muito menos do que as outras
pessoas porque necessariamente é assim, você acaba tendo um tipo de
atividade que te leva a deixar sua vida profissional de lado e vai
vivendo nas condições que é possível viver, você tem muito pouco tempo
para a família, para o lazer. E particularmente quando te liberam da
atividade na fábrica, no meu caso eu sou metalúrgico, para atuar no
Sindicato, isso gera uma contradição porque você é dono do seu tempo.
Então das duas uma, a maior parte das pessoas passa a usar o tempo para
tocar a sua vida, vão estudar, vão fazer não sei o quê; outros começam
a levantar mais tarde e outros, para tentar se cuidar, começam a
trabalhar mais do que trabalhavam. Então eu tenho uma jornada de
trabalho que é de 12, 14 horas por dia, pelo menos. Sem fim de semana,
sem direito a nada. Porque você vai marcando uma coisa, vai marcando
outra e eu fico sem jeito de dizer: “Bom, não dá para fazer. Esse final
de semana eu vou descansar.” É difícil, porque para as pessoas que
estão organizando aquela atividade, é só aquela atividade; para mim é
uma por dia. Mas se a pessoa pede e eu falo não para elas, não teve
atividade. Então você vai se envolvendo com o trabalho de uma forma que
te toma praticamente a vida inteira.
Agora, por outro lado, eu vou dizer uma coisa, não tem nada que a
gente possa fazer da vida da gente que tenha mais sentido. E se você
tomar conhecimento de como o mundo funciona, de como é que são as
coisas e se você não consegue se desvincular disso, esquecer que o
mundo é assim, não tem como você tomar a sua vida de uma forma melhor a
não ser dedicando ela - ou uma parte dela - para mudar esse mundo. Para
ver se as coisas são diferentes do que eram. Você pega hoje - para te
dar um dado que eu estava vendo esses dias num trabalho da igreja - no
Brasil, morrem 80 mil crianças de fome por ano. Aliás, o governo
contestou, disse que é um absurdo, que está errado, que são só 40 mil.
E o Brasil é um dos países mais ricos do mundo. Nós podemos produzir
alimento para o Brasil inteiro e para mais da metade da América Latina
com as terras que nós temos, que são próprias para produzir alimento. É
um dos países que têm mais recurso mineral do planeta, não é só
petróleo, é o nióbio, 98% do nióbio do planeta está aqui, está em Minas
Gerais e no Amazonas, urânio, ferro, tudo. Por que diabos num país tão
rico assim têm que morrer 80 mil crianças de fome por ano? Com os
bancos batendo recorde de rentabilidade todo ano. Então se você se
enfrenta com uma realidade dessas e não consegue se desvincular dela, a
melhor coisa que você pode fazer da sua vida é um esforço para tentar
mudar a sua situação. Então, dentro desse ponto de vista, eu não me
arrependo de nada, de absolutamente nada. Se eu tivesse que fazer tudo
de novo, ia ser tudo de novo. Ia tentar errar menos. Mas na forma de
fazer as coisas, de trabalhar, de viver, eu ia fazer as mesmas coisas,
tudo de novo.
O meu sonho é mudar esse país, mudar o mundo. Ou seja, é muita
coisa. Na última campanha para presidente da República, acho que foi lá
em Pernambuco, logo depois de um debate, chegou um menino que até
apoiava o PT, apoiava o Lula naquela época e veio brincar comigo: “Ah,
Zé Maria, você sabe essas coisas todas, porque você não quer se
eleger?” E eu estava falando para ele: “Nós temos muito mais ambição do
que o PT. A nossa ambição é muito maior. Porque tem uma parte das
pessoas que tem como ambição arrumar um cargo público, virar deputado,
virar presidente. E a nossa ambição é maior que isso, nós queremos
mudar o mundo. Então não é pouca coisa, a gente quer fazer uma
revolução, mudar a estrutura econômica, política e social do país. É
uma coisa que nós não vamos fazer por nossa vontade, vai depender de um
processo de organização, de mobilização muito grande.” E o meu sonho é
esse.
A minha atuação sindical, na verdade, tem a ver com isso. É uma
forma como eu me localizo na sociedade para essa luta. Então, um
sentido que guia a minha atividade sindical é esse. É o objetivo
político que nós traçamos neste grupo que a gente milita. Esse é o
objetivo. Então a gente briga para melhorar o salário, para melhorar
emprego, para impedir a aprovação da reforma trabalhista, para impedir
a reforma da Previdência, mas tudo isso é paliativo. Porque é uma briga
que não tem fim. É que nem na época da inflação que a gente brigava,
como foi na greve da Mannesman, conseguimos 60% de aumento e passava
uns dois meses e o aumento já tinha sido comido pela inflação.
Então é assim no capitalismo, você não tem como melhorar
efetivamente a vida das pessoas. Pelo contrário, a condição de vida das
pessoas vai se degradando cada vez mais. Então a nossa atividade do
dia-a-dia tem a ver com defender as condições de vida das pessoas, mas,
fundamentalmente, transformar essa luta em conscientização, em
organização para que a gente possa mudar a estrutura das coisas e
quando mudar a estrutura das coisas vai ter uma melhora de fato da vida
das pessoas. Então é todo um trabalho de organização, de educação, de
experiência para que as próprias pessoas cheguem à conclusão de que
precisam de uma mudança mais de fundo e são elas que vão ter que lutar
para mudar. Não somos nós, sozinhos, de um partido, de um grupo, isso
não existe. Então o sonho é esse, a gente avançar nesse sentido. Se eu
vou estar vivo quando isso acontecer, eu não sei, mas eu quero fazer a
minha parte.
Família
Eu tenho um filho de sete anos que se chama Gabriel. Ele está
estudando. Mora com a mãe aqui em São Paulo. Ele é muito legal. Me
ligou agora quinta-feira passada, eu estava, acho que em Brasília, e
falou que tinha tido eleição na escola dele para presidente e para
governador e que ele votou nulo. Votou nulo para presidente e votou
nulo para governador. E aí eu falei: “Porque, filhote, você votou
nulo?” “Ah, pai, ninguém presta”. Ele deve estar vendo TV. O noticiário
da televisão, as pessoas que vêem, qualquer um que vê aquilo, a
conclusão que chega é essa.
Encontrei com ele no começo da semana, a gente conversou um pouco,
depois ele perguntou: “Papai, o partido do senhor lançou candidato?” Aí
eu falei: “Lançou filhote, mas aqui em São Paulo, só lançou para
senador e para deputado.” Porque aqui nós apoiamos o candidato a
governador, Plínio [Plínio de Arruda Sampaio] do PSOL [Partido
Socialismo e Liberdade] e a candidata a presidente, Heloísa Helena. E
ele falou: “Ah bom... não teve votação nem para senador, nem para
deputado.“ Acho que ele quis dizer: “Eu falei pro pai, não votei nulo
nem no partido dele.” Ele é muito legal.
Quando eu fui candidato [à presidência da República, pelo PSTU] a
última vez [2002], ele tinha três anos. Ele falava o tempo todo para os
amigos da escola que o pai dele era candidato a presidente da República
e ia ganhar. “Porque vai ganhar, vai ganhar, vai ganhar...” E eu
conversava com ele. Aí teve o resultado da eleição, ele me ligou e
falou: “Papai, a Lula ganhou”. Ele falava a Lula, porque “Lula, não
pode ser o Lula”. E: “A Lula ganhou, mas o senhor também ganhou,
papai.“ “Então tá bom....” Ele é muito legal.
Avaliação/Projeto Memória
Achei legal esse projeto por duas razões. Primeiro pelo papel que o
DIEESE cumpriu e cumpre até hoje. Eu valorizo muito isso. Segundo,
porque vai além da minha relação profissional, tem pessoas que
trabalham no DIEESE que eu gosto muito e respeito profissionalmente.
Então achei muito legal poder ter dado esse depoimento.
É necessário estimular as direções sindicais a estudar para compreender
melhor o que está acontecendo no mundo, particularmente no processo de
produção das empresas cujos trabalhadores ela representa. Senão, acaba
promovendo um tipo de ação sindical que tem pouca consistência.
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