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Suzanna Sochaczewski

Suzanna_SochaczewskiHistória temática

Identificação

Meu nome é Suzanna Sochaczewski. Nasci na cidade do Rio de Janeiro em 1º de abril de 1947.

 

 

Formação Profissional

 

 

Sou mestre e doutora em Sociologia pela USP [Universidade de São Paulo]. Minha tese de doutorado sobre a Produção da Vida discute o tema que tratamos, todos os dias, no DIEESE. Quando negociamos um aumento salarial, estamos pensando na vida que as pessoas vão ter ganhando “x”, “2x” ou “3x”. Quando fazemos uma atividade de formação para dirigentes sindicais, temos em mente, um outro projeto de sociedade. Um projeto em que a vida possa ser diferente, venha a ser uma vida boa. Quando estou dando aula, fazendo uma palestra, tenho esse pano de fundo: “que vida está se criando com o trabalho?” O trabalho é o tema central do DIEESE. Minha tese de doutorado tem muito a ver com as minhas atividades no DIEESE.

 

 

Trajetória no Dieese

 

 

Antes de começar a trabalhar aqui, eu conhecia muito pouco o DIEESE. Embora tivesse militado no movimento estudantil durante a ditadura, o DIEESE em si, eu só conhecia de longe. A gente estava mais perto de partidos políticos do que do movimento sindical e o DIEESE é uma entidade do movimento sindical. Ouvia falar como uma coisa boa, mas tinha muito pouco conhecimento.

Em 1984, o Barelli [Walter Barelli] ligou para a Heloisa Martins, que tinha sido Diretora Técnica do DIEESE antes dele, e perguntou se não tinha alguma socióloga ou um sociólogo para recomendar, pois estavam precisando de alguém. Eu tinha sido aluna da Heloísa Martins na USP e o marido dela, o José de Sousa Martins, era o orientador da minha dissertação de mestrado. Ela me recomendou.

Foi até engraçado porque fui fazer uma entrevista numa sala muito pequenininha lá nas Carmelitas, onde estavam o Barelli, o César Concone e a Annez Andraus, que eram a direção técnica naquela época. Começamos a conversar e eu estava participando de uma atividade que fazia do meu cotidiano até há poucos anos atrás: dança-teatro com Ivaldo Bertazo. Eu estudava para o mestrado em sociologia, fazia pesquisa, essas coisas e, ao mesmo tempo, teatro. Durante mais ou menos uns 45 minutos, uma hora, nós conversamos sobre teatro, sobre cinema, televisão, tudo o que você possa imaginar menos Sociologia, Movimento Sindical, DIEESE. Depois desse tempo, o Barelli botou as duas mãos na mesa, uma coisa que ele fazia sempre quando queria terminar uma conversa, e disse: “Suzanna, ligamos para dizer se você foi aprovada ou não.” E eu saí contentíssima porque tinha sido uma conversa deliciosa. Quando cheguei na rua, já estava me sentindo um pouquinho diferente, pensando: “puxa vida, não perguntaram nada, não me perguntaram quanto eu quero ganhar, que tipo de trabalho eu sei fazer, acho que não vai rolar esse trabalho...”. Mas não, dois ou três dias depois, quando cheguei em casa a minha empregada falou: “Ligaram para a senhora ir para o ensaio de jazz”. Eu falei: “Jazz, mas eu não danço jazz. Como ensaio de jazz?” Era DIEESE. E, foi assim que eu comecei a trabalhar no dia seguinte, em agosto de 1984, e estou aqui desde então.

Entrei num momento histórico do DIEESE. No meu primeiro dia de trabalho participei da reunião de apresentação da nova metodologia da PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego], a membros da academia, especialistas no assunto, algumas pessoas do movimento sindical. Tinha umas 20 a 30 pessoas especialistas, ou interessadas, no assunto e eu não tinha idéia do que se tratava, não conhecia as pessoas e não sabia o que ia ser tratado. O Barelli me disse: “Você faz a ata da reunião”. Foi a ata mais longa que fiz na minha vida. Como eu não sabia quem eram as pessoas e também não sabia o que era importante e o que não era, tomei nota de tudo. Eu dizia: “O moço com a camisa preta escrita Joy Straight, disse, dois pontos; a moça com a blusa branca, o moço de óculos...” Foi uma ata longuíssima e difícil que eu tive de reler várias vezes para tentar entender do que se tratava. Foi inesquecível. Isso foi na parte da manhã. À tarde, fomos para Praia Grande, porque o DIEESE estava fazendo um pequeno seminário interno para a área de educação e o convidado era o Paulo Freire. Eu conhecia, já tinha lido Paulo Freire, mas nunca tinha conversado com ele. Naquela época, nem imaginava que, anos depois, eu ia trabalhar tanto na área da educação do DIEESE, tendo o Paulo Freire como um dos fundamentos da nossa concepção de educação.

Desde que comecei a trabalhar no DIEESE, atuei tanto na área de Pesquisa, quanto na área de Educação, como na área de Assessoria. Uma outra coisa que acho que foi interessante para mim é que participei de vários novos projetos no DIEESE. E da mesma forma que, até certo ponto, contribuí para a construção do DIEESE, todos nós técnicos contribuímos, o DIEESE também contribuiu para a construção da pessoa que eu sou hoje. Eu me lembro que na minha tese de doutorado, quando faço os agradecimentos, digo: “um agradecimento muito especial ao DIEESE. Essa tese tem essa cara porque eu sou técnica do DIEESE, se eu não trabalhasse aqui, ela com certeza muito diferente.”

 

Assessoria

A assessoria ao Movimento Sindical continua sendo uma atividade muito importante no DIEESE, porque no momento do enfrentamento capital/trabalho, o DIEESE está presente com seus conhecimentos, sua argumentação. Além disso, o DIEESE tem participado também, continuamente, de vários fóruns tripartite, da discussão de políticas mais amplas. Por exemplo, no Fórum Nacional do Trabalho, discutiram-se os projetos de Reforma Sindical e de Reforma Trabalhista. Agora o DIEESE está começando a fazer uma discussão junto com o IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] e o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] sobre o que está se chamando de Observatório da Eqüidade. São atividades de assessoria que englobam outras dimensões da sociedade além do embate direto Capital - Trabalho.

Eu representei o DIEESE no Tribunal Internacional dos Direitos Humanos, falando sobre o Trabalho de Crianças porque durante muito tempo fui responsável pela pesquisa nessa área. Esse Tribunal se reuniu aqui em São Paulo há alguns anos atrás e o DIEESE apresentou e discutiu as pesquisas que fizemos sobre o trabalho de crianças. Eu também representei o DIEESE em alguns outros fóruns na área de assessoria. Durante três anos, fiz parte da Comissão de Formação Profissional do Subgrupo 11, hoje Subgrupo 10, que é o de Relações de Trabalho no Mercosul, representando as Centrais Sindicais na discussão sobre formação profissional no Mercosul. Foi uma atividade importante também, não porque era internacional, mas porque expressava o esforço dos quatro países do Mercosul para discutir as questões do trabalho de forma tripartite. Toda vez que você sentava numa mesa eram doze atores sociais ali presentes. Três de cada país [Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai], para tentar tomar algumas decisões que ajudassem essa integração, vista como algo positivo, como um impulso para o crescimento.

Atualmente, sou coordenadora técnica do comando da Campanha Unida das Centrais Sindicais pela Redução da Jornada de Trabalho. A idéia da campanha começou no 1º Fórum Social Mundial [2001], em Porto Alegre, quando a CUT convidou o DIEESE para fazer uma apresentação sobre a importância da redução da jornada de trabalho. A idéia principal da campanha é lembrar que a redução da jornada de trabalho sempre foi uma luta histórica do movimento sindical. Os trabalhadores tiveram ao longo da história do capitalismo – nos séculos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX - e até hoje, jornadas de trabalho de 12, 14, 16 horas, uma coisa absolutamente desumana. Mas é possível diminuir o tempo de trabalho porque a produtividade vai crescendo. E, se são necessárias menos horas para produzir a mesma quantidade de produtos, pode ser decidido dispensar a metade das pessoas, o que faz com que aqueles que continuam empregados se matam de trabalhar e quem foi despedido se mata procurando emprego. Por outro lado, também pode ser decidido compartilhar o trabalho reduzindo a jornada o que permite que um número maior de pessoas possa ter acesso ao trabalho e, portanto, acesso à vida.

O eixo central da campanha era explicar que o movimento sindical hoje, além da luta por uma boa vida, estava reivindicando a redução por outro motivo. A campanha discutia também que uma redução de jornada só é eficaz se acompanhada de uma redução drástica nas horas extras e de uma fiscalização no banco de horas. Então, à luta tradicional pela redução para melhores condições de trabalho e de vida juntou-se a demanda para diminuir as horas de trabalho com o objetivo de gerar emprego. Em vista dessa idéia central a Força, a CGT, a SDS, a CGTB, e a Nova Central Sindical pediram ingresso no comando da campanha. O Movimento Sindical tem feito coisas muito importantes nessa campanha. Primeiro, participa em todos os fóruns sociais com músicas, debates, apresentações teatrais, ou seja, aborda o tema de modo interessante. Depois, visitas as Assembléias Legislativas de vários estados para apresentar a campanha. A definição do tema como um dos tópicos de luta nos atos de 1º de Maio. E é uma luta que une os trabalhadores.

A gente sabe que longas jornadas de trabalho, embora não seja exclusividade de nosso país, têm uma especificidade bem brasileira. Provavelmente nossa história de escravidão deixou entre nós herança de remuneração muito baixa do trabalho. O Brasil tem salários baixíssimos, se comparados com outros países muitas vezes mais pobres e que produzem menos riqueza. O Brasil é o décimo segundo, décimo terceiro produtor de riqueza do mundo, o que se pode conferir pelo PIB brasileiro. E, por outro lado, está no penúltimo lugar quando se trata da distribuição dessa riqueza.

O trabalhador brasileiro tem muita dificuldade em aumentar sua renda a partir da negociação de seu salário. É muito difícil para um trabalhador dizer: “Eu ganho 20, mas eu quero, ou eu precioso ou eu mereço ganhar 40”. O patrão vai dizer: “mas por quê?” E o trabalhador não tem argumentos fortes e convincentes para sustentar essa reivindicação. Ë por este motivo que a estratégia de sobrevivência do brasileiro é trabalhar mais horas. E desse modo que ele legitima um ganho maior. Para isso, ele aumenta individualmente a quantidade de suas horas de trabalho, e aí entra a hora extra, e ou ele põe os filhos para trabalhar, o avô que deveria estar vivendo uma velhice digna, descansada, a mulher doente, ou seja, ele aumenta a jornada familiar, ou ambas as coisas. Quando você discute a jornada de trabalho, você discute também essa coisa que está entranhada na maneira como o trabalhador brasileiro vê o mundo, e que diz assim: “eu só consigo aumentar a minha renda, se eu trabalhar mais”. Entretanto, como a riqueza produzida está aumentando, também seria possível aumentar a renda ganhando mais, e não necessariamente trabalhando mais ou, até pelo contrário, trabalhando menos, reduzindo a jornada. Mas essa é uma briga difícil.

 

Educação/Formação Sindical

Desde o seu nascimento, o DIEESE está ligado à questão da educação e da formação de adultos. Quando os trabalhadores decidiram que queriam um índice de custo de vida em que pudessem confiar, criaram uma entidade que foi chamada departamento. Na época, o modelo de educação era o francês e a universidade francesa era dividida em départements: Département d’Économie, Département de Sociologie. O Departamento de Estatística e Estudos Sócio-econômicos criado pelo Movimento Sindical em 1955 deveria se tornar uma universidade do trabalhador. Era essa a intenção do grupo de sindicatos fundadores do DIEESE.

E muito rapidamente, o DIEESE percebeu que fazer o cálculo correto e entregar para o dirigente não era suficiente. O sindicalista precisava do técnico para assessorar na hora da negociação. O dirigente sindical podia negociar sozinho, mas muitas vezes precisava de alguém especialista para argumentar com o patronato.

Em 1978, 1979, começou no ABC paulista o que se chamou depois de novo sindicalismo. Foram as primeiras grandes greves ainda na ditadura, desde as históricas paralisações de Osasco e Contagem no final da década de 60. A direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o presidente era o Lula, tinha uma atuação sindical e política muito grande, mas uma escolaridade muito baixa e avaliou que seria importante continuar sua formação. Por este motivo, por um período de mais ou menos dois anos, o Barelli, diretor técnico do DIEESE e o César Concone a Annez Andraus que faziam parte da direção técnica, dois economistas e uma socióloga, passaram a freqüentar São Bernardo do Campo praticamente todos os fins de semana. Iam para lá, oficialmente para um batizado ou um casamento ou um churrasco de aniversário e assim por diante. Mas na verdade, iam dar aula para a direção sindical dos Metalúrgicos de São Bernardo: aula de Economia, Sociologia, História, Português, Filosofia, matemática sindical, análise de conjuntura e vários outros temas. Em 1979, quando já tinha um número relativamente maior de sindicatos sócios, o DIEESE fez uma pesquisa sobre o que o movimento sindical queria, naquele momento, de sua entidade técnica. E a resposta foi escola. Quer dizer, aquela experiência vivida clandestinamente foi reconhecida como importante.

A partir daí, a educação passou a ser uma das áreas de atuação da entidade. Você não luta se não conhecer. Ou você luta mal, você luta atacando quem não é o inimigo ou o que não é fundamental. Do DIEESE, como um órgão interno ao Movimento Sindical, foi solicitado explicitamente isso. Formação.

 

Educação/PCDA

Eu participei do nascimento do PCDA [Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindicais], fiz parte de sua coordenação durante todo o tempo em que este programa existiu. Em 1990, quando o Presidente Collor abriu a economia para o mundo e, com isso, as empresas brasileiras ficaram, pelo menos momentaneamente, numa situação complicada, foi criado um programa de governo chamado: Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP). Era financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério da Indústria e Comércio. O PBQP financiava as empresas para fazer o que chamava na época de reengenharia, ou seja, uma mudança na maneira de produzir e para introduzir programas de qualidade que vinham, principalmente, do Japão: o Kaizen, o 5S, o just in time, entre vários outros.

As empresas em todo o mundo estavam rapidamente se apropriando dessa nova maneira de ser como resultado da Terceira Revolução Industrial, que foi a revolução do chip em meados da década de 70 do século XX. No Brasil com o PBQP, o governo federal financiava as empresas para que pudessem fazer essa reestruturação produtiva. Para o trabalhador, era como se tivesse chegado um trator, com a forma de um dragão. Passou a se falar uma língua diferente. Para a maioria era incompreensível o que acontecia e os resultados eram absolutamente danosos. Muitas pessoas qualificadas foram demitidas. Um torneiro mecânico ou um ferramenteiro, por exemplo, ambos super qualificados, viram da noite para o dia, suas profissões desaparecerem. Depois de dois anos desse programa PBQP, já com Itamar Franco na presidência da república, o governo resolveu fazer uma avaliação. Chamaram, entre outros, especialistas japoneses que disseram: “Não está dando certo e não vai dar certo, pelo seguinte: primeiro, os trabalhadores não estão participando desse programa; segundo, no Brasil, os salários são muito baixos e trabalhador que ganha pouco não se interessa por produtividade ou qualidade e, terceiro, porque quem está financiando tudo é o governo e para dar certo tem que ser financiado pelas empresas também”.

Então, o governo Itamar convidou o Movimento Sindical para participar do PBQP e organizou uma comissão chamada CVTE, Comissão de Valorização do Trabalho e do Emprego. O Movimento Sindical, as Centrais Sindicais solicitaram ao DIEESE que fizesse a coordenação da CVTE. Quem coordenava pelo DIEESE era Sérgio Mendonça, diretor técnico e eu trabalhava junto com ele. Participaram as três Centrais Sindicais da época, que eram a CUT [Central Única dos Trabalhadores], a Força Sindical e a CGT [Confederação Geral dos Trabalhadores], o Ministério da Indústria e Comércio e o Ministério da Ciência e Tecnologia. Depois entraram o Ministério do Trabalho e Emprego, a CNI [Confederação Nacional da Indústria] e o SENAI. Nós trabalhamos de janeiro de 1983 até setembro. Discutimos porque interessaria ao Movimento Sindical entrar no PBQP e o que significava os trabalhadores fazerem parte de um processo que, até então, tinha sido de exclusividade do patronato. Os patrões também estavam tentando pensar essa possibilidade, já que os programas de qualidade precisavam a colaboração dos trabalhadores. Em agosto daquele ano fizemos em Campinas [SP], um seminário com 300 líderes sindicais. No primeiro dia, estavam os ministros e os presidentes das centrais sindicais, depois veio a academia, entre outros Márcio Pochmann que também já foi técnico do DIEESE, e todo o pessoal que estava estudando a reestruturação produtiva nas universidades. No segundo dia, dividimos os 300 participantes em 10 grupos com 30 pessoas cada um para um trabalho em grupo. As perguntas eram as seguintes: o Movimento Sindical quer participar? Quais são os benefícios que essa participação pode trazer? Quais os problemas? Como as Centrais querem participar desse programa? O resultado desse trabalho deu origem ao PCDA. Porque os sindicalistas resolveram: “sim, queremos participar, sabemos que é uma coisa complicada, mas sabemos também que a participação não vai apagar as diferenças entre trabalhadores e patrões. Queremos participar de uma forma propositiva e para propor, precisávamos conhecer, nos capacitar”.

O PCDA teve algumas coisas muito interessantes. Foi a primeira vez que o governo brasileiro, pelo menos depois da ditadura, financiou capacitação de qualidade para entidades sindicais. Segundo, era um curso de 275 horas, ou seja, tinha a duração de uma Especialização Universitária. Num primeiro momento, os técnicos do MCT não queriam dar para a capacitação dos trabalhadores a mesma quantia que os empresários recebiam para os seus programas. Foi uma negociação difícil porque nós só aceitávamos para os trabalhadores, exatamente o que está sendo dado ao patronato, para o gerente, diretores, presidentes das firmas. Fomos discutir com o ministro da Ciência e Tecnologia, um velho professor universitário, Israel Vargas, e ele bancou. Disse: “vocês tem razão, os trabalhadores devem receber o mesmo que os empresários. Como é que eles podem propor alguma coisa, se não têm acesso a esse conhecimento?” Tivemos financiamento de 1994 até 2002.

Capacitamos em torno de quatro mil dirigentes e assessores das três Centrais Sindicais, da CONTAG [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura] e técnicos do DIEESE. A CONTAG, no início do programa não era filiada à CUT, mas por decisão de todas Centrais, teve uma cota também. Cada central tinha 20 vagas, mais 20 da CONTAG, e 20 técnicos do DIEESE. O curso de 275 horas era dividido em três módulos de duas semanas, ficávamos em regime de imersão no Hotel Atibainha, em Nazaré Paulista. O pessoal chegava num domingo à noite, ficava a semana inteira, o fim de semana, a outra semana e só ia embora na sexta-feira seguinte. Era gente de todos os estados brasileiros, pessoas da indústria, do comércio, dos serviços e da agricultura, das três centrais sindicais. Tinha diversidade cultural, de faixa etária, pessoas de várias gerações do movimento sindical; homens e mulheres; também estava presente a diversidade política das centrais. Na primeira turma, todos diziam: “Vocês do DIEESE são loucos de fazer formação para as três Centrais juntas. Não se faz nem um sindicato com outro, quanto mais as Centrais juntas?”. Foi difícil no começo. Mas quando você fica seis semanas juntos, é outra coisa. Você conhece as pessoas. Nós tivemos os melhores professores da USP, os melhores professores da Fundação Christiano Ottoni, da UFMG. E fizemos uma coordenação das Centrais e DIEESE que foi responsável em grande parte pelo sucesso do programa. Tínhamos reunião uma vez por semana, ao longo de dez anos. Era um técnico do DIEESE, um dirigente da CUT, um da Força, um da CGT, um dirigente da CONTAG, que discutiam tudo, o que estava indo bem, o que não estava, o desenvolvimento da capacitação, a qualidade dos professores, problemas pessoais que os participantes não conseguiam resolver sozinhos, atendimento médico, tudo o que você possa imaginar.

Tinha dirigente que não queria vir para o curso de jeito nenhum. Para eles isso era coisa de pelego, entendeu? Tinha um cara muito inteligente, do Rio Grande do Sul, um petroquímico. Veio obrigado. Na primeira semana do curso ele sentava de costas. E ele era da turma que eu coordenava, a turma vermelha. Eram sempre três turmas ao mesmo tempo: vermelha, azul e amarela. Eu dizia: “vira de frente, isso é falta de educação”. Ele virava. Daí a pouco, estava de costas, lendo jornal. Nós tínhamos dado a seguinte recomendação aos professores: “Não queremos um curso especial para trabalhador. Queremos um curso igualzinho ao que vocês dão para o empresariado.” Então, de vez em quando, as coisas que eles diziam eram complicadas, mas você tinha que engolir. Todo dia, eu conversava com o gaúcho: “Não é um momento de disputa, é um momento de conhecimento. Para poder disputar, você tem que conhecer, aprender. Saber mais. O cara está falando uma coisa que está ofendendo a classe trabalhadora, ofendendo você como operário, como agricultor. Você ouve e pergunta e ouve. O que está por trás disso? Qual é o fundamento? Não adianta combater o sintoma. Tem que combater o fundamento da coisa, ou tentar transformar.” E ele de costas. Acontece que, entre o primeiro e o segundo módulo, tinha sempre um mês de intervalo, em que os participantes, os dirigentes sindicais voltavam para suas bases. O gaúcho foi fazer uma negociação com uma petroquímica que nunca tinha considerado a negociação como uma atividade entre iguais. Por isso, a patronal da petroquímica mandava sempre o segundo time. Nessa negociação específica o representante da empresa começou a falar sobre a Pirâmide de Maslow, que nós tínhamos aprendido no primeiro módulo, uma coisa que até então só fazia parte do repertório dos empresários. Maslow discute as necessidades básicas, as segundas necessidades, até chegar lá na cultura. Necessidade de cultura só pouquíssimas pessoas tinham necessidade de cultura, lazer e não sei o quê. Ele começou a falar e o gaúcho ouvindo. Quando ele acabou, o gaúcho disse: “Olha, eu não sei se Maslow está vivo ou está morto, mas se ele estiver morto, está se virando no túmulo com as bobagens que você falou. Eu vou te contar o que é a Pirâmide Maslow”. E deu uma aula sobre o tema que, por acaso, era uma das coisas que ele tinha aprendido na semana anterior. No dia seguinte, a petroquímica botou seu pessoal mais do que qualificado para negociar e, pela primeira vez, em muitos anos, fizeram uma negociação de igual para igual.

Quer dizer, os patrões acabaram considerando que podiam discutir os destinos da empresa com os trabalhadores de igual para igual. E isso foi se repetindo de formas diferentes ao longo daqueles anos de PCDA. Nós temos alguns depoimentos comoventes, porque muitas vezes as avaliações que fazíamos eram gravadas, dizendo: “O PCDA mudou a minha vida”.

Por isso que uma atividade formativa ao produzir um conhecimento novo, produz muito mais que o conhecimento strictu sensu, ela produz uma compreensão diferente da realidade. Essa convivência com outros dirigentes do movimento sindical e essa possibilidade de estar a par daquilo que estava se produzindo na ponta, na academia, foi o que o DIEESE levou para o PCDA.

 

Educação/Kits Temáticos

Os kits nasceram como idéia na década de 90, quando o DIEESE decidiu descentralizar a sua área de Educação. Porque até 1992, havia a Escola Sindical do DIEESE. Pelo fato das Centrais Sindicais, principalmente a CUT [Central Única dos Trabalhadores] já terem se organizado, do ponto de vista de formação, a direção do DIEESE resolveu que a melhor forma de trabalhar com Educação era descentralizar a atividade. Em vez de ter uma pequena equipe de formadores especializada em educação de adultos, agora a orientação era que praticamente todos os técnicos do DIEESE fossem preparados para fazer atividades formativas.

O instrumento que foi criado para essa nova forma de atuar na educação, foi o kit. O nome não foi escolhido por nós. Esse nome era muito pichado, todos diziam: “Ah, kit, nome americano”. Na verdade, o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], financiador do projeto, é que sugeriu esse nome. Os kits produzidos ao longo de alguns anos são temáticos e incluem tudo, ou quase tudo, que um formador precisa para fazer um curso, um seminário, ou dar uma palestra. Se pegarmos desde o primeiro kit de meados da década de 90 até os últimos, já no ano 2002, 2003, há uma diferença grande, para melhor, porque o instrumento foi se desenvolvendo, sofisticando e precisando mais a nossa concepção de educação.

O kit tem como um dos seus fundamentos não ser uma receita de bolo, não ser uma camisa de força. A idéia é que o formador crie em cima das condições que o kit lhe dá. O kit sugere a bibliografia, apresenta exercícios, propicia formas de relacionamento com a turma, mas a idéia principal é que o formador possa, com esse material, dar a sua aula, fazer a sua mediação, porque é assim que concebemos educação.

Diferente da educação tradicional em que o professor vê o aluno como um ser vazio, sem história, sem conhecimento, nós no DIEESE fazemos formação com adultos e não há possibilidade desse adulto não ter, o que chamamos de, um conjunto, um repertório de conhecimentos adquiridos em atividades formais de educação, em atividades no trabalho, na vida, na família, nas viagens, em suas relações pessoais, por aí vai. E você como formador, como mediador propicia o encontro do conhecimento socialmente produzido com o conhecimento do estudante. Desse encontro nasce um novo conhecimento. Essa produção de conhecimento é coletiva. Todos participam dessa produção, mas a apropriação do novo conhecimento produzido é individual.

 

 

Educação

 

 

Na área de educação do DIEESE está se desenvolvendo o embrião de um projeto que pretende cumprir, aos 50 anos, aquela idéia inicial dos fundadores, de construir uma Universidade do Trabalhador. Por isso, estamos discutindo a viabilidade da Faculdade do Trabalhador. E isso eu acho muito importante, porque vivemos atualmente no que chamamos de Sociedade do Conhecimento. O conhecimento, não é um dado da natureza, ou seja, o conhecimento é um campo de litígio. A mesma sociedade, pode ser olhada, e é olhada, compreendida de maneiras diferentes. Não é que um lado ou o outro manipule informações ou dados, não é isso. Mas quando você olha e você privilegia certo aspecto da realidade, ou quando você escolhe a abordagem com que vai trabalhar, você está fazendo uma leitura a partir de uma concepção de mundo, de ser humano, de um projeto de sociedade. E é assim que se produz conhecimento científico. Não há neutralidade na ciência. Portanto, o conhecimento é uma dimensão importante da sociedade e grande parte do conhecimento existente, disponível, parte de um ponto de vista que não é o do trabalhador.

Para que o trabalhador possa disputar esse olhar, essa visão, esse conhecimento da sociedade, ele precisa de um local onde a discussão, a construção, a produção desse conhecimento possa ser feita. Quando falamos “Faculdade DIEESE”, não é faculdade só para trabalhadores, mas é faculdade “do” trabalhador. Essa idéia está sendo discutida. É um projeto societário que tem como pano de fundo a transformação da sociedade. Hoje em dia, transformação sem conhecimento, é praticamente impossível. Embora as guerras continuem, infelizmente, tendo um peso muito grande nos litígios, a disputa na área de conhecimento é muito importante e os trabalhadores precisam ter um espaço, um tempo, e a possibilidade para desenvolver esse projeto.

 

Pesquisa/Situação do Trabalho no Brasil

Eu acho que o livro “A Situação do Trabalho no Brasil” foi um das melhores coisas que já fizemos. Ele aborda os diferentes aspectos do mundo do trabalho, ou, da situação do trabalho. Esse livro poderia ter sido escrito sob a forma de papers, juntando papers de diferentes acadêmicos, especialistas no assunto. Nós preferimos fazer uma coisa um pouco diferente. Primeiro, porque temos, no DIEESE, especialistas, sobre vários assuntos. Segundo, temos um fio condutor que dá ao livro uma idéia da totalidade e não de uma colcha de retalhos. Seja um técnico falando sobre o trabalho de mulheres, outro discutindo o mercado de trabalho, cada capítulo do livro vai se referindo aos outros, embora focalize uma dimensão específica do mundo do trabalho. Há um mesmo pano de fundo que é a classe trabalhadora; que é o papel dessa classe na transformação da sociedade; que é o trabalho como um instrumento dessa classe para essa transformação.

Acho que além de ser uma obra inédita é muito difícil existir um similar desse livro. Pode ter até produções melhores, mas, do mesmo tipo não. Eu participei da elaboração, da crítica, escrevi um capítulo na área de pesquisa sobre o trabalho de crianças. Mas, e isso é uma coisa importante também, nós não assinamos as nossas produções intelectuais. Quando fazemos uma publicação, divulgamos a equipe responsável e meu nome está lá junto como os outros técnicos que trabalharam no livro. Agora, o que eu fiz, ou deixei de fazer, o que escrevi ou não, não aparece. Porque nós somos uma equipe. No DIEESE, concebe-se o conhecimento como produzido socialmente, como uma produção coletiva. Quando eu faço um trabalho intelectual aqui no DIEESE, eu posso fazer essa produção porque tenho acesso a todo um conjunto de conhecimentos produzidos pelo DIEESE, e também fora dele, que me possibilitam escrever um texto de boa qualidade como, por exemplo, o que escrevi sobre o trabalho de crianças. Entretanto, quando um técnico se inscreve para fazer o doutorado, o DIEESE permite que ele relacione todos os trabalhos em que participou e em que funções foi realizada essa participação. Mas numa publicação da instituição, não aparece quem escreveu isso ou aquilo o que eu acho absolutamente correto.

 

 

Pesquisa/Distribuição de Renda

 

 

Estamos fazendo, atualmente, uma pré-pesquisa, um levantamento que talvez venha a ser em termos de importância para o DIEESE, para o Movimento Sindical e para a sociedade, o correspondente ao Índice de Custo de Vida, num primeiro momento, e à PED [Pesquisa de Emprego e Desemprego], num segundo momento. O ICV e a PED são as pesquisas que tiveram um papel fundamental para o Movimento Sindical. O Índice de Custo de Vida, na época de inflação; O Índice de Desemprego, na crise do emprego e agora, nós estamos fazendo um estudo preliminar sobre a questão da Distribuição da Renda que eu acredito vá ser tão importante quanto às outras duas. Ainda não está pronto. Tivemos um financiamento para esse pré-estudo, mas o objetivo é montar um conjunto de indicadores que possam sinalizar se está havendo um processo de distribuição da renda, ou se o processo de concentração se acirrou. Pretende-se também monitorar com esse instrumento as políticas de distribuição de renda em andamento. Acho que na área de pesquisa, o futuro do DIEESE no médio prazo é montar um conjunto de indicadores do processo de distribuição ou concentração da renda.

 

Mulheres no Dieese

Embora tenhamos, atualmente, uma grande quantidade de mulheres no DIEESE, acho que talvez tenha até mais mulheres do que homens, não sei, não fiz a conta, quando eu entrei, era o contrário. Éramos pouquíssimas mulheres e muitos homens, em 1984, trabalhando no DIEESE. Uma das primeiras coisas que o Barelli me disse foi: “Olha Suzana, aqui no DIEESE, todas as mulheres fazem as mesmas coisas que os homens. Raríssimos os lugares onde as mulheres não vão”. Mas eu posso contar uma história de mulher técnica do DIEESE naquela época que era engraçada. Quando o governo na década de 80 fazia os grandes planos econômicos, Plano Verão, Plano Cruzado, Plano Bresser éramos poucos técnicos em São Paulo. Éramos mais ou menos doze técnicos, sendo duas ou três mulheres, e os outros homens. E, além disso, o Barelli era conhecidíssimo pela sociedade inteira. Quando chegava o plano, passávamos a noite em claro, discutíamos o dia e a noite inteira, porque no dia seguinte, nós, o Barelli, e cada um de nós íamos para os jornais, para a televisão, para os sindicatos sócios falar sobre o plano. Nós tínhamos que nos dividir aqui em São Paulo, e nos outros estados para visitar os principais sindicatos. Passávamos duas horas, a tarde inteira fazendo palestras, discutindo, mostrando o que era ruim, o que ia dar certo, o que não ia, enfim, fazendo o nosso trabalho.

Todo mundo convidava o Barelli. E aí chegava eu em vez dele, e a primeira coisa que me diziam era: “Não é o Barelli!” “Não, eu não sou, está dando para ver. Para quem não me conhece, sou Suzanna, mas sei falar sobre esse assunto.” A segunda coisa que olhavam e estranhavam era o fato de eu ser mulher e o assunto ser de homens. Eu ia e falava para uma platéia de 200 metalúrgicos, por exemplo. Se tivesse três mulheres, tinha muito. Eles tinham que dar aquela engolida, aceitar um fato consumado. Eu não contava para ninguém que era socióloga, seria um pouco demais. Depois de falar durante duas horas e discutir, na saída, quando vinha todos vinham agradecer o trabalho, eu dizia: “Ah, só mais uma coisinha, não sou economista não, sou socióloga.”. Mas eu nunca senti, dentro do DIEESE, preconceito ou impedimento, pelo fato de eu ser mulher. Ao mesmo tempo, estamos cercados por uma sociedade que ainda é machista, um Movimento Sindical que ainda é machista, onde poucas mulheres participam. Pelo menos, quase todas as entidades agora têm a cota de 30% de mulheres nos cargos de direção. As cotas ajudam, mas não são suficientes. Abrem um caminho para a convivência na direção, facilitam a presença da mulher nos postos de direção, nas representações institucionais, mas ainda está longe de uma situação ideal.

 

 

Futuro do Dieese

 

 

Está no nosso estatuto que o DIEESE é uma entidade de produção de conhecimento, pesquisa e ensino para o Movimento Sindical como subsídio para a transformação da sociedade. O melhor futuro para o DIEESE seria não ser mais necessário. Não ser mais necessário significa que a sociedade justa e rica que é o sonho dos trabalhadores já estaria sendo construída. Uma sociedade com riqueza suficiente para que todos tenham uma vida boa. Só que isso ainda não está acontecendo. Enquanto essa transformação da sociedade não se realizar, o DIEESE tem muito trabalho pela frente.

 

 

Avaliação/Projeto Memória

 

 

O DIEESE, em sua trajetória, nesses 50 anos de vida, se tornou importante para o Movimento Sindical, para a classe trabalhadora, e também para a sociedade brasileira. Veja um exemplo da época em que eu fazia parte da equipe que atendia o público por telefone. O pessoal ligava e perguntava: “Qual que é o índice de inflação desse mês?” Agora é: “qual é o índice de desemprego”. E apareciam as coisas mais estranhas que você possa imaginar. A mais esquisita que eu atendi foi um senhor que me perguntava qual o maior osso do corpo humano?”“ Maior osso do corpo humano...?! “Nós não lidamos com isso, nós tratamos de outra coisa, de inflação, de emprego.” Então ele disse: “Eu só acredito se for o DIEESE informando. Eu estou fazendo o dever de casa com a minha neta e ela precisa responder qual é o maior osso do corpo humano e eu só acredito se for o DIEESE que me passa essa informação. Bom aí eu disse: “Vou informar para o senhor qual é, mas, com uma condição, o senhor não vai dizer que foi o DIEESE”. É o fêmur, mas não cite a fonte dessa informação.” As coisas que perguntavam, não eram brincadeiras, mas isso é uma prova da credibilidade que o DIEESE tem na sociedade brasileira.

Quando o DIEESE fala, ele está dizendo a verdade mesmo quando o nosso índice de inflação, por exemplo, algumas vezes está abaixo do índice oficial, o que pode não ser bom para os trabalhadores, mas justifica a credibilidade do DIEESE junto à sociedade.

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