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Solange Sanches

solange_sanchesHistória Temática

Identificação

Meu nome é Solange Sanches, eu nasci em São Paulo, em 18 de agosto de 1956.

 

 

Formação Acadêmica

 

 

Eu sou socióloga e tenho especialização em Economia e Gestão das Relações do Trabalho.

 

 

Trajetória Profissional

 

 

Meu primeiro trabalho foi como recepcionista numa empresa de importação e exportação de produtos químicos, em 1976.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

O DIEESE estava precisando de pessoas para ajudar num trabalho para o 1º Congresso da Mulher Metalúrgica, que se realizaria em janeiro de 1978. Precisava de estagiários para ajudar na preparação de dados para o Congresso. E aí, uma amiga chamada Rita (Rita de Cássia G. Braglia) que trabalhava no DIEESE, chamou a Vera [Vera Gebrin] e eu. O nosso trabalho era riscar as guias de contribuição sindical, separar homens e mulheres para depois fazer a distribuição salarial,, quantos eram homens, quantos eram mulheres, as faixas salariais e etc. Depois que acabou esse trabalho, o pessoal precisava de alguém para ajudar a tabular os dados da cesta básica em São Bernardo do Campo. E aí eu fiquei para fazer essa tabulação e Vera, que tinha entrado comigo, foi contratada como pesquisadora. Fiquei mais uns dois ou três meses para fazer a tabulação dos dados, e depois fui implantar a pesquisa de preços, que era quando íamos pela primeira vez nos estabelecimentos e explicávamos que a partir daquele momento teria a pesquisa ali.

Naquela época, era o máximo trabalhar com os sindicatos. Era um ambiente de trabalho muito legal, mesmo porque você via figuras importantes, o [Walter] Barelli, passando por ali, conversando com você, os dirigentes sindicais entrando e saindo, então, eu achei o máximo. A idéia de trabalhar, ajudando os sindicatos era uma coisa espetacular. Eu gostei muito, por isso quando o pessoal ofereceu esse outro trabalho [pesquisa de preços], eu aceitei. Ainda era 77 e o Sindicato dos Metalúrgicos já era um sindicato importante. Eu ia ao sindicato conversar com os dirigentes. Eles me ensinavam a ir para os lugares. Em São Bernardo, no ABC, encontrei com o Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] algumas vezes. Então, tudo o que eu queria era trabalhar no DIEESE. Mas só fui contratada bastante tempo depois.

Fiz outras pesquisas, como uma pesquisa em que ficamos no Sindicato da Construção Civil de São Paulo, entrevistando os trabalhadores. Foi uma coisa muito interessante, porque era a história de vida e profissional dos trabalhadores da construção civil. E depois, em 1982, fui contratada como pesquisadora de campo da PPVE [Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego] que o DIEESE estava fazendo e que é a pesquisa básica para o cálculo Índice de Custo de Vida. Como eu morava no Jabaquara, essa área de Diadema, São Bernardo foi a área em que eu fiz a pesquisa de campo na época. Depois eu fui trabalhar na crítica, na pesquisa e fiquei vinte e três anos no DIEESE.

Trabalhei alguns anos como auxiliar técnica e virei técnica do DIEESE em 86, não me lembro se eu estava no Índice [ICV] ainda. Fiquei trabalhando pouquíssimo tempo nas Carmelitas [Rua das Carmelitas, no Sindicato dos Marceneiros], porque a PPVE e a montagem do Índice era feita no Sindicato dos Químicos, na Rua Tamandaré. Então, trabalhávamos lá nos [Sindicato dos] Químicos. Um pouquinho antes de começar o ICV, viemos para o Parque da Água Branca. Depois fui trabalhar no Atendimento Sindical, na Rua das Carmelitas e fiquei alguns meses lá.

Em 1988, 89, eu e a Vera fizemos uma pesquisa chamada “A Participação dos Trabalhadores nas Empresas Estatais”, coordenada pela Annez Andraus Troyano. Percorremos o Brasil, fazendo entrevistas nas empresas estatais. Era quando surgiram os diretores representantes. Olhávamos todas as formas de participação dos trabalhadores na empresa desde a CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] até o diretor-representante e fazíamos também aquele trabalho de atendimento do DIEESE ao movimento sindical. Eu, por exemplo, tinha sido designada para atender o pessoal do Sindicato dos Professores. Em 2004, eu estava numa situação entre o DIEESE e a minha família, porque o Prado [Antonio Prado - marido] tinha ido para Brasília, um na antes, e eu estava aqui [São Paulo]. Então fui para Brasília trabalhando pelo DIEESE. Eu resolvi que não ia assumir a Coordenação de Pesquisa, mas eu ia fiquei como coordenadora nacional das PEDs a partir de Brasília. Fui para lá, porque a nossa colega que trabalhava na PED de Brasília, a Graça [Maria da Graça Ohana Pinto] tinha voltado para o Ministério da Saúde, ela era funcionária licenciada e precisava voltar, e eu fui tomar conta das PED de Brasília e também continuei coordenando a PED nacional a partir de lá.

Fiquei o mês de janeiro, fevereiro março e abril. Nesse ínterim, a OIT [Organização Internacional do Trabalho], que já tinha feito um convite em 2003, me convidou para coordenar um projeto muito grande de gênero, raça, pobreza e emprego, no qual participaram 10 ministérios, mais sindicatos e confederações patronais. E aí eu achei que talvez fosse o momento de pensar uma coisa nova e fui para a OIT. Mas sou funcionária licenciada do DIEESE. A gente não perde o vínculo. Você continua sendo do DIEESE para o resto de sua vida, esteja aqui ou não.

 

Pesquisa/Trabalho de Campo

O trabalho na construção civil foi o seguinte: ficávamos na porta do Sindicato da Construção Civil, ali na Baixada do Glicério, e entrevistávamos o pessoal que vinha até o sindicato. A pesquisa era a história de vida e alguns dados de nutrição, de condições de vida. Naquela época, se desenvolvia a construção do Metrô de São Paulo e o que mais acontecia era que as empresas que estavam construindo, mandavam embora sem pagar um tostão e falavam [para os demitidos]: “Vai lá ao sindicato”. Eles até davam o endereço do sindicato para os trabalhadores. O sindicato acolhia, anotava a queixa. A primeira audiência na Justiça do Trabalho sempre sai muito rápido, coisa de um mês, só que a segunda, sabe Deus lá quando, e o trabalhador saía sem nada.

Isso foi muito recorrente nessa pesquisa e me lembro de um rapaz, nunca me esqueci desse menino, primeiro por causa do nome, ele se chamava Sinhozinho, e era um moço, de uns vinte e poucos anos, bonito, com olhos verdes. Ele estava indo ao sindicato justamente por ter sido mandado embora do metrô sem receber nada. Eu entrevistei e tinha essa parte da condição de vida da pessoa. Aí eu digo: “Onde você mora?” E ele falou: “Não moro em lugar nenhum, não, dona. Porque eu morava no acampamento do metrô”. E aí eu tinha umas perguntas de alimentação: “o quê você tomou de café da manhã?” “Nada não.” Até que era normal a pessoa não tomar café da manhã. “E o almoço?” Ele falou, “Ainda não almocei”. Isso já eram umas cinco horas da tarde e o rapaz não tinha comido nada. Ele ficou com vergonha, mas falou para mim: “Ah, moça, e para dizer a verdade, nem ontem.”. Então, era um mocinho que estava há dois dias sem comer porque tinha sido mandado embora sem nada e não tinha onde ficar.

Eu nunca mais me esqueci dele porque eu era mocinha, e foi uma experiência de encontrar com a injustiça, assim, na sua cara. Um rapaz, trabalhador, demitido sem mais, nem menos e há dois dias sem comer, sem ter para onde ir. Eu tenho essa história comigo, há quase trinta anos. Foi uma coisa que me marcou muito.

Depois fazendo a PPVE [Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego], eu era também pesquisadora de rua. E, a PPVE como é uma pesquisa de emprego, enfim, de padrão de vida, para fazer o Índice do Custo de Vida, você precisa saber tudo que a família recebe e gasta, para poder ponderar, calcular os pesos que as coisas têm no orçamento das famílias. Na época, dávamos umas cadernetas individuais. Todos maiores de dez anos ganhavam para preencher o seu gasto pessoal e milhares de questionários. Toda a coisa da ocupação das pessoas, ou da inatividade, e toda a parte do gasto que você pudesse imaginar: móvel, educação, vestuário, saúde, transporte, tudo. Nós brincávamos que quase íamos morar na casa das pessoas. Você ficava lá, na vida das criaturas o mês inteiro. E é muito interessante porque as pessoas têm uma paciência enorme de fazer uma pesquisa dessas. Muita gente adorava e você passava a conhecer as famílias e as pessoas. Mas você via também de tudo.

Ali, na região de Diadema, São Bernardo, são regiões pobres, e você via famílias de classe média. Entrevistei muitos metalúrgicos, o pessoal que trabalhava nas fábricas que de fato, na época, tinham melhor condição, você via pela casa. E muita gente miseravelmente pobre e analfabeta. Por exemplo, um casal, esqueci o nome deles, era um casal de velhinhos, quando eu entrei na casa me embrulhou o estômago, porque era uma casa pobre, não muito limpa e com cheiro de doença. O velhinho estava deitado na cama e a senhora fazia o quê dava. Eles toparam fazer a pesquisa, sabe aquela coisa que você faz rezando para eles dizerem não. Mas eles toparam. Eles tinham uma aposentadoria miserável e tudo o que eles ganhavam era praticamente, doação. Não sabiam escrever direito, como é que ia anotar? Então eu ia lá, dia sim, dia não, na casa deles para saber o que tinha gastado, o que tinha acontecido... E passei esse mês com esse casal pobrezinho, com uma situação de vida tremenda. Então o trabalho do DIEESE sempre teve isso de muito rico. Aprendi muita coisa de técnica de pesquisa, de método e tudo, mas sempre teve esse lado humano, de você lidar com os trabalhadores, de você estar junto, de você conhecer, que é uma coisa inestimável. Você sente que está fazendo alguma coisa importante e sabe que para as pessoas, essas coisas são importantes também.

 

 

Planos Econômicos

 

 

Toda vez que aparecia um plano, era uma maratona. Tínhamos que mobilizar a equipe toda. Em primeiro lugar era preciso correr atrás dos decretos, das coisas que tivessem relação com o plano, estudar aquilo tudo, montar o trabalho, falar com os escritórios. Era muito freqüente vararmos a noite trabalhando. Não era comunicação tão rápida como hoje. Isso era uma vantagem e uma desvantagem, porque você tinha pelo menos um dia para fazer as coisas, não era como agora que sai e dali a meia hora já está na internet. Mesmo na década de 90, quando ainda tem os planos, tínhamos um esquema montado. Tinha a turma que falava com os escritórios. Tinha a turma que ia ler e escrever. Como um time de futebol, cada um tinha a sua posição. A minha sempre foi ajudar a ler e escrever os trabalhos. Freqüentemente, ficávamos até as madrugadas para acabar o trabalho e depois, no outro dia, sempre havia reuniões com os sindicatos para explicar e depois fazia o atendimento. Era hábito, fazermos o trabalho, depois mandar por fax, correio, telex... E aí, chamava uma reunião e vinha todo mundo para você explicar o plano.

 

Pesquisa/Questão de Gênero

Em meados dos anos 90, quando sai o Barelli [Walter Barelli] e outro pessoal assume, me chamaram para ser supervisora da equipe de atendimento do Escritório Nacional. E, aí tinha eu, socióloga e cinco ou seis meninos entre os economistas e auxiliares técnicos. Então, naquele momento, eu era a única mulher da equipe. Eu tinha uma política de trabalho que era de sempre irmos em duas pessoas. Nas reuniões, sentava eu e um dos "meninos", um dos economistas ou auxiliares, mas o pessoal [sindicalistas] só falava com os "meninos". Até que um dia, eu perdi a paciência. Tinha ido eu e um rapazinho que era auxiliar técnico. Ele tinha uns dezoito anos. Fomos lá e aí o dirigente sindical falava que queria isso, queria aquilo...sempre se dirigindo a ele [o auxiliar técnico]. E depois, o dirigente sindical virou para mim e disse: “Eu preciso desse trabalho, você pode fazer?” Aí eu subi nas tamancas e disse: “Escuta aqui, meu amigo, lhe ocorre que a responsável aqui seja eu?” Ele arregalou o olho e disse: “Desculpe, companheira”. E acontecia também quando a gente atendia ao telefone. Quando eu atendia perguntavam: "É a secretária dele [do José Silvestre ou Marcelo Terrazas]?” Eu respondia: “Não! É a chefe!” Então, às vezes eu fazia essa malcriação.

Em certo momento, o DIEESE achou que tinha que ter uma equipe especializada em projetos. É um momento em que os sindicatos estão começando a ter problemas muito graves, cai muito a arrecadação sindical. Tínhamos que trabalhar com o objetivo de levantar recursos para o DIEESE e se formou uma equipe especialista nisso. Éramos eu e a Rosana [Rosana de Freitas], trabalhando junto com o Prado que era o coordenador da Produção Técnica. A Suzanna [Suzanna Sochaczewski] ficava com essa tarefa da Secretaria de Projetos, mas ela tinha muita coisa e, na verdade, a Secretaria foi montada mesmo quando foi a Rosana para lá. Eram duas especialidades complementares. Porque eu tinha bastante formação técnica de pesquisa, e a Rosana, uma formação mais administrativa, de gestão. Eu pensava no planejamento e ela pensava toda questão de custos. Fizemos os Relatórios de Atividades do DIEESE. Fizemos o Anuário dos Trabalhadores, que era "a menina dos meus olhos".

Eu fui negociadora sindical durante muitos anos. Teve uma época que eu negociei muito para os vidreiros [Sindicato dos Vidreiros] de São Paulo. Tinha um senhor da Santa Marina que negociava, não lembro o cargo dele, não sei se era diretor, mas era um cargo muito alto. Lembro-me de uma vez, que eu fui à mesa de negociação com o pessoal [o sindicato] para ajudar na questão salarial, e quando eu fui falar qualquer coisa, me interromperam e o cara [da patronal] falou: “Deixa a menina de o DIEESE falar.” E uma outra vez ele falou: “Uma flor para enfeitar a nossa mesa”. Que maneira de desmerecer!!! Não era uma negociadora...é a “menina”, é a “flor”. Já era difícil negociar e sendo mulher tinha esses comentários...

Mas teve um outro lance que aí acabou sendo a nosso favor. Era uma negociação do pessoal das bebidas [Sindicato dos Trabalhadores nas empresas de Bebidas] e não tinha nenhuma mulher em nenhum dos lados [lado patronal ou sindical], só tinha eu e havia reivindicação sobre amamentação, creche. Eu sei que os caras [sindicalistas] perderam a história da creche e tinha ainda a história de ampliar o tempo da amamentação. Os sindicalistas estavam preocupados, já tinham perdido na questão da creche, falaram: "Quando a gente sair, as mulheres [da categoria] vão pegar no nosso pé. Solange, você que é mulher, pode defender o negócio da amamentação?” Eu não estava nem um pouco preparada para isso. mas fomos lá. Eu sei que os caras [a patronal] diziam: “De jeito nenhum, já tem meia hora de amamentação, mais do que isso não é necessário e blá, blá, blá.” Eu me enchi e falei: “Vocês não vão me dar licença, mas vou fazer uma pergunta: Qual dos senhores já amamentou?” Aí criou aquele constrangimento na mesa e continuei: “Bom, eu já. E por acaso, algum dos senhores já observou uma criança sendo amamentada?” E eles: “Mas o que é isso? Que argumentação é essa?” Continuei: “Se os senhores já tiveram oportunidade de notar, os bebês são pessoas que você não pode dizer: Mame agora que mamãe tem que ir embora trabalhar. É necessário tempo.” Eles ficaram tão constrangidos com a história de amamentar que estenderam o tempo de amamentação, no ano seguinte.

Depois negociei muito tempo com a Valisére e era na época que eles estavam fazendo os grupos de produção. Era um inferno porque se a mulher tivesse que sair para levar o filho no hospital fazer uma consulta, até poderia, mas tinha que voltar. Se o filho está doente, alguém liga, ela vai lá pega o menino, leva no hospital e depois "joga em qualquer mato" para voltar para o trabalho. Então as meninas se sentiam muito pressionadas porque poderiam perder a produção. Foram uns dois ou três anos e brigamos muito para que não tivesse que voltar ao trabalho depois de levar o filho no médico. E tinha de voltar [ao trabalho] porque tinha uma história de descontos que eu não me lembro mais... O atestado tornava a falta justificada, mas não abonava, o que quer dizer que você perde o dia ou o período. Não perdia o fim de semana. Então, o lance de voltar era para não perder o fim de semana, posso estar errada, mas era uma coisa assim com relação à produção. Foram quebra-paus homéricos. A gente bateu boca em relação a isso e não tinha negócio. Elas até conseguiram, mas anos depois.

As questões de gênero no DIEESE sempre estiveram presentes. Teve aquele 1º Congresso da Mulher Metalúrgica no final da década de 70. Já tínhamos feito um trabalho de cláusulas de acordos coletivos para a mulher para o Conselho Estadual das Mulheres, aqui de São Paulo. A PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego], a única pesquisa mensal que sempre teve o dado de cor e sexo desde o começo. Mas o DIEESE não tinha uma atuação mais estruturada nessa coisa de gênero, apesar de estar sempre com esse tema colocado da alguma maneira. Acho que foi 1994/95, que fizemos o primeiro projeto com o Fundo para a Igualdade de Gênero da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional. Nesta época, eu trabalhava na Secretaria de Projetos, a Vera [Gebrin] estava no Banco de Dados, o Prado era o coordenador de Produção Técnica e o Clemente [Clemente Ganz Lúcio], coordenador de Educação. Quando surgiu essa oportunidade de mandar um projeto para o fundo de gênero, foi assim: o Clemente sugeriu fazer um levantamento dos acordos e convenções que eram da área da coordenação do Prado, e o Prado pensou em montar um Seminário de Negociação Coletiva para Mulheres, que era da área do Clemente. Foi bacana! Um teve idéia da área do outro. E a gente fez esse projeto de desenvolver esse seminário e fazer o levantamento dos acordos e convenções coletivas na questão do gênero. O DIEESE já tinha feito, muitos anos antes, o levantamento do acordo padrão. Então, eu, a Vera, a Rosana, a Valéria, fizemos o trabalho e montamos o seminário com a coordenação do Prado. Chamamos todas as centrais sindicais para trabalhar. E tinha mulheres espetaculares, a Luci [Luci Paulino de Aguiar], dos metalúrgicos do ABC, Secretária da Mulher, na CUT, e a Nair Goulart, na Força Sindical. Eu tenho uma admiração enorme pela coragem que essas mulheres tiveram, elas tiveram o mérito de entender a importância das centrais sindicais trabalharem juntas neste tema. Por exemplo, para esse projeto do DIEESE, teve um apoio muito grande, da Luci, da Nair e da Léa, que era a Secretária da Mulher na CGT.

Nós fizemos o seminário e foi bárbaro. Foi especificamente para as mulheres, para discutir as cláusulas, montar um acordo, destrinchar os argumentos em favor e contra, pensar estratégia da negociação, pensar a tática, fazer a simulação de mesa da discussão das cláusulas. E aí para validar, saiu um trabalho com o agrupamento de todas as cláusulas que elas discutiram. Esse foi um trabalho maravilhoso, porque não existia um trabalho assim nem no Brasil, nem em lugar nenhum do mundo. Tanto que o pessoal das Comissiones Obreras ficou encantado quando viu. E desta experiência que foi super bem sucedida, eu diria que para as meninas das centrais sindicais foi um momento muito importante da luta política delas pelo reconhecimento dentro dos sindicatos, dentro das centrais. Teve uma repercussão espetacular.

Montamos toda a metodologia de trabalho junto com as dirigentes das centrais sindicais até culminar no seminário. Fizemos o mapa [Mapa da Questão de Gênero] e elas validaram. Ia ter o congresso das mulheres das CIOLS [Confederação Internacional das Organizações dos Sindicatos Livres], no Rio de Janeiro, e pensamos que seria uma excelente ocasião para lançar o Mapa das Questões de Gênero no Congresso. As mulheres do Canadá, da CLC [Canadian Labour Congress] gostaram e financiaram a tradução do mapa para inglês e para espanhol. Este Mapa até hoje é usado pelas meninas [as dirigentes sindicais], porque é de fato um planejamento. Lá tem as causas, os indicadores, as ações sugeridas, então, ele é muito atual, até hoje. Esse foi um marco no movimento sindical de mulheres. Lembro que o pessoal das nossas centrais, da AFL-CIO e da CLC mandou e-mail pro mundo inteiro oferecendo o Mapa e chegaram pedidos da Ásia, da África. Até que chegou um dia um fax de um lugar chamado Lativia. Ninguém sabia que lugar era esse, enviamos para o endereço que estava ali e tempos depois, ficamos sabendo que era a Letônia. Lativia era o nome em letão!

E foi muito interessante porque tinha muita gente trabalhando na área de gênero, como outras ONGs, entidades feministas e as próprias entidades das centrais. Tínhamos a preocupação de não disputar espaço com ninguém. A idéia é contribuir e precisávamos ter muito claro qual seria o papel do DIEESE nesse debate. Fomos formulando aos poucos. Acho que terminou numa formulação muito bonita que é o que está na introdução do Trabalho de Pesquisa do DIEESE, nas Cláusulas, enfim, na Introdução do Mapa das Questões de Gênero que coloca como a negociação coletiva era um espaço fundamental na luta pela igualdade de gênero.

 

Pesquisa/Questão Racial

Estávamos nessa história de fazer trabalho de mulheres, quando o pessoal do INSPIR [Instituto Latino-Americano Pela Igualdade Racial] nos convidou para um seminário. O INSPIR é um instituto onde estão as centrais, a AFL-CIO, a CIOLS e as centrais brasileiras, por isso ele é interamericano. Houve um seminário no Sindicato dos Bancários para discutir a questão racial e lá surgiu que o movimento sindical precisava ter as informações sobre a questão racial e o INSPIR fez um desafio: “Como o DIEESE poderia ajudar o movimento sindical?”

O Prado teve a idéia de processar os dados de todas as PEDs para ver a questão racial. Foi a primeira vez que se fez um trabalho de todas as PEDs juntas no DIEESE. Nós tínhamos que pegar uma por uma das formulações do preconceito e ver se elas se sustentavam de alguma maneira. Todo mundo sabia muito bem e estava convencido da existência do preconceito racial no Brasil, mas ninguém esperava, mesmo porque não existiam os dados que começamos a receber das regiões metropolitanas. Fizemos o plano tabular, todo mundo processou igualzinho as mesmas coisas, nas capitais, para poder comparar os dados. Tinha uma equipe aqui em São Paulo e o combinado era que todo mundo processava seus dados, fazia a análise da sua região e aqui em São Paulo, analisávamos e montávamos tudo. Estávamos eu, a Vera, a Marise Hoffman e a Rosana fechando esse trabalho aqui. O primeiro que saiu foi São Paulo, que era mais rápido de processamento. Os dados eram desastrosos. Chegou [análise] Porto Alegre, parecia que os dados foram copiados de outro. Minas Gerais foi um susto, porque você tem 60% de negros, em Belo Horizonte. Chegou Recife, os dados, desastrosos e quando chegou Salvador foi ainda pior, porque toda a reflexão sociológica dizia o contrário. Como a maioria da população era negra em Salvador, pensava-se que o preconceito tendia a ser menor. Tudo que você olhava na população negra era pior. Era desastrosa a situação dos negros, porque do Oiapoque ao Chuí havia a mesma discriminação, em todos os quesitos. Esse foi o primeiro trabalho a sair com dados nacionais, eram as regiões metropolitanas, mas eram dados nacionais. Teve um impacto tremendo, foi divulgado no Ministério do Trabalho, teve muita repercussão e até hoje o pessoal do Movimento Negro fala desse trabalho. Eu lembro que uma vez, um menino lá de São Bernardo falou: “Puxa, eu queria agradecer muito o DIEESE, porque fazia muitos anos que a gente precisava ter um trabalho independente mostrando isso”. Eu acho que dois ou três anos depois, o IBGE fez um trabalho. Mas o do DIESE fez primeiro. E aí o INSPIR fez um trabalho muito bacana que foram as cartilhinhas do trabalho e também o DIEESE passou a fazer todo dia 20 de novembro uma divulgação especial sobre a questão racial.

Depois teve um outro projeto com o Fundo de Gênero, que fizemos alguns boletins, um deles sobre as mulheres negras. Agora, na OIT, o projeto em que eu estava trabalhando era sobre gênero raça, pobreza e emprego. A OIT contratou o DIEESE para fazer um estudo sobre as trabalhadoras domésticas, porque aí de fato está a síntese da questão racial no Rio de Janeiro e no Brasil. É a maior ocupação feminina, majoritariamente negra, e a pior valorizada dentre todas. É um trabalho muito bonito também que a gente fez no ano passado.

 

Pesquisa/Situação do Trabalho no Brasil

Quando eu estava na Coordenação de Pesquisa no DIEESE, nós fizemos o livro, já começado pelo Prado, “A Situação do Trabalho no Brasil”. Foi um livro também muito importante, trabalhou uma equipe enorme e a idéia era de se fazer de tempos em tempos, de dois em dois anos ou três em três anos. Mas o DIEESE ainda não conseguiu, infelizmente, por falta de recursos. O livro "A Situação do Trabalho no Brasil", foi financiado pelo pessoal americano e inspirado num livro que o Economic Policy Institute [EPI], dos Estados Unidos faz que se chama The State of Work in America. Porque lá nos Estados Unidos, o governo sempre apresenta um livro chamado “O Estado da Nação”, The State of the Nation, e esse pessoal do EPI, que é ligado à AFL-CIO [American Federation of Labor-Congress of Industrial Organizations], inventou o “The State of Work in America”. Quando vimos o livro, achamos bárbaro! O Prado tinha ido lá num evento deles, trouxe esse livro e falamos “precisamos fazer um desses” . O pessoal topou financiar, porque era um negócio super bacana a gente fazer o mesmo livro que eles. Começamos a fazer, mas daí o Prado saiu do DIEESE, então eu passei a Coordenadora de Pesquisa e demos continuidade a esse trabalho - A Situação do Trabalho no Brasil.

 

 

Pesquisa/PED

 

 

Além dela, tem uma coisa de controle social, como por exemplo, a discussão toda da PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego], da briga com o governo Fernando Henrique. Foi uma coisa absolutamente absurda, porque com o pretexto de gastar melhor o dinheiro público e não fazer trabalho dobrado, o governo Fernando Henrique queria acabar com a PED em favor da PME [Pesquisa Mensal de Emprego], pesquisa feita pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. E seguiram uma estratégia, do meu ponto de vista, muito obscurantista. Eles partiram para uma estratégia de desacreditar a PED, porque a sua metodologia é absolutamente diferenciada, inclusive da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. A OIT dá diretrizes para a comparabilidade internacional, ela não manda, “você tem que fazer assim”. Ela diz, “Olha, se fizer assim, a gente compara com tudo”. E ela tem seus próprios conceitos. O que acho um obscurantismo foi primeiro porque você não acaba com a informação, segundo porque não tinha nada que opor uma pesquisa à outra, apesar de que naquele momento a PME não era uma pesquisa boa. Depois melhorou, mas fizeram tudo errado, porque eles quebraram a série da PME. Então, não existe mais uma pesquisa do desemprego do IBGE que tem uma série. Eles quebraram a série histórica e começaram a partir de 2000, o que é uma insanidade do ponto de vista de pesquisa. E se deram mal, porque eles fizeram seminários, tinham um grupo de discussão e não conseguiram desacreditar a metodologia da PED. Em suma, porque a PED tem uma metodologia muito melhor, tanto é que muitas das coisas que a PED fazia a PME nova incorporou, por exemplo, algumas questões quanto ao trabalho, quanto ao desemprego oculto pelo desalento, que outras instituições em nível mundial já estavam trabalhando com isso, a própria OIT.

Poderíamos dizer, em linhas gerais, que a PME quando mudou, caminhou em direção à PED. Você tinha uma instituição independente [o DIEESE] fazendo um trabalho que permitia comparar com os dados oficiais. Isso não é pouca coisa, porque você tem uma instituição que controla a outra, então nem o DIEESE pode fazer bobagem. Nunca pode. E, na verdade, esse sempre foi o grande esforço do DIEESE. Porque se o DIEESE erra, não é o DIEESE que se desmoraliza, você desmoraliza os trabalhadores. Eu já tinha certa consciência disso quando eu estava dentro do DIEESE, mas hoje eu tenho muito mais claro, da importância que é uma produção contínua de informação. E o DIEESE sempre teve consciência da importância política da informação que estava dando, do peso que isso tinha politicamente para os trabalhadores e, por isso mesmo, a informação no DIEESE sempre foi tratada com muita seriedade. Quer dizer, o DIEESE nunca fez uma coisa como essa, de quebrar uma série e jogar um trabalho no lixo. Porque o DIEESE entende a importância de você ter uma história, de você ter uma informação confiável.

 

Importância do Dieese

Eu sempre achei que o DIEESE era importante socialmente, primeiro por ser a voz técnica dos trabalhadores e isso não é uma coisa que possamos diminuir. O fato dos trabalhadores terem a sua própria entidade que pode trabalhar as questões da ciência, as questões mais intrincadas ou as mais simples da economia, e da organização do trabalho, é uma das ações fundamentais para conquistar e manter o seu espaço político no debate da sociedade. Quer dizer, existe toda uma coisa da organização do trabalhadores e da pressão que se faz, mas existe também todo um espaço de diálogo. E, de diálogo aonde os trabalhadores, muitas vezes não dominam esse discurso competente da economia. Então é bom que você tenha uma instituição que produza o dado, fale por você e entre nesse terreno para você ser reconhecido também por esses que estão nesse terreno e também ser reconhecido como sujeito político, como ator social relevante. Essa foi a importância que eu sempre vi no DIEESE.

E eu acho que o DIEESE tem mais uma outra coisa que vista de fora é mais fundamental ainda, que é o grande esforço que sempre se fez de transmitir a informação de uma maneira simples e clara, de desmistificar, e enfim, isso para a democracia da informação também é inestimável. Porque é você levar a informação sobre a própria vida das pessoas de uma maneira que as pessoas possam se apropriar dela. É criar alguma autonomia das pessoas em relação a esse conhecimento científico e em relação a uma melhor compreensão da realidade que nós estamos vivendo. Eu acho que esse papel do DIEESE, também é difícil de medir.

É uma instituição que, ao longo de 50 anos, disseminou um conhecimento sobre o que é um Índice de Custo de Vida; como você faz; o que ele quer dizer; qual é o impacto dos planos econômicos; e com a preocupação de escrever de uma maneira que qualquer pessoa possa entender. Sempre dizíamos: “Precisamos pensar na categoria mais simples de todas, no pessoal da construção civil lendo um trabalho desse." Por outro lado, você tem um debate com a comunidade científica, com a comunidade acadêmica, de legitimar esse conhecimento produzido e apresentado dessa forma. E por isso, você tem que ser metodologicamente e operacionalmente excelente. Como acontece, o DIEESE é uma entidade muitíssimo respeitada. No entanto, demorou muitos anos para o CNPq [Conselho Nacional de Pesquisas] reconhecer o DIEESE como um produtor de informação. A primeira vez que nós mandamos um pedido para integrar a rede de produtores científicos do CNPq, recusaram dizendo que o DIEESE não era produtor de ciência. Eu acho que foi em 80 ou 90, qualquer coisa assim. No entanto, depois, o próprio CNPq não só reconheceu a importância do DIEESE como financiou os grandes projetos de Emprego e Desenvolvimento Tecnológico. Um financiamento muito específico, muito importante para o trabalho do DIEESE. Mas levou muito tempo para o DIEESE ser reconhecido como uma entidade científica. E muitos espaços acadêmicos, ainda hoje, tem essa visão elitista de que o DIEESE não é uma entidade científica. E é óbvio que o DIEESE é uma entidade científica, não só pelos grandes desenvolvimentos metodológicos que o DIEESE fez, a PED, os Bancos de Dados de Acordos, Convenções Coletivas, Greves. O DIEESE é um avanço incomensurável, tanto que está disponibilizando e ampliando seu Banco de Dados para o Ministério do Trabalho utilizar.

Gostaria que no Brasil, tivesse recurso público para os sindicatos e para o DIEESE. Acho que seria justo e correto porque é uma entidade que tem um papel social muito importante nessa coisa da disseminação da informação. O DIEESE presta serviço público divulgando seus dados para a sociedade inteira, não só para o movimento sindical. São dados públicos. Quer dizer, o movimento sindical brasileiro tem uma experiência que é única, não só pela sustentação de uma instituição desse tipo, que por si só já é espetacular. Por mais que, nesse último tempo, tenha entrado recurso público na composição do orçamento do DIEESE, acho que o movimento sindical brasileiro dá uma demonstração de maturidade política, de capacidade de diálogo interno com a criação e a manutenção do DIEESE nesses anos todos. Aqui dentro [no DIEESE] as pessoas sempre trabalharam juntas e, que eu me lembre, as divergências políticas do movimento sindical nunca vieram aqui para dentro. Nunca ninguém tentou interferir no trabalho técnico que o DIEESE faz.

É um grande feito do movimento sindical brasileiro, ter tido a visão há cinqüenta anos atrás, de construir uma coisa desse tipo. Ter mantido com tudo o que aconteceu nesses cinqüenta anos, como a ditadura militar, como "vendaval" neoliberal que varreu a década de 90. Todas as grandes instituições da sociedade que tiveram um papel muito importante na época da ditadura praticamente sumiram ou tiveram problemas graves na década de 90. Lembra do papel que tinha a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] no combate à ditadura e outras? A única que o neoliberalismo não conseguiu atingir, a não ser na coisa financeira, foi o DIEESE.

Por exemplo, eu não posso admitir, que o Fernando Henrique Cardoso tenha certa vez sugerido que o DIEESE manipulava dados, tenha permitido a perseguição à PED. Eu acho uma coisa inominável, e que só depõe contra quem faz isso. Não depõe contra o DIEESE. Contudo, a credibilidade do DIEESE não se perdeu com todos esses ataques que vieram de todos os lados. Porque não foi só o governo, todo mundo que apoiou a visão neoliberal de mundo atacou o DIEESE.

Mas como dizia Mário Quintana: "Eles passarão e eu passarinho”. O DIEESE continua e vai continuar. As pessoas que estão aqui, mais ou menos, têm um compromisso, acho que até muito mais do que a média dos outros lugares. Porque o DIEESE é uma entidade pobre, que exige sacrifício, então as pessoas que trabalham aqui são espetacularmente dedicadas ao seu trabalho. Mesmo que seja preenchendo uma fichinha, esse é um trabalho tem uma importância porque vai ser bem usado.

O DIEESE sempre foi uma instituição democrática para dentro. Antes de começar toda essa conversa de gestão participativa, o DIEESE sempre foi participativo, mesmo porque em casa de pobre, todo mundo tem que ajudar em tudo. Então, era participativo por convicção e por falta de condições de ser diferente. Escrevíamos o trabalho, tirava xerox e ia entregar. E todo mundo sempre fez isso. Quando pegava fogo por causa dos planos econômicos, até o pessoal do administrativo ficava junto para ajudar, datilografando, digitando, até a madrugada. Sentimos orgulho de ter participado do DIEESE e não nos livramos mais. Até hoje, eu continuo ligada ao DIEESE. Faz três anos que trabalho na OIT [Organização Internacional do Trabalho], e eu tive a oportunidade de conhecer o respeito que as pessoas têm pelo DIEESE. Quando me perguntam da importância dessa instituição, com essa credibilidade, com essa produção de informações, penso que essa institucionalidade do DIEESE, em que as pessoas trabalham não para si, mas para uma instituição, não existe com esta força em nenhum outro lugar. Só no DIEESE.

 

Futuro do Dieese

Eu estou muito confiante pelo que vai vir. A gente que viveu a década de 80, que foi uma coisa de reorganizar o movimento sindical, voltar a ter negociação coletiva, aí veio aquele "vendaval" de 90, derrubando tudo. Aquela coisa de que o trabalho não era mais central na vida das pessoas, de que o trabalho assalariado ia acabar, aquele monte de bobagens que todo mundo falava. De que todo mundo ia ser patrão de si próprio, trabalhar por conta própria, ter vinte e sete profissões ao longo da vida, mudar de profissão a cada seis meses, aquele monte de bobagem. E que na verdade servia para encobrir uma desestruturação e um ataque frontal aos direitos dos trabalhadores, aos direitos do trabalho e de organização, que fazia parte da estratégia liberal. E, desse momento que a gente está vivendo agora, aqui no Brasil, particularmente, nos últimos três anos o quê que aconteceu? Você voltou a ter o crescimento do trabalho formal. "Não tinha acabado?! Não ia ser tudo, para sempre, informal?!" E porque que voltou a ter crescimento do trabalho formal no país? Primeiro porque a economia cresceu um pouquinho, o governo voltou a exercer a fiscalização do trabalho, e talvez, pelo fato de você ter um governo ligado aos sindicatos e que tenha de alguma maneira despertado a vontade das empresas, dos indivíduos, de regularizarem sua situação de trabalho. Então, é uma primeira inversão naquilo que parecia ser uma trajetória muito definida de retrocesso de direitos e tudo.

A economia não cresceu tanto assim. Mas, depois de muito tempo crescendo um ano sim, quatro não, você teve aí dois ou três anos direto de crescimento. É uma coisa boa, a renda começou a subir. Você voltou a ter criação de emprego formal num número significativo, subiu a renda, as negociações coletivas e, como o DIEESE mesmo mostrou, foram as mais bem sucedidas dos últimos tempos e isso tem um significado. Qual é ele para o mundo do trabalho, não sabemos muito bem. Eu acho que vamos viver para ver uma outra recomposição desse mundo, que vai ser diferente daquela anterior, mas certamente não isso que foi propagandeado na década de 90. É uma outra coisa. E eu vejo, francamente, nessa nova coisa como os sindicatos deixaram de ter espaço. Pergunto-me muito se isso, tal como o emprego sem carteira, não é também um reflexo de toda essa idéia liberal. Penso assim que você estava substituindo o Estado e a organização dos trabalhadores por movimentos autônomos e fragmentados, dos quais as ONGs são talvez a expressão mais organizada. No entanto, elas são o exemplo clássico da fragmentação e também de como os indivíduos que querem de alguma maneira contribuir socialmente e que precisam trabalhar, se lançam na criação de ONGs. É um duplo movimento. Não é só um movimento de lutar por causas, mas é também um movimento de auto-emprego da classe média que foi muito atingida pela crise da década de 90. Quando esse cenário muda, as coisas mudam. Não sei dizer para o quê exatamente. Mas uma organização representativa não é a mesma coisa que uma ONG, justamente por ser representativa. Enquanto a ONG representa a si própria, por mais que fale de interesses que existem na sociedade, mas são difusos. Então, eu acho que vamos ter no futuro, um híbrido dessas organizações. Mas, se você começa a ter de novo um movimento positivo no mercado de trabalho e se os sindicatos fizerem a sua lição de reflexão em relação às mulheres, em relação a como incorporar os que estão fora das suas categorias, em relação à sua própria representatividade, eu não vejo porque que você deveria criar outra coisa para os trabalhadores. Isso funciona perfeitamente, sempre funcionou. Por isso eu também não acho que o DIEESE precisa ser nada mais do que ele já é.

O DIEESE sempre foi uma organização dos trabalhadores e que prestou um enorme serviço social. Não é o DIEESE que tem que fazer alguma coisa a mais por esse país, eu diria que é esse país é quem tem que fazer pelo DIEESE. Eu sou francamente favorável a que exista uma dotação de recurso público para a manutenção desta instituição. Não precisa ser para manter tudo, mas para dar para ela a estabilidade que precisa para continuar prestando o serviço relevante que vem prestando. Eu não vejo a menor necessidade de dizer: “olha, no futuro o DIEESE precisa fazer isso ou aquilo...”

A gente que está dentro do DIEESE não vê muito, mas quando você está fora você vê a plasticidade que o DIEESE tem. "Dois minutos" e alguém já tem uma idéia, já vai lá e faz, inventa alguma coisa e, às vezes, faz coisas que o movimento sindical vai levar um tempão para poder aproveitar. Eu acho que o DIEESE tem que continuar sendo aquilo que ele é, tem que produzir informação. É importante no país você ter informação independente. É crucial, porque as instituições públicas estão sujeitas a várias questões e você tem que ter o controle social dessas instituições. Não acho que os trabalhadores vão deixar de precisar de uma instituição que faça essa assessoria que o DIEESE faz.

 

Avaliação/Trajetória de Vida

Eu sou o que sou, por causa do DIEESE. A pessoa que sou, o ser humano que sou, a profissional que sou. Eu aprendi muito, muito, em todos os âmbitos da minha vida. Eu aprendi como profissional. Tudo o que eu sei aprendi aqui. Fazer cálculos, pesquisar, escrever, debater, eu aprendi a melhor de todas as políticas aqui, que de uma maneira muito forte construiu a minha visão de mundo. Que é uma política que sabe muito bem qual é o seu lado. O DIEESE não tem nenhuma dúvida de que lado está. Ele está do lado dos trabalhadores. Mas que nem por isso é sectária ou deixa de conversar com quem quer que seja. Então, é uma política de diálogo, sem que você abdique daquilo que você acredita e da posição que você tem. É uma coisa de você ser sério nas questões que são sérias para esse país. E, naquilo que concerne aos trabalhadores é uma coisa muito importante, que você tem que tratar com seriedade e ser sério com a coisa pública. O DIEESE é uma instituição pública. As pessoas no DIEESE não levam um lápis para casa. Pelo contrário, o DIEESE já ficou sem pagar salário e todo mundo trabalhava como se nada fosse, as pessoas nunca disseram: “Ah, o DIEESE atrasou o salário e eu não vou trabalhar mais.” Nunca.

Isso do DIEESE ser democrático internamente, as pessoas discutem, debatem, ficam bravas e continua todo mundo trabalhando. Isso de você não destruir o trabalho anterior, ao contrário, pegar o que já foi feito, aperfeiçoar, ir adiante com ele e fazer mais coisas. Isso molda, isso ajuda a gente a construir o caráter, é uma lição de caráter importante, de amizade, de companheirismo. Quando a gente fala de solidariedade sindical, e sempre se falou muito da solidariedade entre os trabalhadores, aqui você a aprende na prática. Você vive isso, porque você não é um militante que está lá na porta da fábrica ou fazendo greve, mas as pessoas estão trabalhando até de madrugada para o trabalho chegar aonde ele tem que chegar. Trabalhando, às vezes, sem salário para isso. Durante muito tempo, as pessoas do DIEESE sacrificaram a possibilidade de se manifestar a sua posição política pessoal em nome da unidade sindical do DIEESE. Então, quer dizer, o que eu sou hoje, eu aprendi aqui. Não é que é importante na minha carreira, é importante na minha vida. É a minha vida. A minha vida foi isso, é isso que eu sou e que eu aprendi aqui.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

Acho que a história do DIEESE precisa ser conhecida, preservada, precisa ser contada... Eu acho fundamental isso. E acho muito bonita, essa maneira como tem sido feita, ouvindo todas as pessoas que participaram da história do DIEESE, os dirigentes sindicais, os funcionários, as pessoas que passaram por perto, porque é possível mostrar essa história do ponto de vista de todos. Certamente, os dirigentes sindicais vão falar das questões todas as políticas e tudo o que isso significou. O pessoal que trabalha vai contar a história sobre o que é trabalhar e ter vivido isso. As pessoas que eventualmente passaram por perto podem dizer: “Essa instituição foi importante para mim em tais e tais momentos...” Eu acho um trabalho maravilhoso e fico muito feliz de estar sendo feito.

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